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O monitoramento do correio eletrônico no ambiente de trabalho

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01/11/2002 às 00:00
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IX- O uso social do e-mail

Não temos mais como fechar os olhos para a tecnologia e muito menos continuarmos a traçar soluções assemelhadas as anteriores. Hoje o contrato de trabalho possui inúmeras modificações que precisam ser acompanhada por nós.

Estamos diante de modificações nunca antes previstas e que precisam ser assimiladas pelos empregados e empregadores. Limites de horas passaram a ser relegados e foram substituídos pela produtividade. Criatividade é a palavra de ordem para que o empregado seja mantido em seu ofício.

Ou seja valores totalmente diferentes foram sendo solidificados e colocados em seus devidos graus de importância. Por isso não há mais lugar no mundo moderno para idéias retrógradas, bem como o estatismo desses pensamentos.

Portanto uma empresa para se desenvolver no mercado deve ser flexível e ter a visão de que outros tipos de produção podem ser benéficos para a desenvoltura da empresa.

Assim utilizamos como exemplo o chamado uso social do e-mail. Não há porque o empregador não permitir esta prática pois dela pode advir melhorias para empresa, pois tal prática desde que não abusiva e desde que não traga prejuízo para a empresa ou queda na produtividade permite uma maior liberdade para o empregado realizar suas atividades sem que esteja com o medo constante de ser demitido pela simples utilização nos moldes que dissemos do e-mail.

Por isso entendemos que o empregado que possui este liberdade limitada de uso do e-mail tem mais estímulo para desenvolver sua função e quem sabe até criar idéias através de seu manuseio dos instrumentos tecnológicos a sua disposição, criando um ambiente mais agradável de trabalho.

O usos social do e-mail é uma teoria nova que deve ser melhor desenvolvida através de mesas redondas compostas por representantes de empregados e empregadores para lograrem um consenso.

Assim a empresa moderna que almeje que o empregado não seja um simples robô cumpridor de ordens e limitado ao poder diretivo do empregador deve permitir o uso social do e-mail como uma forma de estímulo a produtividade e ao bem estar necessário em um ambiente de trabalho


X- A posição de alguns articulistas sobre o assunto

Resolvemos ilustrar nosso trabalho com a posição de alguns profissionais do direito que lançaram suas opiniões sobre o assunto com o objetivo de demonstrar as divergências e convergências de entendimentos sobre o assunto que parece estar distante de um consenso.

Para Renato Opice Blum e Juliana Canha[3] "No Brasil, a legislação, em tese, proíbe o monitoramento de correios eletrônicos, excetuando-se os casos de prévia ciência do empregado e de ordem judicial. Dessa forma, as empresas brasileiras que quiserem interceptar comunicações terão de se precaver por meio de políticas internas e elaboração de contratos com os empregados, comunicando-os, previamente, que serão monitorados."

Bernardo Menicucci[4] entende "ser possível, ao empregador, precaver-se de possíveis danos à sua imagem e ao seu negócio que, uma vez sucedidos, seriam hábeis a causar grandes prejuízos. No entanto, não há que se confundir este monitoramento de caráter meramente acautelador com uma vigília e uma invasão indiscriminada à privacidade do empregado. Uma vez levado ao conhecimento do empregado que o e-mail nada mais é que uma ferramenta de trabalho, seja através de acordo, convenção coletiva ou do próprio instrumento do contrato de trabalho, estaria descaracterizada a invasão de privacidade, ensejando num monitoramento legalizado. Dessa maneira estaria o empregado previamente alertado de que não deveria dispor de seu instrumento de trabalho para a diversão. Pois de outra maneira estariam caracterizados os requisitos da demissão por justa causa e excluídas as possibilidades do empregado demandar em face de seu empregador uma ação de reparação de danos morais causada por uma demissão injusta. Dispõe o art. 482 da CLT as motivações da rescisão do contrato de trabalho por justa causa: b) incontinência de conduta ou mau procedimento; e) desídia no desempenho das respectivas funções; h) ato de indisciplina ou de insubordinação; k) ato lesivo da honra ou da boa fama (...) contra o empregador e superiores hierárquicos (...). Requisitos estes que se adequam à situação em que o empregado, ao usar o e-mail, emprega finalidade diversa daquela almejada. Importante ressaltar que essencial é a prevenção do empregador em advertir seus funcionários de que existe um monitoramento de caráter essencialmente acautelador, visando um melhor desempenho dos empregados no horário de trabalho e a preservação da honra e da imagem da empresa."

Para Adriano Campos[5] o monitoramento "é viável e juridicamente sustentável, devendo ser utilizado com prudência e cautela, sendo certo que os excessos, ou mesmos lapsos de imprudência, poderão ensejar transtornos reais à vida íntima de seus empregados e terceiros, passível de indenização pelo dano moral ou material decorrente de sua violação, nas esferas civil e trabalhista.

Como cautela, pontos conexos ao monitoramento também devem ser analisados, tais como a responsabilidade civil e criminal da empresa e da pessoa encarregada em executar o monitoramento; a forma como estes dados serão compilados, armazenados e possivelmente repassados para terceiros, bem como a decisão de monitorar ou não as informações potencialmente confidenciais para a própria empresa."

Henrique Faria[6] estabelece condição para o monitoramento dizendo que "a fiscalização e o monitoramento dos e-mails somente poderão ser feitos mediante a prévia anuência dos empregados, por escrito, que deverá ser entregue pelo mesmo no momento de sua contratação ou da implantação de um sistema de e-mails. Essas diretivas devem estar acessíveis aos empregados e ser adotadas como política interna do local de trabalho. É importante ressaltar que mesmo que sejam adotadas todas estas medidas pelo empregador e que as mesmas tenham concordância do empregado, elas não representam garantias absolutas frente às inúmeras possibilidades que podem surgir no contexto prático de cada caso."

Sérgio Gonçalves[7]é mais minuncioso e diz que "As regras devem ser discutidas e adaptadas as realidades de cada empresa mas, em linhas gerais, recursos, locais e ferramentas de trabalho devem ser usados exclusivamente para esta finalidade. É salutar que, dependendo das características da rede da empresa e dos seus empregados, haver uma certa tolerância quanto a navegação e uso da Internet, até mesmo porque a rede é dinâmica e a descentralização das informações leva o usuário a navegar bastante até achar o que precisa. Porém, não é nenhuma ameaça ao empregado ou sua privacidade impedi-lo de usar meios da empresa em benefício próprio ou em prejuízo da empresa e da sua hierarquia, se tal for devidamente explícito a ele desde logo.

Também não se pode alegar coação ou abuso do poder econômico para que estes aceitem as regras pois, se ele quer sair para passear, use seu salário e compre um carro, mas não use o da empresa, assim como se quer mandar e-mail´s, namorar, visitar sites, procurar emprego ou mesmo falar mal do chefe, compre um computador e em sua casa, entre na Internet. Ali sim, sua privacidade estará resguardada e sua navegação pela rede será sempre livre."

Felipe Siqueira[8] sugere outra via para evitar transtornos na relação trabalhista aconselhando que "nunca é demais observar que a dispensa de um empregado acarreta perda para os três lados envolvidos direta e indiretamente: O trabalhador (que estará desempregado); o empregador (que terá que pagar as verbas resilitórias e contratar um novo funcionário para suprir a ausência do dispensado); e o Estado (o País tem o incomportável recrudescimento do desemprego).

Assim sendo, é aconselhável ao empregador utilizar-se da possibilidade de impedir o acesso a sites impróprios, bem como a transmissão de imagens por e-mail, ou então criar normas internas proibindo ao empregado a utilização da Internet para fins não condizentes com assuntos relacionados à empresa, ou inseri-las até mesmo nos contratos de trabalho, a fim de justificar eventual rescisão da relação empregatícia e evitar possíveis demandas judiciais de parte a parte."

O Prof. Mauro César[9] é um dos autores que defendem o monitoramento justificando-o legalmente e estabelecendo um paralelo interessante entre dois direitos constitucionais quando ensina que "A inviolabilidade e o direito de propriedade, bem como o atendimento desta à função social, são garantias fundamentais asseguradas na Carta Magna em vigor, donde depreende-se que o proprietário tem "o direito de usar, gozar e dispor de seus bens", sendo certo ainda que "os frutos e mais produtos da coisa pertencem, ainda quando separados, ao seu proprietário, salvo se, por motivo jurídico, especial, houverem de caber a outrem". Neste sentido, privilegiando o direito de propriedade do empregador, a legislação em vigor disciplina que pertencem exclusivamente ao empregador, os inventos (Lei n° 9.279, de 14 de maio de 1996) e programas de computador (Lei n° 9.609, de 19 de fevereiro de 1998), desenvolvidos por empregados, quando decorrerem de contrato de trabalho.

O correio eletrônico é uma ferramenta de trabalho dada pelo empregador ao empregado para realização do trabalho, portanto sobre ele incide o poder de direção do empregador e consequentemente o direito do mesmo fiscalizar seu uso pelo funcionário. Os endereços eletrônicos gratuitos e ou particulares, desde que acessados no local de trabalho, enquadram-se, em tese, no mesmo caso."

Por fim exporemos o entendimento do Juiz Luiz Alberto Vargas[10] que traz a baila algumas colocações importantes aqueles que pretendem se aprofundar sobre a questão do monitoramento do e-mail pelo empregador. São elas:

"I. A existência de uma política transparente e proporcionada que faça o empregado consciente do caráter não sigiloso de suas comunicações no local de trabalho é a melhor maneira de conciliar as exigências de segurança com um ambiente de trabalho mais agradável e produtivo. II. Parece ser essencial que a empresa advirta aos empregados de que todas as mensagens, de qualquer tipo, inclusive as protegidas por senhas, estão potencialmente disponíveis para o conhecimento da empresa. III. O monitoramento do correio recebido pelo empregado é, em qualquer hipótese, uma violação da privacidade de terceiros que, provavelmente, desconheciam as normas empresariais e que o destinatário não tinha privacidade em suas comunicações; IV. O monitoramento constante e sem clara finalidade específica de todas as comunicações de ¨intranet¨ não é justificável, por desproporcionada; V. O controle por parte da empresa do tempo e dos endereços eletrônicos navegados na internet pelo empregado é razoável, sob o argumento de que a utilização do equipamento empresarial deva ser produtiva."

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Referidas colocações dos autores acima citados espelham o entendimento no sentido favorável ao monitoramento variando apenas quanto as questões de interpretação, grau de permissibilidade admitido e o rito procedimental para essa fiscalização.

O que podemos atestar com transparência é a vontade dos articulistas em dar contornos a norma posta no sentido de adequar os velhos institutos as situações colocadas pela inserção das novas tecnologias na empresa. Este procedimento interpretativo deverá ser fartamente utilizado em benefício dos envolvidos para que sejam amortecidos os impactos negativos e as arbitrariedades que permeiam essas questões enquanto não possuirmos normas, convenções e regulamentos de empresa claros que delineiem a utilização dos aparatos tecnológicos colocados a disposição do empregado na empresa.

XI- Jurisprudência nacional

A jurisprudência nacional por incrível que pareça ainda é incipiente, resumindo-se até onde saibamos, a três decisões de tribunais trabalhistas sobre questões envolvendo o uso do e-mail pelo empregado na empresa:

A primeira delas refere-se a litígio que teve início com uma reclamação trabalhista ajuizada por funcionário de banco que requereu dentre outras parcelas o direito as verbas resilitórias em virtude da dispensa que considerava imotivada sendo distribuída para a 13º Vara Trabalhista de Brasília. No momento a reclamada alegou ter rompido o contrato em virtude do reclamante ter enviado através do e-mail fornecido pela empresa fotos pornográficas.

O ilustre julgador de 1º grau após citar a doutrina, legislação e a jurisprudência da Corte constitucional concluiu que a prova pretendida pelo reclamado, que evidenciaria a justa causa alegada, não poderia ser admitida em juízo em razão da flagrante ilegalidade, já que violada a correspondência do autor.

Segundo descreve na sentença o contra-argumento da Reclamada é de que a conta de e-mail por ela fornecida ao reclamante foi na condição de que sua utilização se desse exclusivamente para tratar de assuntos e matérias afetas ao serviço, o que não teria observado o autor ao enviar correspondência eletrônica (e-mail) remetendo as noticiadas fotos.

Concluiu assim o magistrado trabalhista que "ainda que, se nos autos possa haver prova de que a conta de e-mail tenha sido distribuída ao autor com essa restrição/condição, tal circunstância, de modo algum, autorizaria o reclamado a, quebrando o sigilo da correspondência, ter acesso ao teor do e-mail sem a anuência do autor, ou de algum dos integrantes da cadeia"[11].

No mesmo sentido a Ementa do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo quando deparou-se com um caso interessante sobre a utilização indevida do e-mail pelo empregado em horário de trabalho e pelos meios de produção oferecidos pelo empregador. Referido Acórdão conclui que:

Justa Causa. "E-mail" caracteriza-se como correspondência pessoal. O fato de ter sido enviado por computador da empresa não lhe retira essa qualidade. Mesmo que o objetivo da empresa seja a fiscalização dos serviços, o poder diretivo cede ao direito do obreiro à intimidade (CF, art. 5°, inciso VIII). Um único "e-mail", enviado para fins particulares, em horário de café, não tipifica justa causa. Recurso provido.[12]

Depois de prolatada as decisões consideramos as mesmas temeráveis pois dariam carta branca ao empregado que escudado no sigilo de correspondência e da intimidade assegurados na Constituição poderia utilizar-se do e-mail para quaisquer fins pois o empregador não teria o direito de filtrá-lo para investigação e correta aplicação dos bens utilizados para a produção. Referidas conclusões não solucionam de maneira eficaz o problema trazendo a nosso sentir maior insegurança nas relações trabalhistas. Lembramos ainda que o direito ao sigilo de correspondência e a intimidade, são iguais aos demais direitos não sendo absoluto e podendo ceder ante os interesses constitucionalmente relevantes, sempre que seja necessário para lograr um fim legítimo, proporcionando o respeito ao conteúdo essencial do direito.

Não devemos, vale lembrar, permitir que o advento das novas tecnologias provoque o desaparecimento de algumas características, implicações ou abrangências do direito ao sigilo das correspondência e intimidade dos empregados na empresa uma vez que as mesmas são cada vez mais freqüentes e essenciais para o intercâmbio de informação. Não possuímos, ainda premissas legais sobre o assunto no direito atual que viabilizem uma correta aplicação do direito pois o mais correto seria uma reestruturação desse direito adequando-o as novas tecnologias da informação para que não permitam decisões radicais que pendam apenas em benéfico de uma das partes.

Acreditamos que não há como não vulnerar os direitos constitucionalmente protegidos, devendo no entanto o empregador, optar, sensata e ponderadamente, por políticas adequadas de controle da atividade que favoreçam um ambiente de trabalho relaxado e confiável que proporcione autonomia e intimidade, evitando o receio, a pressão e o mal-estar dos trabalhadores por meio de condutas excessivas derivadas do poder empresarial.

Entendemos que o empregador poderá exercer o controle tecnológico sobre seus trabalhadores, desde que conte com indícios suficientes de que esteja havendo desvio na utilização dos meios de produção e atendendo a estritos critérios de idoneidade, necessidade e proporcionalidade, na utilização de medidas de vigilância e controle que sirvam aos fins a que se pretendam causando o menor impacto possível sobre a intimidade e a dignidade do trabalhador mas não vetando esse controle em todos os casos.

Por fim queremos deixar claro que muitas especificidades devem ser analisadas na hora de uma decisão judicial e que o monitoramento por parte do empregador é legítimo desde que perpetrado de conformidade com as explicações aqui demonstradas.

Continuando o raciocínio após os regulares trâmites do processo trabalhista a sentença de 1º grau de Brasília sofreu recurso para a instância superior onde foi discutida a questão referente a obtenção lícita ou não da prova bem como a configuração ou não da falta grave nos atos praticados pelo reclamante.

Entendeu a juíza do Tribunal de conformidade com o recurso interposto pela reclamada-recorrente baseando-se no princípio da proporcionalidade que:

"A aplicação do princípio da proporcionalidade tem o objetivo de impedir que através do dogma ao respeito de determinadas garantias, sejam violados outros direitos, senão maiores, de igual importância, ou que, igualmente, precisam ser preservados, no caso dos presentes autos, a própria reputação da reclamada, que poderia ter a sua imagem abalada.

A referida teoria, portanto, tem por objetivo sopesar os interesses e valores em discussão, quando da consideração da prova obtida através de meio ilícito, de forma que seja possível a verificação da relação custo-benefício da medida, através da ponderação entre os danos causados e os resultados a serem obtidos.

A proteção à individualidade, à liberdade, à personalidade ou à privacidade, apesar de ser essencial no respeito ao Estado de Direito, não pode ser absoluta, de forma a resultar no desrespeito a outras garantias de igual relevância. Tal fato resulta na necessidade de que haja a ponderação do que gerará maior prejuízo ao cidadão, se é a admissibilidade ou não da prova ilicitamente obtida."[13]

Dessa vez em nosso entendimento atentou de forma correta a juíza quando diz que o e-mail é uma ferramenta de trabalho colocada a disposição do empregado no trabalho e que portanto o empregador poderá monitorá-lo desde que haja indícios de ma utilização. Veja:

"Entendo que, sendo a reclamada detentora do provedor, cabe a ela o direito de rastrear ou não os computadores da sua empresa, mormente quando são fornecidos aos empregados para o trabalho. A partir do momento que surge uma dúvida de uso indevido dos e-mail, por um certo grupo, só se poderá tirar esta dúvida através do rastreamento do seu provedor.

A empresa poderia rastrear todos os endereços eletrônicos, porque não haveria qualquer intimidade a ser preservada, posto que o e-mail não poderia ser utilizado para fins particulares."

Assevera ainda a responsabilidade da empresa pois o empregado utiliza em seu nome e-mail para praticar atos de improbidade que poderão ser atribuídos a empresas já que o empregado age em nome dela. Assim se posiciona no Acórdão:

"Quando o empregado comete um ato de improbidade ou mesmo um delito utilizando-se do e-mail da empresa, esta, em regra, responde solidariamente por tal ato. Sob este prisma, podemos então constatar o quão grave e delicada é esta questão, que demanda a apreciação jurídica dos profissionais do Direito. Enquadrando tal situação à Consolidação das Leis do Trabalho, verifica-se que tal conduta é absolutamente imprópria, podendo configurar justa causa para a rescisão contratual, dependendo do caso e da gravidade do ato praticado.

Quanto a falta grave a juíza posicionou-se no sentido de que o envio de fotos pornográficas pelo empregado configurou a tipificação legal intitulada mau procedimento que permite o rompimento do vínculo empregatício por parte do empregador sem ônus através da dispensa chamada sem justa causa.

É curioso que já nos idos de 1968 acontecimentos semelhantes a este já ocorriam porém com instrumentos diferentes pois aquela época a informática era incipiente nos estabelecimentos. Segundo descreve Antônio Lamarca[14] a época que um empregado introduziu sorrateiramente uma revista pornográfica (de circulação proibida) numa seção onde trabalhavam menores de ambos os sexos daí este ato único gerou o despedimento pela figura do mau procedimento.

Segundo Cesarino Júnior o mau procedimento vem a ser "a atuação desenfreada, desordenada, fora dos moldes normais" [15]

A nosso ver a juíza enquadrou de forma correta no que concerne ao ato praticado pelo reclamante pois o envio das fotos mencionadas deve ser considerado como um mau procedimento do mesmo no desempenho de suas funções de acordo com a maioria dos doutrinadores e a jurisprudência que considera esta figura como um desvio de conduta ligado a prática sexual ou sua divulgação de maneira direta ou indireta.

Além disso outras figuras colacionadas no artigo 482 da CLT podem ser enquadrados a título de exemplo, (pois quase todas as faltas graves podem ser praticadas pela via eletrônica além, é claro, de outras que nem possuem previsão legal trabalhista) nas condutas de empregado que utiliza-se do e-mail para fins diversos.

A primeira delas é a desídia que é segundo Russomano "a negligência, a imprudência, a má vontade, o descaso revelados pelo trabalhador na execução de tarefas que lhe são confiadas. É aquele que brinca em serviço desviando a atenção do trabalho"[16]

Na hipótese do Acórdão se o empregado habitualmente envia arquivos por e-mail durante o expediente certamente estará, dependendo da proporção, praticando esta falta grave pois enseja uma queda em sua produção ou qualidade dos serviços prestados pela perda de tempo desperdiçado em outras atividades diversas das quais foi contratado.

Outra figura que pode ser ensejada é a da indisciplina pois segundo Russomano[17] "o trabalhador quando contratado, celebra pacto que, via de regra, é do tipo dos contratos de adesão. Nele ficam implícitas todas as cláusulas disciplinares mencionadas no regulamento interno da empresa. O regulamento dita, portanto, genericamente, regras que pautarão o modo de agir de todos os empregados dentro do estabelecimento, disciplinando a conduta dos mesmos. Logo qualquer violação do regulamento é ato que quebra norma disciplinar da empresa, por outras palavras ato de indisciplina."

Portanto o ato do empregado em utilizar-se dos meios eletrônicos dispostos como ferramenta de trabalho para outros fins enseja o cometimento desta falta grave principalmente quando houver regulamento de empresa regulando o manuseio.

Sendo assim entendemos que a utilização do e-mail poderá ensejar várias figuras típicas que determinam o rompimento do vínculo empregatício por justa causa e não apenas o da figura do mau procedimento como entende alguns autores como Romita[18] quanto diz que "o uso indevido do correio eletrônico configura mau procedimento, previsto pela Consolidação das Leis do Trabalho (art. 482, "b") como falta grave que autoriza o empregador a despedir o empregado, sem quaisquer ônus".

Existe ainda e por fim um segundo aspecto da decisão prolatada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2º. Região mencionado que diz respeito a proporcionalidade da falta. Conclui o Acórdão que "Um único "e-mail", enviado para fins particulares, em horário de café, não tipifica justa causa".

Devemos reconhecer que o trabalhador deva ter direito a uma comunicação externa durante o horário de trabalho, incluído dentro da empresa. O empregador tem que aceitar o que se denomina direito ao uso social do e-mail. Logicamente, dentro do ambiente de trabalho também pode haver o uso pessoal, não abusivo e justificado, dos meios e comunicação da empresa.

Referidos acontecimentos são cada dia mais usuais, proporcionados pela evolução da nova organização do trabalho: da mesma maneira que o empregador pode exigir, em determinadas circunstâncias, que o trabalhador não somente opere no âmbito da empresa, senão também de seu domicílio – o que se conhece como teletrabalho – é lógico também que o empresário permita uma determinada permeabilidade, não abusiva, e o uso pessoal dos meios de comunicação.

É um intercâmbio moderno: se em uma empresa flexível corresponde a um trabalhador flexível, é lógico que o trabalho estritamente profissional e o pessoal terão fronteiras muito mais flexíveis, difíceis de separar de maneira absoluta.

É muito difícil que um empresário moderno, que se preocupe com os aspectos concernentes a qualidade na relação de trabalho, a participação dos trabalhadores e a identificação com os objetivos da empresa, seja um empresário que direcione, de maneira absoluta, seus próprios meios de comunicação para um determinado uso de caráter trabalhista, seria muito difícil, e cremos que seria uma opção retrógrada.

O empresário que opte por isso, é um empresário que não teria nenhuma justificação para exigir uma cota pessoal ao próprio trabalhador, mais além do que estritamente profissional. Hoje em dia os empresários modernos entendem que tudo que seja de conhecimento pessoal do trabalhador redunda em benefício da eficiência da empresa. O problema esta em ver que o uso social, o uso extra profissional, não tenha elementos de abuso e prejuízo objetivo para empresa e é ali onde temos que intentar lograr um equilíbrio.

Assim o correio eletrônico pode se utilizado no âmbito da empresa, porém de forma moderada e que não implique em prejuízos funcionais ou de qualquer outra ordem a Empresa. A ótica a ser observada não deve ser limitada a quantidade de e-mail´s e sim a prejudicialidade que sua utilização possa ocasionar a empresa.

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Sobre o autor
Mario Antonio Lobato de Paiva

Sou advogado há mais de 20 anos e trabalho com uma equipe de 10 advogados aptos a prestar serviços jurídicos em todas as áreas do Direito em Belém, Brasília e Portugal. Advogado militante em Belém, foi Conselheiro e Presidente da Comissão em Direito da Informática da OAB/PA, Ex-Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará, especialista em Direito da Informática; Assessor da OMDI- Organização Mundial de Direito e Informática; Membro do IBDI- Instituto Brasileiro de Direito da Informática; Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico -IBDE ; Colaborador de várias revistas e jornais da área jurídica nacionais e estrangeiros tendo mais de 400 (quatrocentos) artigos publicados; autor e co-autor de livros jurídicos; palestrante a nível nacional e internacional. Site: www.mariopaiva.adv.br email: [email protected]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAIVA, Mario Antonio Lobato. O monitoramento do correio eletrônico no ambiente de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3486. Acesso em: 24 abr. 2024.

Mais informações

Palestra proferida no Congresso Internacional de Direito e Tecnologia da Informação, realizado pelo Conselho da Justiça Federal.

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