A Suprema Corte dos EUA legitimou o trabalho análogo ao de escravo

(uma crônica do processo de africanização das relações do trabalho nos EUA)

15/12/2014 às 15:35
Leia nesta página:

O avanço da barbárie nos EUA é fruto do perfeito funcionamento das instituições encarregadas do processo civilizatório.

Em 2005 escrevi um texto provocativo chamado “A latinoamericanização dos EUA”, retomei o mesmo no GGN há dois anos [link] .

Volto ao tema, pois o processo de latinoamerização dos EUA não foi interrompido. Na verdade ele tem piorado ao longo dos últimos anos. A tributação dos ricos se tornou uma impossibilidade naquele país. E para piorar as coisas, uma decisão judicial recente da Suprema Corte dos EUA vai piorar bastante a vida dos trabalhadores naquele país.

Refiro-me, obviamente, á decisão que permite a Amazon não pagar todas as horas trabalhadas por seus empregados [link].

Os EUA integram a ONU e a OIT. Ninguém precisa ser um especialista em Direito Internacional para concluir que a referida decisão da Suprema Corte dos EUA contraria os princípios instituídos pela Lei Internacional (artigo XXIII, da Declaração Universal dos Direitos Humanos -1948 e art. 7º, do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos e Sociais - 1966).

Além de contrariar princípios internacionais vigentes, fortalecendo dentro dos EUA o unilateralismo que caracterizou a política externa da administração George W. Bush Jr. (segundo a qual os EUA não teriam obrigações internacionais e poderiam exigir e forçar os outros países a se submeter a todas as vontades da Casa Branca e do Pentágono), a decisão da Suprema Corte dos EUA legitimou em solo norte-americano o trabalho análogo ao do escravo. Os escravos não recebiam salário, os trabalhadores norte-americanos não receberão salário por todas as horas de trabalho prestadas.

No Brasil o entendimento da Suprema Corte dos EUA não poderia ser endossado pelo TST ou pelo STF. A CF/88 (art. 7º , XVI) e a CLT (art. 58 e seguintes) garantem ao trabalhador a remuneração pelo trabalhado extraordinário e a jurisprudência consolidou o entendimento de que todo o tempo à disposição do empregador (inclusive o tempo superior a 10 minutos) deve ser remunerado. Não bastasse isto, o art. 203, do Código Penal, prescreve que é crime frustrar mediante fraude ou violência, direito garantido pela legislação do trabalho. Portanto, o empregador não poderia fazer o empregado trabalhar de graça algumas horas por dia mesmo que ele assumisse o compromisso de fazer isto. O empregador que submete seu empregado a condição análoga ao de escravo pode responder pelo crime tipificado no art. 149, do Código Penal.

Não conheço a legislação penal dos EUA, mas não acredito que a mesma deixe de punir a escravização de trabalhadores. Afinal, no século XIX a própria Suprema Corte dos EUA proferiu a decisão que beneficiou um escravo que foi a causa remota da Guerra Civil subseqüente, cujo resultado foi a abolição do repugnante instituto naquele país. Não deixa de ser preocupante, portanto, aquele mesmo tribunal ter permitido à Amazon se apropriar de parte do trabalho de seus empregados como se eles fossem quase escravos.

Há um evidente aprofundamento da barbárie nos EUA. Para falar a verdade, em razão da Suprema Corte daquele país ter proferido uma decisão que nunca seria tomada pelo Judiciário brasileiro no atual estágio de nossa democracia constitucional, creio que os EUA estão ficando bem pior do que a América Latina. O único continente em que as relações de trabalho são tão selvagens é a África.

Esqueçam a latinoamericanização dos EUA. Há um processo de africanização dos EUA.  Isto talvez explique o recente surto de violência policial racista contra os negros norte-americanos. 

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

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