1 À GUISA DE INTRODUÇÃO
A Constituição Federal[1] e a Lei nº 4.320/64[2] conferem à Administração Pública, quando da execução orçamentária – ou seja, na vigência do exercício financeiro[3] –, a possibilidade de a mesma valer-se de mecanismos retificadores do orçamento. Segundo Giacomoni:
Seria impraticável se, durante a sua execução, o orçamento não pudesse ser retificado, visando atender a situações não previstas quando de sua elaboração ou, mesmo, viabilizar a execução de novas despesas, que só se configuram como necessárias durante a própria execução orçamentária (sic).[4]
A existência de norma geral com essa orientação confere ao orçamento público um aspecto dinâmico que, em certo aspecto, relativiza a despesa pública fixada em lei, flexibilizando-a[5]. Nesse tocante, se por um lado a despesa autorizada é o limite à emissão de empenhos[6], tem-se, por outro, que os mecanismos legais de ajuste orçamentário viabilizam tanto a ampliação (créditos suplementares) quanto a alteração em si (créditos especiais e extraordinários) da previsão legal que autoriza a realização das despesas fixadas.[7]
Endossando isso, temos o que dispõe o artigo 167, II, da Constituição Federal, que veda a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais. Assim, a toda despesa subjaz o crédito, seja ele orçamentário ou adicional em quaisquer de suas espécies.
Merece também destaque a previsão do artigo 167, § 1º da Constituição Federal, determinando que
Nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob pena de crime de responsabilidade.
Nessa tônica, o intuito da elaboração do presente texto remete-se, justamente, à analise dos aspectos gerais pertinentes aos créditos adicionais, valendo-se, para tanto, do aporte contido nos preceitos constitucionais e legais acerca da matéria, orientando-se no sentido de conceituá-los, classificá-los e caracterizá-los formal e materialmente em suas mais relevantes particularidades. Evidentemente que não se busca aqui um aprofundamento maior sobre o tema. Nosso escopo, isso sim, é o de apresentar, de modo panorâmico, os aspectos mais relevantes acerca do tema ora proposto.
2 CONCEITO
Embora defasada[8], face às inovações implementadas pela Constituição Federal de 1988, e, nesse tocante, sendo ano a ano suprida em suas impropriedade e/ou lacunas pelas Leis de Diretrizes Orçamentárias[9], a Lei nº 4.320/64 assim conceitua, em seu artigo 40, os créditos adicionais:
São créditos adicionais as autorizações de despesas não computadas ou insuficientemente dotadas na Lei de Orçamento.
Antes, contudo, da análise do referido dispositivo legal, insurge-se estabelecer a importante distinção teórico-conceitual entre crédito orçamentário e dotação orçamentária, já que, embora usualmente empregados como sinônimos, são conceitos distintos, conforme com propriedade esclarece Giacomoni:
A lei orçamentária é organizada na forma de créditos orçamentários, aos quais estão consignadas dotações. Em conseqüência (sic) da imprecisão com que são utilizadas na legislação, é comum o emprego das expressões crédito orçamentário e dotação como sinônimos. Na realidade, o crédito orçamentário é constituído pelo conjunto de categorias classificatórias e contas que especificam as ações e operações autorizadas pela lei orçamentária. [...] Por seu turno, dotação é o montante de recursos financeiros com que conta o crédito orçamentário.[10] (Grifos do original).
Na mesma orientação, Machado e Reis afirmam que o crédito orçamentário seria o portador de uma dotação e esta o limite de recurso financeiro autorizado.[11] Tal distinção mostra-se aqui relevante pelo fato de que o citado artigo 40 refere-se aos créditos adicionais sob dois aspectos: um atinente a despesas não computadas; outro relativo a despesas insuficientemente dotadas. Ou seja: não previsão de crédito orçamentário X previsão de crédito orçamentário com dotação insuficiente.
Os créditos adicionais são incrementos às despesas[12] que foram previamente fixadas e autorizadas pela Lei Orçamentária Anual. São, conforme se depreende de sua própria denominação, aditivos ao orçamento, no tocante às despesas.
Quanto a isso, o que caracteriza as diferentes espécies de créditos adicionais é, justamente, a peculiaridade que caracteriza (e singulariza) esse incremento – ou seja, se o incremento referir-se a crédito orçamentário, teremos que o crédito adicional será, dependendo do caso, ou do tipo especial ou do tipo extraordinário; se o incremento, por sua vez, referir-se à mera complementação de dotação, verifica-se a situação em que o crédito adicional será do tipo suplementar.
O que até aqui fica claro é que 1) o crédito adicional, por um caminho ou por outro, retifica a despesa prevista e autorizada na lei orçamentária; 2) trata-se de incremento, de aditivo (ao orçamento vigente) previsto enquanto faculdade legal trazida à Administração Pública no sentido de a mesma poder valer-se, durante o exercício financeiro, de acréscimo de recurso para fazer face à despesa que não tenha sido prevista, ou que tenha sido, em termos de dispêndio, insuficientemente prevista; 3) por fim, é gênero do qual suplementar, especial e extraordinário são espécies.
3 CLASSIFICAÇÃO
Classificar é ordenar do genérico ao específico; ou criar, em uma categoria maior, valendo-se de determinado critério, categorias menores. Assim, o ato de classificar distingue aquilo que, num contexto mais amplo, é considerado genericamente igual. Nisso, a identificação das peculiaridades do objeto da classificação é procedimento de suma importância, já que é por meio das características inerentes ao objeto (suas peculiaridades) que se identifica e individualiza o objeto, categorizando o mesmo junto a seus pares. Grosso modo, classifica-se por semelhança ou por diferença, inserindo-se o objeto de análise em uma ou outra classificação em virtude da compatibilidade ou da incompatibilidade de suas características com as de outros indivíduos, coisas, conceitos – enfim, com os demais objetos de análise. Classificar é segmentar por particularidades. Segmenta-se por meio de critérios. Cada critério dá relevância a uma peculiaridade que, sob determinado aspecto, prepondera no objeto. Não há classificação sem critério.
No tocante à classificação dos créditos adicionais temos que, independentemente do tipo que configurem, serão todos, sempre, incrementos às despesas fixadas na lei orçamentária. Esse é, portanto, o seu aspecto geral. Quanto a isso, e como decorrência, incremento remete-nos à alteração, à retificação – e, ao menos em termos de Administração Pública, não se fala em retificação ou alteração que não tenha causa e motivação. Por esse viés, os diferentes tipos de créditos adicionais existem em função de uma causa. E aqui é que reside o critério adotado pelo legislador quando de sua classificação. O artigo 41 da Lei n.º 4.320/64 assim proclama:
Art. 41. Os créditos adicionais classificam-se em:
I - suplementares, os destinados a reforço de dotação orçamentária;
II - especiais, os destinados a despesas para as quais não haja dotação orçamentária específica;
III - extraordinários, os destinados a despesas urgentes e imprevistas, em caso de guerra, comoção intestina ou calamidade pública.
Aqui, temos que, de dois grupos, advém a classificação tripartite que a lei confere aos créditos adicionais: um grupo refere-se às dotações que necessitam de reforço; o outro, diz respeito a créditos orçamentários que, por uma causa ou por outra, não foram previstos.
Note-se que, tanto num caso quanto no outro, a imprevisão é o norte maior. Há, porém, atributos que dividem essa imprevisão. Da imprevisão propriamente dita (imprevisão lato sensu), advém, por um lado, os créditos especiais e, por outro, os créditos extraordinários. Da falha da previsão (imprevisão stricto sensu), decorre a necessidade de complementação de dotação, o que se opera por meio dos créditos adicionais do tipo suplementares.
Nisso, pode-se concluir que o critério adotado pelo legislador à classificação refere-se à causa da imprevisão, daí decorrendo, portanto, o motivo de sua abertura.
O teor do inciso I do citado artigo é de interpretação literal – e vincula-se exclusivamente ao conceito de dotação orçamentária. Nesse caso, a dotação (verba adstrita ao crédito) não contempla o que deveria – ou seja, é insuficiente. Por ter sido inadequadamente prevista (imprevisão stricto sensu), necessita ser reforçada, complementada. Durante a execução do orçamento, isso acontece por meio da abertura de crédito adicional suplementar. Aqui, a falha do orçamento, que enseja a sua retificação, ocorreu no sentido de que a despesa fixada perfaz um valor inferior à despesa a ser realizada, necessitando, por conseguinte, de suplemento. O suplemento (credito adicional suplementar) é um dos tipos de incrementos que retificam o orçamento.
Já nos incisos II e III temos os casos em que a inexistência de dotação remete-se ao fato de inexistência do respectivo crédito. Aqui, não há dotação, justamente, por não haver o crédito. Nisso, tanto os créditos adicionais especiais quanto os créditos adicionais extraordinários derivam da inexistência de crédito orçamentário que lhes contemple – donde a evidente inexistência de dotação.
Nesse caso, o que difere um tipo de crédito adicional do outro é a causa de sua abertura. Ambos decorrem de imprevisão (lato sensu). Sua classificação, entretanto, não reside aí. A imprevisão é a causa genérica à classificação (especial ou extraordinário).
Os créditos extraordinários estão restritamente adstritos às causas previstas na Constituição Federal, nos termos do § 3º, do artigo 167, sendo abertos pelo Poder Executivo, por Medida Provisória, sem necessidade de autorização legislativa, face às suas peculiaridades:
§ 3º - A abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública, observado o disposto no art. 62.
Note-se que o processo legislativo das Medidas Provisórias segue um rito totalmente diferente se comparado ao das demais espécies legislativas, sendo privativo do Poder Executivo. Nos Estados e Municípios em que, respectivamente, a Constituição Estadual e a Lei Orgânica não prevêem a edição de Medidas Provisórias, os mesmos serão abertos por Decreto do Chefe do Executivo.
Os créditos extraordinários têm, portanto, lastro na ocorrência de fato superveniente imprevisto e urgente que exige que providências imediatas sejam tomadas, não podendo, assim, estarem condicionados a um tipo legislativo complexo e, no mais das vezes, moroso.
É evidente que a liberalidade do Poder Executivo no sentido de editar Medidas Provisórias autorizando a abertura de créditos extraordinários não é ilimitada; ao contrário, conforme já destacado, está condicionada às exigências elencadas pela Constituição Federal, como também orientadas sob a égide de todos os princípios aplicados à Administração Pública, sob pena de configurar arbitrariedade. Ademais, todas as orientações referentes à gestão fiscalmente responsável dos recursos públicos regem a atuação dos gestores públicos, em respeito ao que prevê a Constituição Federal, a Lei Complementar nº 101/2000, a Lei nº 8429/92, entre outras.
Para a abertura de créditos especiais não há exigência de destinação do recurso ao atendimento de despesas imprevisíveis e urgentes. As despesas a que se referem decorrem da decisão da Administração Pública de alocar recursos em uma área/ação que não havia sido contemplada na LOA. Entretanto, os créditos especiais não poderão inovar o PPA ou a LDO, tendo em vista, quanto a isso, o regramento constitucional acerca do tema. Assim, além das exigências legais quanto a sua abertura, vigência, prorrogação etc, bem como de justificada motivação, os créditos especiais serão abertos tendo em vista a falta de dotação decorrente da inexistência do crédito orçamentário específico, conforme já referido anteriormente, quando da distinção entre dotação e crédito.
4 ABERTURA, FONTES DE RECURSOS, VIGÊNCIA E REABERTURA DOS CRÉDITOS ADICIONAIS
A proposta do presente texto é a de meramente apresentar aspectos gerais acerca do seu objeto de análise. Assim, não se busca, aqui, aprofundamento maior algum. Os parágrafos que seguem, e que encerram o presente texto, buscam, de modo prático, direto, sintético – e quase didático –, elencar os mais relevantes aspectos referentes à abertura dos créditos adicionais e à necessidade ou não de indicação de fontes de recursos para esse fim, bem como a previsão legal quanto ao prazo de vigência dos mesmos e a possibilidade de sua reabertura no exercício subsequente.
Os créditos suplementares dependem de prévia autorização legislativa e serão abertos por decreto do Executivo (Art. 42 da Lei nº 4320/64). De acordo com o § 8º, do artigo 165 da Constituição Federal, a autorização para a abertura de crédito adicional suplementar poderá ser dar na própria Lei Orçamentária Anual.
De acordo com o artigo 167, V da Constituição Federal, assim como os créditos especiais, os créditos suplementares precisam, obrigatoriamente, ter indicada a sua fonte de recursos. De acordo com o artigo 43, § 1º, I a IV, da Lei nº 4.320/64, temos que:
Art. 43. A abertura dos créditos suplementares e especiais depende da existência de recursos disponíveis para ocorrer a despesa e será precedida de exposição justificativa.
§ 1º Consideram-se recursos para o fim deste artigo, desde que não comprometidos:
I - o superávit financeiro apurado em balanço patrimonial do exercício anterior;
II - os provenientes de excesso de arrecadação;
III - os resultantes de anulação parcial ou total de dotações orçamentárias ou de créditos adicionais, autorizados em Lei;
IV - o produto de operações de credito autorizadas, em forma que juridicamente possibilite ao poder executivo realiza-las.
Por não ser nosso propósito, não adentraremos em maiores detalhamentos acerca de cada uma das fontes possíveis dos recursos que podem ser destinados à abertura de créditos suplementares e especiais, restringindo-nos, apenas, à elencá-los.
Independentemente disso, ainda quanto aos créditos suplementares, tem-se que sua vigência se dá apenas no exercício financeiro em que foram abertos, sendo vedada sua reabertura no exercício subsequente (Art 45 da Lei 4320/64).
Assim como os créditos suplementares, a abertura dos créditos especiais dependerá de prévia autorização legislativa, e serão abertos por decreto do Executivo (Art. 42 da Lei nº 4320/64). Também precisam ter indicada a sua fonte de recursos, conforme acima indicado no artigo 43, § 1º, I a IV. Sua vigência tem, como regra, o exercício em que foram abertos. Porém, ao contrário dos créditos adicionais, aos créditos suplementares existe uma exceção constitucionalmente prevista quanto à possibilidade de prorrogação de sua vigência, caso o ato de promulgação dos mesmos tenha ocorrido nos últimos quarto meses do exercício, ocasião em que poderão ser incorporados ao exercício do orçamento financeiro subsequente (artigo 167, § 2º, da Constituição Federal).
Por fim, os créditos extraordinários, face às suas características intrínsecas e extrínsecas, independem tanto de autorização legislativa quanto de indicação de fontes. De acordo com o dispositivo constitucional acima mencionado, a exceção quanto a regra para vigência e prorrogação também poderá ser aplicada a essa modalidade de crédito adicional.
Notas
[1] Arts. 165 a 169.
[2] Arts. 40 a 46.
[3] Segundo o artigo 34, da Lei nº 4.320/64, o exercício financeiro coincidirá com o ano civil.
[4] GIACOMONI, James. Orçamento Públcio. São Paulo: Atlas, 2002. p. 269.
[5] A autorização que a Lei Orçamentária Anual confere à despesa fixada não a torna obrigatória, podendo o gestor público realizá-la ou não. Entretanto, vez que previamente fixada, decorre da insurgência de realização de alguma ação concreta que antecipadamente se demonstra necessária – daí sua fixação (e motivação). Nesse mesmo diapasão, porém em caminho diametralmente oposto, a despesa fixada não corresponde à despesa que efetivamente virá a ser realizada no exercício financeiro, já que a possibilidade de incremento orçamentário resta normatizada. A despesa fixada é, portanto, aquela que num primeiro momento é autorizada e que, até segunda ordem, limita os empenhos. Sob ambos os sentidos, tem-se que a flexibilização a que o orçamento pode se sujeitar opera-se tanto num sentido quanto no outro.
[6] Art. 59, Lei 4.320/64.
[7] Art. 40, Lei 4.320/64.
[8] A Lei 4.320/64 continua sendo a principal orientação normativa referente ao controle e à elaboração dos orçamentos e dos balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, e, quanto a isso, foi recepcionada pela Carta Republicana de 1988, com status de Lei Complementar, face ao que dispõe o artigo 163, I da própria Constituição Federal. Mesmo assim, em virtude do que prevê o artigo 165, II, também da Carta Magna, bem como as disposições da Lei Complementar 101/2000, que implementou de modo efetivo a edição anual da Lei de Diretrizes Orçamentárias, a Lei 4.320/64, embora permaneça em vigor, deveria estar, em tese, com os seus dias contados, ainda que seu regramento siga tendo aplicabilidade útil e válida. Ver PLC 135/96.
[9] Quanto a isso, ver GIACOMONI, James. Op. Cit, p. 217.
[10] GIACOMONI, James. Op. Cit., p. 261.
[11] MACHADO JR., José Teixeira. REIS, Heraldo da Costa. A Lei nº 4.320 comentada. 26. ed. Rio de Janeiro: Ibam, 1995. p. 20.
[12] É de notar-se aqui que a expressão incrementos às despesas não se refere apenas às dotações insuficientes. Com propriedade, sua abrangência remete-se à autorização ao aumento de gasto público – seja por meio da suplementação de dotações insuficientes, seja no sentido de implementação de crédito inexistentes.