O pós-positivismo, o ativismo judicial e a humanização do direito

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O sistema jurídico moderno, na fase do pós-positivismo, busca aplicar a norma jurídica com uma visão humanista para promover a pacificação social e proteger direitos fundamentais, superando o dogmatismo legal.

Resumo: O sistema jurídico moderno alcança hoje a chamada fase do pós-positivismo, que na aplicação da norma jurídica ao caso concreto busca trazer a concepção humanista do Direito, totalizando soluções para a pacificação social. Através da pesquisa bibliográfica, os questionamentos lançados no presente trabalho visam destacar o fato de que a sociedade vivencia um momento de grandes intervenções do direito sobre as liberdades individuais, e mesmo estando diante da afirmação de que o conflito faz parte da condição humana por ser considerado um elemento de transformação e mudança, a sua apreciação pelo judiciário poderá ter respostas com consequências positivas, de acordo com a efetividade alcançada na aplicação da norma específica. O processo de humanização do Direito demonstra que a extrapolação dos limites impostos pelo positivismo se faz necessária para o alcance da função social da norma jurídica e efetivamente do próprio Poder Judiciário.

Palavras-chave: Positivismo – humanista – ativismo judicial

Sumário: 1. Introdução. 2. O direito humanista e o direito positivo. 3. O ativismo judicial na humanização do direito. 4. A função social do direito contemporâneo e o pós-positivismo. 5. Considerações Finais. 6. Referências.


1. INTRODUÇÃO

Discute-se no mundo jurídico sobre o fato de que o direito positivo, considerado um conjunto de regras vigentes numa sociedade organizada politicamente, não estaria contentando as cobranças sociais, pois, questiona-se que a lei não poderia compreender e abarcar todo o direito.

É cediço que o papel do julgador está imbuído na responsabilidade da melhor e mais acurada prestação jurisdicional, e no presente trabalho se pontuará sobre o recente processo de humanização do direito, perpassando em destaque pelo chamado ativismo judicial, objetivando enaltecer sobre os rumos adotados pelo sistema jurídico moderno.

A abordagem foi extraída do pensamento de diversos autores e estudiosos do tema e do olhar nas decisões dos tribunais pátrios, numa proposta de ampliar a discussão entre os profissionais do direito para, enfim, consagrar o quadro evolutivo da ampla proteção das garantias de liberdades individuais e coletivas que possibilitam as transformações sociais, numa revisão dos preceitos legais insertos no direito positivo.

Para o professor Paulo Nader3 (2012, p.385), “o positivismo jurídico, que atingiu o seu apogeu no início do século XX, é hoje uma teoria em franca decadência”. E do raciocínio em questão, é possível perceber que o Direito não se compõe exclusivamente de normas, e o referido autor conclui dizendo que “as regras jurídicas têm um significado, um sentido, um valor a realizar”.

Na busca por esse valor, alguns estudiosos do tema apregoam o insurgência daquilo que denominaram de ‘nova hermenêutica’, assim se percebe nas palavras de Barroso4:

A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito, sua função social e sua interpretação. Assim, o pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem algumas ideias de justiça além da lei e de igualdade material mínima, advindas da teoria crítica, ao lado da teoria dos direitos fundamentais e da redefinição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica.

O Direito sempre pontuou por tentar alcançar as expectativas da sociedade, concebendo garantias de liberdades e a preservação das suas bases, impondo a necessária ordem jurídica, na regulação das relações inter-humanas. E sem descartar o crucial papel do direito positivo para a sociedade, diversas e importantes transformações sociais advieram da concepção do positivismo, que possibilitou a multiplicação das fontes do direito com a diversidade dos conjuntos normativos.

Notadamente, a mobilidade dos chamados fatos sociais originadores do pensamento do legislador passaram a evidenciar sobre a necessidade de maior proteção a direitos considerados fundamentais e inerentes ao homem, a exemplo do direito à vida, à liberdade e à igualdade, exigindo-se mais do que a simples aplicação da norma, que age em subserviência ao dogmatismo legal.

Dentro dessa visão mais humanista, o Direito passa a exercer o papel de instrumento que tem o condão de proporcionar a paz social, com o foco na pessoa humana e na proteção da coletividade sobre o próprio indivíduo.


2. O DIREITO HUMANISTA E O DIREITO POSITIVO

Para Nader5 a concepção humanista do Direito procura “conciliar os valores justiça e segurança, captando a essencialidade do pensamento jusnaturalista, sem a inconveniência de subverter a ordem jurídica, amesquinhando o valor segurança”.

Embora o Direito Positivo rejeite a abstração na concepção do próprio Direito, sem se preocupar com a valoração que possivelmente pudesse ultrapassar aquela predita pela lei, o seu declínio passa a ser observado em idêntica intensidade àquela que se verificou com o Direito Natural, quando se percebe que o Direito Positivo despreza os juízos de valor, apegando-se apenas àquilo que pode ser observado, tendo atingido o seu apogeu em decorrência da sua posição antagônica ao jusnaturalismo.

O grande desafio para a humanização do Direito é o de conceber que o positivismo não alcança os chamados direitos fundamentais à inteireza do conclamo da sociedade, mas, a citada corrente proporcionou o afastamento gradativo do extremismo, podendo constatar tal fato na citação de Venosa6, a saber:

Nesse trabalho de isolamento do positivismo, há um aspecto fundamental, realçado por Kelsen, mas não esquecido, de certa maneira, pelos demais, que o conceito da norma fundamental. [...]. No ordenamento existe um encadeamento hierárquico de normas ou uma pirâmide que encontra essa norma fundamental no vértice, local mais alto. Essa norma fundamental deveria cumprir o papel de norma suprema e de estruturação de todo o Direito. [...]. O conceito de norma fundamental é um dos pontos mais importantes do trabalho de kelsen. É curial notar que essa norma fundamental não é uma norma de direito positivo.

Imperioso conceber que o direito positivo não desapareceu, mas, os estudiosos e pesquisadores do tema têm admitido que a insurgência de valores que são superiores ao direito positivo, e tal afirmativa acendeu a discussão sobre a sua insustentabilidade perante a ordem jurídica que o legitimou.

Nader7 pontua que “se o jusnaturalismo puro compromete a ordem, promovendo a insegurança jurídica, o juspositivismo radical induz o jurista à alienação da causa final dos procedimentos jurídicos, que é a solução de justiça substancial”. Diante disto, percebe-se sobre a necessidade de reorganização do pensamento positivismo, em virtude do processo evolutivo e mutável da própria sociedade, de forma a atender às novas exigências de proteção fundamental à pessoa humana.

A perspectiva mais humanizada do Direito se reflete, inclusive, no processo de formação dos profissionais da área que deverão ter uma atuação que ultrapasse o caráter normativista do Direito para sobrepor aos temas que são puramente dogmáticos.

Discutindo-se a respeito da necessária formação humanística do operador do Direito, destaca Rodrigues Maciel8 que:

Desde 2009, a partir de determinação do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, boa parte dos concursos voltados para a área jurídica passou a exigir formação humanística dos postulantes aos cargos públicos.

O objetivo principal é conseguir selecionar profissionais que tenham condições de fazer sólida análise da sociedade, com efetiva compreensão das relações humanas tanto no âmbito global como no âmbito regional. Não são mais desejados os que não conseguem compreender a dimensão social do direito, que requer em sua aplicação o domínio da hermenêutica e a utilização dos valores e dos princípios, em ampla superação da mera subsunção do fato à norma. Fica patente que, com a exigência da formação humanística, espera-se que como resultado da aplicação do direito a pessoa humana esteja acima das questões patrimoniais, assim como que o bem comum sobreponha-se aos interesses individuais.

De forma categórica, observa-se do pensamento destacado acima, que da formação humanística poderá insurgir a verdadeira busca por soluções que desatem os problemas sociais, com foco na concretização da dignidade da pessoa humana, alterando-se o atual cenário que preconiza o pensamento lógico e estruturado que se distancia do sentimento e da intuição.

Para Dallari9, é através do “reconhecimento e da proteção dos direitos humanos o direito recupera seu sentido humanista e se restabelece o vínculo do direito com a justiça”. O referido autor compreende que “na linguagem contemporânea se nomeia como “direitos humanos” são as faculdades e possibilidades que decorrem da condição humana e das necessidades fundamentais de toda pessoa humana”.

O questionamento abordado pelos doutrinadores do direito seria o acontecimento de que o positivismo, apesar de ter se centrado na razão humana e na observação dos fenômenos, aplica aos fatos jurídicos a letra fria da lei, desprovida do sentimento necessário para alcançar a percepção de que as normas jurídicas têm um valor a realizar, um sentido.

É necessário registrar que o positivismo jurídico se desenvolveu com o intuito de dar cientificidade ao Direito, num esforço de transformar o estudo do direito numa verdadeira ciência, embora avalorativa e formalista, conforme prega a “Teoria Pura do Direito” de Hans Kelsen, propondo-se a promover o conhecimento apenas dirigido ao Direito, afastando tudo aquilo que não pertença ao seu objetivo.

A respeito do tema, explica o próprio Fábio Ulhoa Coelho10, que a “grande motivação da teoria pura do direito é a de definir as condições para a construção de um conhecimento consistentemente científico do direito”.

Mesmo diante das elucubrações dos pensadores do direito, Pinto e Borgo afirma que não foi intencional a asseveração de Hans Kelsen, tampouco de qualquer outro doutrinador positivista, de reduzir o ordenamento jurídico a apenas um conjunto normativo, e isto sem qualquer ligação com a realidade dos jurisdicionados, ou ainda, separado do sentido de justiça11. Concluindo-se que para o positivismo, não se imaginou que poderiam ocorrer efeitos desastrosos, assim como não se previu a insurgência da natureza racional e social do homem, alicerçados pela razão e que desvinculou o princípio do justo da subordinação à lei eterna preconizada pelo direito natural, caracterizando-se, em ambas as situações, o natural processo evolutivo da sociedade.

Discussões alcançam o fato de que a sociedade vivencia um momento de grandes intervenções do direito sobre as liberdades individuais, mesmo diante da afirmação de que o conflito faz parte da condição humana, sendo considerado um elemento de transformação e mudança que poderá ter consequências positivas, a depender da forma como o conflito será solucionado e de que forma o legislador se posicionou ao antever a insurgência desse mesmo conflito, e mais importante, como o julgador compreenderá o alcance da norma aplicada.

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O Direito assumiu o papel de normatizar condutas estabelecidas, além de regular as relações sociais, e tem sido a normatividade do Direito o aspecto que o distingue das demais instituições sociais, sendo cediça a afirmação de que o legislador não acompanha a mobilidade dos fatos sociais à celeridade da ocorrência desses mesmos fatos, mas, o Direito permite que os seus intérpretes alcancem a solução que mais se adeque ao caso concreto, ainda que esta se consolide na resposta fundada na verdade formal.

Venosa12 define a dinamicidade do Direito e a sua importância para a coesão da sociedade na busca do bem comum, da seguinte forma:

O Direito, como se acentua, é dinâmico, como dinâmica é a sociedade. Já vai longe o tempo no qual se entendia que o direito possuía verdades inafastáveis e cerradas. Em Direito não há dogmas, mas, princípios, normas e leis que podem e devem ser alterados de acordo com as necessidades sociais. [...] O Direito é essencialmente dialético. [...] O Direito é necessário. A sociedade não existe sem ele. Não se trata de uma criação abstrata.

Por sua vez, a problemática trazida por Fernandes de Aquino13 enaltece sobre a pouca disposição dos indivíduos para a solução dos conflitos através do diálogo, e para o autor “a vida cotidiana consolida a segregação do convívio, bem como torna inóspita a existência de espaços públicos para a interação e comunicação humana”. E conclui seu pensamento, afirmando que “a resolução de conflitos proposta pela atividade jurisdicional não propõe uma alternativa adequada para se compreender esse momento no qual há incompatibilidade de interesses, bem como gera um cenário de incertezas entre os envolvidos”.

Percebe-se no teor das discussões e questionamentos alinhados pelos pensadores do Direito que urge a necessidade de buscar a solução para os conflitos com vistas ao aperfeiçoamento humano, e não somente prestar a jurisdição, decidindo por decidir.


3. O ATIVISMO JUDICIAL NA HUMANIZAÇÃO DO DIREITO

O Judiciário não ficou imune às transformações sociais das ultimas décadas no Brasil, e tal consideração se confirma com mais contundência após a promulgação da Carta Constitucional de 1988, que preconiza a protetividade dos direitos fundamentais e uma maior garantia da prestação jurisdicional.

Da mesma forma, o processo de humanização do Direito através das decisões judiciais traz à baila a altercação sobre a extrapolação dos limites impostos pelo positivismo na norma jurídica, que determina o alcance da regra ao caso concreto. Piske14 se manifesta a respeito do tema, ao confirmar sobre o papel de politização do juiz ante as mudanças sociais e econômicas contempladas nas constituições modernas, assim predizendo:

Incapaz de solucionar alguns megaconflitos modernos, muitas vezes o legislador acaba atribuindo ao Judiciário a responsabilidade de moldar a norma final aplicável. O Judiciário não somente passou a solucionar os conflitos intersubjetivos de interesses, segundo o modelo liberal individualista, como também a atuar como órgão calibrador de tensões sociais, solucionando conflitos de conteúdo social, político e jurídico, além de implementar o conteúdo promocional do Direito contido nas normas constitucionais e nas leis que consagram direitos sociais.

Sem dúvidas o papel do magistrado diante das aclamadas mudanças sociais e econômicas tem sido desafiador, pois, a sua decisão no caso concreto deve ponderar sobre a busca do equilíbrio na solução dos conflitos, com base nas exigências e proteção ao bem comum, enaltecendo os fins sociais da norma aplicada.

A proposta de alcançar a pacificação social na resolução das contendas deve resguardar os direitos e garantias fundamentais do indivíduo, observando todos os aspectos sociais, políticos e econômicos que permeiam os fatos que são submetidos à sua apreciação.

Embora o papel da adequação da norma jurídica às mudanças sociais, que provocam a complexidade dos conflitos, deva partir do próprio legislador, o que tem se mostrado é atuação proativa do Judiciário na interpretação desses fatos sociais insurgentes, dando-lhes a solução mais justa, com base nos preceitos inovadores da ordem jurídica e social.

Exemplos povoam os tribunais pátrios a respeito da aplicação prática dos princípios e preceitos do chamado pós-positivismo, que não pretende negar a importância do Direito Positivo, ao adotar princípios que o torna mais flexível e mais sensitivo, a exemplo da razoabilidade e da proporcionalidade, que estão sendo submetidos a uma ponderação de valores, conforme se lê dos julgados colacionados: (sem grifos no original)

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. INÉPCIA DA INICIAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIO. INVASÃO PARCIAL DE ÁREA CONTÍGUA. PERDIMENTO DA CONSTRUÇÃO EM FAVOR DO PROPRIETÁRIO DO TERRENO. DESPROPORCIONALIDADE. PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO. A invasão de terreno alheio por pessoa jurídica não induz, necessariamente, a legitimidade passiva de seu sócio administrador para ação reivindicatória. O paradigma do pós-positivismo jurídico, operando verdadeira revolução no quadro da hierarquia das normas, dota os Princípios Gerais de Direito de força normativa, com poder vinculante superior. A atividade jurisdicional não pode solucionar o caso concreto outorgando proteção a um bem jurídico em desproporcional sacrifício de outro igualmente tutelado, a pretexto do cumprimento da norma jurídica posta, sob pena de coadjuvar com a injustiça e, daí, operar verdadeira ilicitude. O regime civil anterior previa o perdimento da construção erigida de boa-fé em terreno alheio, mediante indenização. Detectando-se, todavia, que o reconhecimento do domínio da construção em favor do proprietário do terreno invadido - dada a desproporção entre o valor irrisório deste e o vulto daquela -, importa violação do princípio da proporcionalidade, os efeitos da procedência do pedido reivindicatório devem ser adaptados à exigência de uma prestação jurisdicional equânime, reconhecendo-se o domínio da área em favor do invasor mediante justa composição indenizatória. Reconhecida a obrigação do invasor de boa-fé indenizar em dinheiro a área invadida, incorporando-a ao seu patrimônio, descabe a indenização (aluguel) pelo uso indevido da área invadida.

TJ-MG -1.0024.02.838225-7/001(2), Data de publicação: 01/06/2009

O INDIVÍDUO À POSIÇÃO DE CENTRO DO SISTEMA JURÍDICO. NO CASO DOS PRESENTES AUTOS, ESTÁ PATENTE A AMEAÇA À LIBERDADE FÍSICA DA PACIENTE, POIS O JUÍZO IMPETRADO NEGOU-LHE, EM VERDADE, A PRETENDIDA DECLARAÇÃO DE AFASTAMENTO DA NORMA INCRIMINADORA DO ARTIGO 124 DO CÓDIGO PENAL, JÁ TENDO, INCLUSIVE, EXTERNADO SEU ENTENDIMENTO SOBRE A TIPICIDADE, EM SEDE PENAL, DA CONDUTA. Noutro giro, fazendo uma releitura do artigo 5º, XXXV da Constituição do Brasil e também por imperativo legal artigo 4º da lei de introdução às normas de direito brasileiro, não pode o julgador, dar cabo a lide sem dar a devida solução afirmando a inexistência de regra escrita, sob o risco que furtar-se a prestar jurisdição e ceifar os direitos fundamentais do indivíduo. O pós-positivismo jurídico impõe outra atitude dos operadores do direito, havendo possibilidade, até mesmo, de afastar-se regra escrita para aplicar normas fundadas em princípios de direito, em busca da realização da justiça no caso concreto. Assim, em que pese o fato ser diferente do caso já massificado no Supremo Tribunal Federal no que tange à anencefalia, outros casos congêneres devem ser cuidados com a máxima cautela que se exige frente à complexidade do tema, que impõe ao poder judiciário despir-se dos mais íntimos sentimentos e valores para decidir sobre a questão em tela, os quais estão constantemente em colisão diante da diversidade de interesses conflitantes em razão de convicções religiosas dissonantes e da conflituosa opinião pública eivada das mais elevadas considerações diversas sobre o tema, as quais não devem sobrepujar a integridade física, moral e psíquica da mulher. Faço registrar o intenso sofrimento deste julgador ao decidir pela vida do feto ou pela dignidade da pessoa humana da gestante. Após analisar a ponderações de valores e princípios, não me resta outra opção, sem perquerir sobre os danos psicológicos irreparáveis à mãe, velar também pela saúde e vida da paciente [...].

TJ-RJ - HABEAS CORPUS HC 0046983-67.2014.8.19.0000 Data de publicação: 26/09/2014

Para Silva15 o cenário jurídico nacional tem vivenciado a postura da Suprema Corte em proferir “várias decisões de natureza nitidamente ativista-concretista, dando total preponderância aos princípios, implícitos ou explícitos, espraiados na Lei Magna”, e o autor coloca, a título de exemplo, “a recente decisão sobre a vedação do nepotismo aos Poderes Legislativo e Executivo, que deu origem à súmula vinculante nº. 13, não obstante a ausência de decisões reiteradas”. Outra situação destacada por Silva16 “seria Súmula vinculante nº. 11. do Supremo Tribunal Federal ao exigir as razões por escrito da excepcionalidade do uso de algemas inovou no Ordenamento Jurídico, tendo em vista a inexistência de lei prevendo tal situação”.

À inércia do Poder Legislativo, o órgão judicante tem o dever de formular uma norma de concreção, balizando-se na realidade fático-valorativa para dar efetividade aos direitos fundamentais epigrafados na Constituição Federal17.

Para os estudiosos do tema, o Poder Judiciário abandonou gradativamente a tecnocracia jurídica, agindo proativamente para alcançar à efetividade da norma jurídica e tornar possível e viável a prestação jurisdicional. Barroso18 justifica que:

Algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo. Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade. O fenômeno tem causas múltiplas. Algumas delas expressam uma tendência mundial; outras estão diretamente relacionadas ao modelo institucional brasileiro.

Mesmo agindo em pró-atividade, diversas críticas são direcionadas ao papel exercido pelo Judiciário que, muitas vezes, evidencia o desequilíbrio jurídico, técnico e financeiro em relação às partes que se desigualam economicamente, cabendo ao poder judicante buscar essa equalização econômica como uma meta concretiva da função social do processo. E da mesma forma, Junior e Miranda19 entendem que o ativismo judicial, pautado na visão democracia que alia os poderes do Estado para atingir os fins sociais, pode, ainda, ser justificado pelo princípio do acesso à justiça, que proíbe a recusa da prestação jurisdicional (art. 5º, XXXV da CF).

Passos de Freitas20 corrobora da preocupação de que o Judiciário possa realizar a sua função de promover a pacificação social com a solução dos conflitos, e demonstra a necessidade de atuação com equilíbrio, assim dispondo:

Na administração, poderá o Judiciário: a) levar a Justiça a lugares distantes ou à periferia das grandes cidades, através de postos avançados ou juizados itinerantes; b) fortalecer os Juizados Especiais e Turmas Recursais; c) promover a interação e integração do Judiciário na sociedade (p. ex., cedendo o uso de espaços públicos para exposições ou congressos jurídicos); d) estímulo à reinserção social de presos ou menores, através de convênios com entidades estaduais; e) promover medidas de apoio aos trabalhadores “terceirizados”, hoje em número elevado [...]. Nisto tudo, óbvio que há que se ter equilíbrio. Não se presta o juiz para uma jurisprudência sentimental, dando tudo a todos. Nem tornar-se populista ou um pretenso “justiceiro”. Deve evitar os excessos [...].

Inegável o fato de que o juiz assumiu um papel mais complexo do que aquele de interprete da norma jurídica aplicada ao caso concreto, pois, em determinadas situações a lei é silente e o julgador deve utilizar-se da interpretação mais sociológica e política, deixando de lado os dogmatismos, explorando as omissões do direito positivo para enfim, alcançar a solução que esteja em conformidade com as disposições e princípios constitucionais, enfatizando os chamados direitos fundamentais.

Sobre os autores
Marlton Fontes Mota

Mestre em Educação pela Universidade Tiradentes - SE (2012), possui título de Especialista em Direito Processual Civil - Faculdade Unhyana - BA (2007) e é graduado em Direito pela Universidade Tiradentes em Sergipe (2002). É graduado em Administração de Empresas pela Universidade Tiradentes de Sergipe (1992). É professor do Curso de Direito da Universidade Tiradentes - SE, e Professor da Pós graduação em Direito Processual, da Universidade Tiradentes, nas disciplinas Direito Processual Civil (Conhecimento, Procedimentos Especiais, Cautelares e Recursos), e professor da Pós Graduação em Direito - Ensino à Distância (EAD-Universidade Tiradentes-SE). Atualmente é coordenador da escola superior de advocacia (ESA) - Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Sergipe (SE), Conselheiro Estadual OAB/SE, e membro do Núcleo Docente Estruturante do Curso de Direito da Universidade Tiradentes

Lilian Jordeline Ferreira de Melo

Bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes (Unit-SE), Especialista em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes (UCAM-RJ).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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