Palavras-chave: Improbidade administrativa. Comportamento ilícito. Má-fé. Agentes públicos.
Sumário: 1. Atos de Improbidade – 2. A Lei Federal nº 8.429/92 – 2.1. Sujeito Ativo – 2.2. Sujeito Passivo – 2.3. Participação de Terceiro – 2.4. Artigo 11 e seus Incisos – 2.4.1. Desvio de Finalidade – 2.4.2. Omissão de Ato de Ofício – 2.4.3. Violação de Sigilo Funcional – 2.4.4. Ofensa ao Princípio da Publicidade – 2.4.5. Frustração de Concurso Público – 2.4.6. Omissão de Prestação de Contas – 2.4.7. Divulgação Indevida de Medida Política ou Econômica – 3. Considerações Finais – 4. Referências Bibliográficas.
1. Atos de Improbidade
A palavra probidade é originária do latim probus, cujo significado diz respeito àquilo que brota do bem ou que tem boa qualidade. De forma figurada caracteriza o indivíduo que tem honra, retidão de caráter, integridade, honestidade, idoneidade.
Já o termo improbidade é originário do latim improbitas, cujo significado quer dizer ruim, de má qualidade. Na linguagem jurídica tem o sentido de mau caráter, imoral, maldoso, desonesto. Dessa forma, a improbidade revela a qualidade do homem que não é bom, que não tem bons costumes e que não possui virtudes, pois age sem dignidade, por não ter caráter, por não ter princípios, por ser indecente. Improbidade é a qualidade da pessoa tinhosa (maculada, defeituosa, manchada, repugnante). Ser ímprobo é ser mau, desobediente, violador, transgressor, impuro. Os romanos acreditavam que a improbidade impunha a falta de existimatio (apreciação, reputação), que qualificavam os homens bons.
No caso da probidade, esta constitui retidão de conduta, honradez, lealdade, integridade, virtude e honestidade. Entretanto, de acordo com a sistemática atualmente vigente no ordenamento jurídico pátrio, abarca não só componentes morais, como também o respeito aos princípios regentes da Administração Pública.
Visto que nem sempre a etimologia da palavra (de forma especial ainda para conceitos do mundo jurídico) revela o real e completo significado da mesma, termos de extrema relevância para a tipificação de condutas como o próprio conceito de probidade necessita de um estudo aprofundado visando sua melhor compreensão. Uma vez que a doutrina jurídica do país nem sempre se mostra convergente no que tange à interpretação desses conceitos, e uma vez ainda que entendimentos muito abrangentes de alguns temas abrem margem para comportamentos diferenciados, mostra-se como um imperativo a sistematização dos conceitos ora analisados.
Improbidade administrativa é todo ato ilegal ou que contrarie os princípios básicos da Administração Pública, cometido, em princípio, por agente público, durante o exercício da uma função pública ou decorrente desta. O ato caracterizador de improbidade administrativa é aquele vem impregnado de ações desonestas.
Conforme Pazzaglini Filho (2011), o termo improbidade administrativa foi inserido, pela primeira vez, na Constituição Federal de 1988, em seus arts. 15, V, e 37, § 4º.
O art. 15 da Constituição Federal enuncia que “é vedada a cassação de direitos políticos”, e elenca as hipóteses de privação definitiva (perda) ou temporária (suspensão) destes.
A perda dos direitos políticos ocorre nos casos de “cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado” (I) e “recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa” (escusa de consciência - IV). Nos demais casos ocorrerá a suspensão, como é o caso da improbidade administrativa (V).
No que diz respeito ao § 4º do art. 37 da CF/88, que trata das disposições gerais sobre a Administração Pública, a carta magna, decreta: “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
Segundo definição de Plácido e Silva citados por Pazzaglini Filho (2011), “é o ímprobo mau, perverso, corrupto, devasso, falso, enganador. É atributivo da qualidade de toda pessoa que procede atentando contra os princípios ou as regras da lei, da moral e dos bons costumes, com propósitos maldosos ou desonestos. O ímprobo é privado de idoneidade e de boa fama”.
Diante disso, de acordo com Pazzaglini Filho (2011), o comportamento ilícito do agente público para caracterizar ato de improbidade administrativa deve ter esse traço comum ou evidente de todas as modalidades de improbidade administrativa: desonestidade, má-fé, falta de compromisso no trato da coisa pública.
Nesse contexto, ressalta o autor, na improbidade administrativa fica estabelecida a violação ao princípio constitucional da moralidade, isto é, ao dever do agente público de atuar sempre com honestidade, decência e honradez na gestão dos negócios públicos.
2. A Lei Federal nº 8.429/92
Segundo Mattos (2006), de forma ampla, a Lei 3.502/58 (Lei Bilac Pinto), que regulava o sequestro e o perdimento de bens nos casos de enriquecimento ilício por influência ou abuso de cargo ou função, foi a lei que antecedeu o combate à corrupção no país, hoje revogada.
A Lei nº. 8.429/92, também conhecida como Lei de Improbidade Administrativa (LIA), veio para dar um grande incremento à nova ordem estabelecida por meio da Constituição de 1988, principalmente no que diz respeito ao parágrafo 4º do art. 37. A criação dessa lei veio inovar e aprimorar nosso ordenamento jurídico na eterna busca de repressão aos ilícitos que tanto atingem a moral da Administração, visto que a corrupção e a impunidade devem ser sempre combatidos. A LIA é, sem dúvida, uma dos principais instrumentos de combate à corrupção nacional.
Antes, porém, de se aprofundar nos pormenores da referida lei, objeto do estudo em questão, convém destacar que, além da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), o ordenamento jurídico brasileiro contém vários mecanismos de combate à prática de atos de improbidade e de corrupção que muito contribuem para o objetivo a que se propõem, tais como exemplos a ação popular (art. 5º, LXXIII) e o art. 37, § 4º, ambos da CF/88; a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei complementar nº 101/00); a Lei da Transparência (Lei complementar 131/09); a Lei da Ficha Limpa (Lei complementar nº 135/10); a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/11); e a nova lei já batizada como “Lei anticorrupção” (Lei 12.846/13) que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeiras, que entrou em vigência agora em 2014. Vale destacar também a participação importante de instituições como o Ministério Público e o Tribunal de Contas nessa árdua tarefa.
Bandeira de Mello (2010), em seu livro entitulado “Curso de Direito Administrativo”, ressalta a notória contribuição da LIA.
De transcedente importância é a Lei 8.429/92, a qual arrola uma cópia de comportamentos qualificados como de “improbidade administrativa”, cuja prática assujeita o agente, de fora parte sanções penais, civis ou administrativas, contempladas na legislação competente, a uma série de consequências gravosas, previstas em seu art. 12, tais as de: ressarcimento integral do dano, se houver; perda da função pública; suspensão dos direitos políticos; multa civil e proibição, por tempo determinado, de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário. Qualquer pessoa pode representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada investigação destinada à apuração de tais ilícitos, sem prejuízo de representar também ao Ministério Público (BANDEIRA DE MELLO, 2010 p. 938).
Medauar (2010) diz que a Constituição de 1988 menciona a moralidade como um dos princípios do caput do artigo 37 e cita a Lei 8.429/92 como um dos instrumentos para sancionar sua inobservância, prevendo punições a governantes, agentes públicos, e/ou terceiros por ato ou condutas de improbidade administrativa. Afirma ainda que a probidade decorre do princípio da moralidade administrativa e que a lei em questão considera sob sua análise não só questões de caráter financeiro ou material, como também a ofensa aos princípios da Administração Pública.
A Lei nº. 8.429/92 estabelece que pode ser sujeito ativo da prática de ato de improbidade administrativa qualquer agente público, servidor ou não. Não só os agentes administrativos submetem-se à sua incidência (art. 1º). Nos termos do art. 2, dispõe:
Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.
A Lei nº. 8.429/92 estende o alcance de sua incidência aos que, ainda que não sejam agentes públicos, induzam ou concorram para a prática de ato de improbidade ou dele se beneficiem sob qualquer forma, direta ou indireta (art. 3º).
Os atos de improbidade regulados pela lei são aqueles praticados contra a Administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de 50% do patrimônio ou da receita anual (art. 1º).
Além disso, as normas em questão alcançam atos praticados contra o patrimônio de entidades que recebam subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de 50% do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos. E a disposição do parágrafo único, art. 1º.
Esta lei estabelece o dever de os agentes públicos velarem pela observância dos princípios da Administração Pública e das autoridades administrativas em representar ao Ministério Público, quando a improbidade administrativa lesar o patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito (arts. 4º e 7º).
No que diz respeito ao art. 9º da Lei n. 8.429/92, este cita os casos que se configuram como atos de improbidade administrativa que ensejam enriquecimento ilícito, dispondo da seguinte forma:
Art. 9º - Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º desta Lei.
O caput do art. 9º define a conduta caracterizadora desta espécie de improbidade administrativa e; seus incisos, como expressamente posto na norma, trazem rol exemplificativo de condutas que - em sentido objetivo - caracterizam o ilícito em questão.
Já o art. 10, da Seção II, trata dos atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário. Por óbvio, também aqueles descritos no artigo anterior podem significar dano ao erário; a distinção, apesar de tênue, é que o art. 10 diz expressamente sobre o prejuízo financeiro, ainda que não beneficiem qualquer particular, trazem perdas ao patrimônio público. Diz seu caput:
Art. 10 - Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei.
A Lei 8.429/92 define quais as pessoas consideradas como passíveis de sanção pela prática de atos de improbidade.
É muito vasto o universo das pessoas cujo procedimento pode ser apontado como ímprobo, sendo estes agentes públicos ou terceiros, desde que incidam nas situações apontadas pela lei.
Nos seus três primeiros artigos, a Lei tratou dos sujeitos passivos, os sujeitos ativos e os terceiros que, embora estranhos à noção de agente público, concorrem para a prática do ato de improbidade.
2.1. Sujeito Ativo
O sujeito ativo é definido como aquele que pratica a ação de improbidade, concorre para sua prática ou obtém dela vantagens indevidas. A Lei de Improbidade Administrativa, nos seus artigos, considera esses sujeitos como sendo o agente público e outros que, mesmo não sendo, concorram ou induzam para a prática do ato de improbidade administrativa, ou desse se beneficie sob qualquer forma.
De acordo com a Lei 8.429/92, o conceito de agente público é mais abrangente do que o comumente adotado em outros Institutos do Direito Público. Trata-se dos servidores do Estado e pessoas coletivas de direito público, no desempenho de alguma função pública, constituindo o elemento humano dos serviços públicos, quando entendidos estes em um sentido lato.
A Lei de Improbidade elencou como sujeito ativo o agente público, servidor ou não.
Segundo o art. 2 da LIA, são considerados agentes públicos todos aqueles que exercem, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação designação, contratação ou qualquer forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nos órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional, ou seja, são pessoas físicas incumbidas, definitiva ou transitoriamente, do exercício de alguma função estatal.
A definição desses sujeitos não foi elaborada sob uma perpectiva estritamente funcional, pois se define o sujeito ativo a partir da identificação do sujeito passivo dos atos de improbidade, numa nítida confluência dos dois termos.
2.2. Sujeito Passivo
No que diz respeito ao sujeito passivo, trata-se daquele que sofre as consequências da infração administrativa. É o titular do bem jurídico ameaçado ou violado pela conduta ilícita. Seria, de maneira ampla, aquele que foi vítima do ato de improbidade administrativa.
Na realidade o sujeito passivo abarca todas as pessoas e entidades jurídicas, públicas e políticas, entre eles a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e o Território. Também abrange os órgãos dos três poderes, o Ministério Público e a administração direta e indireta. Entende-se que a Administração Pública será sempre considerada sujeito passivo por ser o alvo dos atos de improbidade, cujas normas violadas foram por ela mesma estatuídas.
De forma genérica, é qualquer entidade pública ou particular que tenha participado do dinheiro público, do patrimônio ou receita anual.
Os sujeitos passivos dos atos de improbidade administrativa estão elencados na Lei de Improbidade Administrativa:
Art. 1º - Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público servidor ou não contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.
Parágrafo único - Estão também sujeitos às penalidades desta Lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos (Lei 8.429/92 – LIA ).
2.3. Participação de Terceiros
Às vezes, o agente público comete ato de improbidade administrativa em parceria, em conluio com terceiros (particular ou agente público) que também respondem por seu cometimento.
Sobre o tema observa Figueiredo (2009, p. 53) que:
O terceiro, o particular, aquele que não é servidor ou agente público, segundo a lei, somente poderá ser co-autor ou participante da conduta ilícita. De fato, o agente ou servidor público é quem dispõe efetivamente de meios e condições muito eficazes de realização das condutas materiais (positivas ou negativas), porquanto é dele o poder de praticar o ato estatal lesivo. Isso não impede que o particular ou terceiro seja o mentor intelectual da ação de improbidade, seja o verdadeiro "gerente" dos atos ilícitos. Contudo, a lei é clara: as figuras para terceiros circunscrevem-se a duas ações: "induzir" ou "concorrer".
Indução é o ato de persuadir, seduzir. Concorrência é o ato de cooperar, contribuir.
Art. 3º - As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (Lei 8.429/92 – LIA).
A ação do terceiro pode ser caracterizada em três momentos distintos: Por ocasião de despertar ou instigar no agente público o interesse em realizar o ato ilícito. Pode também participar em conjunto com o agente público, concorrendo para a prática do ato de improbidade, seja através de divisão de tarefas ou auxílio material, onde este poderia ser considerado uma atividade secundária, mas que também contribuiria para a consumação da ação. E, por fim, não havendo por parte do terceiro qualquer influência sobre o agente público ou mesmo qualquer tipo de contribuição para a prática do ato, mas que mesmo assim, sairia se beneficiando, de forma direta ou indireta, do produto do ilícito.
Inserido no princípio da moralidade está a probidade administrativa, impondo lealdade, honestidade e boa-fé entre a Administração e o administrado. Coíbe-se, dessa forma, a corrupção e o favorecimento ilícito nos atos dos agentes. E se isto ocorrer, segundo o artigo 37, § 4º da CF/88 e a Lei de Improbidade Administrativa de 1992, estabelece-se as consequências sancionatórias decorrentes da prática de atos de improbidade, inclusive para terceiros que, em princípio, seriam alheios à Administração Pública.
2.4. Artigo 11 e seus Incisos
Art. 11 - Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: [...]
Os princípios da Administração Pública são diretrizes, expressas ou implícitas, que o poder público se utiliza para assegurar de um lado a supremacia do interesse público sobre o particular e, de outro, o respeito à convivência harmoniosa dos administrados. São considerados normas gerais e abstratas, nem sempre positivados expressamente, mas extremamente importantes para o ordenamento jurídico, para que se construa um verdadeiro Estado Democrático de Direito, sempre orientados por eles.
A classificação dessas diretrizes não é absoluta, na medida em que, os princípios não estão inteiramente separados, pois se relacionam entre si, podendo-se dizer que a violação de um deles se configuraria, ainda que de maneira indireta, a ofensa a todos eles, uma vez que formam o elemento vital do sistema jurídico como um todo.
Quando o artigo diz atos que são contra os princípios da Administração Pública, não tem a intenção de exaurir-se em si mesmo, sendo um dispositivo meramente exemplificativo. Isso fica nítido na expressão “e notadamente” (especialmente).
Um ponto muito importante a se destacar é que não basta simplesmente a violação de algum princípio da Administração Pública para configuração da improbidade administrativa nos moldes do artigo 11 da Lei 8.429/92. É necessária uma análise mais criteriosa a respeito. Não é todo ato ineficiente, um ato que seja declarado ilegal pelo judiciário, ou uma falta do agente, que se configuraria como um ato de improbidade administrativa. Se assim o fosse, haveria grande insegurança jurídica e grande desordem social.
O artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa é muito amplo, exigindo muita cautela e moderação ao se aplicá-lo, pois não são todas as condutas tidas como irregulares, que serão considerados atos de improbidade. Não pode ser aplicado isolamente para impor penalidades, sob pena de incorrer em vulgarização da lei.
A maioria dos operadores do direito entende que para que o agente público se enquadre na LIA, é preciso qua haja dolo, pois a finalidade da lei é punir o desonesto, e não o administrador incompetente ou despreparado. Para que haja punição o ato deve estar acompanhado de uma intenção desonesta e desleal. Desse modo entende-se que não seria possível a configuração do ato de improbidade na modalidade culposa (conduta voluntária sem intenção de provocar o resultado ilícito, porém evitável), pois haveria incompatibilidade com o dolo (má-fé).
Mattos (2006) comenta que dever haver bom senso para se evitar que simples irregularidades formais, suscetíveis de correção administrativa, que não necessariamente se configurem como um ato desonesto, sejam punidos pela presente lei com um rigor excessivo, pois nem tudo que contrarie os princípios da Administração Pública está revestido de má-fé. Há casos que a aplicação da Lei de Improbidade Administrativa se mostra inadequada, devendo haver a aplicação de sanções no campo meramente administrativo.
Segundo Pazzaglini Filho (2011), embora a escrita do dispositivo não tenha sido a mais adequada, pois seria de maior rigor ou precisão reiterar os princípios constitucionais fundamentais que informam a atuação pública elencados no art. 37, caput, da Carta Magna (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), a circunstância de fazer parte dele a expressão violação da legalidade elucida, sem dúvidas, que a determinação abarca a infração dos demais princípios constitucionais que instruem, condicionam, limitam e vinculam o desempenho dos agentes públicos, posto que, por ocasião da apreciação dos princípios constitucionais da Administração Pública, estes “servem para esclarecer e explicitar o conteúdo do princípio maior ou primário da legalidade”, uma vez que “é o princípio nuclear do nosso sistema jurídico” (PAZZAGLINI FILHO, 2011, p. 112).
Pazzaglini Filho (2011) ressalta ainda que o agravo ao “dever de honestidade” corresponde à infração do princípio da moralidade, assim como a afronta ao “dever de imparcialidade” à ofensa ao princípio da impessoalidade.
De acordo com o autor, o conceito estampado no caput do art. 11 segue a mesma técnica redacional empregada na descrição das demais categorias de improbidade administrativa (arts. 9 e 10), isto é, apresenta uma conceituação aberta e exemplificativa em seus incisos.
É intuitivo, também, que o agente público, ao praticar ato de improbidade administrativa que importa enriquecimento ilícito (art. 9), ou que causa lesão ao Erário (art. 10), transgride, sempre, o princípio constitucional da legalidade e, em geral, outros princípios constitucionais explícitos ou implícitos, relativos ao conteúdo de sua conduta ímproba (PAZZAGLINI FILHO, 2011, p. 112).
Pode-se entender que a norma do art. 11 seria residual em relação às outras duas outras modalidades (arts. 9 e 10) de atos de improbidade, ou seja, a aplicação do art. 11 somente se daria caso a conduta dos sujeitos ativos não se enquadrassem nas outras modalidades de improbidade administrativa. Seria uma espécie de garantia de não impunidade.
Dessa forma, se do ato transgressor de princípio constitucional administrativo resultar enriquecimento ilícito do agente público que o praticou ou se houver lesão ao Erário, há absorção da regra do art. 11 (subsidiária), contida, respectivamente, nos arts. 9 e 10 (principais), por estas.
Para que seja configurado o ato de improbidade administrativa que atente contra os princípios da Administração Pública e que seja abarcado pelo artigo 11 da LIA, grande parte dos doutrinadores entende que seriam necessários vários elementos em conjunto:
- Ação ou omissão que viole princípios constitucionais, sejam explícitos ou implícitos.
- Comportamento ilícito, demonstrando desonestidade ou má-fé.
- Ação ou omissão funcional dolosa.
- Não estarem tipificados nos artigos 9 e 10 da LIA.
Todos os incisos do art. 11 demonstram, explícitos ou implicitamente, garantia e proteção ao princípio da probidade administrativa. No ato de aplicação, necessariamente precedido de interpretação sistemática, deverão estar evidenciados os pressupostos de caracterização da infração de que se trata.
2.4.1. Desvio de Finalidade
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência.
Segundo Pazzaglini Filho (2011), o inciso I se refere à prática por agente público de ato administrativo com fim ilegal, desvio de finalidade ou que exceda suas imputações, ciente o executor do objetivo ilícito ou da violação da regra da competência.
Afronta o administrador, na espécie, os princípios constitucionais da legalidade, moralidade e finalidade que informam sua atuação funcional, agindo fora dos limites de sua competência ou por motivos diversos ao fim inerente a todas as normas (inobservância do interesse público) e ao móvel específico que anima a regra jurídica que esteja aplicando. Excede suas faculdades administrativas ou atua no âmbito de sua competência, mas com desvio de finalidade (PAZZAGLINI FILHO, 2011, p. 115).
Comete ato de improbidade administrativa o prefeito que, ocultando perseguição política, declara de utilidade pública para fins de desapropriação a área pertencente a munícipe que encabeça oposição à política adotada pela Administração Pública Municipal. No caso em questão, o prefeito estaria praticando um ato, aparentemente válido, mas com finalidade diversa do que é previsto em lei. A desapropriação, que é um procedimento administrativo onde o poder público poderia compulsoriamente se apropriar de uma propriedade por razões de necessidade, utilidade pública ou interesse social, estaria sendo utilizada para encobrir interesses pessoais e políticos. O prefeito estaria cometendo um ato de improbidade administrativa sujeitando-se às penas do art. 12 da Lei 8.429/92.
2.4.2. Omissão de Ato de Ofício
II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício.
Conforme Pazzaglini Filho (2011), o inciso II trata-se da prevaricação administrativa que consiste em atrasar ou omitir ato de ofício sem a devida justificativa legal.
Conforme o autor, na hipótese de “retardar”, o agente público causa injustificado adiamento ou atraso excessivo ao praticar ato funcional de sua competência, obstaculizando sua execução no prazo determinado em lei ou em tempo razoável.
Ao “deixar de praticar”, o agente simplesmente não executa o ofício devido.
Enquanto naquela a intenção do agente público prevaricador é de executar a tarefa com certa demora; nesta, ainda pior, é de não fazê-la. O que é seria um agravante.
Comete o ato de improbidade administrativa em exame, v.g., o agente público que, voluntária e desonestamente, recusa dar cumprimento a decisão judicial; deixa de embargar obra clandestina; retarda o atendimento de pessoa doente; protrai ou omite a instauração de procedimento disciplinar contra funcionário subalterno infrator; procrastina a lavratura de óbito ou nascimento; demora exageradamente no atendimento de ocorrência policial (PAZZAGLINI FILHO, 2011, p. 116).
Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, a par de constituir-se em ofensa à legalidade, revela descaso do agente público, hipótese do inciso II. É importante atentar para a expressão “indevidamente”, que faz parte do dispositivo e que indica a presença de ato de improbidade administrativa, por desonestidade ou deslealdade.
2.4.3. Violação de Sigilo Funcional
III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo.
Segundo Pazzaglini Filho (2011), o inciso III considera improbidade administrativa que atente contra os princípios constitucionais que regem a Administração Pública, a divulgação, por agente público, voluntariamente e sem justificativa, de fato ou circunstância dele, de que teve conhecimento em razão de seu ofício e que, por razões de segurança ou sigilo previsto em lei, deveria permanecer em segredo.
De acordo com o autor, o segredo funcional é o fato que o interesse público exige não seja divulgado e nem conhecido senão por determinadas pessoas em razão de seu ofício, pois sua veiculação poderia trazer algum tipo de prejuízo ou dano.
Pazzaglini Filho (2011) ressalta que revelar segredo funcional é difundir fato sigiloso ou circunstância dele a terceira pessoa por qualquer forma (escrita, oral, exibição de documento etc.). Apenas pratica tal ato ímprobo o agente que teve ciência do fato que deva permanecer sigiloso em razão das atribuições do cargo ou função por ele exercido.
Conforme Pazzaglini Filho (2011), o elemento subjetivo é o dolo: ato voluntário de comunicação indevida a terceiro de certo acontecimento, consciente de ser ele sigiloso e, portanto, de conhecimento e divulgação restritos às partes interessadas.
Incide nessa espécie de improbidade administrativa, v.g., o agente público que, na qualidade de serventuário da justiça, revela fato constante de processo judicial que corria em segredo de justiça ou que, na condição de integrante de banca examinadora de concurso público, comunica, intempestivamente, questões que constariam de prova escrita (PAZZAGLINI FILHO, 2011, p 116).
A regra do inciso III também destaca conduta desleal do agente: revelar fato ou circunstância de que tenha ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo, sendo de seu conhecimento que deveria guardar segredo.
2.4.4. Ofensa ao Princípio da Publicidade
IV - negar publicidade aos atos oficiais.
De acordo com Pazzaglini Filho (2011), o inciso IV estabelece que a violação do princípio constitucional da publicidade constitui ato ilícito e passível de sanção. O ato se consuma com a recusa voluntária do agente público, ou seja, dolo, de divulgação tempestiva e na forma prevista em lei dos atos oficiais que tenha o dever de publicar ou informar ao particular interessado, ou mesmo ao público em geral.
O autor reitera que, quanto ao princípio constitucional da publicidade, o que, em outro trabalho, já havia salientado:
O princípio da publicidade consiste no acesso difuso do público às informações relativas às atividades do Estado (fatos, atos, contratos, normas, decisões e informações em geral), seja por divulgação nos meios de comunicação oficial e particular, seja pelo fornecimento de dados de interesse geral ou individual, quando requeridos nos órgãos ou entidades públicas, sob pena de responsabilidade (PAZZAGLINI FILHO, 2011, p. 117).
Pazzaglini Filho (2011) ressalta que a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº. 101, de 2000), considerando a importância de uma gestão transparente e eficiente das finanças públicas, deu bastante ênfase à publicidade obrigatória de diversos documentos que deverão ter ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público.
2.4.5. Frustração de Concurso Público
V - frustrar a licitude de concurso público.
Quando se diz “frustrar a licitude”, ou seja, tornar viciada a legalidade, quer-se dizer privar alguém de participar de um processo justo, ou até mesmo, fraudar o procedimento seletivo prévio das pessoas mais aptas e, portanto, merecedoras de exercerem cargos ou empregos públicos a que poderiam fazer jus, caso não houvesse o vício em questão.
Apesar de não serem agentes públicos, mas que poderão vir a ser, vale lembrar que muito se tem notícia através da mídia do cometimento de verdadeiros atos criminosos também por parte de particulares e/ou concursandos. Com a concorrência nos concursos públicos cada vez mais acirrada e em busca de se conquistar o tão sonhado cargo público, existem pessoas desonestas que tentam encontrar o caminho mais fácil, levando-as a cometerem fraudes para burlar a disputa, como a compra de gabaritos, utilização de aparelhos celulares e pontos eletrônicos, e até mesmo, por incrível que pareça, a contratação de terceiros mais preparados para prestarem o concurso no lugar do candidato inscrito. Infelizmente, tais práticas estão cada dia mais frequentes.
Estabelece o art. 37, II, da CF:
A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.
A frustração de concurso público fere os princípios constitucionais da igualdade e da legalidade que se encontram respectivamente consagrados no caput do art. 5º e no art. 37, incisos I e II da CF/88, este último alterado pela Emenda Constitucional nº 19 de 1998.
O preceito constitucional impõe igualdade de tratamento jurídico para pessoas que ostentam situações ou condições igualitárias de direitos ou obrigações. Na espécie, a igualdade de competição entre os candidatos habilitados em concurso público, sendo defeso discriminá-los, favorecer alguns em detrimento dos demais habilitados, sem que haja razão jurídica ou interesse público nessa discriminação (PAZZAGLINI FILHO, 2011, p. 120).
O concurso público é, sem sombra de dúvidas, o meio mais justo, técnico, e transparente, de acesso, em regra, a cargos ou empregos públicos, que tem por objetivo, por meio de competição de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade da função pretendida, fazer a seleção em igualdade de condições, dos mais aptos, na ordem de classificação (onde os concursados mais antigos terão preferência sobre os novos concursados – Inciso IV do art. 37), entre os candidatos considerados habilitados. Esse procedimento é, em regra, obrigatório para o preenchimento de cargos de provimento efetivo ou vitalício, sejam isolados, sejam iniciais de determinada carreira; e com certa discricionariedade no caso de nomeações para cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração. Estão sujeitos a essas exigências, para que haja uma disputa justa, não somente os órgãos ou entidades da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos poderes dos entes da Federação, como também o Ministério Público, este conhecido como fiscal da lei.
2.4.6. Omissão de Prestação de Contas
VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo.
O agente público que deixa, voluntariamente, de prestar contas no devido prazo legal, quando tem a obrigação de fornecê-las, comete o ato de improbidade administrativa.
Segundo o ordenamento jurídico pátrio, os dirigentes públicos das unidades federativas devem providenciar a remessa das contas anuais aos Tribunais de Contas, podendo haver prorrogação do prazo de entrega se houver motivo que o justifique e dentro de limites razoáveis e aceitáveis.
A prestação de contas é um assunto mais sério do que parece, pois de acordo com a Constituição Federal a União poderá intervir nos Estados para assegurar a sua observância. O mesmo raciocínio se aplica no caso dos Estados e dos Municípios. É atraves da prestação de contas que se tem conhecimento sobre como anda a atuação funcional dos governandes com o dinheiro público.
“A obrigatoriedade de divulgação de dados sobre a gestão dos negócios públicos à coletividade, nos prazos e formas estipulados na legislação, não se limita à função administrativa, mas, ao contrário, estende-se a todas as atividades estatais” (PAZZAGLINI FILHO, 2011, p. 124).
De acordo com o autor, a Constituição de 1988, no tocante à fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, no parágrafo único do art. 70, determina:
“Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária”.
Mattos (2006) diz que o controle das contas públicas é muito importante para a sociedade para se evitar excesso de gastos, pois segundo o art. 167, inciso II da Constituição Federal é proibido realizar despesas ou assumir obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários. Além de exigências de legalidade, estão presentes outros princípios da Administração Pública, como os da publicidade e da moralidade administrativa, e por que não dizer também o da economicidade.
Apesar de não haver consenso em relação ao termo Accountability, pois inexiste uma tradução exata para o português, não há como se falar em prestação de contas sem mencioná-lo. É um termo que muito se associa à ideia responsabilização, fiscalização e avaliação, normalmente utilizado em questões administrativas ou de governabilidade. Na esfera pública estaria interligado aos princípios da moralidade e da publicidade, uma vez que estaria envolvendo a administração do dinheiro público em relação à ética no trato da coisa pública e a obrigação de prestar contas a instâncias fiscalizadoras ou a seus administrados.
2.4.7. Divulgação Indevida de Medida Política ou Econômica
VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.
O inciso VII é muito parecido com o III. Se o legislador não o tivesse redigido, talvez poderia ser aplicado, sem maiores problemas, o inciso III em seu lugar, dado sua grande abrangência. Entretanto o legislador fez questão de qualificar um tipo específico de transgressão do dever de sigilo funcional que diz respeito à divulgação intempestiva de teor de medida política ou econômica (congelamento de preços, privatização de empresas, desvalorização da moeda, emprestimos compulsórios, dentre outros) que possa afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço, que se tenha conhecimento em função das atribuições do agente público, eliminando o fator surpresa que seria necessário para implementar determinada situação de interesse governamental.
Revelação significa a propagação a particular ou a servidor estranho às funções do agente público revelador, por qualquer forma de comunicação escrita, oral ou eletrônica, do conteúdo sigiloso de medida governamental dotada de capacidade de abalar o preço de mercadoria, bem ou serviço, de que tomou conhecimento em razão de suas atribuições ou competências funcionais, intempestivamente, ou seja, antes da respectiva divulgação oficial (PAZZAGLINI FILHO, 2011, p. 125).
Apesar de não haver unanimidade a respeito, nesse caso também a conduta do agente público será sempre dolosa, pois a simples revelação ou facilitação a terceiro, antes da divulgação oficial pretendida, de medida política ou econômica, mesmo sem a intenção de se obter vantagens diretas ou indiretas, para si ou para outrem, já se configuraria ato de improbidade administrativa. O agente público sabe da obrigação de guardar sigilo e, se não o faz, merece ser punido, mesmo que sua conduta não chegue a afetar o preço da mercadoria, bem ou serviço. Esse é o entendimento.
3. Considerações Finais
Em busca de uma adequada responsabilização dos agentes públicos, a Lei de Improbidade Administrativa veio para inibir e penalizar com severidade os abusos e os desvios de conduta dos seus agentes públicos e também de terceiros que, mesmo não sendo agentes públicos, de alguma forma contribuem para a consumação do ato ímprobo ou dele se beneficiem.
O que se entende, diante do exposto, é que a partir do momento em que os agentes públicos e/ou terceiros deixam de agir sob a égide e a luz da moral de forma intencional e desonesta, configura-se no plano material a improbidade administrativa, o ato ímprobo que traz prejuízos à ordem pública e social, implicando ofensa a todo sistema de comandos, e a subversão de seus valores fundamentais.
A Lei de Improbidade Administrativa deu conteúdo mais amplo ao conceito de agente ímprobo, e também inovou ao inserir como ato de improbidade administrativa os exemplificados no art. 11, que atentam contra os princípios da Administração Pública. O objeto da repressão da improbidade administrativa na legislação atual também é bem mais amplo que o âmbito da Lei Federal nº 3.502/58 (Lei Bilac Pinto), que punia somente o enriquecimento ilícito por influência ou abuso de cargo ou função, com o sequestro e o perdimento de bens.
A lei atual estabelece penalidades maiores e mais adequadas, como a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do agente, o ressarcimento do dano, a perda da função pública, a suspensão dos direitos políticos por prazo determinado, o pagamento de multa civil tendo como base de cálculo o provento ou a renda do agente, e a proibição de contratar com o poder público ou dele receber incentivos ou benefícios fiscais e creditícios, direta ou indiretamente, por prazo determinado.
Porém, mesmo abordando diversos conceitos e inovações acerca do tema, existe muita polêmica proveniente da percepção dos estudiosos em relação à forma que o ato é abordado na Lei 8.429/92, demonstrando que o conteúdo da improbidade é indeterminado, porém não indeterminável. A lei deveria ser um pouco mais específica e mais clara em algumas situações. No art. 11 existe uma lacuna que necessitaria de uma redação mais bem elaborada, pois não são todas as condutas atentatórias aos princípios da Administração Pública que se configurariam em improbidade administrativa. Um simples fato administrativo que implique em uma advertência ou suspensão na esfera disciplinar interna, poderia ser interpretado como um ato ímprobo e ter consequências severas decorrentes da aplicação das penalidades do art.12 da LIA, ou até mesmo o contrário, não penalizando àquele que realmente cometeu o ato ímprobo, e que deveria, de fato, ser punido.
É necessário ainda que os operadores do direito a utilizem com uma certa prudência, uma vez que a enorme amplitude da lei constitui sério risco de arranhar os princípios éticos ou os critérios morais ocorridos pela falta de preparo ou inexperiência na aplicação da lei no caso concreto, tendo-se o cuidado de não cometer erros ou exageros nas condenações. Deve-se ter cautela na interpretação da lei para que abusos não sejam praticados. Vale sempre lembrar que o elemento caracterizador da improbidade administrativa será aquele revestido de má-fé (dolo). É fundamental também que sejam verificadas as circunstâncias subjacentes ao ato, pois não são todas as condutas ou mesmo um ato ineficiente, que poderiam ser enquadrados na LIA. Deve-se punir com o rigor da lei em questão o desonesto e não o despreparado ou descuidado. Muitas das vezes a simples sanção no campo administrativo resolveria o problema, sem a necessidade de uma punição desproporcional à infração cometida e que extrapole o bom senso.
Dessa forma, pode-se afirmar então que, apesar de algumas imprecisões, por meio da referida lei, foi implantado mais um instrumento processual no direito brasileiro, visando à concreta observância dos princípios inscritos no art. 37 da Carta Magna, evidenciando não somente a moralidade administrativa, mas também os elementos decorrentes, como o da razoabilidade, da proporcionalidade, da probidade e, principalmente, ao princípio da legalidade.
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