O princípio do poluidor-pagador

09/12/2014 às 13:43
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AMBIENTAL. MEIO AMBIENTE. PRINCÍPIO GERAL. POLUIDOR-PAGADOR. DANO AO MEIO AMBIENTE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA.

1. INTRODUÇÃO

                               A necessidade de proteção ao meio ambiente, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, conforme previsão no art. 225 da Constituição, demonstra a importância do estudo do direito ambiental, que tem como um de seus princípios gerais, o princípio do poluidor-pagador. A estruturação deste princípio no ordenamento constitucional e infraconstitucional, bem como sua conceituação e análise é o fim deste breve trabalho.

                              

2. O PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR

                               A Constituição, em sintonia com a necessidade mundial de proteger o meio ambiente, resguardando-o para as presentes e futuras gerações, conferiu-lhe especial proteção, consubstanciado no art. 225. Entretanto, por diversas vezes, em seu texto, estruturou um sistema de proteção ao meio ambiente, não só estabelecendo a competência comum para sua proteção (art. 23, VI), mas também incluindo esta proteção como princípio da ordem econômica (art. 170, VI).

                                O conceito de meio ambiente no direito brasileiro se encontra na Lei n. 6.938/91, na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, que dispõe que o meio ambiente é o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas (art. 3º, I).

                               A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, recepcionada pela nossa Constituição, prevê, no art. 4º, VII, à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.

                               É o princípio geral ambiental do poluidor-pagador, que segundo Marcelo Abelha Rodrigues, surgiu oficialmente na política ambiental por intermédio da OCDE (Organization et Coopération et de Développement Economique), em 1972, na Recomendação C(72), 128 de 26 de maio de 1972[1].

                               Este princípio está consagrado na nossa Constituição, não só no art. 225, § 1º, V, § 2º e § 3º, mas também no já citado art. 170, VI, in verbis:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (...)

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; (...)

§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...)

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

                               Segundo Cristiane Derani o princípio do poluidor-pagador “visa à internalização dos custos relativos externos de deterioração ambiental”[2]. Como destaca Celso Fiorillo:

Este princípio reclama atenção. Não traz como indicativo “pagar para poder poluir”, “poluir mediante pagamento” ou pagar para evitar a contaminação”. Não se podem buscar através dele formas de contornar a reparação do dano, estabelecendo-se uma liceidade para o ato poluidor, como se alguém pudesse afirmar: “poluo, mas pago”. O seu conteúdo é bastante distinto. Vejamos.

Podemos identificar no princípio do poluidor-pagador duas órbitas de alcance: a) busca evitar a ocorrência de danos ambientais (caráter preventivo); e b) ocorrido o dano, visa sua reparação (caráter repressivo)[3].

                               Como se vê, o princípio do poluidor-pagador tem como objetivo “evitar a socialização do prejuízo ambiental em proveito de um benefício privativo”, como ressalta Marcelo Abelha Rodrigues[4]. Desta forma, Édis Milaré assevera que “assume o agente todos os riscos de sua atividade, pondo-se fim, em tese, à prática inadmissível da socialização do prejuízo e da privatização do lucro[5]”.

                               Com efeito, o princípio do poluidor-pagador, como base para responsabilização, não só objetiva o pagamento em razão do uso poluidor, mas tem outro alcance importantíssimo para o sistema de proteção do meio ambiente, que é propiciar que aquele que explora atividade econômica busque formas para evitar a degradação ambiental.

                               Ele incita a prudência, a cautela do poluidor, bem como sua criatividade, a fim de desenvolver formas que evitem sua responsabilização e, de consequência, os danos ao meio ambiente. É a função preventiva. Este princípio, positivado no art. 4º, VII, da Lei n. 6.938/91, faz parte desta estrutura protetiva de nosso sistema normativo.

                               Como ressalta Solange Teles da Silva, “o direito deve, portanto, desenvolver e implementar mecanismos que levem em conta a variável ‘incerteza científica’ na luta contra os diversos tipos de poluição ambiental, além é claro de incitar o poluidor potencial a internalizar as suas externalidades conduzindo-o a considerar os custos sócio-ambientais ocasionados em razão de suas decisões como também propiciar o avanço de tecnologias limpas e do desenvolvimento de uma relação mais harmônica das sociedades contemporâneas com o meio ambiente[6]”.

                               Importante ressaltar que o art. 4º, VII, da Lei n. 6.938/81 descreve duas situações; a do poluidor e a do usuário. Isto porque, deve ser obrigado a indenizar não só aquele que degrada o meio ambiente, mas também aquele que se utiliza do meio ambiente, explorando-o.

                               Paulo Affonso Leme Machado destaca, assim, a existência do princípio do usuário-pagador, estando o princípio do poluidor-pagador nele contido[7]. Este princípio já foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, como se vê da seguinte ementa:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 36 E SEUS §§ 1º, 2º E 3º DA LEI Nº 9.985, DE 18 DE JULHO DE 2000. CONSTITUCIONALIDADE DA COMPENSAÇÃO DEVIDA PELA IMPLANTAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS DE SIGNIFICATIVO IMPACTO AMBIENTAL. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DO § 1º DO ART. 36. 1. O compartilhamento-compensação ambiental de que trata o art. 36 da Lei nº 9.985/2000 não ofende o princípio da legalidade, dado haver sido a própria lei que previu o modo de financiamento dos gastos com as unidades de conservação da natureza. De igual forma, não há violação ao princípio da separação dos Poderes, por não se tratar de delegação do Poder Legislativo para o Executivo impor deveres aos administrados. 2. Compete ao órgão licenciador fixar o quantum da compensação, de acordo com a compostura do impacto ambiental a ser dimensionado no relatório - EIA/RIMA. 3. O art. 36 da Lei nº 9.985/2000 densifica o princípio usuário-pagador, este a significar um mecanismo de assunção partilhada da responsabilidade social pelos custos ambientais derivados da atividade econômica. 4. Inexistente desrespeito ao postulado da razoabilidade. Compensação ambiental que se revela como instrumento adequado à defesa e preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações, não havendo outro meio eficaz para atingir essa finalidade constitucional. Medida amplamente compensada pelos benefícios que sempre resultam de um meio ambiente ecologicamente garantido em sua higidez. 5. Inconstitucionalidade da expressão "não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento", no § 1º do art. 36 da Lei nº 9.985/2000. O valor da compensação-compartilhamento é de ser fixado proporcionalmente ao impacto ambiental, após estudo em que se assegurem o contraditório e a ampla defesa. Prescindibilidade da fixação de percentual sobre os custos do empreendimento. 6. Ação parcialmente procedente.

(ADI 3378, Relator(a):  Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 09/04/2008, DJe-112 DIVULG 19-06-2008 PUBLIC 20-06-2008 EMENT VOL-02324-02 PP-00242 RTJ VOL-00206-03 PP-00993) (g.n.)

                               A doutrina, contudo, não faz a distinção de Paulo Affonso Leme Machado, que foi adotada pelo Supremo Tribunal Federal, tratando apenas do princípio do poluidor-pagador, opção que fizemos, também, por entendermos que o conceito de poluidor no direito brasileiro açambarca todo aquele que degrada o meio ambiente, sendo poluidor aquele promove o uso poluidor para fins econômicos.

                               Como se verifica, o princípio do poluidor-pagador tem enorme relevância como orientador do sistema protetivo ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, não se constituindo em pena. Neste aspecto salienta Paulo Affonso Leme Machado:

O princípio do usuário-pagador não é uma punição, pois mesmo não existindo qualquer ilicitude no comportamento do pagador ele pode ser implementado. Assim, para tornar obrigatório o pagamento pelo uso do recurso ou pela sua poluição não há necessidade de ser provado que o usuário e o poluidor estão cometendo faltas ou infrações. O órgão que pretenda receber o pagamento deve provar o efetivo uso do recuso ambiental ou a sua poluição. A existência de autorização administrativa para poluir, segundo as normas de emissão regularmente fixadas, não isenta o poluidor de pagar pela poluição por ele causada[8].

                               O Superior Tribunal de Justiça, nesta trilha, já consolidou entendimento pela aplicação do princípio do poluidor-pagador[9], sendo desnecessária a prova de culpa do causador do dano. Confira-se:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE POR DANO CAUSADO AO MEIO AMBIENTE. ZONA COSTEIRA. LEI 7.661/1988. CONSTRUÇÃO DE HOTEL EM ÁREA DE PROMONTÓRIO. NULIDADE DE AUTORIZAÇÃO OU LICENÇA URBANÍSTICO-AMBIENTAL. OBRA POTENCIALMENTE CAUSADORA DE SIGNIFICATIVA DEGRADAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL - EPIA E RELATÓRIO DE IMPACTO AMBIENTAL - RIMA. COMPETÊNCIA PARA O LICENCIAMENTO URBANÍSTICO-AMBIENTAL. PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR (ART. 4°, VII, PRIMEIRA PARTE, DA LEI 6.938/1981). RESPONSABILIDADE OBJETIVA (ART. 14, § 1°, DA LEI 6.938/1981). PRINCÍPIO DA MELHORIA DA QUALIDADE AMBIENTAL (ART. 2°, CAPUT, DA LEI 6.938/1981).

(...)

11. Pacífica a jurisprudência do STJ de que, nos termos do art. 14, § 1°, da Lei 6.938/1981, o degradador, em decorrência do princípio do poluidor-pagador, previsto no art. 4°, VII (primeira parte), do mesmo estatuto, é obrigado, independentemente da existência de culpa, a reparar - por óbvio que às suas expensas - todos os danos que cause ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade, sendo prescindível perquirir acerca do elemento subjetivo, o que, consequentemente, torna irrelevante eventual boa ou má-fé para fins de acertamento da natureza, conteúdo e extensão dos deveres de restauração do status quo ante ecológico e de indenização.

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(...)

(REsp 769.753/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/09/2009, DJe 10/06/2011)

                               Por fim, é mister repisar que o multicitado princípio tem caráter estruturante do sistema de proteção ao meio ambiente, sendo orientador de condutas, que, por óbvio, também devem ser destinadas ao Poder Público na elaboração de políticas públicas ambientais. Como destaca Cristiane Derani:

O princípio do poluidor-pagador, embutido na legislação ambiental, necessariamente se fará presente nas políticas públicas implementadas com base em tais instrumentos legais. Por ser um princípio estrutural, sua manifestação nas políticas públicas não é propriamente determinante de comportamentos, porém orientador (...) A concepção orientadora do princípio do poluidor-pagador facilita a imposição política das medidas de proteção ambiental, uma vez que, a partir de seu reconhecimento, são definidos instrumentos contra a resistência de interesses e objetivos políticos conflitantes[10]”.

                               O princípio do poluidor-pagador, portanto, tem várias dimensões, que contemplam uma ação preventiva do Poder Público e do pretenso poluidor, uma ação prospectiva, como orientadora das políticas públicas ambientais e uma ação repressiva, consubstanciada na responsabilidade das externalidades negativas.

4.  DA CONCLUSÃO

                               O princípio do poluidor-pagador é princípio estruturante e orientador do direito ambiental, sendo aplicável não só a coletividade, mas também ao Poder Público na elaboração de políticas públicas. Por meio deste princípio se objetiva a proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme previsão no art. 225 da Constituição, garantindo este direito constitucional fundamental.

BIBLIOGRAFIA

DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileira.  6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 13 ed. rev.,altual. e ampl.. Malheiros Editores: São Paulo, 2005.

MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito ambiental: parte geral. 2 ed. rev. atual. e ampl. .São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

SILVA, Solange Teles da. O conceito de poluição ambiental e suas implicações jurídicas. Políticas públicas ambientais: estudos em homenagem ao professor Michel Prieur/coordenação Clarissa Ferreira Macedo D’Isep, Nelson Nery Junior, Odete Medauar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.


[1] Cf. RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito ambiental: parte geral. 2 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 190-191.

[2] DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 142.

[3] FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileira.  6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 30.

[4] In, op. cit., p. 195.

[5] Cf. MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 829

[6] SILVA, Solange Teles da. O conceito de poluição ambiental e suas implicações jurídicas. Políticas públicas ambientais: estudos em homenagem ao professor Michel Prieur/coordenação Clarissa Ferreira Macedo D’Isep, Nelson Nery Junior, Odete Medauar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 284-285.

[7] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 13 ed. rev.,altual. e ampl.. Malheiros Editores: São Paulo, 2005, p. 59.

[8] In. op. cit, p. 60.

[9] Cf. REsp 1114398/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/02/2012, DJe 16/02/2012, julgado pelo rito previsto dos recursos repetitivos.

[10] In, op. cit., p. 149.

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Sobre a autora
Carolina Lemos de Faria

Graduada em Direito pela Universidade Federal de Goiás. Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Goiás. Procuradora Federal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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