A mensagem do cristianismo como fundamento histórico de institutos jurídicos contemporâneos

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12/01/2015 às 00:05
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A influência cristã perpassou toda a história ocidental e marcou, irremediavelmente, a construção do Direito moderno.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho se propõe a realizar uma análise do Direito sob uma perspectiva diferente da comumente abordada. Para tanto, procura-se averiguar a relação existente entre o Cristianismo e o Direito, bem como sobre a possibilidade de estabelecer referida relação.

Objetiva-se investigar a gênese de diversos institutos jurídicos constitucionalmente consagrados, os quais podem ser encontrados nos fundamentos e objetivos do Estado Democrático de Direito.

Os institutos acima mencionados se tratam de mecanismos de controle social, apresentados dentro da ordem estatal brasileira, tais como a dignidade da pessoa humana, mecanismos que visam à promoção da paz, da solidariedade, igualdade, fraternidade, perdão, tolerância. E sobre estes valores consolidados na esfera jurídica, objetiva-se demonstrar que todos são oriundos do Cristianismo, constituindo-se um desmembramento do maior mandamento cristão de amar a Deus e ao próximo.

Para se chegar ao objetivo proposto, inicialmente, são apresentadas as fontes do Direito e suas modalidades, a fim de se demonstrar a origem da estrutura jurídica atualmente consolidada. Analisar-se-á quais são os fatores que motivaram a existência do sistema normativo.

Em seguida, aborda-se sobre a problemática indecisão do conceito de direito, realizando uma sistematização sobre diversas correntes de pensamentos que se dedicaram em encontrar um sentido ao Direito.

Prossegue-se com a investigação acerca dos critérios de validade do Direito, procurando evidenciar como estes critérios sofreram consideráveis mudanças de acordo com o contexto e a ótica em que estavam inseridos. Serão abordados os critérios de validade sob as perspectivas jusnaturalista, positivista e pós-positivista.

Logo em seguida, conceitua-se o que seria a doutrina cristã, explicando seu surgimento, informando qual a sua mensagem e explicitando como os ensinamentos cristãos trouxeram uma revolução nas ordens sociais e jurídicas.

A partir daí, passa-se a relacionar o Cristianismo e o Direito. Procura-se evidenciar que o Cristianismo nunca pretendeu se impor ao Direito, mas em virtude da grandeza de sua mensagem, aponta-se ele como um fator de peso que estabeleceu a dissociação entre a ordem estatal e a ordem religiosa no cenário ocidental. Contudo, mostra-se que, por conseguinte, mesmo sem esta pretensão, a mensagem evangelística promoveu grande e direta influência no arcabouço jurídico de todo o ocidente e, principalmente, no ordenamento jurídico brasileiro.

É importante esclarecer que as leis são elaboradas e constituídas a partir da autoridade da vontade humana, observado o devido processo legislativo. Porém, importa estabelecer como os valores transmitidos por meio da mensagem cristã estão presentes em vários institutos jurídicos contemporâneos.

Após esta explanação, percorre-se na história da humanidade, fazendo uma análise de como os ensinamentos cristãos serviram de inspiração para fenômenos que mudaram a história do Direito, tais como a Declaração de Independência dos Estados Unidos, a Revolução Francesa e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Depois de realizadas estas análises, volta-se a abordagem mais especificamente ao Direito brasileiro. Constata-se que são inelutáveis convergências entre Cristianismo e o ordenamento jurídico brasileiro, sendo imperioso ressaltar a anterioridade daquele, o que leva a entender que um serviu de fundamentação histórica para o outro.

Aborda-se como que mesmo com a constante negação da fé promovida pela modernidade, os valores cristãos estão presentes ordem estatal brasileira, consolidada através do Estado Democrático de Direito, através dos seus objetivos e fundamentos. Salienta-se, também, que a premissa de finalidade das sociedades tanto civil quanto a eclesial, é a busca pelo bem comum.

Assim, propõe-se a reflexão através deste trabalho sobre a relação entre os ensinamentos cristãos e a ordem jurídica ocidental e, mais especificamente, a brasileira, de forma a apresentar os desdobramentos e consequências desta relação.


2 AS FONTES DO DIREITO

A expressão “fonte”, de acordo com o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, significa “aquilo que dá origem; a matriz, o nascedouro” (HOUAISS; VILLAR, 2009a, p. 914) sendo compreendido, então, como tudo que serviu como ponto de partida para a criação de algo. É uma palavra do vocabulário latim fons, fontis, possuindo como significado nascente de água. (NADER, 2013, p.165)

Trazendo a palavra fonte para o mundo jurídico, tem-se a conceituação de Paulo Nader, citando Hubner Gallo, segundo o qual “remontar à fonte de um rio é buscar o lugar de onde as suas águas saem da terra; do mesmo modo, inquirir sobre a fonte de uma regra jurídica é buscar o ponto pelo qual sai das profundidades da vida social para aparecer na superfície do Direito.” (GALLO apud NADER, 2013, p. 165)

No que tange ao conceito das fontes do Direito, Hans Kelsen possui o seguinte posicionamento:

fonte do Direito é uma expressão figurativa que tem mais de uma significação. [...] Por isso, pode por fonte de Direito entender-se também o fundamento de validade de uma ordem jurídica, especialmente o último fundamento de validade, a norma fundamental. No entanto, efetivamente, só costuma designar-se como “fonte” o fundamento de validade jurídico-positivo de uma norma jurídica, quer dizer, a norma jurídica positiva do escalão superior que regula a sua produção. Neste sentido, a Constituição é a fonte das normas gerais produzidas por via legislativa ou consuetudinária; [...] (KELSEN, 2006, p. 259)

Neste sentido, veja-se que para Kelsen,“num sentido jurídico-positivo, fonte do Direito só pode ser o Direito”. (KELSEN, 2006, p. 259) Contudo, o autor prossegue em seu discurso admitindo a existência de fontes não jurídicas, “quando com ela designamos todas as representações que, de fato, influenciam a função criadora e a função aplicadora do Direito” (KELSEN, 2006, p. 259). Kelsen entende ser necessária referida distinção, haja vista que as fontes genuinamente jurídicas são vinculantes enquanto as não jurídicas não possuem este caráter. (KELSEN, 2006)

Dentro desta perspectiva, passa-se a uma análise de onde o Direito busca seu modo de ser, onde encontra apoio, se origina e norteia, apresentando as fontes jurídicas, sendo tratadas neste capítulo como as fontes formais, bem como as fontes não jurídicas, que são as fontes materiais e históricas do Direito.

2.1 Fontes materiais do Direito

As fontes materiais são compostas pelos fatos ocorridos na sociedade, os quais motivam a criação de um instrumento de segurança e ordem jurídica, quais sejam, as regras de Direito. Constituem a manifestação da vontade de um todo social, tendo em vista que é neste meio que aparecem as relações sociais, e, via de consequência, os conflitos advindos destas relações, os quais fornecem ao legislador os elementos necessários para a formação do conteúdo normativo. São, pois, os valores sociais que formam o conteúdo das normas jurídicas.

As fontes materiais são condicionadas por alguns fatores inerentes à sociedade, tais como os fatos econômicos, políticos, religiosos, geográficos e morais. Frise-se que esta modalidade de fonte não configura o Direito pronto, mas é um formador deste.

Sobre esta modalidade de fonte, Paulo Nader assim conceitua:

O Direito não é um produto arbitrário da vontade do legislador, mas uma criação que se lastreia no querer social. É a sociedade, como centro de relações de vida, como sede de acontecimentos que envolvem o homem, quem fornece ao legislador os elementos necessários à formação dos estatutos jurídicos. Como causa produtora do Direito, as fontes materiais são constituídas pelos fatos sociais, pelos problemas que emergem na sociedade e que são condicionados pelos chamados fatores do Direito, como a Moral, a Economia, a Geografia etc. Hübner Gallo divide as fontes materiais em diretas e indiretas: Estas são identificadas com os fatores jurídicos, enquanto que as fontes diretas são representadas pelos órgãos elaboradores do Direito Positivo, como a sociedade, que cria o Direito consuetudinário, o Poder Legislativo, que constrói as leis, e o Judiciário, que produz a jurisprudência. (NADER, 2013, p. 166-167)

À título de exemplificação de fator inspirador do Direito, pode-se citar um fator econômico que foi a crise mundial ocorrida em 1929, a qual ocasionou uma depressão econômica, gerando, por conseguinte, uma reformulação de inúmeras normas jurídicas ao redor de todo o mundo.

Como exemplo de fator moral formador do conteúdo normativo, pode-se citar algumas virtudes morais como o decoro, a decência e o respeito ao próximo.

Para elucidar melhor o conceito, tem-se como exemplo de fatores religiosos, o Direito na antiguidade oriental e clássica, o qual era totalmente confundido com a religião, ambos eram um só, sendo, neste contexto, o pecado visto como crime. Como objeto de estudo deste trabalho, há de serem abordadas inúmeras fontes materiais do Direito que tiveram como inspirações fatores religiosos, mormente, os ensinamentos do Cristianismo.

A respeito desta modalidade de fonte, há uma discussão doutrinária no sentido de ser a expressão “fonte material” apropriada. Miguel Reale acredita ser impróprio o uso da expressão, justificando esta impropriedade com fundamento que a fonte material “não é outra coisa senão o estudo filosófico ou sociológico dos motivos éticos ou dos fatos que condicionam o aparecimento e as transformações das regras do Direito.” (REALE, 2001, p.130). Lado outro, Paulo Dourado de Gusmão defende a propriedade do termo, afirmando que “no sentido próprio de fontes, as únicas fontes do Direito são as materiais, pois fonte, como metáfora, significa de onde o Direito provém.” (GUSMÃO, 1978, p. 127)

Todavia, em que pese a discussão doutrinária, entende-se que as fontes materiais do Direito constituem a matéria prima de elaboração do Direito, concorrendo, também, como as fontes históricas e formais, que serão logo adiante tratadas.

2.2 Fontes históricas do Direito

As fontes históricas do Direito são os documentos jurídicos que, devido à importância e aplicabilidade destes na história, exerceram e continuam exercendo influência até os dias atuais em diversos ordenamentos jurídicos, eis que possuem em seu contexto um conjunto de ensinamentos e determinações dotados de sabedoria e eficácia.

Não obstante ser o Direito mutável em decorrência dos fatores inerentes ao tempo e espaço, de acordo com o contexto vivenciado por cada sociedade, torna-se imperioso ressaltar que há pensamentos e ideias que se mantêm no decorrer de todas estas mudanças sócio-jurídicas. Tratam-se de pensamentos consolidados, permanentes, que mesmo diante da mutabilidade da sociedade e dos ordenamentos normativos, se conservam na esfera jurídica em virtude de um consenso social.

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Sobre a fonte histórica, assim define Paulo Nader:

Apesar de o Direito ser um produto cambiante no tempo e no espaço, contém muitas idéias permanentes, que se conservam presentes na ordem jurídica. A evolução dos costumes e o progresso induzem o legislador a criar novas formas de aplicação para esses princípios. As fontes históricas do Direito indicam a gênese das modernas instituições jurídicas: a época, local, as razões que determinaram a sua formação. A pesquisa pode limitar-se aos antecedentes históricos mais recentes ou se aprofundar no passado, na busca das concepções originais. Esta ordem de estudo é significativa não apenas para a memorização do Direito, mas também para a melhor compreensão dos quadros normativos atuais. No setor da interpretação do Direito, onde o fundamental é captar-se a finalidade de um instituto jurídico, sua essência e valores capitais, a utilidade dessa espécie de fonte revela-se com toda evidência. (NADER, 2013, p.166)

Neste diapasão, Paulo Nader apresenta lição de Theodoc Sternberg, o qual leciona que “aquele que quisesse realizar o Direito sem a História não seria jurista, nem sequer um utopista, não traria à vida nenhum espírito de ordenamento social consciente, senão mera desordem e destruições.” (STERNBERG apud NADER, 2013, p.166)

A fim de exemplificar, como fonte histórica do Direito, pode-se citar a Bíblia Sagrada, o livro mais conhecido no mundo Ocidental, o qual possui em seu contexto, inúmeros ensinamentos éticos apresentados por Jesus Cristo e seus discípulos, a Lei de Moisés, que teria sido, segundo os escritos bíblicos, enviada por Deus, dentre outros institutos jurídicos. Pode-se citar, também, o Direito Romano, o Direito Canônico, as Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas como fonte histórica do Direito Brasileiro.

Neste sentido, percebe-se que as fontes históricas do Direito indicam a gênese dos atuais institutos jurídicos, constituindo-se de extrema importância, a busca pelo conhecimento de tais fontes, tendo em vista que é a partir delas que se é possível descobrir a finalidade e essência de determinada norma, bem como compreender o atual contexto legal.

2.3 Fontes formais do Direito

As fontes formais se apresentam como a forma de exteriorização das normas jurídicas, o meio pelo qual elas se tornam conhecidas, expressando o Direito. Diante deste conceito, pode-se claramente perceber, dentro do contexto jurídico, que tais fontes tratam-se das leis, dos costumes, da doutrina e da jurisprudência.

Segundo Paulo Nader, as “fontes formais são os meios de expressão do Direito, as formas pelas quais as normas jurídicas se exteriorizam, tornam-se conhecidas. Para que um processo jurídico constitua fonte formal é necessário que tenha o poder de criar o Direito.” (NADER, 2013, p. 167)

O Estado apresenta-se como legitimado para criação de leis, bem como para conferir aos costumes, doutrinas e jurisprudência, força legal. Esta legitimação se dá através dos órgãos próprios, que objetivam regular as relações dos indivíduos, destes com o Estado, e de um ente soberano com outro ou outros.

A Lei se caracteriza como um conjunto de regras jurídicas ditadas pela autoridade estatal, as quais se tornam de observância obrigatória para toda a sociedade, sob pena de incorrer em sanções, caso não observadas. O caráter de obrigatoriedade torna-se essencial, considerando o objetivo de manter a ordem e o desenvolvimento social.

O costume consubstancia-se em práticas reiteradas de determinada sociedade, formada espontaneamente, e liberta do caráter formal, uma vez que não é regulado através de trâmites legais, tal como a lei escrita é. Contudo, por se caracterizar como uma conduta praticada constante e uniformemente pela sociedade, o costume é carregado de obrigatoriedade. Segundo Silvio Venosa (2014), os costumes podem ser classificados como secundum legem, praeter legem e contra legem. Os costumes secundum legem são aqueles segundo a lei, os quais já foram transformados em lei e, portanto, deixou de ser costume propriamente dito. O costume praeter legem, significa aquela conduta reiterada prevista além da lei, a qual é prevista no art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, onde prevê que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.” (BRASIL, 1942) Por sua vez, o costume contra legem é o que se pratica, contudo é contrário à lei. Esta última modalidade de costume é questionada no campo doutrinário, tendo em vista que a admissão de um costume que vai contra a lei poderia tornar o sistema instável.

A doutrina pode ser conceituada como o universo de estudos e opiniões realizados pelos estudiosos do Direito, com o objetivo de se analisar todo o contexto jurídico, realizando uma análise teórica, apontando sugestões, elaborando críticas e apresentando um estudo mais aprofundado de todo o arcabouço jurídico. Através da doutrina obtêm-se um instrumento de interpretação de normas e orientação quanto à aplicação destas.

A jurisprudência se apresenta como o conjunto de decisões exaradas pelos Tribunais de todo o país, quando da aplicação da Lei. Trata-se do entendimento dos magistrados quando da interpretação das normas jurídicas e a aplicação ao caso concreto.

As fontes formais se caracterizam, então, como o instrumento que exterioriza o Direito, por meio de seus legitimados.

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