Aproveitei a tarde de hoje para ver Fury. O filme ainda será lançado no Brasil, mas já pode ser visto com legendas na internet, onde foi parar depois do ataque virtual à Sony Pictures.
Fury é um filme de guerra bem tradicional. Nazistas malvados são combatidos por soldados norte-americanos durões que não respeitam muito as regras e, inclusive, executam prisioneiros desarmados. A história do protagonista é reforçada pela tragetória do jovem soldado que ele se encarrega de educar. O enredo é previsível e as cenas de batalha um pouco exageradas.
As armas dos soldados dos EUA cospem tiros traçantes vermelhos, as dos nazistas vomitam disparos verdes com detalhes amarelos. O efeito estético é curioso. Tenho 50 anos e nunca tinha visto uma Alemanha nazista canarinho, pois aprendi que o Brasil lutou contra os alemães na Itália.
Durante sua jornada, quando não estão discutindo religião ou citando versículos da Bíblia, os membros da tripulação do indestrutível tanque Sherman repete a frase The best job I ever had. A guerra como “mera atividade profissional” foi um tema importante nos depoimentos dos oficiais nazistas julgados em Nuremberg. Adolf Eichmann repetiu esta ladainha quando foi julgado em Jerusalém.
Como seus inimigos nazistas, os tripulantes do Sherman apenas cumprem ordens. Para convencer o recruta de que na guerra a matemática é simples (mate ou será morto), o líder da guarnição do tanque afirma que "Ideais são pacíficos" e que "A História é feita de violência."Hierarquia e violência produzindo civilização são dois temas importantes ao nazismo. Estas duas frases ditas pelo personagem norte-americano não causariam estranhamento se fossem lidas no infame livro Mein Kampf .
Nenhuma destas frases do protagonista de Fury pode ser encontrada na obra de Karl Marx. O teórico comunista defendeu a tese de que a violência era a "parteira da História". Marx pressupunha, portanto, que a História não era a própria violência e que esta deveria ser encarada apenas um estágio intermediário entre civilizações diferentes. Somente os nazistas (e os mocinhos do filme Fury) acreditam que civilização, História e guerra são a mesma coisa.
Numa das cenas de Fury, a tripulação do Sherman comandado pelo herói interpretado por Brad Pitt vê uma massiva formação de bombardeiros que vai atacar alguma cidade alemã. Em outra cena o tanque passa ao largo de uma cidade totalmente incendiada. A referência ao incêndio das cidades alemãs é evidente.
É fato, durante a II Guerra Mundial a RAF e a USAF atearam fogo em dezenas de cidades históricas alemãs sem qualquer importância militar usando bombas incendiárias, explosivas e programadas para explodir quando os bombeiros alemães estavam trabalhando. Dentre as cidades incendiadas podem ser citadas Hürtegenwald, Düren, Jülich, Essen, Duisburg, Dortmund, Colônia, Bochum, Rostock, Bremen, Hamburgo, Kiel, Nuremberg, Kassel, Würzburg, Osnabrück, Münster, Telgte, Hannover, Munique, Düsseldeorf, Trier, Koblenz, Heilbronn, Bonn, Krefeld, Hildesheim, Magdeburg, Leipzig, Darmstadt, Stuttgart e Dresden. Estes aspectos desagradáveis, desumanos e criminosos da campanha aérea dos Aliados na Alemanha é contado detalhadamente no livro O INCENDIO, de Jörg Friedrich (cuja resenha postei no GGN em 2013 http://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/o-incendio-resenha-do-livro-de-joerg-friedrich).
Idosos, mulheres e crianças, ou seja civis inocentes, foram as vítimas dos turbilhões de fogo provocados pelos Aliados nas cidades alemãs citadas. Em razão disto, se tivessem perdido a II Guerra Mundial, os norte-americanos também poderiam ter sido julgados por crimes contra a humanidade. E ninguém estranharia se em depoimento o comandante da campanha aérea incendiária na Alemanha repetisse a ladainha nazista de que tudo foi feito por causa do seuThe best job I ever had.
Fury, portanto, tem pelo menos um mérito. Justamente por mostrar uma visão esquemática e norte-americanizada da guerra, o novo filme de Brad Pitt sugere que existem semelhanças entre os nazistas alemães e os nazistas norte-americanos. Uns e outros eram apenas profissionais matando inimigos (civis e prisioneiros incluídos). Os nazistas que venceram a II Guerra Mundial dizem que os derrotados eram criminosos. Mas isto é apenas um detalhe anti-ético.