Eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas

18/12/2014 às 10:31
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O presente estudo tem por objetivo fazer análise acerca da eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas.

1 INTRODUÇÃO

Os direitos fundamentais são concebidos, originariamente, como direitos subjetivos públicos, isto é, como direitos do cidadão em face do Estado. Se se considerar que os direitos fundamentais são prima facie direitos contra o Estado, então parece correto concluir que todos os exercentes de funções públicas estão diretamente vinculados aos preceitos consagrados pelos direitos e garantias fundamentais. Devido a isso, os  direitos fundamentais obrigam todos os Poderes do Estado, seja o Legislativo, Executivo ou o Judiciário, nos planos federal, estadual e municipal.

Destarte, na sua concepção tradicional, os direitos fundamentais são direitos de defesa, destinados a proteger o indivíduo contra a intervenção do Poder Público, de forma a assegurar a esfera de liberdade do indivíduo contra interferências ilegítimas do Poder Público.

No entanto, é inegável a crescente opressão e violência contra a pessoa advinda não apenas do Estado, mas de uma variedade de “atores” privados. Assim, os direitos fundamentais são potencialmente lesionados no âmbito da esfera privada, criando novas situações de perigo que demandam o desenvolvimento de instrumentos para combatê-los, por isso a questão da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais ganhou grande complexidade no discurso jurídico atual, dando origem a uma série de teorias no direito constitucional que merecem destaque.

O ponto central do presente estudo consiste em saber como e com que intensidade incidem os direitos fundamentais nas relações travadas entre particulares, já que o indivíduo, diferentemente do Estado, é titular de direitos fundamentais e está investido, pela própria Constituição, em um poder de autodeterminação dos seus interesses privados, não podendo, por esta razão, se sujeitar aos direitos fundamentais da mesma maneira que o Estado.

2 PERSPECTIVA OBJETIVA E SUBJETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

1 INTRODUÇÃO

 

Os direitos fundamentais são concebidos, originariamente, como direitos subjetivos públicos, isto é, como direitos do cidadão em face do Estado. Se se considerar que os direitos fundamentais são prima facie direitos contra o Estado, então parece correto concluir que todos os exercentes de funções públicas estão diretamente vinculados aos preceitos consagrados pelos direitos e garantias fundamentais. Devido a isso, os  direitos fundamentais obrigam todos os Poderes do Estado, seja o Legislativo, Executivo ou o Judiciário, nos planos federal, estadual e municipal.

Destarte, na sua concepção tradicional, os direitos fundamentais são direitos de defesa, destinados a proteger o indivíduo contra a intervenção do Poder Público, de forma a assegurar a esfera de liberdade do indivíduo contra interferências ilegítimas do Poder Público.

No entanto, é inegável a crescente opressão e violência contra a pessoa advinda não apenas do Estado, mas de uma variedade de “atores” privados. Assim, os direitos fundamentais são potencialmente lesionados no âmbito da esfera privada, criando novas situações de perigo que demandam o desenvolvimento de instrumentos para combatê-los, por isso a questão da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais ganhou grande complexidade no discurso jurídico atual, dando origem a uma série de teorias no direito constitucional que merecem destaque.

O ponto central do presente estudo consiste em saber como e com que intensidade incidem os direitos fundamentais nas relações travadas entre particulares, já que o indivíduo, diferentemente do Estado, é titular de direitos fundamentais e está investido, pela própria Constituição, em um poder de autodeterminação dos seus interesses privados, não podendo, por esta razão, se sujeitar aos direitos fundamentais da mesma maneira que o Estado.

2 PERSPECTIVA OBJETIVA E SUBJETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

 

Cada direito fundamental traz em si uma perspectiva subjetiva e outra objetiva. Subjetiva, porque pertence a cada indivíduo a titularidade do direito fundamental em jogo e a prerrogativa de exercê-lo, ou não. Objetiva, porque

a norma de direito fundamental, independentemente da possibilidade de sua subjetivação, sempre contém uma valoração. Nesse sentido, os direitos fundamentais valem juridicamente também do ponto de vista da comunidade, como valores ou fins.  (SARLET, In MARINONI, 2004, p.168)

 

Assim, a norma fundamental, por si só, emana valores eis que refletem um modelo de conduta a ser seguido por todos os membros da comunidade. O valor nela contido, revelado de modo objetivo, espraia-se necessariamente sobre a compreensão e a atuação do ordenamento jurídico. Atribui-se aos direitos fundamentais, dessa forma, uma eficácia irradiante.

Isso significa que os valores objetivamente produzidos pela norma fundamental repercutem no comportamento da comunidade e, por conseqüência, alastram-se por todo o ordenamento jurídico. De acordo com Marinoni (2004, p. 233) tal eficácia irradiante é que faz surgir a tese da interpretação de acordo com os direitos fundamentais.

Destarte, as normas que estabelecem direitos fundamentais, se podem ser subjetivadas, não pertinem somente ao sujeito, mas sim a todos aqueles que fazem parte da sociedade. Com efeito, tais direitos não podem ser pensados apenas do ponto de vista dos indivíduos, enquanto faculdades ou poderes de que estes são titulares, mas valem juridicamente também do ponto de vista da comunidade, como valores ou fins.

Mendes (2004, p. 3) descreve os direitos fundamentais não só como direitos subjetivos, mas também como elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva. Como direitos subjetivos, os direitos fundamentais conferem aos seus titulares a possibilidade de impor seus interesses em face do Estado e, como elemento fundamental da ordem constitucional, formam a base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito democrático com reflexos nas relações entre particulares.

Uma das mais importantes conseqüências da dimensão objetiva está em estabelecer ao Estado um dever de proteção dos direitos fundamentais. Diante dele, fica o Estado obrigado a proteger o indivíduo contra a intervenção do Poder Público, criando uma área de ingerência estatal, ou seja, assegurando a esfera de liberdade daquele indivíduo contra interferências ilegítimas do Poder Público.

A norma de direito fundamental, ao instituir valor, e assim influir sobre a vida social e política, regula o modo de ser das relações entre os particulares e o Estado, assim como as relações apenas entre sujeitos privados. Dessa forma, o valor emanado da norma de direito fundamental repercute na vida social e política da comunidade, travando relações de verticalidade e de horizontalidade (MARINONI, 2004, p. 166-175).

3 EFICÁCIA HORIZONTAL E VERTICAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A questão da eficácia horizontal ou vertical produz efeito prático nos campos fático e jurídico, qual seja, o de se saber a quem são oponíveis os direitos fundamentais do indivíduo. Assim, quando se fala nas eficácias vertical e horizontal, pretende-se aludir à distinção entre a eficácia dos direitos fundamentais sobre o Poder Público e a eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre os particulares.

Quanto ao âmbito de aplicação dos direitos fundamentais, enfatizados e consolidados sob o espírito da teoria liberal-clássica e, por isso, concebidos como limites ao poder estatal, sempre se entendeu que os mesmos limitavam-se à regência das relações públicas, que tinham o Estado em um de seus pólos, não se projetando no cenário das relações jurídicas privadas. (SARMENTO, 2006, p. 193)

Existia, com isso, desproporcionalidade de forças ou poder nas relações travadas entre duas partes, visto que não havia igualdade de condições nos pólos jurídicos. Por isso, diz-se que a eficácia dos direitos fundamentais manifesta-se de forma vertical.

No entanto, com o passar do tempo, é inegável a opressão e a violência contra a pessoa advinda não apenas do Estado, mas de uma variedade de “atores” privados, como denomina Sarmento (2006, p. 193/194), presentes em esferas como o mercado, a família, a sociedade civil e a empresa.

Devido a isso, fala-se na eficácia horizontal dos direitos fundamentais, em que figuram nos pólos da relação partes com idênticas condições de pactuação. Assim, além da incidência das normas, como valores objetivos, sobre as relações entre particulares, um particular pode afirmar o seu direito em relação a outro, consideradas as particularidades da situação concreta e eventual colisão de direitos.

Diante do inegável fato de que direitos fundamentais são potencialmente lesionados no âmbito da esfera privada, criando novas situações de perigo que demandam o desenvolvimento de instrumentos para combatê-los, a questão da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais ganhou grande complexidade no discurso jurídico atual, dando origem a uma variedade de teorias no direito constitucional que merecem destaque.

4 EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES PRIVADAS

4.1 Teoria do State Action

Nos Estados Unidos foi criada a doutrina do State Action, dominante do Século XIX e mesmo ao tempo da República de Weimar, que sustenta orientação segundo a qual os direitos fundamentais destinam-se a proteger o indivíduo contra eventuais ações do Estado, não assumindo maior relevância para as relações de caráter privado.

Dessa forma, nega-se a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, por entender que o único sujeito passivo daqueles seria o Estado, não havendo, assim, vinculação dos particulares pelos direitos fundamentais estabelecidos na Constituição.

Tal doutrina usa como fundamento a literalidade do texto constitucional que se refere aos Poderes Públicos como sujeito passivo da maioria das cláusulas que prevêem os direitos fundamentais.

Ademais, afirmou-se que a eficácia imediata dos direitos fundamentais sobre as relações privadas acabaria por suprimir o princípio da autonomia privada, alterando profundamente o próprio significado do Direito Privado como um todo.

Todavia, um entendimento segundo o qual os direitos fundamentais atuam de forma unilateral na relação entre o cidadão e o Estado acaba por legitimar a idéia de que haveria para o cidadão sempre um espaço livre de qualquer ingerência estatal.

A adoção dessa orientação suscitaria problemas de difícil solução tanto no plano teórico, como no plano prático, pois o próprio campo do Direito Civil está prenhe de conflitos de interesses com repercussão no âmbito dos direitos fundamentais. O benefício concedido a um cidadão configura, não raras vezes, a imposição de restrição a outrem.

Ocorre que a partir dos anos 40, a Suprema Corte americana começou a demonstrar atenuações à doutrina do State Action em seus julgados e passou a adotar paulatinamente a chamada Public Function Theory (Teoria da função pública), segundo a qual os particulares que agissem no exercício de atividade de natureza estatal, estariam também sujeitos aos direitos fundamentais constitucionalmente previstos (SARMENTO, 2006, p. 201)

Outra hipótese de vinculação dos particulares aos direitos fundamentais admitida no direito norte-americano ocorre nos casos em que é possível estabelecer uma conexão mais profunda entre a conduta do particular e alguma entidade governamental.

A teoria do State Action, profundamente associada, segundo Sarmento (2006, p. 209), “ao radical individualismo que caracteriza a Constituição e a cultura jurídica em geral dos Estados Unidos”, apesar de ter sofrido atenuações através da jurisprudência daquele país, não conseguiu até os dias atuais dispensar um tratamento adequado aos direitos fundamentais, tendo em vista que os mesmos sofrem violações não só do Estado, mas de uma série de “grupos, pessoas e organizações privadas”.

4.2 Eficácia Indireta e Mediata dos Direitos Fundamentais

 

Desenvolvida pela doutrina alemã, tornando-se a teoria dominante no direito germânico, sendo adotada pela maioria dos juristas da Alemanha e pela sua Corte Constitucional, sustenta que os direitos fundamentais não ingressam nas relações jurídicas privadas como direitos subjetivos que possam ser invocados por um particular frente ao outro, ou seja, ela nega a aplicação direta dos direitos fundamentais nas relações privadas.

De acordo com esta teoria, os direitos fundamentais não têm por função precípua solver conflitos de direito privado, devendo a sua aplicação realizar-se mediante os meios colocados à disposição pelo próprio sistema jurídico.

Dessa forma, cabe ao legislador, principal destinatário das normas de direitos fundamentais, realizar a aplicação das normas às relações jurídico-privadas e na ausência destas normas haveria a interpretação do poder judiciário em conformidade com os direitos fundamentais.

Segundo eles, portanto, os direitos fundamentais consistiriam numa ordem de valores que se irradia por todos os campos do ordenamento jurídico, inclusive sobre o Direito privado, cujas normas têm de ser interpretadas à sua luz, ou seja, os direitos fundamentais serviriam como princípios de interpretação das cláusulas gerais e conceitos indeterminados do direito privado, como os bons costumes, por exemplo.

A eficácia mediata dos direitos fundamentais refere-se primariamente a uma relação privada entre cidadãos, de modo que o reconhecimento do direito de alguém implica o sacrifício de faculdades reconhecidas a outrem. Em outros termos, a eficácia mediata dos direitos está freqüentemente relacionada com um caso de colisão de direitos. A posição jurídica de um indivíduo em face de outro somente pode prevalecer na medida em que se reconhece a prevalência de determinados interesses sobre outros.

Na lição de Marinoni (2004, p. 172),

quando se pensa em eficácia mediata, afirma-se que a força jurídica dos preceitos constitucionais somente se afirmaria, em relação aos particulares, por meio dos princípios e normas de direito privado. Isso ocorreria através de normas de direito privado – ainda que editadas em razão do dever de proteção do Estado. Além disso, os preceitos constitucionais poderiam servir como princípios de interpretação das cláusulas gerais e conceitos indeterminados suscetíveis de concretização, porém sempre dentro das linhas básicas do direito privado.

São inúmeras as críticas perpetradas contra essa teoria, dentre elas o fato dela não proporcionar uma tutela efetiva dos direitos fundamentais nas relações privadas, já que a proteção de tais direitos dependeria muito da vontade do legislador ordinário, além de causar uma aplicação indeterminada e insegura de normas de direito privado, já que estariam sujeitas à impregnação pelos valores constitucionais.

4.3 Eficácia Direta e Imediata dos Direitos Fundamentais

A teoria da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais, dominante em vários países como Espanha, Portugal, Itália e Argentina, foi concebida na Alemanha, por Hans Carl Nipperdey, destacando-se outros expoentes como Walter Leisner, que se dedicou a estudá-la e aperfeiçoá-la para a elaboração de uma tese.

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De acordo com os teóricos da eficácia imediata, os direitos fundamentais são aplicáveis diretamente em relação aos particulares. Assim, havendo ou não normas infraconstitucionais numa decisão, as normas constitucionais devem ser aplicadas como razões primárias e justificadoras, no entanto não necessariamente como as únicas, mas como normas de comportamento aptas para incidir no conteúdo das relações particulares. (COSTA JÚNIOR, p. 6)

Destarte, os direitos fundamentais têm plena aplicação nas relações privadas, podendo ser invocados diretamente, independentemente de qualquer mediação do legislador infraconstitucional, privilegiando-se, com isso, a atuação do magistrado em cada caso concreto. (SARMENTO, 2006,p. 193-194).

Os defensores dessa teoria, como bem observa Kretz (2005, p. 92), argumentam que o reconhecimento da eficácia direta nas relações entre particulares é uma espécie de cláusula geral que efetiva o sistema de proteção dos direitos fundamentais, como também supre as limitações dos instrumentos de controle do direito privado, uma vez que estes, por si só, somente oferecem uma proteção genérica e fragmentária, fazendo-se necessário, assim, em certos casos, a aplicação direta dos direitos fundamentais.

No entanto, embora se pregue a incidência direta e imediata dos direitos fundamentais na esfera privada, não se negam as especificidades desta incidência, já que é cediço que o indivíduo é dotado de um poder de autodeterminação da sua vontade, chamando a atenção para a necessidade de ponderação entre o direito fundamental em jogo, de um lado, e a autonomia privada dos particulares envolvidos, do outro.

5 EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA ESFERA PRIVADA NO BRASIL

 

Na ordem constitucional pátria, apesar de não havermos recepcionado expressamente um dispositivo no tocante à vinculação e aplicabilidade dos direitos fundamentais aos particulares, como ocorre na Constituição Portuguesa, inexiste argumento capaz de sustentar a negativa de uma eficácia horizontal, ao menos no que concerne aos direitos fundamentais que não possuam como únicos destinatários os poderes públicos.

Assim, dentre os poucos autores que já se manifestaram sobre o presente tema, a maioria sustentou que a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas é direta e imediata, pois a Constituição Federal de 1988 é de índole intervencionista e social, contendo um grande elenco de direitos sociais e econômicos, bem como de inúmeros direitos voltados especialmente contra particulares, como os direitos trabalhistas, por exemplo.

Ademais, não há no texto constitucional brasileiro nada que indique a vinculação direta aos direitos fundamentais apenas por parte dos Poderes Públicos, com exceção, é claro, de alguns direitos que se destinam necessariamente ao Estado, como os direitos do preso, por exemplo. (SARMENTO, 2006, p. 247)

Não obstante essas afirmativas, existem especificidades na incidência desses direitos fundamentais nas relações privadas, sendo necessária a ponderação entre os direitos em jogo e a autonomia privada da pessoa cujo comportamento se pretende restringir.

            A autonomia privada, um dos elementos basilares do direito privado, contudo, não foi negada, mas, pelo contrário, encontra-se reconhecida pela Carta Magna como verdadeiro princípio constitucional, notadamente em seu art. 5º, inciso II, podendo também ser reconhecida na dignidade da pessoa humana, na liberdade, na livre iniciativa.

Desta forma, mostra-se plenamente possível no ordenamento brasileiro a eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações jurídicas entre particulares, sem a eliminação do princípio da autonomia da vontade.

Havendo, numa relação contratual, conflito entre a autonomia da vontade e um direito fundamental, haverá, no caso, não uma colisão entre um direito privado e um direito fundamental, mas sim, entre dois direitos fundamentais, que deverá ser resolvido pela ponderação de valores.

Diante disso, deve-se primar pela ponderação de valores e busca de equilíbrio de modo que nenhuma das partes sacrifique por completo seus direitos, visto que, no caso em questão, ambos são particulares e titulares de direitos fundamentais, os quais devem ser respeitados a todo custo.

A jurisprudência brasileira vem aplicando os direitos fundamentais individuais consagrados na Constituição diretamente na resolução de litígios privados, embora não adentre, na maioria das vezes, na discussão acerca das teorias jurídicas sobre a forma de vinculação dos particulares à esses direitos. Nesse sentido, têm-se alguns precedentes, dentre outro, por exemplo, RE 160.222-8, RE 158.215-4, RE 161.243 e RE 175.161-4.

Todavia, de fato, só em 2005, o Supremo Tribunal Federal – STF voltou a examinar o tema, agora enfrentando a teoria da aplicação dos direitos fundamentais às relações jurídicas. Essa decisão, proferida no Recurso Extraordinário n° 201.819/RJ, é um marco, não por ter sido a primeira, mas porque pela primeira vez, o STF predispôs-se a examinar todas as nuances da discussão.

6 CONCLUSÃO

 

Quando se fala nas eficácias vertical e horizontal, pretende-se distinguir entre a eficácia dos direitos fundamentais sobre o Poder Público e a eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre os particulares.

Justamente por causa de uma eficácia vertical dos direitos fundamentais o Estado, além de obrigado a não agredir os direitos fundamentais tem ainda a missão de fazê-los respeitar pelos particulares. Essa proteção poderá se dar, por exemplo, por meio de normas de proibição ou de imposição de condutas, como o caso da fiscalização e punição contra agressões ao meio ambiente.

Ao lado de uma clássica eficácia vertical dos direitos fundamentais, que obriga ao respeito pelo Poder Público, vemos também uma eficácia horizontal ou privada (erga omnes), que exige a observância dos direitos fundamentais também nas relações entre particulares.

No Brasil, não encontramos dispositivo expresso no tocante à vinculação e aplicabilidade dos direitos fundamentais aos particulares, tal como ocorre em outras Constituições, como na Constituição Portuguesa. Por outro lado, inexiste argumento capaz de sustentar a negativa de uma eficácia horizontal, não sendo possível afirmar que a autonomia privada foi negada, mas sim reconhecida pelo Constituinte, como verdadeiro princípio constitucional, notadamente em seu art. 5º, inciso II, podendo também ser reconhecida na dignidade da pessoa humana, na liberdade, na livre iniciativa.

Desta forma, mostra-se plenamente possível no ordenamento brasileiro a eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações jurídicas entre particulares, sem a eliminação do princípio da autonomia da vontade.

A terceira corrente, defensora da oponibilidade dos direitos fundamentais de forma horizontal - ou seja, entre os particulares - é a que mais se afina com o espírito democrático do Estado de Direito, no qual não só o Poder Público submete-se às normas que ele próprio criou, mas também os particulares entre si.

Dessa forma, não se compreenderiam uma sociedade e uma ordem jurídica em que o respeito da dignidade e da autonomia da pessoa fosse procurado apenas nas relações com o Estado e deixasse de o ser nas relações das pessoas entre si. Não basta, pois, limitar o poder político; é preciso também assegurar o respeito das liberdades de cada pessoa pelas demais pessoas.

            Diante de tudo o que foi exposto neste trabalho, percebemos que o exercício do direito fundamental entre pessoas iguais deve ser moral, sincero, de forma que ninguém seja violado em sua dignidade humana. Caso isso ocorra, o lesado deverá buscar remédios jurídicos que lhe socorram, pois os direitos fundamentais são oponíveis não só em relação ao Estado (eficácia vertical), mas perante os particulares (eficácia horizontal), até porque estamos em um Estado de Direito onde a lei vale para todos e por todos deve ser cumprida.

REFERÊNCIAS

ARAGÃO, Selma Regina. Direitos humanos na ordem mundial. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2000.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 1997.

KRETZ, Andietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Florianópolis: Momento atual, 2005.

MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2002.

MOARES, Guilherme Braga Pena de. Dos direitos fundamentais: contribuições para uma teoria: parte geral. São Paulo: LTr, 1997.

PASSOS, Jorge Luiz Ieski Calmon de. Direitos humanos na reforma do judiciário. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. (Coord.). Reforma do poder judiciário: primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n° 42/2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Marx Limonard, 2002.

ROTHENBURG, Walter Claudius. Direitos Fundamentais e suas características. 5 ed. rev. ampl. atual. Revista de Direitos Constitucional eIinternacional. São Paulo, ano 8, n. 30, p. 146-158, jan./março 2000.

SARMENTO, Daniel. A Vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais no Direito Comparado e no Brasil. In: A nova interpretação constitucional – ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Instrumentos de proteção dos direitos humanos. In: Procuradoria Geral do Estado. Grupo de trabalho de direitos humanos. São Paulo: Centro de Estudo da Procuradoria Geral do Estado, 1997.

Cada direito fundamental traz em si uma perspectiva subjetiva e outra objetiva. Subjetiva, porque pertence a cada indivíduo a titularidade do direito fundamental em jogo e a prerrogativa de exercê-lo, ou não. Objetiva, porque

a norma de direito fundamental, independentemente da possibilidade de sua subjetivação, sempre contém uma valoração. Nesse sentido, os direitos fundamentais valem juridicamente também do ponto de vista da comunidade, como valores ou fins.  (SARLET, In MARINONI, 2004, p.168)

Assim, a norma fundamental, por si só, emana valores eis que refletem um modelo de conduta a ser seguido por todos os membros da comunidade. O valor nela contido, revelado de modo objetivo, espraia-se necessariamente sobre a compreensão e a atuação do ordenamento jurídico. Atribui-se aos direitos fundamentais, dessa forma, uma eficácia irradiante.

Isso significa que os valores objetivamente produzidos pela norma fundamental repercutem no comportamento da comunidade e, por conseqüência, alastram-se por todo o ordenamento jurídico. De acordo com Marinoni (2004, p. 233) tal eficácia irradiante é que faz surgir a tese da interpretação de acordo com os direitos fundamentais.

Destarte, as normas que estabelecem direitos fundamentais, se podem ser subjetivadas, não pertinem somente ao sujeito, mas sim a todos aqueles que fazem parte da sociedade. Com efeito, tais direitos não podem ser pensados apenas do ponto de vista dos indivíduos, enquanto faculdades ou poderes de que estes são titulares, mas valem juridicamente também do ponto de vista da comunidade, como valores ou fins.

Mendes (2004, p. 3) descreve os direitos fundamentais não só como direitos subjetivos, mas também como elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva. Como direitos subjetivos, os direitos fundamentais conferem aos seus titulares a possibilidade de impor seus interesses em face do Estado e, como elemento fundamental da ordem constitucional, formam a base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito democrático com reflexos nas relações entre particulares.

Uma das mais importantes conseqüências da dimensão objetiva está em estabelecer ao Estado um dever de proteção dos direitos fundamentais. Diante dele, fica o Estado obrigado a proteger o indivíduo contra a intervenção do Poder Público, criando uma área de ingerência estatal, ou seja, assegurando a esfera de liberdade daquele indivíduo contra interferências ilegítimas do Poder Público.

A norma de direito fundamental, ao instituir valor, e assim influir sobre a vida social e política, regula o modo de ser das relações entre os particulares e o Estado, assim como as relações apenas entre sujeitos privados. Dessa forma, o valor emanado da norma de direito fundamental repercute na vida social e política da comunidade, travando relações de verticalidade e de horizontalidade (MARINONI, 2004, p. 166-175).

3 EFICÁCIA HORIZONTAL E VERTICAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A questão da eficácia horizontal ou vertical produz efeito prático nos campos fático e jurídico, qual seja, o de se saber a quem são oponíveis os direitos fundamentais do indivíduo. Assim, quando se fala nas eficácias vertical e horizontal, pretende-se aludir à distinção entre a eficácia dos direitos fundamentais sobre o Poder Público e a eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre os particulares.

Quanto ao âmbito de aplicação dos direitos fundamentais, enfatizados e consolidados sob o espírito da teoria liberal-clássica e, por isso, concebidos como limites ao poder estatal, sempre se entendeu que os mesmos limitavam-se à regência das relações públicas, que tinham o Estado em um de seus pólos, não se projetando no cenário das relações jurídicas privadas. (SARMENTO, 2006, p. 193)

Existia, com isso, desproporcionalidade de forças ou poder nas relações travadas entre duas partes, visto que não havia igualdade de condições nos pólos jurídicos. Por isso, diz-se que a eficácia dos direitos fundamentais manifesta-se de forma vertical.

No entanto, com o passar do tempo, é inegável a opressão e a violência contra a pessoa advinda não apenas do Estado, mas de uma variedade de “atores” privados, como denomina Sarmento (2006, p. 193/194), presentes em esferas como o mercado, a família, a sociedade civil e a empresa.

Devido a isso, fala-se na eficácia horizontal dos direitos fundamentais, em que figuram nos pólos da relação partes com idênticas condições de pactuação. Assim, além da incidência das normas, como valores objetivos, sobre as relações entre particulares, um particular pode afirmar o seu direito em relação a outro, consideradas as particularidades da situação concreta e eventual colisão de direitos.

Diante do inegável fato de que direitos fundamentais são potencialmente lesionados no âmbito da esfera privada, criando novas situações de perigo que demandam o desenvolvimento de instrumentos para combatê-los, a questão da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais ganhou grande complexidade no discurso jurídico atual, dando origem a uma variedade de teorias no direito constitucional que merecem destaque.

4 EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES PRIVADAS

4.1 Teoria do State Action

Nos Estados Unidos foi criada a doutrina do State Action, dominante do Século XIX e mesmo ao tempo da República de Weimar, que sustenta orientação segundo a qual os direitos fundamentais destinam-se a proteger o indivíduo contra eventuais ações do Estado, não assumindo maior relevância para as relações de caráter privado.

Dessa forma, nega-se a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, por entender que o único sujeito passivo daqueles seria o Estado, não havendo, assim, vinculação dos particulares pelos direitos fundamentais estabelecidos na Constituição.

Tal doutrina usa como fundamento a literalidade do texto constitucional que se refere aos Poderes Públicos como sujeito passivo da maioria das cláusulas que prevêem os direitos fundamentais.

Ademais, afirmou-se que a eficácia imediata dos direitos fundamentais sobre as relações privadas acabaria por suprimir o princípio da autonomia privada, alterando profundamente o próprio significado do Direito Privado como um todo.

Todavia, um entendimento segundo o qual os direitos fundamentais atuam de forma unilateral na relação entre o cidadão e o Estado acaba por legitimar a idéia de que haveria para o cidadão sempre um espaço livre de qualquer ingerência estatal.

A adoção dessa orientação suscitaria problemas de difícil solução tanto no plano teórico, como no plano prático, pois o próprio campo do Direito Civil está prenhe de conflitos de interesses com repercussão no âmbito dos direitos fundamentais. O benefício concedido a um cidadão configura, não raras vezes, a imposição de restrição a outrem.

Ocorre que a partir dos anos 40, a Suprema Corte americana começou a demonstrar atenuações à doutrina do State Action em seus julgados e passou a adotar paulatinamente a chamada Public Function Theory (Teoria da função pública), segundo a qual os particulares que agissem no exercício de atividade de natureza estatal, estariam também sujeitos aos direitos fundamentais constitucionalmente previstos (SARMENTO, 2006, p. 201)

Outra hipótese de vinculação dos particulares aos direitos fundamentais admitida no direito norte-americano ocorre nos casos em que é possível estabelecer uma conexão mais profunda entre a conduta do particular e alguma entidade governamental.

A teoria do State Action, profundamente associada, segundo Sarmento (2006, p. 209), “ao radical individualismo que caracteriza a Constituição e a cultura jurídica em geral dos Estados Unidos”, apesar de ter sofrido atenuações através da jurisprudência daquele país, não conseguiu até os dias atuais dispensar um tratamento adequado aos direitos fundamentais, tendo em vista que os mesmos sofrem violações não só do Estado, mas de uma série de “grupos, pessoas e organizações privadas”.

4.2 Eficácia Indireta e Mediata dos Direitos Fundamentais

Desenvolvida pela doutrina alemã, tornando-se a teoria dominante no direito germânico, sendo adotada pela maioria dos juristas da Alemanha e pela sua Corte Constitucional, sustenta que os direitos fundamentais não ingressam nas relações jurídicas privadas como direitos subjetivos que possam ser invocados por um particular frente ao outro, ou seja, ela nega a aplicação direta dos direitos fundamentais nas relações privadas.

De acordo com esta teoria, os direitos fundamentais não têm por função precípua solver conflitos de direito privado, devendo a sua aplicação realizar-se mediante os meios colocados à disposição pelo próprio sistema jurídico.

Dessa forma, cabe ao legislador, principal destinatário das normas de direitos fundamentais, realizar a aplicação das normas às relações jurídico-privadas e na ausência destas normas haveria a interpretação do poder judiciário em conformidade com os direitos fundamentais.

Segundo eles, portanto, os direitos fundamentais consistiriam numa ordem de valores que se irradia por todos os campos do ordenamento jurídico, inclusive sobre o Direito privado, cujas normas têm de ser interpretadas à sua luz, ou seja, os direitos fundamentais serviriam como princípios de interpretação das cláusulas gerais e conceitos indeterminados do direito privado, como os bons costumes, por exemplo.

A eficácia mediata dos direitos fundamentais refere-se primariamente a uma relação privada entre cidadãos, de modo que o reconhecimento do direito de alguém implica o sacrifício de faculdades reconhecidas a outrem. Em outros termos, a eficácia mediata dos direitos está freqüentemente relacionada com um caso de colisão de direitos. A posição jurídica de um indivíduo em face de outro somente pode prevalecer na medida em que se reconhece a prevalência de determinados interesses sobre outros.

Na lição de Marinoni (2004, p. 172),

quando se pensa em eficácia mediata, afirma-se que a força jurídica dos preceitos constitucionais somente se afirmaria, em relação aos particulares, por meio dos princípios e normas de direito privado. Isso ocorreria através de normas de direito privado – ainda que editadas em razão do dever de proteção do Estado. Além disso, os preceitos constitucionais poderiam servir como princípios de interpretação das cláusulas gerais e conceitos indeterminados suscetíveis de concretização, porém sempre dentro das linhas básicas do direito privado.

São inúmeras as críticas perpetradas contra essa teoria, dentre elas o fato dela não proporcionar uma tutela efetiva dos direitos fundamentais nas relações privadas, já que a proteção de tais direitos dependeria muito da vontade do legislador ordinário, além de causar uma aplicação indeterminada e insegura de normas de direito privado, já que estariam sujeitas à impregnação pelos valores constitucionais.

4.3 Eficácia Direta e Imediata dos Direitos Fundamentais

A teoria da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais, dominante em vários países como Espanha, Portugal, Itália e Argentina, foi concebida na Alemanha, por Hans Carl Nipperdey, destacando-se outros expoentes como Walter Leisner, que se dedicou a estudá-la e aperfeiçoá-la para a elaboração de uma tese.

De acordo com os teóricos da eficácia imediata, os direitos fundamentais são aplicáveis diretamente em relação aos particulares. Assim, havendo ou não normas infraconstitucionais numa decisão, as normas constitucionais devem ser aplicadas como razões primárias e justificadoras, no entanto não necessariamente como as únicas, mas como normas de comportamento aptas para incidir no conteúdo das relações particulares. (COSTA JÚNIOR, p. 6)

Destarte, os direitos fundamentais têm plena aplicação nas relações privadas, podendo ser invocados diretamente, independentemente de qualquer mediação do legislador infraconstitucional, privilegiando-se, com isso, a atuação do magistrado em cada caso concreto. (SARMENTO, 2006,p. 193-194).

Os defensores dessa teoria, como bem observa Kretz (2005, p. 92), argumentam que o reconhecimento da eficácia direta nas relações entre particulares é uma espécie de cláusula geral que efetiva o sistema de proteção dos direitos fundamentais, como também supre as limitações dos instrumentos de controle do direito privado, uma vez que estes, por si só, somente oferecem uma proteção genérica e fragmentária, fazendo-se necessário, assim, em certos casos, a aplicação direta dos direitos fundamentais.

No entanto, embora se pregue a incidência direta e imediata dos direitos fundamentais na esfera privada, não se negam as especificidades desta incidência, já que é cediço que o indivíduo é dotado de um poder de autodeterminação da sua vontade, chamando a atenção para a necessidade de ponderação entre o direito fundamental em jogo, de um lado, e a autonomia privada dos particulares envolvidos, do outro.

5 EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA ESFERA PRIVADA NO BRASIL

Na ordem constitucional pátria, apesar de não havermos recepcionado expressamente um dispositivo no tocante à vinculação e aplicabilidade dos direitos fundamentais aos particulares, como ocorre na Constituição Portuguesa, inexiste argumento capaz de sustentar a negativa de uma eficácia horizontal, ao menos no que concerne aos direitos fundamentais que não possuam como únicos destinatários os poderes públicos.

Assim, dentre os poucos autores que já se manifestaram sobre o presente tema, a maioria sustentou que a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas é direta e imediata, pois a Constituição Federal de 1988 é de índole intervencionista e social, contendo um grande elenco de direitos sociais e econômicos, bem como de inúmeros direitos voltados especialmente contra particulares, como os direitos trabalhistas, por exemplo.

Ademais, não há no texto constitucional brasileiro nada que indique a vinculação direta aos direitos fundamentais apenas por parte dos Poderes Públicos, com exceção, é claro, de alguns direitos que se destinam necessariamente ao Estado, como os direitos do preso, por exemplo. (SARMENTO, 2006, p. 247)

Não obstante essas afirmativas, existem especificidades na incidência desses direitos fundamentais nas relações privadas, sendo necessária a ponderação entre os direitos em jogo e a autonomia privada da pessoa cujo comportamento se pretende restringir.

            A autonomia privada, um dos elementos basilares do direito privado, contudo, não foi negada, mas, pelo contrário, encontra-se reconhecida pela Carta Magna como verdadeiro princípio constitucional, notadamente em seu art. 5º, inciso II, podendo também ser reconhecida na dignidade da pessoa humana, na liberdade, na livre iniciativa.

Desta forma, mostra-se plenamente possível no ordenamento brasileiro a eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações jurídicas entre particulares, sem a eliminação do princípio da autonomia da vontade.

Havendo, numa relação contratual, conflito entre a autonomia da vontade e um direito fundamental, haverá, no caso, não uma colisão entre um direito privado e um direito fundamental, mas sim, entre dois direitos fundamentais, que deverá ser resolvido pela ponderação de valores.

Diante disso, deve-se primar pela ponderação de valores e busca de equilíbrio de modo que nenhuma das partes sacrifique por completo seus direitos, visto que, no caso em questão, ambos são particulares e titulares de direitos fundamentais, os quais devem ser respeitados a todo custo.

A jurisprudência brasileira vem aplicando os direitos fundamentais individuais consagrados na Constituição diretamente na resolução de litígios privados, embora não adentre, na maioria das vezes, na discussão acerca das teorias jurídicas sobre a forma de vinculação dos particulares à esses direitos. Nesse sentido, têm-se alguns precedentes, dentre outro, por exemplo, RE 160.222-8, RE 158.215-4, RE 161.243 e RE 175.161-4.

Todavia, de fato, só em 2005, o Supremo Tribunal Federal – STF voltou a examinar o tema, agora enfrentando a teoria da aplicação dos direitos fundamentais às relações jurídicas. Essa decisão, proferida no Recurso Extraordinário n° 201.819/RJ, é um marco, não por ter sido a primeira, mas porque pela primeira vez, o STF predispôs-se a examinar todas as nuances da discussão.

6 CONCLUSÃO

Quando se fala nas eficácias vertical e horizontal, pretende-se distinguir entre a eficácia dos direitos fundamentais sobre o Poder Público e a eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre os particulares.

Justamente por causa de uma eficácia vertical dos direitos fundamentais o Estado, além de obrigado a não agredir os direitos fundamentais tem ainda a missão de fazê-los respeitar pelos particulares. Essa proteção poderá se dar, por exemplo, por meio de normas de proibição ou de imposição de condutas, como o caso da fiscalização e punição contra agressões ao meio ambiente.

Ao lado de uma clássica eficácia vertical dos direitos fundamentais, que obriga ao respeito pelo Poder Público, vemos também uma eficácia horizontal ou privada (erga omnes), que exige a observância dos direitos fundamentais também nas relações entre particulares.

No Brasil, não encontramos dispositivo expresso no tocante à vinculação e aplicabilidade dos direitos fundamentais aos particulares, tal como ocorre em outras Constituições, como na Constituição Portuguesa. Por outro lado, inexiste argumento capaz de sustentar a negativa de uma eficácia horizontal, não sendo possível afirmar que a autonomia privada foi negada, mas sim reconhecida pelo Constituinte, como verdadeiro princípio constitucional, notadamente em seu art. 5º, inciso II, podendo também ser reconhecida na dignidade da pessoa humana, na liberdade, na livre iniciativa.

Desta forma, mostra-se plenamente possível no ordenamento brasileiro a eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações jurídicas entre particulares, sem a eliminação do princípio da autonomia da vontade.

A terceira corrente, defensora da oponibilidade dos direitos fundamentais de forma horizontal - ou seja, entre os particulares - é a que mais se afina com o espírito democrático do Estado de Direito, no qual não só o Poder Público submete-se às normas que ele próprio criou, mas também os particulares entre si.

Dessa forma, não se compreenderiam uma sociedade e uma ordem jurídica em que o respeito da dignidade e da autonomia da pessoa fosse procurado apenas nas relações com o Estado e deixasse de o ser nas relações das pessoas entre si. Não basta, pois, limitar o poder político; é preciso também assegurar o respeito das liberdades de cada pessoa pelas demais pessoas.

            Diante de tudo o que foi exposto neste trabalho, percebemos que o exercício do direito fundamental entre pessoas iguais deve ser moral, sincero, de forma que ninguém seja violado em sua dignidade humana. Caso isso ocorra, o lesado deverá buscar remédios jurídicos que lhe socorram, pois os direitos fundamentais são oponíveis não só em relação ao Estado (eficácia vertical), mas perante os particulares (eficácia horizontal), até porque estamos em um Estado de Direito onde a lei vale para todos e por todos deve ser cumprida.

REFERÊNCIAS

ARAGÃO, Selma Regina. Direitos humanos na ordem mundial. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2000.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 1997.

KRETZ, Andietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Florianópolis: Momento atual, 2005.

MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2002.

MOARES, Guilherme Braga Pena de. Dos direitos fundamentais: contribuições para uma teoria: parte geral. São Paulo: LTr, 1997.

PASSOS, Jorge Luiz Ieski Calmon de. Direitos humanos na reforma do judiciário. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. (Coord.). Reforma do poder judiciário: primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n° 42/2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Marx Limonard, 2002.

ROTHENBURG, Walter Claudius. Direitos Fundamentais e suas características. 5 ed. rev. ampl. atual. Revista de Direitos Constitucional eIinternacional. São Paulo, ano 8, n. 30, p. 146-158, jan./março 2000.

SARMENTO, Daniel. A Vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais no Direito Comparado e no Brasil. In: A nova interpretação constitucional – ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Instrumentos de proteção dos direitos humanos. In: Procuradoria Geral do Estado. Grupo de trabalho de direitos humanos. São Paulo: Centro de Estudo da Procuradoria Geral do Estado, 1997.

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Sobre o autor
Fabiana Neiva Nunes Azevedo

Advogada da União lotada na Procuradoria Regional da União - PRU 1ª Região, em Brasília. Foi, também, Analista do Superior Tribunal de Justiça e Procuradora da Fazenda Nacional. Pós-graduada em Direito Público e em Direito Privado pela Universidade Federal do Piauí. Graduada em Direito pelo Instituto de Ciências Jurídicas e Sociais Prof. Camillo Filho.

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