O contrato de franquia e sua cessação: breves notas sobre a indenização de clientela à luz dos sistemas de Portugal e do Brasil

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O estudo consiste na apresentação do contrato de franquia e na análise da incidência da indenização de clientela eventualmente devida ao franqueado nas hipóteses de cessação do contrato de franquia, numa perspectiva comparada entre Brasil e Portugal.

1. RESUMO.

O estudo consiste na breve apresentação do contrato de franquia e na análise da incidência da indenização de clientela eventualmente devida ao franqueado nas hipóteses de cessação do contrato de franquia, sob abordagens da doutrina e da jurisprudência numa perspectiva comparada dos sistemas jurídicos de Portugal e do Brasil.

2. INTRODUÇÃO.

No âmbito dos contratos de franquia, destaca-se a compreensão adequada das hipóteses que demandam o pagamento dessa indenização ao franqueado, sobre a qual residem controvérsias jurídicas.

O estudo em tela não pretende aprofundar as modalidades do contrato de franquia (de distribuição, de serviços, e industrial ou de produção) ou os seus elementos, nem a distinção em face de figuras próximas (contratos: de exploração de marca, de concessão comercial, de licença de saber-fazer ou know-how, agência, contrato de trabalho, contrato de sociedade) ou a fase de pré-contrato.

A estrutura do presente trabalho, inicialmente, trará noções gerais sobre o contrato de franquia para, em seguida, tratar dos contornos da caracterização da citada indenização em face da cessação do contrato de franquia. Ao final, serão destacadas as conclusões mais relevantes.

3. NOÇÕES SOBRE O CONTRATO DE FRANQUIA: HISTÓRICO E CONSIDERAÇÕES GERAIS DA FRANQUIA EM PORTUGAL E NO BRASIL.

O surgimento das primeiras relações de franquia (franchising)[1] remonta à segunda metade do século XIX, quando a empresa americana Singer Sewing Machine Company, fabricante de máquinas de costura, propôs a comerciantes independentes que se dispusessem a seguir algumas regras, ter como a denominação Singer como a marca de suas lojas com vantagens comerciais na distribuição dos produtos, estratégia que se comprovou eficaz, passando essa marca a ser conhecida em todo o território americano.

Por volta dos anos de 1898 e 1899, a General Motors aderiu ao sistema de franquias visando estender sua revenda; da mesma forma, a Coca-Cola promoveu seu crescimento por meio da concessão de franquias para engarrafamento e distribuição de bebidas, segundo o conceito de franquia de fabricação.[2] Embora não tenha sido a precursora da franquia, a rede fast-food McDonald´s é referência clássica no ramo, tendo sido, a partir da década de 1950, uma das empresas que mais utilizaram a franquia, com ampliação de vendas e novos negócios em centena de países.[3]

Com o fim da 2ª Guerra Mundial, os Estados Unidos vivenciaram alto crescimento desse negócio, em razão do envolvimento no trabalho por conta própria de ex-combatentes, sem experiência no comércio, exercendo as vantagens do sistema de franquia com a padronização de operação, administração, marketing e padrão visual de lojas ou fábricas.[4] Na Europa, o franchising adquiriu implantação crescente desde o início dos anos 70 do século XX.[5]

As definições de franquia encontradas na doutrina e legislação comparadas e por associações nacionais e internacionais variam de foco, ora observando o formalismo jurídico, ora o pragmático mundo dos negócios.[6]

Da análise das definições e formas de classificação da franquia, algumas noções são comuns[7], como: 1)intervenção no negócio por duas pessoas, o franqueador e o franqueado, ambos empresários; 2)contrato a título oneroso, que visa ao lucro, daí a natureza mercantil da franquia; 3) inexistência de vínculo laboral entre franqueador e franqueado (o vínculo entre franqueado e empregados não inclui o franqueador), mas uma relação jurídica horizontal, de cooperação; 4)embora o negócio só envolva diretamente o franqueador e o franqueado, as obrigações não são meramente recíprocas (ambos têm obrigações vis-à-vis à rede de franqueados – network, quanto a unidade de procedimentos, território de atuação, identidade visual de produtos, uniformidade de empregados e publicidade, por exemplo); 5)é em regra intuitu personae, não admitindo a sub-rogação pessoal, em especial quanto ao franqueado, de quem se exige presença física à frente dos negócios; 6) embora não seja obrigatório, em regra, o contrato de franquia é celebrado por tempo determinado, no qual todas as obrigações deverão ser cumpridas.

Dentre as características das empresas que alcançam o sucesso com a franquia, destacam-se: 1)são empresas detentoras de marcas fortes com apelo junto ao público consumidor, 2)seus produtos e/ou serviços respondem a anseios do mercado consumidor, 3)sua tecnologia de instalação, operacionalização e comercialização no varejo é eficaz e pode ser facilmente transferida, com treinamento e supervisão ao empreendedor interessado, 4)os pontos de comercialização de produtos e/ou serviços podem ser padronizados e instalados com certa facilidade, em qualquer local ou território, 5)os investimentos necessários à instalação e as despesas com operação dos pontos de venda são compatíveis com a rentabilidade do negócio.[8]

Em Portugal, cujo Direito Civil é orientado pelo Princípio da liberdade contratual[9] e pelo dever de boa fé [10], o contrato de franquia surgiu na prática dos negócios e não tem regulamentação normativa expressa[11], daí sua qualificação como contrato atípico, que pode ser definido pela quase unanimidade da doutrina e jurisprudência em Portugal e na Comunidade Européia, como: “contrato pelo qual alguém (o franquiador) autoriza e possibilita que outrem (franquiado), mediante contrapartida, actue comercialmente (produzindo e/ou vendendo produtos ou serviços), de modo estável, com a fórmula de sucesso do primeiro (sinais distintivos, conhecimentos, assistência) e surja aos olhos do público com a sua imagem empresarial, obrigando-se o segundo a actuar nestes termos, a respeitar as indicações que forem sendo dadas e aceitar o controlo e a fiscalização a quer for sujeito”.[12] Assim, considerando a relação obrigacional que consta do seu conteúdo, o contrato de franquia é considerado um “contrato atípico puro que adopta a estrutura de um contrato-quadro complexo (atendendo à amplitude e riqueza de seu conteúdo)”[13].

Na Europa, os cinco elementos do contrato de franquia[14] são: 1)concessão de licença de marca e/ou direito de uso de sinais de comércio do franqueador (eventualmente, de licença de patente); 2)transmissão de know-how (saber fazer), 3)prestação de assistência do franqueador ao franqueado; 4)controle da atividade do franqueado pelo franqueador; 5)prestações pecuniárias do franqueado ao franqueador.

No Direito Brasileiro, a franquia é regulada nos termos da Lei nº 8.955/94 e conta com definição legal no seu art. 2º.[15] A lei brasileira define um conceito de franquia empresarial bastante similar ao conceito da IFA- International Franchise Association[16] e do Departamento de Comércio dos Estados Unidos, os quais possuem os seguintes elementos: franqueador, franqueado, remuneração pelo uso da franquia (taxa, royalties), a questão da exclusividade ou semi-exclusividade; ainda, a ausência de vínculo empregatício, com autonomia entre franqueador e franqueado, pelo menos, no aspecto jurídico.[17]

Um dos destaques da lei brasileira, que por ora não será aprofundado, é a fase pré-contratual que demanda negociações entre as partes, a partir do fornecimento pelo franqueado de uma Circular de Oferta de Franquia com inúmeras informações obrigatórias dispostas legalmente (arts.3º e 4º), além da necessidade de um pré-contrato-padrão para o caso de haver contratos preliminares (inciso XV, do art.3º).[18]

Considerando que o contrato de franquia é considerado um contrato de adesão (o franqueador apresenta uma minuta impressa e em relação à maior parte das cláusulas não aceita modificações), algumas premissas relacionadas às disposições do Código Civil brasileiro vigente devem ser consideradas, como: “1) a liberdade de contratar é exercida em razão e nos limites da função social do contrato (art.421; 2) os contratantes obrigam-se pelos princípios da boa-fé e da probidade (art.422); 3) quando houver, no contrato de adesão, cláusulas ambíguas ou contraditórias, será dotada interpretação mais favorável ao aderente (art.423).” [19]

4. A CESSAÇÃO DO CONTRATO DE FRANQUIA E A INDENIZAÇÃO DE CLIENTELA DEVIDA AO FRANQUEADO.

4.1. Indenização de Clientela no Direito Português.

No contexto do Direito Português, não existe uma lei que regulamente o contrato de franquia, o que faz com que nas hipóteses relativas aos efeitos da cessação do contrato de franquia, muitas vezes seja utilizado, por a analogia, o Decreto-Lei n.178/86, que trata do contrato de agência.

A doutrina e a jurisprudência portuguesa divergem acerca da aplicação do instituto da indenização da clientela no Direito Português, como um dos direitos das partes em razão da cessação do contrato de franquia, haja vista que o cerne da controvérsia diz respeito à aplicação, por analogia, do art. 33, DL n.178/86 (indenização de clientela em contrato de agência). [20]

Independente das diferentes hipóteses de cessação do contrato, há aqueles que entendem que a utilização da referida analogia não seria possível[21], porquanto contratos de franquia e de agência não se assemelham, possuindo características que, ao invés de aproximá-los, os distanciam (no caso da franquia o fator de atração de clientela, sua manutenção e expansão é a marca, o nome do estabelecimento ou a insígnia do franqueador).[22]

Para os que são favoráveis à analogia, inclusive, no caso de extinção natural do contrato, é necessária a análise em cada caso concreto a fim de verificar se os sujeitos que desempenharam funções, cumpriram tarefas e prestaram os mesmos serviços que recaem sobre o agente, “em termos de eles próprios deverem ser considerados pela actividade que exerceram, como um relevante factor de atracção da clientela[23], o que, no caso da franquia estaria para além da marca e dos sinais distintivos do franqueador; além de, logicamente, não ser imputável ao franqueado a culpa como a causa da cessação do contrato.

Cite-se, ainda, no entendimento pela possibilidade da “indenização” de clientela, sua justificativa como forma de compensação ao franqueado, no sentido previsto pelo legislador português, no final do item 4 do preâmbulo do DL 178/86 [24], ou , caso se opte por uma interpretação restritiva do art.33º dessa norma, que se possa recorrer às regras do enriquecimento sem causa.[25]{C} {C}[26]

Quanto à jurisprudência portuguesa, há entendimento de que é aplicável por analogia, do art. 33, DL n.478/86, porém, a análise deve ser casuística, no seguinte sentido: o motivo de rescisão contratual não pode ser imputado ao franqueado e a ele cabe o ônus de comprovar a mais-valia do franqueador em relação ao ganho da clientela decorrente da conjugação de esforços do franqueado para tanto[27]. Como também, há entendimento no sentido negativo.[28]{C} {C}[29]

Diante do exposto, sobre o sistema português, é possível deduzir que, se houvesse uma legislação em Portugal tratando do contrato de franquia, as controvérsias jurídicas restariam superadas e haveria um tratamento mais uniforme acerca do tema, prestigiando-se os Princípios da Igualdade e da Segurança Jurídica, já que os Tribunais teriam um parâmetro relacionado especificamente ao contrato de franquia e não haveria controvérsia acerca do uso da analogia em relação ao contrato de agência.

Ainda, sob uma perspectiva prática sobre o tema, é razoável utilizar, mutatis mutandis, o preâmbulo da exposição de motivos do DL n.178/86, aplicando a indenização de clientela na franquia.

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4.2. Indenização de Clientela no Direito Brasileiro.

No Brasil, diferentemente de Portugal, existe uma lei específica – Lei 8.955/94 - trazendo em seu bojo, dentre outros aspectos, o conceito do contrato de franquia, bem como o dever do franqueador fornecer ao franqueado a circular de oferta de franquia, instrumento este que deve conter todos os dados e informações necessárias para que o franqueado possa analisar a oportunidade de investimento em determinada franquia, o que deve estar em plena sintonia com deveres instrumentais decorrentes da boa-fé objetiva – deveres de proteção, de lealdade e de informação (arts. 113, 187 e 422 do Código Civil).[30]

Ocorre que a supracitada Lei não faz qualquer menção, no caso de cessação do contrato de franquia, ao instituto da indenização de clientela (diversa da indenização por ruptura propriamente dita), devendo-se aplicar as regras do Código Civil – Lei nº 10.406/2002, como entende a doutrina que comenta o assunto. [31]

Os Tribunais brasileiros, ao contrário de Portugal (para aqueles que a aceitam ou que seria, na verdade, uma compensação), entendem a indenização de clientela no sentido de indenização propriamente dita, de ressarcimento por um dano sofrido, assim, seu cabimento dá-se tão somente em caso de preenchimento dos requisitos da responsabilidade civil e do enriquecimento sem causa.[32] Nessa linha, os tribunais brasileiros não dissociam a indenização de clientela de ato ilícito, assim, o franqueado apenas estará acobertado pelo direito à indenização quando houver a cessação contratual em decorrência de vício, v.g., rescisão sem justa causa do contrato pelo franqueador, ou quando houver a previsão contratual de indenização de clientela no caso de extinção natural do vínculo.

Com o devido respeito, o entendimento esposado pelos Tribunais brasileiros não é aquele que melhor se subsume aos comandos normativos constitucionais e infraconstitucionais que regem a matéria. Com efeito, o surgimento dos direitos sociais e o seu reconhecimento, almejando-se, por conseguinte, um equilíbrio contratual no plano fático, levou ao surgimento do dirigismo contratual.

Nesse diapasão, uma das formas de dirigismo contratual do direito brasileiro é condicionar o exercício da liberdade de contratar aos princípios da função social do contrato[33] e da boa-fé objetiva.

Destarte, o entendimento de que não há direito à indenização de clientela, mesmo em caso de extinção natural do contrato em que fique devidamente comprovado ganho de clientela em decorrência de atos do franqueado (trabalhar melhor o conceito), fere os princípios acima mencionados.

Nesse sentido, também é possível deduzir, no caso do Brasil, que a existência de legislação tratando da indenização de clientela no contrato de franquia afastaria as dúvidas jurídicas existentes e ocorreria o melhor tratamento do tema, inclusive, em consonância com o Código Civil.

5. CONCLUSÃO

Consoante exposto, pode-se deduzir que o histórico mundial e as noções gerais do contrato de franquia no âmbito dos ordenamentos de Portugal e Brasil têm demonstrado a importância de sua regulação e do equilíbrio das relações entre franqueador e franqueado, no sentido do sucesso do negócio e da própria segurança jurídica do contrato de franquia.

No que se refere à indenização de clientela como uma das conseqüências da cessação do contrato de franquia, dentre as conclusões do presente estudo, que foram apontadas ao final do desenvolvimento de cada tópico (3.1 e 3.2), ressaltam-se: a) apesar da inexistência de legislação em Portugal sobre o contrato de franquia, o que traria maior segurança jurídica, é claro o avanço do sistema de Portugal que entende que a indenização de clientela é devida, ainda que tenha ocorrido extinção natural do contrato, inclusive, como forma de compensação e não de indenização; b) no Brasil, cuja lei não trata da indenização de clientela, também a fim de dar segurança jurídica e aplicação a esse instituto, seria de extrema valia uma previsão legal específica sobre a matéria.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CORDEIRO, António Menezes. Do contrato de franquia (franchising): autonomia privada versus tipicidade negocial. Disponível em <URL http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/MCordeiro88.pdf>, acesso em 20/12/2011.

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WALD, Arnoldo (Org.). Direito empresarial: contratos mercantis, v.4. são Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

Sobre a autora
Gerlena Maria Santana de Siqueira

Procuradora Federal da Procuradoria-Geral Federal/Advocacia-Geral da União. Graduada pela Universidade Federal do Ceará. Mestre em Ciências Jurídico-Administrativas pela Universidade do Porto. Ex Coordenadora-Geral de Assuntos Jurídicos do Ministério do Meio Ambiente. Ex Presidente da Câmara Especial Recursal do Conselho Nacional do Meio Ambiente.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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