A mensagem do cristianismo como fundamento histórico de institutos jurídicos contemporâneos

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12/01/2015 às 00:05
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3 A PROBLEMÁTICA INDECISÃO CONCEITUAL DE DIREITO

“Os juristas ainda estão buscando uma definição para seu conceito de direito.” (KANT apud GOYARD-FABRE, 2002, p. XIII). Assim Simone Goyard-Fabre (2002) inicia a temática ora posta questão, complementando a ideia ao afirmar que “nos trabalhos sobre filosofia do direito, que se multiplicam atualmente de modo inflacionário, continua sendo difícil encontrar uma definição que permita arrancar o direito do magma das dúvidas.” (GOYARD-FABRE, 2002, p. XIII)

Há uma discussão acerca da problemática que se impõe na tentativa de conceituação do Direito. A autora traz a conceituação do termo realizada por renomados doutrinadores no século XVI, os quais apresentavam o Direito como sendo uma mistura dos mandamentos da lei divina e natural com os preceitos humanos, tais como usos e costumes. Lado outro, a corrente clássica apresenta outra conceituação para o tema. Defende que o Direito se encontra em um campo de compreensão multidimensional e complexo, já que o mesmo abrange a metafísica, pois o direito natural clássico possui uma perspectiva cosmológica. Abarca, também, a teologia, considerando a existência de um direito divino. Possui, ainda, uma perspectiva ética ao passo que o Direito impõe às pessoas uma faculdade moral, e, por fim, defende que o Direito adentra na seara da antropologia, pois se apresenta como um direito soberano do estado. (GOYARD-FABRE, 2002)

Sobre esta pluralidade de sentidos do Direito, a autora afirma:

Em sua persistência, o pluralismo semântico da palavra direito não é acidental. Ele corresponde à ambiguidade essencial de seu conceito: na verdade, a multiplicidade de relações que o direito mantém com outros campos da existência humana mostra a dimensão da dificuldade existente para circunscrever seu campo próprio, o que obsta a um empreendimento de definição rigorosa. (GOYARD-FABRE, 2002, p. XVIII)

A autora apresenta, ainda, as mudanças pelas quais o sentido do Direito atravessou, de acordo com o contexto em que era inserido. Para tanto, divide o pensamento em três partes, as quais conceitua como as três ondas de maturação semântica do Direito, realizando um paralelo sobre a mudança do sentido do Direito em diferentes épocas.

A proposta da maturação semântica é buscar retirar do conceito de direito todas as interferências externas e, é apresentada em três ondas sucessivas: “seu conceito, primeiro emancipado de suas implicações teológicas e depois de sua ressonância moral, pretendeu a neutralidade axiológica.” (GOYARD-FABRE, 2002, p. XIX) A problemática, segundo a autora, consiste em “saber se estas três ondas, por mais intensas que tenham sido, libertam o termo direito do peso de seus equívocos.” (GOYARD-FABRE, 2002, p. XIX). E é o que será tratado a seguir.

3.1 A primeira onda de maturação semântica ou dessacralização

Esta corrente de pensamento apresenta o Direito através de uma ótica científica, trazendo uma abordagem sistemática do direito que até então era visto como universal. Inicia-se, então, uma incessante busca pela razão, utilizando a experiência e a ciência para definir o conceito de Direito.

Corroborando com a nova corrente de pensamento, a autora traz, no bojo de sua obra, o posicionamento de Hugo Grotius, o qual considerava a “independência do conceito de Direito, desde que seja reportado à razão humana como verdadeira fonte.” (GROTIUS apud GOYARD-FABRE, 2002, p.XXIII). Nesta esteira de pensamento, o autor reconhece três acepções de direito, quais sejam, o direito vinculado ao valor de justiça; o direito subjetivo que significa uma “capacidade” da pessoa; e o direito como lei, estabelecendo regras obrigatórias que visam regular toda uma sociedade. (GROTIUS apud GOYARD-FABRE, 2002)

Demonstrando claramente em seu conceito a defesa dessa corrente, tem-se o posicionamento de J. Bodin, citado por Goyard-Fabre:

As razões seminais do direito e da justiça colocadas na alma de cada um pelo Deus imortal não tardam em ser despertadas pela razão; e, tendo a razão se desenvolvido em nós até a plenitude, ela engendra esse conhecimento do direito que tomamos por objeto, cujos limites a experiência e a ciência nos permitem definir. (BODIN apud GOYARD-FABRE, 2002, p. XX)

De acordo com esta corrente, defende-se abertamente a emancipação do conceito de direito da teologia, considerando-a como necessária. Sobre esta emancipação, assim se posicionam os defensores desta onda de pensamento:

O sentido e o valor do termo direito não devem ser procurados em alguma transcendência incompreensível para o homem. Só podem proceder da razão que construiu seu conceito. Conseqüentemente, apenas uma análise realizada segundo os procedimentos da razão humana é capaz de depreender a compreensão do termo direito. (GOYARD-FABRE, 2002, p. XXII)

A partir daí passa-se a ter outra interpretação do sentido que o Direito até então possuía, dividindo-o entre as suas fontes divinas e humanas, suas raízes naturais e seu caráter legal, entre o contexto moral e a função técnica, entre a retidão até então idealizada e a prática concreta das condutas de cada indivíduo. Através desta interpretação, ocorre uma divisão no conceito de Direito. (GOYARD-FABRE, 2002)

Verifica-se uma mudança da visão teocêntrica para antropocêntrica, ao passo que a ordem jurídica não mais se encontrava sob o controle de uma natureza cósmica, mas era dirigida pela razão humana.

Não obstante a apresentação do sistema jurídico com uma roupagem reguladora e normativa, a construção racional das normas jurídicas por um Estado, seu único legislador, por si só, fora insuficiente para se alcançar o sentido do Direito. Apenas com o caráter racional, estudiosos do Direito encontram óbice em apresentar um conceito, que ainda estava submetido a uma análise que ultrapassava as jurisprudências e as formas convencionais de avaliação, ou seja, ao horizonte metajurídico. Neste sentido, a autora assim dispõe:

O certo é que sobrecarregado por um excesso de glosas, o conceito de direito fica dividido entre suas fontes divinas e sua feitura humana, entre suas sementes naturais e sua forma legal, entre sua vocação moral e sua função técnica, entre um ideal de retidão e a prática concreta das espécies singulares... Em suma, o conceito de direito está dividido: por um lado, impõe-se as perspectivas racionais de uma eventual codificação que lhe implicaria homogeneização; por outro, o pluralismo dos costumes regionais resiste, com sua carga de pitoresco e eficácia. Portanto, embora haja um despertar da racionalidade jurídica, que busca a especificidade irredutível subsumida no termo direito, ela está às voltas com duas tendências antagônicas – a sistematização e a casuística -, que dão ao direito duas feições incompatíveis. Como a multiformidade do direito engedra-lhe multivocidade, seu conceito permanece indefinido e incerto. (GOYARD-FABRE, 2002, p. XXI)

Nesta perspectiva, nota-se que embora haja, neste contexto, uma notável distinção entre o direito natural e o direito positivo, “tudo se embaralha quando se sabe que o direito “voluntário” é estabelecido ou por Deus ou pelo homem e que, ademais, sua observância confere “valor moral” às ações.” (GOYARD-FABRE, 2002, p. XXIII)

Destarte, constata-se que mesmo com a dessacralização do conceito do Direito, este ainda se apresentava com significados exteriores que, segundo a visão da autora, continuavam a obscurecer seu sentido.

3.2 A segunda onda ou o hiato entre o Direito e a moral

Através desta onda semântica, a autora propõe, com base nos pensamentos apresentados por Kant e Fichte, uma nova reflexão sobre o conceito do Direito, que neste momento já se mostrava como um conjunto de normas reguladoras de toda a sociedade. (GOYARD-FABRE, 2002)

A reflexão trazida por esta nova corrente se propunha a questionar acerca do caráter prescritivo das normas jurídicas, as quais vinham acompanhadas de uma obrigação a ser cumprida por seus destinatários. Possuindo este caráter, a segunda onda de maturação semântica propunha a autonomia do Direito em relação a moral mediante o questionamento sobre o dever-ser que a norma jurídica impunha. Sobre esta autonomia, assim coloca:

Apesar das modificações mais ou menos moduladas, em linhas gerais a escola do direito natural moderno permaneceu fiel às categorias epistemológicas defendidas por Grotius. Contudo, a conotação do termo direito, que passa a designar principalmente um corpus de regras que administram a sociedade, suscita um novo tipo de reflexão. Com efeito, por ser prescritiva, uma regra impõe sendo acompanhada de obrigação; portanto, para esclarecer o conceito de direito, tornava-se necessário interrogar-se sobre o dever-ser que a regra impõe. Essa interrogação iria provocar a autonomia do direito em relação à moral. (GOYARD-FABRE, 2002, p. XXV)

Estabelecida a autonomia entre o direito e a moral, há, por conseguinte, a diferenciação do que seriam e em quais campos das relações humanas atuam. Através das teses Kantianas, Goyard-Fabre apresenta esta distinção:

Segundo Kant, toda a filosofia prática remete ao factum rationis da lei moral, o que significa que, no ser racional que o homem é, a vontade tem poder de legislar. Mas a “lei moral” exprime-se segundo as duas figuras do direito e da virtude. Ora, embora o direito e virtude tenham um mesmo princípio e um mesmo fim, não têm a mesma natureza, de sorte que “mesmo um povo de demônios” obedece as regras de direito. Portanto, mesmo quando o direito e a moral se articulam em torno dos três conceitos comuns de dever, obrigação e imputação, eles não se confundem: enquanto as regras morais comandam in foro interno e fazem do dever um móbil suficiente da ação, as regras de direito comandam in foro externo e, por não integrar o móbil do dever à lei, são acompanhadas de coerção. (KANT apud GOYARD-FABRE, 2002, p. XXV)

Em outras palavras, aponta-se a moral como as regras que comandam o foro interno de cada indivíduo, dotados de autonomia. Lado outro, as regras do direito são conceituadas como aquelas capazes de regular as ações externas das pessoas, as quais estão passíveis de coerção quando não observadas. Sobre esta distinção, Goyard-Fabre pontua:

O fato de as perspectivas teleológicas do direito e da moral lhes serem comuns, pois ambos estão a serviço da realização da humanidade no homem, em nada altera a irredutibilidade deles. Eles operam, cada qual à sua maneira, a síntese entre a natureza e a liberdade: assim, num contrato, a palavra dada acarreta, em conformidade com a letra do contrato, o cumprimento da promessa e a execução de um dever exterior; em contrapartida, toda promessa, moralmente considerada, obriga em consciência. O direito situa a ação do sujeito de direito sob o signo da heterenomia; a moral implica a autonomia da pessoa. (GOYARD-FABRE, 2002, p. XXVI)

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Com fundamento nas teses de Kant e de Fichte, Goyard-Fabre “vê no direito a única coisa que torna possível a coexistência das liberdades, ou seja, o que permite inserir a liberdade no mundo sensível.” (GOYARD-FABRE, 2002, p. XXVI)

Para Kant é a lei moral que determina o bem e o mal, ou em outros termos, o que vale e o que não vale. Segundo ele “o conceito do bem e do mal não deve ser determinado antes da lei moral (à qual, na aparência ele deveria servir de fundamento), mas apenas (como também aqui acontece) segundo ela e por ela.” (KANT apud GOMES, 2004, p. 148)

Os valores, na perspectiva kantiana, decorrem da lei moral, e esta decorre da liberdade, um valor hierarquicamente superior. É da liberdade, considerada um valor transcendental para Kant, que a lei moral e o direito retiram seu fundamento de validade. O fundamento do direito, por sua vez, é a liberdade entendida como autonomia da razão, segundo os pensamentos kantianos. O direito é, então, segundo Kant, a liberdade exteriorizada. (GOMES, 2004)

Sob esta ótica, a moral, por si só, se apresentava como um valor subjetivo que poderia ser encontrado no interior da consciência de cada indivíduo, e, sendo estes dotados de liberdade e livre arbítrio, seria “impossível definir o direito em função da moral.” (GOYARD-FABRE, 2002, p. XXVI)

Diante deste quadro, a segunda onda trouxe para o mundo jurídico a separação entre o direito e a moral, os quais eram anteriormente vislumbrados em um mesmo contexto. Afirma-se colocando que como “o direito não poderia proceder da “boa vontade”, o criticismo operou um aclaramento conceitual que tem algo de definitivo” (GOYARD-FABRE, 2002, p. XXVII)

A esse respeito, tem-se ensinamento do Edgar de Godoi da Mata-Machado:

Fácil é rastrear as influências do kantismo na própria elaboração da ciência jurídica positiva. Decerto será preciso dizer que a separação entre Moral e Direito, tão rigorosamente afirmado pelo idealismo ético, libertou a ciência jurídica e lhe precipitou a secularização. Na medida em que tal libertação e tal secularização significam aquisição de autonomia, não se pode deixar de reconhecer-lhes o mérito. Mas a distinção entre as duas ordens, em si mesma necessária e útil, representaria em breve desunião e, não raro, conflito, expressos, antes de tudo, pela quase universal e radical negação de qualquer fundamento superior do Direito, cujas origens materiais, fenomenais, sensíveis, viriam a ser procuradas ou no mandato do soberano, tal como o sustentaram Austin e toda Escola Analítica Inglesa, ou na alma do povo, segundo Savigny e a Escola Histórica, ou numa consciência coletiva hipostasiada, de acordo com a Sociologia de filiação durkeimeana, ou numa ‘constituição hipotética primeira’, engenhosamente imaginada por Kelsen, o que tudo iria redundar no mais desencantado ceticismo ou no relativismo desconexo, cuja base única de sustentação se alicerçaria, tão só, na força, atuando através do poder coercitivo do Estado. (MATA-MACHADO, 1958, p.13)

Contudo, mesmo diante desta autonomia estabelecida, alguns doutrinadores ainda entendiam que o direito ainda estava encoberto por raízes metajurídicas, e, por tal motivo, deram prosseguimento em busca de libertar a esfera jurídica destas interferências. A esta posterior investigação, dá-se o nome de terceira onda ou a retratação do horizonte axiológico do Direito, a qual será a seguir tratada.

3.3 A terceira onda ou a retratação do horizonte axiológico do Direito

Segundo Goyard-Fabre (2002), a terceira onda ou a retratação do horizonte axiológico do Direito, se apresenta com a ideia de alguns teóricos que defendem a possibilidade de libertação do conceito do Direito de qualquer interferência metajurídica dos valores.

Como propulsores desta corrente de pensamento têm-se os positivistas jurídicos, os quais apresentavam dois fundamentos para o conceito do Direito, quais sejam, o Estado como o detentor do poder de legislar e a neutralidade do Direito em relação à filosofia dos valores. Simone Goyard-Fabre explica a proposta destes teóricos:

A axiomática básica dos positivismos jurídicos resume-se, não obstante seus variados sotaques, a dois postulados: o legicentrismo estatal e a neutralidade axiológica do direito. Sobre essa base de trabalho, a intenção metodológica da doutrina é clara: o positivismo quer ser uma teoria do direito positivo. A vacuidade axiológica do direito e sua indiferença por qualquer horizonte metajurídico devem possibilitar seu tratamento científico, de certo modo imunizado contra toda tentação filosófica. A teoria positivista do direito descreve o direito independentemente de toda problemática de constituição: só lhe interessa o direito tal como é “estabelecido” (GOYARD-FABRE, 2002, p. XXVII)

Para a teoria positivista, a ordem jurídica se apresentava independente de toda a problemática de constituição já que para eles só interessava o Direito na forma em que ele é posto. Assim, não interessava, na ideologia positivista, a análise da gênese das normas jurídicas, embora eles considerem que o Direito é criado e definido pelo Estado.

Nesta visão, Kelsen apresenta a perspectiva positivista em relação aos métodos adequados para a interpretação jurídica, ao afirmar que “a questão de saber qual é, de entre as possibilidades que se apresentam nos quadros do Direito a aplicar, a correta, não é sequer uma questão de conhecimento dirigido ao Direito positivo, não é um problema de Teoria do Direito, mas um problema de política do Direito.” (KELSEN apud MACHADO, 2006, p. 69)

No que tange a dissociação dos valores e da moral em face do Direito, segundo a visão positivista, Roberto Denis Machado apresenta a seguinte constatação:

Os positivistas em geral, defendem a autonomia do Direito em relação à moral, reconhecendo que há relação entre eles, mas não aceitando nem a tese da identidade nem a tese da subordinação. E, por ter como principais argumentos a pluralidade de sistemas morais e a impossibilidade de determinar um conteúdo axiológico comum a todos eles, o positivismo tem sido apontado como uma corrente que estuda o Direito avalorativamente. (MACHADO, 2006, p.74)

Sobre este direito definido, criado pela lei do Estado, a teoria positivista, em busca de uma explicação para a vontade estatal no processo de elaboração do direito positivo, se apoiou em um determinismo explicativo, onde, segundo eles, “são os fatos sociais ou a conjuntura dos acontecimentos que levam o legislador a decidir sobre o que é direito.” (GOYARD-FABRE, 2002, p. XXVIII)

Neste diapasão, Goyard-Fabre entende que os positivistas entram em contradição, conforme explica:

Mas, na vertente sociologizante ou historicista por que ela envereda, a teoria positivista do direito cai em contradição: ao passo que no princípio ela considerava que o direito deveria ser estudado como um objeto auto-suficiente, acaba por tornar o direito heteronômico, pois este parece ser produto de condições socioeconômicas ou históricas. (GOYARD-FABRE, 2002, p. XXVIII)

A autora considera que, ao contrário do que inicialmente pretendia os positivistas, eles acabaram por trazer ao conceito de direito inúmeras semelhanças com tudo aquilo que eles mesmos consideravam como “não-direito”. Sobre esta problemática, assim discorre:

Se examinamos o positivismo jurídico em seu alcance filosófico, ele levanta dois problemas dos mais espinhosos. Com efeito, para permanecer fiel à sua postulação e à sua vontade de pura neutralidade, ele tem de considerar que o direito é alheio tanto ao valor do justo como a qualquer horizonte de idealidade. Ora, as consequências dessa atitude são terríveis. Por um lado, como compete à lei definir o justo – a lei é justa porque é a lei -, ela encerra as normas do direito na ordem positiva estabelecida hic et nunc pela autoridade estatal e corre o risco de pender para a anexação do direito pela política. Por outro lado, a recusa de um horizonte de idealidade leva a situar o direito numa perspectiva horizontal em que ele só tem dimensão técnica e instrumental: o direito é assimilado às estruturas administrativas da sociedade e tende a se confundir com uma técnica gerencial. (GOYARD-FABRE, 2002, p. XXVIII-XXIX)

Ainda na questão da problemática estabelecida pelos positivistas, vislumbra-se que pela objetividade de sua proposta, o positivismo nega qualquer juízo de valor ou apreciação crítica.

Conclui afirmando que “reduzir as regras e as prescrições jurídicas à positividade das decisões do legislador – mesmo quando estas não são pura arbitrariedade e encontram sua razão de ser na conjuntura social ou no acontecimento histórico – decorre do “medo normativo [...]” (GOYARD-FABRE, 2002, p. XXIX) Desta forma, desprovidos da dimensão ideal de normatividade, a teoria positivista acaba indo na contramão de sua pretensão, de forma que atola a concepção de direito a um “objetivismo rasteiro que a esvazia de seu sentido específico”. (GOYARD-FABRE, 2002, p. XXX)

Assim, segundo a autora, o positivismo foi considerado como um antijuridismo, pois, com um discurso de neutralidade, o conceito de direito por ele apresentado acaba por negar o próprio direito, já que não lhe permite maiores abrangências.

3.4 O Direito em busca do seu sentido

Diante das ideias apresentadas por diferentes correntes em busca de qual seria o sentido do Direito, apresenta-se na esfera jurídica uma ausência de convergência sobre qual seria este sentido.

De acordo com Simone Goyard-Fabre (2002), enquanto há o reconhecimento de que cada indivíduo é dotado de direitos naturais, intrínsecos ao ser humano, e independente do Estado e da sociedade, tais como liberdade, propriedade e igualdade, possuindo um caráter universal, percebe-se, em contrapartida, que tais direitos, embora já consolidados no interior dos indivíduos, não possuem efetividade jurídica por estarem desprovidos de garantia e sanções por parte do Direito positivado.

Neste diapasão, a autora conclui que os direitos naturais, embora dotados de validade, buscavam sua efetividade jurídica no direito positivo, a fim de obterem força jurídica efetiva para se fazer respeitar.

Prosseguindo na busca pelo conceito do Direito e a razão de suas normas, estudiosos se debruçaram no estudo do tema que, segundo Simone Goyard-Fabre (2002), é, por sua natureza, confuso e impreciso, já que dotado de um pluralismo semântico, por reger condutas diversificadas e por possuir a característica de mutabilidade.

Para se obter uma resposta, a autora apresenta como solução a inversão do método até então utilizado, propondo que, ao invés de buscarem a análise do sentido do Direito através dos princípios e posteriormente às suas consequências, deve-se remontar através do que já existe e buscar qual a razão de ser como é. Em outras palavras, a autora propõe a análise da realidade objetiva do direito em conjunto com a idealidade normativa que ele veicula, procurando onde o Direito encontra os seus alicerces.

Nesta incessante busca de uma certeza a autora conclui: são os fundamentos do Direito que o tornam possível e válido. Impõe-se, desta forma, a busca pela razão de ser do Direito, redirecionando o pensamento para a sua transcendentalidade, fugindo, assim, das discussões sobre as normas que já estão postas, e voltando-se às razões que serviram e servem até hoje como alicerce do Direito.

E é sobre esta reflexão que o presente trabalho se propõe a realizar, buscando averiguar a possibilidade da afirmação do Cristianismo como um dos alicerces históricos que fundamentou o Direito tal como é atualmente concebido.

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