As forças armadas na Constituição de 1988 e a Emenda Constitucional nº 77/2014

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Este trabalho apresenta, através de pesquisas realizadas no âmbito das Forças Armadas e sob uma perspectiva constitucional, uma breve análise do instituto da dedicação exclusiva, aplicado aos militares.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

1  A POSIÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA CF/88

1.1 O TRATAMENTO DIFERENCIADO DESTINADO AOS MILITARES

1.2 A LEI COMPLEMENTAR 97/2009

2. O REGIME DE DEDICAÇÃO EXCLUSIVA

2.1 A DEDICAÇÃO E A IMINÊNCIA DE GUERRA EXTERNA 

2.2 A ATUAÇÃO NAS ATIVIDADES DE GARANTIA DA LEI E DA ORDEM

3. A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 77/2014

3.1 A NECESSIDADE DE QUALIFIC

AÇÃO DOS MILITARES PROFISISIONAIS DAS DIVERSAS ÁREAS

3.2  A POSIÇÃO DO ESTATUTO DOS MILITARES ANTE A EMENDA 77

CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS 

RESUMO

Este trabalho apresenta, através de pesquisas realizadas no âmbito das Forças Armadas e sob uma perspectiva constitucional, uma breve análise do instituto da dedicação exclusiva, aplicado aos militares, bem como sua aplicação em relação ao instituído pela Emenda Constitucional nº 77/2014. Entretanto, objetiva-se um questionamento a respeito da aplicabilidade desta emenda no que diz respeitos aos militares profissionais das diversas áreas.

Tentará questionar os argumentos utilizados pelas Forças Armadas para a flexibilização do horário do expediente e a autorização para o acúmulo de cargo público pelos profissionais da área de saúde em detrimento de outros profissionais.

Palavras-chave: Forças Armadas; Dedicação Exclusiva; e Emenda Constitucional. 

ABSTRACT

               This work presents , through research carried out in the Armed Forces and under a constitutional perspective, a brief analysis of the Institute of exclusive dedication , applied to the military, as well as its application in relation to that established by Constitutional Amendment No. 77/2014 . However , the objective is a dispute regarding the applicability of this AD in that concerning military professionals from various areas .

               Try to question the arguments used by the Armed Forces for the flexible office hours and the authorization for the position of accumulation by public health professionals at the expense of other professionals.

Keywords: Military ; Exclusive Dedication ; and Constitutional Amendment

INTRODUÇÃO

            De início será analisada a posição ocupada pelos militares das Forças Armadas na Constituição da República. Rapidamente esclareceremos o tratamento diferenciado dado aos militares.

Mas, o cerne do presente trabalho visa apresentar argumentos que evidenciem o chamado regime de “dedicação exclusiva” – expressão utilizada no âmbito das Forças Armadas para estabelecer a exclusividade com que é prestada a atividade militar na qual os militares ficam submetidos a partir do ingresso nas fileiras da Marinha, Exército e Aeronáutica – traçando um paralelo com a recente Emenda Constitucional nº 77/2014 no sentido da relativização dessa dedicação, bem como a abrangência da referida alteração em relação aos profissionais que não sejam da área de saúde. 

Tentaremos trazer à discussão, algumas questões acerca da flexibilização dessa dedicação no contorno nacional, para que se possa chegar a algumas conclusões no sentido de que possam ferir alguns princípios constitucionais basilares.

Será analisada ainda a questão da iminência de guerra externa em que todas as nações estão sujeitas frente ao acúmulo de cargo público regulamentado pela Emenda citada e como ficaria a situação dos militares convocados para este estado de exceção.

Ainda será tratado sobre a posição do Estatuto dos Militares, em relação ao tema em debate, que mesmo sendo anterior à referida Emenda Constitucional, já previa tal instituto, fazendo uma comparação entre esta e aquela.

1. A POSIÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA CF/88

            As Forças Armadas ocupam um capítulo inteiro, ainda que pequeno, do texto constitucional (Título IV, Capítulo II), mas o inciso X, por exemplo, delega ao legislador infraconstitucional a tarefa de dispor sobre ingresso, limites de idade e outras coisas mais, afetas as Forças Armadas.

            Encontra-se situada entre o capítulo que trata sobre a Defesa do Estado e das Instituições Democráticas e o que versa sobre a Segurança Pública.

            É inegável que a destinação das Forças Armadas é constitucionalmente definida e se insere no contexto de um Estado Social Democrático de Direito. E como se pode observar, não há dicotomia nessa questão a não ser quando, na opinião de muitos, ocorre o “desvio” da finalidade quando do emprego dos militares nas atividades de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), assunto que trataremos em seção específica.

            A Constituição Federal de 1988 e a Lei Complementar nº 97/99 conferem às Forças Armadas três destinações específicas, assim agrupadas: primárias, secundárias e subsidiárias. Primariamente, as Forças Armadas destinam-se à defesa da pátria, resguardando o território nacional contra qualquer inimigo estrangeiro, para garantir a sua independência, integridade e soberania. Secundariamente e não menos importante, garantem os poderes constituídos: são necessárias para que estes possam realizar livremente suas funções. Já, subsidiariamente, cabe às Forças Armadas assegurar o respeito à lei e à ordem, por iniciativa de qualquer dos poderes constituídos. Adverte-se que essa competência, além de subsidiária, é transitória, porque a tarefa de defesa da ordem interna cabe inicialmente às polícias militares; e, quando estas são insuficientes para conter a desordem, as Forças Armadas só podem atuar o tempo necessário para restabelecer da ordem rompida. [1]

Vale lembrar ainda que compete às Forças Armadas atribuições subsidiárias particulares caracterizadas, de um lado, por estarem voltadas a áreas ainda não atraentes à iniciativa privada. De forma diferente, por ocorrerem dentro da estratégia governamental, que visa a melhorar a qualidade de vida da população e a colocar o país em um nível de desenvolvimento tal qual lhe permita ser respeitado em importantes foros internacionais.

Outro aspecto bastante importante relacionado aos militares e suas funções é que o legislador constituinte, assim como o fez nas constituições anteriores, determinou que, no desempenho da função militar, as Forças Armadas encontram-se vinculadas a dois princípios norteadores e basilares de organização que são: a hierarquia e a disciplina.[2]

Parece claro que a hierarquia e a disciplina militar não podem ser caracterizadas como meras faculdades e atuação da Administração Pública, mas tratam-se de verdadeiros princípios de direito. De plano, porque a Constituição cita em todo o regime jurídico instituído no Título V sob esses dois postulados, mostrando claramente a importâncias desses institutos. Derradeiramente, a hierarquia e a disciplina militar possuem natureza de valores morais e finalística características próprias dos princípios  constitucionais de direito.[3]

1.1 O TRATAMENTO DIFERENCIADO DESTINADO AOS MILITARES           

            A constituição Federal inicia o tratamento diferenciado aos militares, através do mesmo dispositivo em que está inserida a sua destinação constitucional:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.[4]   

            E com grande êxito a Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vem tecendo comentários bastante esclarecedores a respeito do assunto, senão vejamos:

“Os militares, indivíduos que são, não foram excluídos da garantia constitucional da individualização da pena. Digo isso porque, de ordinário, a CF de 1988, quando quis tratar por modo diferenciado os servidores militares, o fez explicitamente. Por ilustração, é o que se contém no inciso LXI do art. 5º do Magno Texto, a saber: ‘ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei’. Nova amostragem está no preceito de que ‘não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares’ (§ 2º do art. 142). Isso sem contar que são proibidas a sindicalização e a greve por parte do militar em serviço ativo, bem como a filiação partidária (incisos IV e V do § 3º do art. 142). De se ver que esse tratamento particularizado decorre do fato de que as Forças Armadas são instituições nacionais regulares e permanentes, organizadas com base na hierarquia e disciplina, destinadas à defesa da Pátria, garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem (cabeça do art. 142). Regramento singular, esse, que toma em linha de conta as ‘peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra’ (inciso X do art. 142). É de se entender, desse modo, contrária ao texto constitucional a exigência do cumprimento de pena privativa de liberdade sob regime integralmente fechado em estabelecimento militar, seja pelo invocado fundamento da falta de previsão legal na lei especial, seja pela necessidade do resguardo da segurança ou do respeito à hierarquia e à disciplina no âmbito castrense. Ordem parcialmente concedida para determinar ao Juízo da execução penal que promova a avaliação das condições objetivas e subjetivas para progressão de regime prisional, na concreta situação do paciente, e que aplique, para tanto, o CP e a Lei 7.210/1984 naquilo que for omissa a lei castrense.[5]

E ainda:

"Habeas Corpus. Crimes de homicídio e lesão corporal grave contra militar em operação de transporte de fardamento do exército. Colisão do veículo do paciente com a viatura militar. Imputação de dolo eventual. Agente civil. Inocorrência de crime militar. Interpretação estrita da função de natureza militar. Excepcionalidade da justiça castrense para o julgamento de civis em tempo de paz. Ao contrário do entendimento do STM, é excepcional a competência da Justiça castrense para o julgamento de civis, em tempo de paz. A tipificação da conduta de agente civil como crime militar está a depender do ‘intuito de atingir, de qualquer modo, a Força, no sentido de impedir, frustrar, fazer malograr, desmoralizar, ou ofender o militar, ou o evento, ou situação em que este esteja empenhado’ (CC 7.040, da relatoria do Min. Carlos Velloso). O cometimento do delito militar por agente civil em tempo de paz se dá em caráter excepcional. Tal cometimento se traduz em ofensa àqueles bens jurídicos tipicamente associados à função de natureza militar: defesa da Pátria, garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem (art. 142 da CF). No caso, a despeito de as vítimas estarem em serviço no momento da colisão dos veículos, nada há na denúncia que revele a vontade do paciente de se voltar contra as Forças Armadas, tampouco a de impedir a continuidade de eventual operação militar ou atividade genuinamente castrense." [6]

            Além de outras distinções, percebe-se aquelas advindas dos incisos do parágrafo 3º do mesmo artigo:                                

§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições:        

                                       I - as patentes, com prerrogativas, direitos e deveres a elas inerentes, são conferidas pelo Presidente da República e asseguradas em plenitude aos oficiais da ativa, da reserva ou reformados, sendo-lhes privativos os títulos e postos militares e, juntamente com os demais membros, o uso dos uniformes das Forças Armadas;[7]

            Claro está o tratamento diferenciado, pois como se percebe deste dispositivo os militares são assim denominados e não, simplesmente agentes públicos, mas sim uma categoria especial, qual seja, a de militares.

            Podemos observar este tratamento diferenciado inclusive no que diz respeito a algumas vedações, como por exemplo o inciso IV:      

IV - ao militar são proibidas a sindicalização e a greve;

            Sobre essa vedação, recente julgado do STF traz os argumentos utilizados para tentar explicar essa proibição, como se segue:

"Os servidores públicos são, seguramente, titulares do direito de greve. Essa é a regra. Ocorre, contudo, que entre os serviços públicos há alguns que a coesão social impõe sejam prestados plenamente, em sua totalidade. Atividades das quais dependam a manutenção da ordem pública e a segurança pública, a administração da Justiça – onde as carreiras de Estado, cujos membros exercem atividades indelegáveis, inclusive as de exação tributária – e a saúde pública não estão inseridos no elenco dos servidores alcançados por esse direito. Serviços públicos desenvolvidos por grupos armados: as atividades desenvolvidas pela polícia civil são análogas, para esse efeito, às dos militares, em relação aos quais a Constituição expressamente proíbe a greve (art. 142, § 3º, IV)".[8]

 

            E não param por aí as vedações. Vejamos o que diz o inciso V a respeito da filiação a partidos políticos:

V - o militar, enquanto em serviço ativo, não pode estar filiado a partidos políticos;

                       Em julgado antigo, ainda sob a Relatoria do Ministro Carlos Velloso o Plenário do órgão Guardião da Constituição assim se manifestou:

"Se o militar da ativa é alistável, é ele elegível (CF, art. 14, § 8º). Porque não pode ele filiar-se a partido político (CF, art 42, § 6º), a filiação partidária não lhe é exigível como condição de elegibilidade, certo que somente a partir do registro da candidatura é que será agregado (CF, art. 14, § 8º, II; Cód. Eleitoral, art. 5º, parágrafo único; Lei 6.880, de 1980, art. 82, XIV, § 4º)." (AI 135.452, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 20-9-1990, Plenário, DJ de 14-6-1991.)

                       E, por fim, o inciso X do art. 142 vem ratificar o tratamento diferenciado dado à esta categoria:

X - a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra.

            E vale destacar aqui, as recentes decisões do Tribunal Supremos a respeito deste dispositivo:

“Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial.” [9]     

      
 “Embargos de declaração acolhidos para deixar expresso que a modulação da declaração de não recepção da expressão ‘nos regulamentos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica’ do art. 10 da Lei 6.880/1980 não alcança os candidatos com ações ajuizadas nas quais se discute o mesmo objeto deste recurso extraordinário. Prorrogação da modulação dos efeitos da declaração de não recepção até 31-12-2012.”[10]      

       
“O art. 142, § 3º, inciso X, da Constituição da República é expresso ao atribuir exclusivamente à lei a definição dos requisitos para o ingresso nas Forças Armadas. A Constituição brasileira determina, expressamente, os requisitos para o ingresso nas Forças Armadas, previstos em lei: referência constitucional taxativa ao critério de idade. Descabimento de regulamentação por outra espécie normativa, ainda que por delegação legal. Não foi recepcionada pela Constituição da República de 1988 a expressão ‘nos regulamentos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica’ do art. 10 da Lei 6.880/1980. O princípio da segurança jurídica impõe que, mais de vinte e dois anos de vigência da Constituição, nos quais dezenas de concursos foram realizados se observando aquela regra legal, modulem-se os efeitos da não recepção: manutenção da validade dos limites de idade fixados em editais e regulamentos fundados no art. 10 da Lei 6.880/1980 até 31 de dezembro de 2011.”[11]       

 “Cabe à lei estadual, nos termos da norma constitucional do art. 142, § 3º, X, regular as disposições do art. 42, § 1º, da CF e estabelecer as condições de transferência do militar para a inatividade.”[12]            

       
“A adoção de critérios diferenciados para o licenciamento dos militares temporários, em razão do sexo, não viola o princípio da isonomia.”[13]      

“Contribuição previdenciária. Proventos. Militar. Incidência. EC 41/2003. O Supremo, por ocasião do julgamento da ADI 3.105, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 18-8-2004, registrou inexistir ‘norma de imunidade tributária absoluta’. A Corte afirmou que, após o advento da EC 41/2003, os servidores públicos passariam a contribuir para a previdência social em ‘obediência aos princípios da solidariedade e do equilíbrio financeiro e atuarial, bem como aos objetivos constitucionais de universalidade, equidade na forma de participação no custeio e diversidade da base de financiamento’. Os servidores públicos militares não foram excepcionados da incidência da norma, razão pela qual não subsiste a pretensa imunidade tributária relativamente à categoria.”[14]    

 “(...) Militar temporário. Direito de permanência na atividade após cumprido o prazo de incorporação. Alegação de violação dos princípios da ampla defesa e do contraditório. Inocorrência. O acórdão recorrido está em sintonia com a jurisprudência deste Tribunal no sentido de que, tratando-se de militares do quadro de temporários, admitidos por prazo limitado, não há que se falar em direito de permanência ou em estabilidade após cumprido o prazo de incorporação.”[15]         

“Recurso ordinário em mandado de segurança. Aeronáutica. Militar excluído do serviço ativo. Inclusão em quota compulsória por implemento de idade. Art. 99 da Lei 6.880/1980. Rejeitada a alegação de ofensa ao princípio constitucional da isonomia, pois a autoridade impetrada demonstrou que, com base na legislação vigente, o implemento de idade não foi o único, mas apenas o último critério de desempate entre oficiais na elaboração da lista da ‘quota compulsória’.”[16]       

       
"Promoção de militares dos sexos masculino e feminino: critérios diferenciados: carreiras regidas por legislação específica: ausência de violação ao princípio da isonomia: precedente”.[17]            

       
"Princípio isonômico – CP e CPM – O tratamento diferenciado decorrente dos referidos códigos tem justificativa constitucionalmente aceitável em face das circunstâncias peculiares relativas aos agentes e objetos jurídicos protegidos."[18]       

            Portanto, verifica-se que a Constituição da República fez questão de diferenciar os militares e o STF e suas decisões confirmou todas essas formas de tratamento, privilegiadas ou não.

1.2 A LEI COMPLEMENTAR 97/99

            A CF/88 no tão citado art. 142, em seu parágrafo 1º estabelece que deverá ser criada Lei Complementar estabelecendo as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas. Mesmo diante da imperatividade deste dispositivo, somente no ano de 1999, ou seja, 11 anos após a promulgação da Carta Maior foi criada a LC 97/99 com esses objetivos.[19]

            A Norma em questão divide-se em sete capítulos assim distribuídos: capítulo I (disposições complementares); capítulo II (da organização); capítulo III (do orçamento); capítulo IV (do preparo); capítulo V (do emprego); capítulo VI (das disposições complementares); e capítulo VII (disposições transitórias e finais).

            Percebe-se que é uma lei pequena levando-se em consideração o efetivo das Forças Armadas, mas tentar-se-á trazer um breve resumo de sua aplicação nos dias de hoje.

            Já no primeiro artigo, percebe-se a cópia fiel do texto constitucional, com a ressalva do parágrafo único que estabelece uma espécie de separação de competências, ao afirmar que sem comprometer a destinação que lhe foi dada pela Constituição, a lei cabe também às Forças Armadas o cumprimento de atribuições subsidiárias explicitadas em seu corpo.

            No capítulo II é estabelecida a organização das Forças Armadas, que são subordinadas ao Ministro de Estado de Defesa, dispondo de estruturas próprias.

            Na sequência, em um único artigo, resume-se o capítulo III a respeito do orçamento das três Forças.

            Já quando se fala de preparo, claro está que é responsabilidade dos Comandantes o preparo de seus órgãos operativos e de apoio, obedecendo o estabelecido pelo Ministério da Defesa.

            Ao tratar sobre o emprego das Forças Armadas, não resta dúvida alguma de que a responsabilidade é do Presidente da República, não se podendo esquecer a questão do emprego das Forças Armadas na garantia da Lei e da Ordem, assunto que trataremos em capítulo oportuno.

            O capítulo VI das atribuições complementares vai tratar normalmente da atribuição subsidiária geral, cooperação com o desenvolvimento nacional e a defesa civil.

            Em suma, a LC 97/99 é muito utilizada pela jurisprudência em várias situações, senão vejamos:

Ementa: ADMINISTRATIVO. Processo SELETIVO NA ESFERA MILITAR. APRENDIZ DE MARINHEIRO. PSAEAM-2011. EDITAL DE 24.1.2011. ELIMINAÇÃO NA SELEÇÃO PSICOFÍSICA. CONDIÇÕES INCAPACITANTES PREVISTAS NAS NORMAS EDITALÍCIAS. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E VINCULAÇÃO AO EDITAL. DILAÇÃO PROBATÓRIA. ART. 558 DO CPC . FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA NÃO EVIDENCIADOS. 1. Controvérsia relacionada à permanência no Processo Seletivo de Admissão às Escolas de Aprendizes-Marinheiros (PSAEAM-2011), apesar da eliminação do Agravante na seleção psicofísica, em decorrência de discromatopsia (daltonismo). 2. Edital de 24.1.2011. Certame composto de prova objetiva e eventos complementares de caráter eliminatório, dentre os quais seleção psicofísica, consistente em perícia médica destinada a verificar o preenchimento pelo candidato dos padrões de saúde exigidos para a carreira da Marinha, realizando-se conforme exames e procedimentos médico-periciais específicos, observando-se os índices mínimos exigidos e as condições incapacitantes relacionadas no Anexo IV do Edital, dentre as quais encontra-se a discromatopsia de grau acentuado. 3. O edital é ato vinculante para a Administração Pública, configurando-se em regras às quais os candidatos inscritos se submetem. Uma vez publicado e iniciado o concurso, a regra é a não possibilidade de disposição em contrário no tocante às normas previamente estabelecidas, desde que não ocorra violação aos princípios, valores e dispositivos legais, diante da qual possível o controle judicial. 4.Critérios para aprovação e requisitos para ingresso no curso definidos. Poder discricionário da Administração, atendendo aos critérios de conveniência e oportunidade, com observância dos preceitos legais, a fim de evitar arbítrios, preterições e ilegalidades, não comprovados na espécie, valendo notar que compete às Forças Armadas estabelecer normas gerais a serem adotadas na organização, preparo e emprego de seu contingente (art. 142, § 1º, da CRFB/88, e LC 97/99). 5.Controvérsia que impõe a realização de dilação probatória destinada à verificação da existência ou não da doença incapacitante apontada pela junta médica do certame. 6.Reclama o art. 558 do CPC , respectivamente, para a concessão da tutela recursal requerida, a presença conjugada do risco de lesão grave e de difícil reparação à parte e fundamentação relevante, não restando evidenciado, nas circunstâncias, pelos elementos acostados, fumus boni iuris a amparar a pretensão recursal, tampouco periculum in mora, já que o Agravante não demonstrou efetivamente a situação concreta de grave lesão decorrente da decisão. 7. A suspensão da decisão agravada deve ocorrer quando o juiz dá à lei interpretação fora da razoabilidade jurídica ou quando o ato encontra-se eivado de flagrante ilegalidade, abuso ou ilegitimidade, ou em descompasso com a orientação dos Tribunais Superiores, o que não se verifica na espécie. Precedentes desta Corte. 8. Agravo de Instrumento não provido. [20]

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            No caso em comento, a referida norma trata de ingresso nas Forças Armadas, e requisitos para tal, cumprindo essencialmente a competência que lhe foi proposta pela CRFB.

            Interessante também o seguinte julgado em mandado de segurança, julgado pelo STJ a respeito da pensão especial de ex-combatente, onde foi utilizado como argumento o art. 19 da legislação capitular:

Ementa: MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. EX-COMBATENTE. PENSÃO ESPECIAL. MINISTRO DE ESTADO DA DEFESA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. DECADÊNCIA. NÃO-OCORRÊNCIA. ATO OMISSIVO CONTINUADO. ADICIONAL DE TEMPO DE SERVIÇO E HABILITAÇÃO. VANTAGENS PESSOAIS. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 1. "O processamento e pagamento da pensão especial cabe ao Comando da Força Armada a que esteve vinculado o ex-combatente na época da Segunda Guerra Mundial, nos termos do art. 12 da Lei 8.059 /90 c/c o art. 19 da LC 97 /99, e não ao Ministério da Defesa." (MS 7.529/DF, Rel. Min. FELIX FISCHER, TERCEIRA SEÇÃO, DJ 25/3/2002) 2. Nas hipóteses de mandado de segurança contra ato omissivo continuado, que se renova seguidamente, não há que se falar em decadência do direito. 3. Os adicionais de habilitação militar e de tempo de serviço são vantagens pessoais devidas ao militar de carreira que preenche os requisitos legais. Não se incluem, portanto, na pensão especial, prevista no art. 53, II, do ADCT, correspondente à pensão deixada por segundo-tenente das Forças Armadas e devida ao ex-combatente que tenha participado de operações bélicas durante a Segunda Guerra Mundial. Precedentes. 4. Preliminar de ilegitimidade passiva ad causam do Ministro de Estado da Defesa acolhida. Segurança denegada.[21]

                       Portanto, em breve análise, chega-se a conclusão de que a Lei Complementar 97 é bastante utilizada no que diz respeitos às questões afetas às Forças Armadas em diversas áreas, desde os requisitos para ingresso, concessão de pensões, entre outros.

2. O REGIME DE DEDICAÇÃO EXLCUSIVA                

            Todo instituto no direito pátrio deve ser analisado, sob o prisma da Lei maior, ou seja, a Constituição Federal vigente. Portanto, a referida Cata Magna em seu art. 142, explicita que a Marinha, o Exército e a Aeronáutica são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e disciplina, cuja destinação é a defesa da pátria e a garantia dos poderes constitucionais tendo como presidente supremo o Presidente da República.

            Já o parágrafo 3º, inciso II do dispositivo supracitado, determina a transferência para a reserva, nos termos da lei, o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente, inexistindo assim, qualquer dúvida a respeito da proibição de acúmulo de cargo e confirmando a posição constitucional a respeito do tema:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem disciplinares militares.

§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições:

II - o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente, ressalvada a hipótese prevista no art. 37, inciso XVI, alínea "c", será transferido para a reserva, nos termos da lei;[22]

             Diversas discussões poderiam se travar na tentativa de conceituar o que viria a ser “dedicação exclusiva”, mas nenhuma seria mais pontual do que a própria lei 6880/90 em seu artigo 5º, ao deixar claro que: “A carreira militar é caracterizada por atividade continuada e inteiramente devotada às finalidades precípuas das Forças Armadas, denominada atividade militar. (grifo nosso)

            E nesse diapasão, fica claro que o militar em atividade nunca pôde exercer, simultaneamente, qualquer outro cargo, a não ser com o advento da Emenda Constitucional 77, que, ao alterar o § 3º do artigo 142 da Carta Magna cria uma exceção para os profissionais de saúde, com a seguinte ressalva no inciso VIII:

VIII - aplica-se aos militares o disposto no art. 7º, incisos VIII, XII, XVII, XVIII, XIX e XXV, e no art. 37, incisos XI, XIII, XIV e XV, bem como, na forma da lei e com prevalência da atividade militar, no art. 37, inciso XVI, alínea “c”. (grifo nosso)

             Avançando mais ainda, observa-se que o artigo 31 confirma esse conceito de dedicação exclusiva, ao aduzir que:

Art. 31. Os deveres militares emanam de um conjunto de vínculos racionais, bem como morais, que ligam o militar à Pátria e ao seu serviço, e compreendem, essencialmente:

I - a dedicação e a fidelidade à Pátria, cuja honra, integridade e instituições devem ser defendidas mesmo com o sacrifício da própria vida; (grifo nosso) (...)

            Diante disso percebe-se que a dedicação exclusiva se traduz em atividade continuada, inteiramente devotada e com dedicação e fidelidade à Pátria, de onde chega-se à ideia de que o militar estaria vinte quatro horas por dia ligado à instituição pela qual ele está incorporado. Mas então os militares não poderiam, por exemplo, realizar cursos superiores, técnicos, de aperfeiçoamento ou atualização, quanto mais acumular cargos ou empregos públicos ou civis.

            Além da Norma supracitada, interessante citar o que diz a recente Portaria nº 87/2014 da Diretoria Geral do Pessoal da Marinha sobre dedicação:

Os militares sujeitam-se à chamada disponibilidade permanente, por meio da qual se mantêm disponíveis para o serviço ao longo das 24 horas do dia, e mesmo quando escalados para prestarem Serviço de Estado, após a passagem do Serviço, permanecem trabalhando na Organização Militar (OM), cumprindo a rotina estabelecida. No caso dos militares profissionais de saúde, por vezes participam de longas cirurgias e demais ações de saúde, em Unidades de Tratamento Intensivo (UTI) ou Unidades de Internação e Emergências, mesmo não lotados em Organização de Saúde, que inviabilizam um controle de horário, até porque não há compensação de horas excedentes, como ocorre com o servidor civil.[23]

Percebe-se nesse diapasão que em nenhuma das normas supracitadas vemos a palavra “exclusiva”. Se adotássemos uma posição positivista, logo concluiríamos que haveria relativização em relação a esta dedicação, uma vez que não há que se falar em exclusividade.

2.1 A DEDICAÇÃO EXCLUSIVA E A IMINÊNCIA DE GUERRA EXTERNA

            Ao flexibilizar o chamado regime de dedicação exclusiva dos militares autorizando o acúmulo de cargo público para os profissionais da área de saúde, o Brasil perde muito no que diz respeito à Defesa Nacional, principalmente no estado de exceção quando da iminência de guerra externa.

            O próprio nome do regime já submete o militar a uma dedicação exorbitante no que diz respeito à total disposição e submissão ao Estado. Em contrapartida, ao regulamentar a rotina dos profissionais de saúde das Forças Armadas, surgem algumas questões, como por exemplo, na decretação do estado de sítio ou de defesa, como ficaria a convocação desses militares que estiverem atuando em seus cargos públicos?

            São questões que a Emenda Constitucional 77 não trouxe solução, certamente pela desnecessidade do emprego da Forças Armadas em guerra externa. Porém, como se vive em um estado democrático de direito e levando-se em consideração questões de soberania, a qualquer momento pode haver guerra externa.

            Portanto, no caso de guerra externa, claro está que os questionamentos feitos aqui, virão à tona no cenário nacional no caso iminente de combate. E como será que a alta administração pública resolverá essas questões?

 Interessante seria não esperar a guerra acontecer para que sejam pensadas nas devidas providências.

2.2 A ATUAÇÃO NAS ATIVIDADES DE GARANTIA DA LEI E DA ORDEM        

            Na Carta Magna da República de 1988, em seu art. 142, existe a previsão da possibilidade do emprego das Forças Armadas nas atividades de Garantia da Lei e da Ordem por iniciativa de qualquer dos Poderes Constitucionais.

Embora a referência ao emprego das Forças Armadas em atividades de segurança pública já se fizesse presente em Constituições anteriores, a atuação das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem prevista no supracitado artigo, somente veio a ser disciplinada, em âmbito infraconstitucional, com o advento da Lei Complementar nº 97/99. A regulamentação desta forma de emprego veio a ocorrer somente com a aprovação do Decreto nº 3.897/2001.

Diante desta iminente realidade, foi elaborado o Manual MD33-M-10. Inicialmente aprovado pela Portaria Normativa 3461/2013, e posteriormente pela Portaria Normativa 186/2014. O Manual MD33-M-10 passou a ter validade desde 20/12/2013. Mesmo sendo recém-aprovado, já houve necessidade de ser elaborada sua 2º edição, que ocorreu em janeiro de 2014, pelo Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA), em razão de algumas pressões que foram feitas para alterar alguns termos que haviam sido utilizados, como por exemplo, a substituição da expressão “forças oponentes” pela “Agentes de Perturbação da Ordem Pública (APOP)”. [24]

            Antes de discorrer sobre este tópico, interessante seria conceituar o que seria Operação de Garantia da Lei e da Ordem (Op GLO), que é uma operação militar conduzida pelas Forças Armadas, de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, que tem por objetivo a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio em situações de esgotamento dos instrumentos para isso previstos no art. 144 da Constituição ou em outras em que se presuma ser possível a perturbação da ordem.[25]

As Op GLO caracterizam-se como operações de “não guerra”, pois, embora empregando o Poder Militar, no âmbito interno, não envolve o combate propriamente dito, mas podem, em circunstâncias especiais, envolver o uso de força de forma limitada, podendo ocorrer tanto em ambiente urbano quanto rural. Elas abrangerão o emprego das FA em variados tipos de situações e atividades, em face das diversas formas com que as Forças Oponentes poderão se apresentar.

            Embora se assemelhem a ações de GLO, a atuação das Forças Armadas, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, no mar e nas águas interiores, contra delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou em cooperação com órgãos do Poder Executivo, são especificadas pelo art. 16-A da LC 97/1999, como atribuição subsidiária. [26]

            Existem, também, outros empregos que não se confundem com Op GLO, como por exemplo: a atuação das Forças Armadas, como Polícia Judiciária Militar, e na segurança do Presidente da República, quando em viagem no país.

            Diante do conceito apresentado pelo Decreto 3897, percebe-se que não se enquadram como Op GLO as ações que visam combater a guerrilha e grupos armados que venham a causar grave comprometimento da ordem interna do País.

O emprego das Forças Armadas em Op GLO tem por objetivo a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio em situações de esgotamento dos instrumentos a isso previstos no art. 144 da Constituição ou em outras em que se presuma ser possível a perturbação da ordem. [27]

Como se observa do texto da LC 97/99, Consideram-se esgotados estes instrumentos quando, em determinado momento, forem eles formalmente reconhecidos pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular da missão constitucional. [28]

            Os problemas com o uso das Forças Armadas nas atividades de GLO estão vindo à tona, principalmente para o Superior Tribunal Militar que passou a julgar bastantes civis em crime de desacato e resistência, como se pode observar da jurisprudência:

Ementa: APELAÇÃO. LESÃO CORPORAL TENTADA. RESISTÊNCIA E DESACATO. PREQUESTIONAMENTO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR. CRIME PRATICADO POR CIVIL CONTRA MILITAR EM SERVIÇO. OCUPAÇÃO DO EXÉRCITO EM MISSÃO DE PACIFICAÇÃO. A alegada ilegalidade do ato que determinou a ocupação do Exército no Complexo da Penha perde sua força diante da redação contida no § 1º do art. 142 da Constituição da República, conferindo à legislação ordinária (LC nº 97 /1999, art. 15 ) competência para estabelecer as normas gerais de organização, preparo e emprego das Forças Armadas para a garantia da ordem pública. Ação militar amparada no § 1º do art. 2º do Decreto n.º 3.897, de 24 de agosto de 2001, o qual fixa as diretrizes para o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem. Por tal razão, não há como afastar da competência da Justiça Castrense os fatos descritos na peça acusatória, tendo em vista o paciente ter ameaçado e desacatado o ofendido quando no exercício de atividade tipicamente militar, conforme prevê o § 7º do artigo 15 da Lei Complementar nº 97 /1999. Admitida a inocência do acusado quanto à imputação de ter arremessado o artefato explosivo, em face do princípio in dubio pro reo, reconhece-se a ausência do elemento subjetivo dos crimes de resistência e desacato, tendo em vista a angustia de ser preso injustamente, o que se comprova nos autos, pois o acusado ficou custodiado por longos nove meses, após sucessivos indeferimentos de pedidos de concessão de liberdade provisória, a qual só foi possível alcançar por meio de decisão unânime desta Corte, em sede de habeas corpus. Indeferimento da preliminar de inconstitucionalidade. No mérito, negado provimento ao apelo ministerial. Decisão unânime.[29]

Não só problemas com julgamento de civis, como também a questão da aplicabilidade ou não dos benefícios da Lei 9099/95, como nos julgados do STM abaixo transcritos:

Ementa: DESACATO A MILITAR. ATIVIDADE DE GARANTIA DA LEI E DA ORDEM (GLO). COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO (JMU). INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 9.099 /95. 1. Constitui desacato a militar das Forças Armadas, a ser apurada e processada pela Justiça Militar da União, a conduta de civil que, ainda que fora de área sob Administração Militar, profere xingamentos com intuito de afrontar a autoridade de militares em exercício de atividade de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) - devidamente amparada por diretrizes ministeriais. 2. A conjunção do art. 124 da Constituição Federal com o art. 15 , § 7º , da Lei Complementar nº 97 /99 - alterada pela Lei Complementar nº 136 /10 - ressalta a natureza militar da atividade de GLO, para fins de aplicação da lei penal militar. 3. A Lei nº 9.099 /95 não se aplica à JMU. Preliminares rejeitadas. Recurso conhecido e não provido. Decisão unânime.[30]

Ementa: FORÇA DE PACIFICAÇÃO. GARANTIA DA LEI E DA ORDEM (GLO). PRELIMINARES DE INCONSTITUCIONALIDADE DO EMPREGO DAS FORÇAS ARMADAS (FFAA) EM GLO E DO ARTIGO 90-A DA LEI Nº 9.099 /95. REJEIÇÃO. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO (JMU). REJEIÇÃO. DESOBEDIÊNCIA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. A conjugação do art. 142 com o caput do art. 144 , ambos da CF/1988 , somada ao art. 15 , § 7º , da Lei Complementar nº 97 /99, alterada pela Lei Complementar nº 136 /10, permitem concluir que a atuação dos militares federais na GLO se apresenta harmonizada com a missão constitucional imposta às FFAA, sendo certo, ainda, que as ações desempenhadas no exercício daquele mister possuem natureza militar, atraindo a competência da JMU. Inaplicabilidade dos institutos da Lei nº 9.099 /95 por expressa vedação imposta pela Lei nº 9.839 /99, especialmente por se tratar de acusado militar, à época dos fatos. Súmula nº 9/STM. Desobediência constatada a partir do não acatamento da determinação legal emanada de militares em serviço. Decisão por maioria. [31]

            Outra questão relevante é que os civis não estão aceitando a possibilidade de serem revistados por militares das Forças Armadas, sob alegação de que não são Policiais Militares, como se pode ver:

Ementa: APELAÇÃO. DESOBEDIÊNCIA PRATICADA POR CIVIL. RECUSA DE SUBMISSÃO À REVISTA POR MILITARES EM MISSÃO DE GARANTIA DA LEI E DA ORDEM. COMPLEXO DO ALEMÃO. ACUSADO REVEL. PRELIMINARES DE NULIDADE. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. INOBSERVÂNCIA DA APLICAÇÃO DA SUSPENSÃO DO PROCESSO (LEI Nº 9.099 /1995). CITAÇÃO POR EDITAL. VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. IMPROCEDÊNCIA. A suscitada ilegalidade do ato que determinou a ocupação do Exército no Complexo do Alemão perde sua força diante da redação contida no § 1º do art. 142 da Constituição da República, conferindo à legislação ordinária (LC nº 97 /1999, art. 15 ) competência para estabelecer as normas gerais de organização, preparo e emprego das Forças Armadas para a garantia da ordem pública. Ação militar amparada no § 1º do art. 2º do Decreto n.º 3.897, de 24 de agosto de 2001, o qual fixa as diretrizes para o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem. Os dispositivos contidos na Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099 /1995) são incompatíveis com os princípios da hierarquia e da disciplina, os quais se fazem presentes nos bens jurídicos tutelados pela norma penal castrense. Por tal razão, não há como afastar da competência da Justiça Castrense o julgamento dos fatos descritos na peça acusatória, tendo em vista o apelante ter desobedecido à ordem legal de militares no exercício de atividade tipicamente militar. A citação editalícia, prevista no art. 286 do CPPM , bem como a decretação da revelia, autorizada pelo art. 292 do mesmo Código Adjetivo Castrense, não violam os princípios do devido processo legal e da ampla defesa, consagrados no art. 5º , incisos LIV e LV , da Constituição Federal , respectivamente. Não há de falar na aplicação de institutos do Código de Processo Penal comum no âmbito da Justiça Castrense, sob pena de gerar um hibridismo normativo, incompatível com o princípio da especialidade. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Provadas a autoria e a materialidade da conduta, não há como afastar a condenação, a qual é fruto de um processo legítimo que garantiu a ampla defesa e o contraditório ao acusado, cuja defesa se destacou no curso da instrução pela incansável busca dos seus direitos, mesmo estando esse na condição de revel. Rejeitadas as preliminares. No mérito, desprovido o apelo defensivo.[32]

            Como se percebe, além das reações dos civis em relação aos militares das Forças Armadas, pode-se verificar uma incompatibilidade no trato deste com aquele no sentido de que este não tem em seu cotidiano o convívio e o trato com pessoas do povo.

 

3. A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 77/2014

            A Constituição Federal proíbe a acumulação remunerada de cargos ou empregos públicos com algumas exceções, como por exemplo, o disposto no art. 37, XVI, “c”:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:

c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;[33]

Com a publicação da referida emenda, que alterou os incisos II, II e VIII do §3º do art. 142 da Constituição Federal, para estender aos profissionais de saúde das Forças Armadas a possibilidade de cumulação de cargo a que se refere o art. 37, inciso XVI, alínea “c” da mesma carta política, surgem alguns questionamentos, que vão desde sua aplicabilidade até sua ampliação.

            Não podemos deixar de analisar o teor da referida Emenda em relação ao caput do artigo 5º da CRFB/88, que, logo no início trata do princípio da igualdade citando as belas palavras de Moraes:

“O princípio da igualdade consagrado pela constituição opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio Poder Executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que se encontram em situação idêntica. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça e classe social.”[34]

            De acordo com o nobre autor, que a nosso ver foi muito feliz ao citar a importância deste princípio no sentido de evitar que o legislador crie tratamentos diferenciados para pessoas em situações idênticas, como percebemos, por exemplo,  no caso dos militares das Forças Armadas.

            Em relação a essas considerações urge a necessidade de tentar entender o que quis o legislador, quando estendeu a aplicação da alínea “c”, inciso XVI do artigo 37 somente aos militares profissionais de saúde.

            De outro modo, foi publicada recentemente no Diário Oficial da União a Portaria n° 87/2014 do Diretor Geral do Pessoal da Marinha, onde fica regulamentada a rotina de trabalho dos militares profissionais de saúde no âmbito daquela instituição, sob o fundamento de que as necessidades de especialização e atualização, nessas áreas do conhecimento, exigem um horário de trabalho diferenciado, de modo a permitir a participação desses profissionais em congressos, conclaves, conferências, cursos de especialização e até mesmo o acúmulo de cargo, e em outras atividades extra Marinha, o que possibilita uma melhor qualificação desses profissionais.

            Ainda de acordo com a Portaria, o Estatuto dos Militares, Lei nº 6880/90 em seu artigo 29, § 3º, ressaltou a preocupação com a aptidão técnica desses profissionais inicialmente ao permitir que os Oficiais dos referidos quadros exercessem, no meio civil, essas atividades com intuito de desenvolver a prática profissional.

Art. 29. Ao militar da ativa é vedado comerciar ou tomar parte na administração ou gerência de sociedade ou dela ser sócio ou participar, exceto como acionista ou quotista, em sociedade anônima ou por quotas de responsabilidade limitada. (...)

§ 3º No intuito de desenvolver a prática profissional, é permitido aos oficiais titulares dos Quadros ou Serviços de Saúde e de Veterinária o exercício de atividade técnico-profissional no meio civil, desde que tal prática não prejudique o serviço e não infrinja o disposto neste artigo.[35]

            A polêmica era grande, pois grande parte da doutrina afirmava que isso não valia para os militares, uma vez que o art. 142 § 3º, VIII, da CF/88 especifica quais incisos do art. 37 se aplicariam aos membros das Forças Armadas, e esse dispositivo até então não mencionava o inciso XVI do art. 37.

            Interessante observar que em diversas partes do país, especialmente nas regiões de fronteira, existem hospitais militares e os profissionais que ali trabalham ficavam impedidos de prestar maior apoio a sociedade local quando poderiam prestar serviços ou até mesmo acumular um cargo estadual.

A emenda em estudo foi editada em boa hora resolvendo esta questão, mas criando algumas outras questões, como por exemplo, entende-se que a emenda ficou tímida, pois poderia ter previsto que todo o inciso XVI do art. 37 fosse aplicado aos militares.

Importante mostrar a posição da jurisprudência acerca da referida emenda:

ADMINISTRATIVO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. PROFISSIONAL DA SAÚDE. POSSIBILIDADE. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS COMPROVADA. VEDAÇÃO DO ART. [142], § 3º, II DA CF/88 RESTRITA ÀS FUNÇÕES MILITARES TÍPICAS. O art. 37, inciso XVI, alínea c da Lei Maior permite o exercício de dois cargos próprios de profissionais de saúde quando há compatibilidade de horário, sem distinção entre servidores civis e militares. De outro lado, a vedação do art. [142], § 3º, II da CF deve se restringir às funções militares típicas (cf. Emenda Constitucional nº [77]). Cabe ressalvar que o art. 17, § 1º do ADCT assegurou o exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de médico que estivessem sendo exercidos por médico militar na Administração direta ou indireta. No caso, o impetrante exerce dois cargos de médico, um em hospital vinculado ao Ministério da Saúde e outro em hospital da Polícia Militar, sendo certo que carga horária total soma 40 horas semanais. A sentença é mantida, por estar de acordo com o com o disposto na CF/88 e no Parecer GQ nº 145 da Advocacia-Geral da União. Remessa necessária e apelação desprovidas.[36]

O recente julgado acima, já utiliza a emenda em favor dos militares profissionais de saúde ao decidir sobre a possibilidade de acúmulo de cargos com compatibilidade de horários.

Em julgado semelhante, porém mais elucidativo, o Desembargador Federal Guilherme Couto traz detalhadamente algumas particularidades da emenda:

Com efeito, é cediço que o artigo [37], XVI, a, da CRFB/88, excepciona a regra da inacumulabilidade de cargos ao admitir a cumulação de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas, exigindo, todavia, a compatibilidade de horários.

Confira-se:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

(...)

c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº [34], de 2001)”.

Da análise dos autos, nota-se que o documento de fl. 86 e a denúncia que deflagrou o procedimento administrativo nº 33374.020165/2009-55 atestam que a ora Agravante é Auxiliar de Enfermagem do Hospital Federal de Bonsucesso, com carga horária semanal de 30 (trinta) horas, bem como que ocupa o cargo de Auxiliar de Enfermagem do Quadro de Saúde do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro, com carga horária semanal de 24 (vinte e quatro) horas.

A Constituição Federal, em seu art. [37], XVI, condiciona a acumulação à compatibilidade de horários, não havendo qualquer previsão de carga horária máxima. Ademais, o entendimento externado pelo Tribunal de Contas da AGU no acórdão nº 2.133/2005, de D.O.U. 21/09/2005, que considera ilícita a acumulação de cargos apenas por totalizar uma jornada de trabalho superior a sessenta horas semanais, não tem força normativa que possa preponderar sobre a garantia constitucional, afigurando-se utópico para a realidade sócio-econômica brasileira. Talvez mais grave para a higidez física e mental do trabalhador seja ver sua família sem as condições mínimas de subsistência.

Cumpre ressaltar que, por mais que a Sétima Turma, incluindo voto deste Relator, tenha julgado no sentido inverso, é certo que o STJ e a própria 3ª Seção deste Tribunal possuem entendimento no sentido de que basta a demonstração da compatibilidade de horários para a licitude da cumulação.

Neste sentido:

"ADMINISTRATIVO - ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS - ÁREA DE SAÚDE - CARGA HORÁRIA SUPERIOR A 60 (SESSENTA) HORAS SEMANAIS - AFERIÇÃO NO CASO CONCRETO - OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA.

1 - A acumulação de cargos em empregos públicos aos profissionais de saúde pertencentes às profissões regulamentadas encontra respaldo no texto constitucional, notadamente após a vigência da Emenda Constitucional nº [34]/2001.

2 - A Constituição Federal de 1988 não estipulou uma carga horária máxima como requisito para a acumulação. Determinou, tão somente, a necessidade de compatibilidade de horários entre os cargos.[37]

3.1 A NECESSIDADE DE QUALIFICAÇÃO DOS MILITARES PROFISISIONAIS DAS DIVERSAS ÁREAS

            A já citada portaria da Diretoria Geral do Pessoal Militar da Marinha, ao utilizar o argumento de que a autorização para o acúmulo de cargo para os militares profissionais da área de saúde, se deve ao fato da necessidade de melhor qualificação e especialização desses combatentes, parece um pouco frágil.

            Basta questionar, por exemplo, se não existe também a necessidade do profissional de Direito ter suas qualificações e especializações aprimoradas, uma vez que os referidos profissionais emitem diversos e importantes pareceres, principalmente no tocante às licitações.

            Ao realizar uma breve comparação, não deveria o fato de que os profissionais, por trabalharem diretamente com o bem maior que é á vida, receberem maiores privilégios do que profissionais que emitem pareceres em prol da sociedade, do interesse público, como por exemplo, nos casos de desapropriação.

            Diante disso, percebe-se a necessidade de estender esta qualificação à militares profissionais de outras áreas, bem como a autorização para o acúmulo de cargo público, uma vez que este impedimento somente para alguns, acarreta uma série de problemas que vão desde a desigualdade, como também o desrespeito à princípios constitucionais vitais, ou seja, dignidade da pessoa humana, isonomia entre outros.

            Sobre a abrangência dessa qualificação a jurisprudência ainda não se manifestou. O que podemos mostrar a respeito da questão é a analogia feita em relação aos Bombeiros, uma vez que a CRFB é omissa em relação e esta classe:

Ementa: CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. TÉCNICO DE RADIOLOGIA. MILITAR. DEMISSÃO. POSSIBILIDADE. 1.DE ACORDO COM AS NORMAS CONSTITUCIONAIS, PODE-SE AFIRMAR QUE A ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS PODE SER SINTETIZADA DA SEGUINTE MANEIRA: A) A REGRA, PARA OS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS, É A IMPOSSIBILIDADE DE SE CUMULAR CARGOS PÚBLICOS; B) EXCEPCIONALMENTE, PARA OS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS, ADMITE-SE A CUMULAÇÃO NOS CASOS DO ARTIGO 37, INCISO XVI, ALÍNEAS A, B E C; C) PARA OS MILITARES, AINDA QUE MÉDICOS, A REGRA É A IMPOSSIBILIDADE DE SE CUMULAR CARGOS PÚBLICOS SE ESTA OCORRER APÓS A PROMULGAÇÃO DA CF/88 - HIPÓTESE EM QUE, SE HOUVER TAL CUMULAÇÃO, O INTERESSADO DEVERÁ ENTRAR PARA A RESERVA, CONFORME O DISPOSTO NO ARTIGO 142 , § 3º ; D) EXCEPCIONALMENTE, PARA OS MILITARES MÉDICOS, É POSSÍVEL A CUMULAÇÃO DE CARGOS SE ESTA OCORRER EM DATA ANTERIOR À PROMULGAÇÃO DA CF/88 , NA ESTEIRA DO ART. 17, § 1º DO ADCT; E) PARA OS DEMAIS MILITARES PROFISSIONAIS DE SAÚDE, A MATÉRIA É CONTROVERTIDA. PARTE DOS JULGADOS NÃO ADMITE EM HIPÓTESE ALGUMA, AO ARGUMENTO DE QUE O ART. 17, § 2º, DO ADCT NÃO RESSALVA A SITUAÇÃO DOS MILITARES; DE OUTRA BANDA, ALGUNS JULGADOS ENTENDEM QUE O ART. 17, § 2º DO ADCT SE APLICA A TAIS MILITARES, DESDE QUE ACUMULEM EM DATA ANTERIOR À PROMULGAÇÃO DA CF/88 , POSIÇÃO ESTA À QUAL SE FILIOU O MIN. GILMAR MENDES NO RE 182.811-1/MG. 2.A SITUAÇÃO DO IMPETRANTE - DOIS CARGOS PÚBLICOS: CIVIL E MILITAR EM DATA POSTERIOR À PROMULGAÇÃO DA CF/88 - NÃO SE AMOLDA A NENHUMA DAS SITUAÇÕES RETRO MENCIONADAS QUE PERMITEM A ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. CABÍVEL, PORTANTO, A DEMISSÃO. 3.É VEDADA A ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS AOS MEMBROS DAS POLÍCIAS MILITARES E CORPO DE BOMBEIROS MILITARES, NOS TERMOS DO ARTIGO 42 , § 1º , C/C O ART. 142 , § 3º , INCISOS II E VIII , TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. 4.ORDEM DENEGADA.[38]

            Percebe-se até mesmo por se tratar de assunto recente, que ainda irá demorar para que no âmbito dos tribunais essa questão seja discutida.

3.2  A POSIÇÃO DO ESTATUTO DOS MILITARES ANTE A EMENDA 77

Pode-se dizer que vínculo funcional do militar é de natureza estatutária, no sentido de ter sido imposto unilateralmente pelo Estado. Já estatuto dos militares, os deveres e obrigações militares são bem mais rígidos do que no estatuto dos servidores civis, não obstante estarem baseados nos princípios da hierarquia e disciplina, bem como em razão da própria atividade militar, que no dia a dia, se lhes impõe o manuseio e a utilização constante de equipamentos bélicos, estratégicos e de Defesa Nacional.

O Estatuto dos militares numa posição bem tímida já previa tal situação:

  Art. 29. Ao militar da ativa é vedado comerciar ou tomar parte na administração ou gerência de sociedade ou dela ser sócio ou participar, exceto como acionista ou quotista, em sociedade anônima ou por quotas de responsabilidade limitada. (...)

        § 3º No intuito de desenvolver a prática profissional, é permitido aos oficiais titulares dos Quadros ou Serviços de Saúde e de Veterinária o exercício de atividade técnico-profissional no meio civil, desde que tal prática não prejudique o serviço e não infrinja o disposto neste artigo.

É bem verdade que o dispositivo acima não tinha respaldo constitucional, mas na prática os militares profissionais da área de saúde já exerciam concomitantemente com a atividade militar de dedicação exclusiva, suas atividades no meio civil.

Percebe-se aqui que a portaria da Marinha, citada acima, procurou se enquadrar no Estatuto dos Militares, explicando assim a fragilidade do argumento utilizado.

            Interessante observar a questão da aplicação não só do Estatuto dos Militares, com também do Estatuto dos Policiais Militares, Lei nº 2066/76 no que diz respeito ao tema:

Ementa: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. MILITAR.ACUMULAÇÃO DE CARGOS. COMPROVADA ATUAÇÃO NA ÁREA DE SAÚDE. ART. 37,XVI, C, COM O ART. 42, § 1º, E ART. 142, § 3º, II, TODOS DACONSTITUIÇÃO FEDERAL. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. POSSIBILIDADEJURÍDICA DO PLEITO. PRECEDENTES. SITUAÇÃO FÁTICA ABRANGIDA PELO ART. 28 , § 3º , DA LEI ESTADUAL 2.066 /76 (ESTATUTO DOS POLICIAISMILITARES). 1. Cuida-se de recurso ordinário interposto contra acórdão quedenegou a segurança em postulação acerca da possibilidade deacumular cargo militar da área de saúde com outra atividade privadacongênere. A denegação fundou-se em duas razões. A primeira decorredo entendimento de que o art. 142, § 3º, II, da ConstituiçãoFederal, aplicável aos Estados, pelo que dispõe o art. 42, § 1º, daCarta Política, veda o exercício de outra atividade aos servidoresmilitares. A segunda decorre de que o cargo do recorrente não seriado quadro da saúde. 2. O acervo probatório trazido aos autos (fls. 30-31), informa que orecorrente atua na área de saúde. Alega no recurso que a acumulaçãoé permitida pelo art. 37 , XVI , c , da Constituição Federal , bemcomo pelo art. 28 , § 3º , da Lei Estadual n. 2.066 /76 (EstatutoEstadual dos Policiais Militares). 3. O Supremo Tribunal Federal fixou o entendimento de que deve haverinterpretação sistemática dos dispositivos constitucionais, nestescasos, com a adjudicação do direito de acumulação aos servidoresmilitares que atuem na área de saúde : RE 182.811 /MG , Rel. Min.Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ 30.6.2006, p. 35, Ement. vol. 2.239 -02, p. 351, LEXSTF, vol. 28, n. 331, 2006, p. 222-227. Nestesentido, no STJ: RMS 22.765/RJ , Rel. Min. Maria Thereza de AssisMoura, Sexta Turma, DJe 23.8.2010. Ademais, cabe frisar que a Lei n. 2.066 /76 (Estatuto dos Policiais Militares) permite a pleiteadaacumulação.Recurso ordinário provido.[39]

Contudo, observa-se que mesmo a bastante tempo, o Estatuto dos Militares já vislumbrava essa contemporaneidade, mesmo antes da evolução em que se passas as Forças Armadas.

CONCLUSÃO

            Em face de todo o exposto, fica para nós alguns questionamentos, como por exemplo, a questão de que se o militar, profissional de saúde, pode acumular cargos ou empregos civis da mesma espécie, ele não deixaria de estar no regime de dedicação exclusiva?

            Destarte perceber então, que a instituição de Defesa da Pátria estará com seu efetivo dividido, ou até mesmo reduzido, pois quando da acumulação, os referidos militares não estarão mais à sua disposição.

            Outro ponto a se considerar é a ideia de que se a própria Carta Política estabelece claramente o princípio da igualdade, como podemos tratar os iguais (militares) de forma desigual, quando só autoriza o acúmulo para os militares profissionais de saúde? Será que somente eles necessitam de aprimoramento e atualização profissional?

            Seria interessante, por exemplo, estender este benefício aos militares bacharéis em direito, que necessitam de vasta especialização quando dos pareceres que lhes são solicitados, ou até mesmo de relatórios imensos sob diversos assuntos e em pouco tempo, quando da resposta a alguma ação em que a Força seja ré.

            Importante ressaltar que o argumento utilizado, no caso da Marinha do Brasil, em Portaria supracitada é um tanto quanto imaturo ao delimitar que somente os militares profissionais de saúde necessitem de especialização ou atualização.

            Seriam facilmente respondidos esses quesitos, estendendo a abrangência da EC 77/2014 para militares de outras profissões, ou por oportuno, diminuir o regime de dedicação para semi-exclusiva.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37ª ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2014.

[1] Decreto nº 3.897/2001, que fixa as diretrizes para o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem. Sobre o tema, cf. Luis Roberto Barroso: Forças Armadas e ações de segurança pública: possibilidades e limites à luz da Constituição (Revista de Direito do Estado, ano 2, n. 7, p. 43-68, jul.-set. 2007); e Cláudio Pereira de Souza Neto: A segurança pública na Constituição Federal de 1988: conceituação constitucionalmente adequada, competências federativas e órgãos de execução das políticas (Revista de Direito do Estado, ano 2, n. 8, p. 19-73, out.-dez. 2007).

[2] Nas palavras de Antônio Pereira Duarte (1996, p. 46), “desde épocas mais remotas, passando pela Fortaleza de Castro, em Roma, até os nossos dias, qualquer Força Armada necessita estar alicerçada nestes dois pilares fundamentais: hierarquia e disciplina”

[3] Segundo o publicista espanhol Ramón Parada (2000, p. 16), potestade organizatória da Administração, em sentido estrito, seria “la faculdad de la Administración para configurar dentro de los límites de las leyes constitucionales y ordinarias su propria estructura”.

[4] CRFB art. 142

[5] .” HC 104.174, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 29-3-2011, Segunda Turma, DJE de 18-5-2011. No mesmo sentido: RHC 92.746, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 11-3-2008, Primeira Turma, DJE de 9-5-2008.

[6] HC 86.216, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 19-2-2008, Primeira Turma, DJE de 24-10-2008. No mesmo sentidoHC 106.171, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 1º-3-2011, Segunda Turma, DJE de 14-4-2011; HC 104.619, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 8-2-2011, Primeira Turma, DJE de 14-3-2011; HC 99.671, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 24-11-2009, Segunda Turma, DJE de 11-12-2009.

[7] CRFB art. 142, §, I

[8] Rcl 6.568, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 21-5-2009, Plenário, DJE de 25-9-2009. No mesmo sentido: Rcl 11.246-AgR, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 27-2-2014, Plenário, DJE de 2-4-2014.

[9] STF, Súmula Vinculante 4.

[10] RE 600.885-ED, rel. min. Cármen Lúcia, julgamento em 29-6-2012, Plenário, DJE de 12-12-2012, com repercussão geral. Vide: RE 600.885, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 9-2-2011, Plenário, DJE de 1º-7-2011, com repercussão geral.

[11] RE 600.885, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 9-2-2011, Plenário, DJE de 1º-7-2011, com repercussão geral. Vide: RE 600.885-ED, rel. min. Cármen Lúcia, julgamento em 29-6-2012, Plenário, DJE de 12-12-2012, com repercussão geral.

[12] (RE 495.341-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 14-9-2010, Segunda Turma, DJE de 1º-10-2010.) No mesmo sentido: AI 562.165-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 16-52006, Segunda Turma, DJE de 9-6-2006; RE 226.161, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 25-6-2002, Primeira Turma, DJE de 30-8-2002.

[13] (RE 489.064-ED, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 8-9-2009, Segunda Turma, DJE de 25-9-2009.) Vide: AI 511.131-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 22-3-2005, Plenário, DJ de 15-4-2005.

[14] RE 475.076-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 25-11-2008, Segunda Turma, DJE de 19-12-2008. No mesmo sentido: AI 594.104-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 4-5-2010, Segunda Turma, DJE de 21-5-2010. Vide: ADI 3.105, Rel. p/ o ac. Min. Cezar Peluso, julgamento em 18-8-2004, Plenário, DJ de 18-2-2005.

[15] RE 383.879-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 17-6-2008, Segunda Turma, DJE de 1º-8-2008. No mesmo sentido: RE 523.317-ED, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 1º-2-2011, Primeira Turma, DJE de 3-3-2011; RE 361.305-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 4-3-2008, Segunda Turma, DJE de 28-3-2008.

[16] RMS 25.159, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 8-11-2005, Segunda Turma, DJ de 2-6-2006.

[17] RE 225.721, Ilmar Galvão, DJ de 24-4-2000." AI 511.131-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 22-3-2005, Plenário, DJ de 15-4-2005. No mesmo sentidoRE 523.317-ED, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 1º-2-2011, Primeira Turma, DJE de 3-3-2011; RE 597.539-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 12-5-2009, Segunda Turma, DJE de 29-5-2009. Vide: RE 489.064-ED, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 8-9-2009, Segunda Turma, DJE de 25-9-2009.

[18] RE 115.770, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 29-10-1991, Segunda Turma, DJ de 21-2-1992.

[19] CRFB art. 142, § 1º

[20] Agravo de Instrumento – TRF-2 – AG 201202010072996 (TR-2). Data de publicação: 03/08/2012.

[21] STJ - Mandado de Segurança MS 7585 DF 2001/0056454-6 (STJ). Data do Julgamento: 26/03/2007.

 

[22] CRFB art. 142, § 3º, II

[23] Portaria nº 87/2014 da Diretoria Geral do Pessoal da Marinha

[24]http://www.defesa.gov.br/arquivos/File/doutrinamilitar/listadepublicacoesEMD/md33_m_10_glo_1_ed2013.pdf

[25] Artigos 3º, 4º e 5º do Decreto Nº 3.897, de 24 de agosto de 2001.

[26] Art. 16-A da Lei Complementar 97/99.

[27] Artigos 3º, 4º e 5º do Decreto Nº 3.897, de 24 de agosto de 2001.

[28] Parágrafo 3º do Art. 15 da LC 97, de 9 de junho de 1999

[29] STM - Apelação AP 2397120117010301 RJ 0000239-71.2011.7.01.0301 (STM). Data de publicação: 05/06/2013.

[30] STM - Apelação AP 2491820117010301 RJ 0000249-18.2011.7.01.0301 (STM). Data de publicação: 29/12/2012

[31] STM - Apelação AP 1436520117010201 RJ 0000143-65.2011.7.01.0201 (STM). Data de publicação: 20/02/2014.

[32] STM - Apelação AP 1323620117010201 RJ 0000132-36.2011.7.01.0201 (STM). Data de publicação: 09/12/2013.

[33] CRFB art. 37, XVI, c

[34] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2002, p. 65).

[35] Art. 29, § 3º da Lei 6880/80 (Estatuto dos Militares).

[36] TRF2, 3ª Seção Especializada, AR 201302010138914, Desembargadora Federal Carmem Silvia Lima de Arruda, E-DJF2R - Data: 31/03/2014.

[37] TRF2, 6ª Turma, AC 201251010011160, Desembargador Federal Guilherme Couto, E-DJF2R - Data: 03/06/2014.

[38] TJ-DF - Mandado de Seguranca MSG 20120020296596 DF 0030937-07.2012.8.07.0000 (TJ-DF). Data da publicação: 12/07/2013.

[39] STJ - Recurso Ordinário em Mandado de Segurança RMS 32930 SE 2010/0168380-9 (STJ). Data de publicação: 27/09/2011

 

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Sobre o autor
Márcio Luís da Silva Carneiro

Mestrando em Estudos Marítimos na EGN, Pós Graduado em Direito Militar pela UCAM, Pós Graduado em Direito Público pela UCAM, Graduado em Direito pela UNIGRANRIO, Militar da Marinha do Brasil e Aprovado no Exame da OAB em 2014.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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