Também conhecida como Teoria do etiquetamento, da rotulação, criminologia da reação social, dentre outros, surgiu de uma forma revolucionária ao pretender fornecer respostas a um contexto social dentro do qual o crime se insere, se contrapondo ao modelo de investigação criminológica calcada no Positivismo, em que estudava o comportamento criminoso, como se sua qualidade criminal existisse objetivamente, como se os tipos penais fossem neutros, esquecendo-se que os mesmos são criados pelos homens.
Surgiu nos anos 60, nos EUA, tendo como principais autores: Becker - Outsiders (1963), Lemert - Social pathology e Goffman - Asylums (1961) (Manicômios, prisões e conventos). Foi o marco inicial da Sociologia do Conflito na área da Criminologia.
Segundo Baratta, "para seu desenvolvimento contribuíram, de diferentes modos, autores que podem ser classificados conforme três direções da Sociologia Contemporânea: o Interacionismo Simbólico ( H. Becker, E.Goffman, J.Kituse, E.M. Shur, F. Sack); a Fenomenologia e a Etnometodologia (P. Berger e T. Luckmann, A. Cicourel, H. Garfinkel, P. McHugh, T.J.Scheff ).
Segundo o Interacionismo simbólico, a sociedade - ou seja, a realidade - é constituída por uma infinidade de interações concretas entre indivíduos, aos quais um processo de tipificação confere um significado que se afasta das situações concretas e continua a estender-se por meio da linguagem.
Também, segundo a Etnometodologia, a sociedade não é uma realidade que se possa conhecer sobre o plano objetivo, mas o produto de uma "construção social" , obtida graças a um processo de definição e de tipificação por parte de indivíduos e grupos diversos.
E, por consequência, segundo o Interacionismo e a Etnometodologia, estudar a realidade social (por exemplo, o desvio) significa, essencialmente, estudar esses processos, partindo dos que são aplicados a simples comportamentos e chegando até as construções mais complexas, como a própria concepção da ordem social ( Baratta, 1999, p.92).
Contrariamente às escolas que surgiram no bojo da Sociologia do Consenso, em que há um grande acesso das grandes massas a cotas consideráveis de bem-estar social, com o conflito do Vietnã, a campanha pelos direitos civis, o movimento hippie, a luta dos estudantes e minorias negras convertem num fermento de ruptura potencializador para o surgimento da Sociologia do Conflito.
O Labeling caracteriza-se pelo relativismo jurídico e moral, pela acentuação do pluralismo cultural e pela manifesta simpatia para com as minorias mais desclassificadas.
Provocou uma mudança drástica no objeto da investigação criminológica: ao invés de se perguntar: "por que é que o criminoso comete crimes?" - pergunta-se: "por que aquele fato cometido pelo indivíduo fora selecionado como crime?" , "por que é que algumas pessoas são tratadas como criminosos, quais as consequências desse tratamento e qual a fonte da sua legitimidade?".
Segundo Becker,
...de alguma maneira, quando os sociólogos estudavam o crime não compreendiam o problema dessa forma. Em vez disso, aceitavam a noção de senso comum de que havia algo de errado com os criminosos ou então eles não agiriam daquela maneira. Perguntavam: "Por que as pessoas entram no crime? Por que não param? Como podemos pará-las? " O estudo do crime perdeu sua conexão com o curso do desenvolvimento sociológico e se tornou uma deformação muito bizarra da Sociologia, projetada para descobrir porque as pessoas estavam fazendo coisas erradas em vez de descobrir a organização da interação naquela esfera de vida.(Becker, p.21-22).
Parte-se do princípio que adesviação não é uma qualidade ontológica da ação, mas antes o resultado de uma reação social e que o delinquente apenas se distingue do homem normal devido a estigmstização que sofre e introjeta dentro de si.
Daí que o tema central dessa perspectiva criminológica seja precisamente o estudo doprocesso de interação, no termo do qual um indivíduo é estigmatizado como delinguente, introjeta dentro de si esse estereótipo criado pela sociedade e acaba reagindo à forma com que o outro lhe vê.
Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade enumeram alguns conceitos alaborados pela teoria, tais como: ...identidade (Self), auto-image, outros significantes, audiência social, profecia-que-a-si-mesma-se-cumpre, moral crusaders (moral entrepreneurs), conceitos adscritícios, delinquência potencial. Para além desses, sobressaem ainda conceitos como: estereótipo, interpretação retrospectiva, negociação, delinquência secundária, cerimônias degradantes, instituições totais e role-engulfment ( Dias; Andrade, 1992. p.347).
Conheça como se configuram esses conceitos
Identidade (Self) - o labeling approach não aceitou o pensamento determinista e os modelos estruturais e estáticos, não só em relação à abordagem do comportamento como, também, no que concerne à compreensão da própria identidade individual.
Para essa teoria, "a identidade, o self, não é um dado, uma estrutura sobre a qual actuam as causas endógenas ou exógenas, mas algo que se vai adquirindo e modelando ao longo do processo de interação entre o sujeito e os outros".(Dias;Andrade,1992,p.50).
A "Deviance" - ou delinquência primária, é poligenética e devida a uma variedade de fatores culturais, sociais, psicológicos e sociológicos, contudo, a teoria não tem como fundamento a explicação da desviação primária, mas sim, tenta oferecer respostas e questiona os fatores que levam a uma desviação secundária.
Já, a "deviance" - ou delinquência secundária, traduz-se numa resposta de adaptação aos problemas ocasionados pela reação social à desviação primária. Teoria do estigma ou etiqueta.
Trata-se fundamentalmente de problemas sociais provocados pela estigmatização, punição, segregação e controle social, fatos que têm o efeito comum de diferenciar o ambiente simbólico e interacional a que uma pessoa responde, comprometendo drasticamente a sua socialização.
Tais fatos convertem-se em eventos centrais na existência de quem os experimenta, alterando a sua estrutura psíquica, criando uma organização especial de papéis sociais e de atitudes para consigo.
Cerimônias degradantes - processos ritualizados a que se submete o réu. Em consequência disso é despojado de sua identidade, recebendo outra, degradada. O julgamento criminal é uma das mais expressivas das cerimônias degradantes, contudo, não é a única.
Instituição total - locais isolados de moradia que submetem o indivíduo à reclusão com rotina diária, com administração formal, mortificação, despersonalização, humilhação, profanações do eu, etc.
Estigmas - segundo Goffman são marcas ou impressão que desde os gregos eram empregados como indicativo de uma degenerescência: os estigmas do mal, da loucura, da doença. Na Antiguidade Clássica, por meio do estigma procurava-se tornar visível qualquer coisa de extraodinário, mau, sobre o status de quem o apresentasse. O estigma "avisava" a existência de um escravo, de um criminoso, de uma pessoa cujo contato deveria ser evitado.
Estereótipos - são idéias ou convicções classificatórias preconcebidas sobre alguém, resultantes de expectativas, hábitos de julgamentos ou falsas generalizações (Houaiss, Antônio; Villar, Mauro de Salles.Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de janeiro: Objetiva, 2001. p. 1252).
Para ser rotulada de criminosa, uma pessoa precisa somente cometer uma infração criminosa, e isso é tudo a que o termo formalmente se refere. Entretanto, a palavra traz várias conotações que especificam traços auxiliares característicos de qualquer portador do rótulo. Presume-se que um homem que tenha como arrombador e, portanto, rotulado como criminoso, é provavelmente uma pessoa que arrombará outras casas; a polícia, ao prender infratores conhecidos para investigação, após um crime haver sido cometido, opera com base nessa premissa. Além disso, considera-se que ele provavelmente cometeu outros tipos de crimes também, porque mostrou ser uma pessoa sem "respeito pela lei".
Audiências sociais - a que estão submetidas as pessoas que cometem crimes.
Tratar uma pessoa como se ela fosse desviante em geral, e não especificamente, produz uma profecia que se auto-realiza. Ela coloca em movimento vários mecanismos que conspiram para moldar o indivíduo segundo a imagem que as pessoas têm dele. Em primeiro lugar, uma pessoa tende a ser excluída, depois de identificada como desviante, da participação em grupos mais convencionais, mesmo que as consequências específicas da atividade desviante particular não pudessem nunca, por si próprias, ter causado o isolamento, não fosse o conhecimento e a reação públicos a ela.
Com toda a restrição de contatos a que acaba sendo submetida a pessoa considerada como delinquente - principalmente quando acaba sendo segregada - ajuda a conservar estereótipos antagônicos, pois, "Desenvolvem-se dois mundos sociais e culturais diferentes, que caminham juntos com pontos de contato oficial, mas com pouca interpenetração". (Goffman, 1999. p.20).
Profecia-que-a-si-mesma-se-cumpre - na compreensão do modelo explicativo do labelling, que pretende identificar os fatores que levam a uma "estigmatização com sucesso" , acaba-se por identificar o que há de mais perverso no sistema criminal ao qual o indivíduo é inserido, ou seja, a questão da introjeção dentro de si da figura do delinquente. É que ele próprio acaba por se achar delinquente a partir da construção de sua nova auto-imagem e, a partir daí, acaba reagindo do modo com que o outro lhe vê, ou seja, assimila, introjeta e assume dentro de si a figura do delinquente, dando uma resposta às audiências socias, por isso, é uma profecia que a si mesmo se cumpre.
Role-engulfment ou carreira criminal - Surge como consequência que a interação e a auto-imagem provocam "a conformação às expectativas estereotipadas da sociedade, a autorepresentação como delinquente" e tendem a polarizar-se em torno do papel desviante e que na maioria das vezes acaba por ser irreversível.
O legado científico deixado pelo labeling, em primeiro lugar, foi a acentuação da multidisciplinariedade, para a análise e o estudo da criminalidade, com "...o alargamento considerável do criminologicamente relevante" ( Dias; Andrade, 1992, p.355).
"Será ocioso sublinhar a originalidade e a validade do contributo científico do labeling approach, numa perspectiva de compreensão global do problema criminal" (Dias; Andrade, 1992,p.355).
E, num " ...segundo lugar, a primeira tentativa sistemática do que designamos por sociologia da sociedade punitiva; devese-lhe, em terceiro lugar, a introdução de novas técnicas de investigação e de uma nova linguagem, bem como a descoberta de novas variáveis criminógenas; e deve-se-lhe, por último, o ter provocado uma das revoluções mais profundas no pensamento político-criminal" ( Dias; Andrade, 1992, p.355)
No campo político-criminal aconselha prudente não-intervenção (última ratio), fomentou movimentos de descriminalização e defendeu a não-intervenção radical.
Uma das principais críticas sofridas pela teoria foi a de que não explica a primeira desviação, mas somente a secundária. Ignora, pois, as causas primeiras da criminalidade. Criou-se, ademais, um certo determinismo de reação social.
A teoria, bastante rudimentar, não pretendia explicar porque as pessoas roubavam bancos, mas sim como o fato de roubar bancos veio a ter qualidade de um ato desviante. A teoria sugeria que você tinha que responder à segunda questão olhando para o processo pelo qual as pessoas definem ações como "ruins" a olhando para as consequências que tal definição provoca.
Ainda, "dum modo geral, tanto a teorização como a investigação empírica inspiradas pelo labeling têm enfermado duma certa ambivalência face às duas - em grande medida antagônicas - vertentes fundamentais desta perpectiva: a interacionista indeterminista, por um lado, e a estrutural-determinista, por outro".
"O labeling assume um entono claramente antideterminista. O indivíduo é visto como um ator que sofre a influência do papel que representa, do cenário que o envolve e dos outros com que interage, mas, simultaneamente, que a todos influencia".
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