4. A FUNÇÃO SOCIAL DO DIREITO CONTEMPORÂNEO E O PÓS-POSITIVISMO
Imediatamente se faz necessária a interpretação dessa chamada função social do Direito, cabendo a colação do pensamento de Carvalho21 que assim traduz o instituto:
A função social do direito é um principio estruturante do ordenamento jurídico e encontra sede ao longo da historia do homem na terra, desde os tempos mais remotos, assumindo em cada período, os contornos próprios do modelo político, econômico, cultural e jurídico de cada sociedade humana. [...]
A função social do direito é o fim comum que a norma jurídica deve atender dentro de um ambiente que viabilize a paz social. O direito sempre teve uma função social. A norma jurídica e criada para reger relações jurídicas, e nisso, a disciplina da norma deve alcançar o fim para o qual foi criada. Se ela não atinge o seu desiderato não há como disciplinar as relações jurídicas, e, portanto, não cumpre sua função, seu objeto.
Esclarecedoras são as palavras de Carvalho que justificam o papel da norma jurídica que é sempre o de viabilizar o alcance da paz social, objetivando humanizar as relações jurídicas, harmonizando os direitos e garantias do indivíduo, enquanto resta a convicção de que a teoria em questão fornece elementos para a realização e consolidação dos direitos mais embrionários da pessoa humana, num contexto de dignidade.
Racy22 é categórica ao afirmar sobre o papel do Poder Judiciário com relação à função social exigida pela coletividade, inclusive na postura e especificamente nos julgados, e que estes possam traduzir a verdadeira efetividade da justiça. E sobre o tema em apreço, se manifesta:
Função social é a que provém da sociedade, que dela emana e que, como se viu até agora, é mutável. Enquanto no Estado liberal consistia na segurança e no Estado de bem-estar social no acesso à justiça, no Estado contemporâneo, ela se define pela manutenção da sobrevivência do todo.
A moralidade da função descrita está na sua legitimidade. Um juiz ético é aquele que realiza a prestação jurisdicional de acordo com a finalidade estabelecida por seus cidadãos.
A sociedade moderna cobra maior celeridade nas decisões judiciais, atribuindo a morosidade ao Poder Judiciário que contraria a buscada função social na conclusão das demandas, importando adotar a solução mais apta e mais justa às decisões.
Para Nobre Fraga23 o chamado Estado Humanista tem ganhado bastante destaque em relação à força da jurisprudência como fonte do Direito, e isso demonstra ser uma verdadeira forma de mudança e a abertura de novos horizontes para o Direito Público e Privado, garantindo-se uma prestação jurisdicional cada vez mais equânime e proporcional, colocando em voga a função social dos institutos jurídicos, e afirma que:
Já é sabido que o mero Estado Democrático está sendo superado pelo Estado Humanista de Direitos e Garantias Fundamentais, ou ainda Estado Constitucional de Direito ou similar, que inaugura uma nova era do pensamento jurídico-doutrinário, seja ele principalmente em função da efetiva aplicação dos direitos humanos, pois fundamentais, às relações entre particulares e entre o Estado e estes. O princípio da dignidade assume relevância ímpar neste panorama que se caracteriza por uma completa modificação na maneira de pensar o Direito e, portanto, na forma de aplicá-lo. Emerge da trama onde a desigualdade é um fator que impulsiona o Direito Positivo às modificações oportunas e condizentes com a materialização e eficácia dos fatos sociais criadores e geradores das novas relações jurídicas e sociais.
Autores chegam a afirmar que o pós-positivismo traz no seu cerne a composição das duas correntes de pensamento para o Direito, o jusnaturalismo e o positivismo. E para Carvalho Fernandes et al 24a maneira de pensar o Direito mudou, afinal para o autor o positivismo não mais foi capaz de construir respostas para os questionamentos jurídicos contemporâneo, e destaca:
As principais características desse novo posicionamento teórico podem ser identificadas, em suma, como a) a abertura valorativa do sistema jurídico e, sobretudo, da Constituição; b) tanto princípios quanto regras são considerados normas jurídicas; c) a Constituição passa a ser o locus principal dos princípios; e d) o aumento da força política do Judiciário em face da constatação de que o intérprete cria norma jurídica. Um grande desafio está lançado, o de buscar a justiça dentro de uma sociedade pluralista.
Diante da sinalização por parte da doutrina especializada, não se pode afastar o fato de que o pós-positivismo promoveu o processo de renovação na discussão acadêmica e na percepção e abordagem dos Tribunais a respeito do tema, que inegavelmente se reveste de extrema importância para o Direito e se mostra como sendo uma barreira para a atuação estatal: os chamados direitos fundamentais.
Conceituando os direitos fundamentais, Gilmar Mendes25 compreende a sua importância para a proteção de direitos subjetivos frente à intervenção do Poder Público, a saber:
Os direitos fundamentais são, a um só tempo, direitos subjetivos e elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva. Enquanto direitos subjetivos, os direitos fundamentais outorgam aos titulares a possibilidade de impor os seus interesses em face dos órgãos obrigados. Na sua dimensão como elemento fundamental da ordem constitucional objetiva, os direitos fundamentais – tanto aqueles que não asseguram, primariamente, um direito subjetivo, quanto aqueloutros, concebidos como garantias individuais – formam a base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito democrático [...].
Indubitável, portanto, que a função social do Direito se enquadra na proposta de renovação decorrente da subsunção do fato à norma, tanto pela célere mutabilidade do fato social no mundo contemporâneo, influenciado pelo processo de globalização de culturas e significados, quanto pela readequação dos julgados que demandam a apreciação de conceitos extrajurídicos. Pois, tem sido uma exigência natural a formação humanística do magistrado, além da preocupação de aprofundar-se nas ciências sociais com vistas a sua correta e imediata inserção no sistema pós-positivista.
5. CONCLUSÃO
Verifica-se na pesquisa que o pós-positivismo não desconsidera a importância do Direito Positivo, mas busca torná-lo mais flexível e mais viável aos conclamos da sociedade, ao adotar a aplicação de princípios, tais como, a razoabilidade e a proporcionalidade.
Diante dessa abordagem, torna-se pontual que no momento da aplicação e da interpretação do Direito, o julgador não deve olvidar dos supramencionados valores que são imprescindíveis à ordem jurídica, mas, deve ainda inserir a dignidade do homem como foco central para o alcance da verdadeira e justa prestação jurisdicional.
Da mesma forma os legisladores devem atentar para a aplicação e garantia da igualdade na lei, evitando conceber a criação de normas lesivas aos chamados direitos da personalidade.
Verificou-se no trabalho, ora apresentado, que as leis não abarcam todos os elementos e situações fáticas dos casos concretos que são trazidos à apreciação do Judiciário, permitindo ao magistrado que através da argumentação, aplique o afastamento da lei para poder utilizar-se da interpretação mais sociológica e política, deixando de lado os dogmatismos, explorando as omissões do direito positivo para enfim, alcançar a solução que esteja em conformidade com as disposições e princípios constitucionais, porém, sem tornar essa conduta uma regra.
A descoberta do pós-positivismo anunciou o surgimento da denominada terceira corrente explicativa do Direito, haja vista a insuficiência do jusnaturalismo e do positivismo em abarcar todas as situações fáticas que se insurgem na sociedade contemporânea.
Conclui-se que a sociedade contemporânea exige soluções urgentes e justas para os conflitos que dela se insurgem, e para isto tornou-se inaceitável a prática do Positivismo exacerbado como meio mais adequado e viável para obter resultados às lides oriundos do seio social.
REFERÊNCIAS
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
_______, ________. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Revista n 04 da Ordem dos Advogados do Brasil. Janeiro/Fevereiro de 2009, disponível em: <https://www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1235066670174218181901.pdf>. Acesso: em 20 jan.2015.
CARVALHO, Francisco José. A função social do Direito e a efetividade das Normas Jurídicas. Carta Forense. 2011. Disponível em: <https://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/a-funcao-social-do-direito-e-a-efetividade-das-normas-juridicas/7940>. Acesso em: 23 jan.2015
COELHO, Fábio Ulhoa. Para entender Kelsen, 4 ed, rev. São Paulo: Saraiva, 2001
DALLARI, Dalmo de Abreu. Humanismo Jurídico. [.s.d]. DHnet – direitos humanos na internet. Disponível em: <https://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/dalmodallari/dallari20.html>. Acesso em 22 jan.2015.
FERNANDES DE AQUINO, Sérgio Ricardo. Mediação como experiência de humanização do direito na pós-modernidade: inquietações a partir do pensamento complexo. 2011. Disponível em: <https://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/revistahumus/article/view/1645>. Acesso em: 25 jan.2015
FERNANDES, Ricardo Vieira de Carvalho. BICALHO, Guilherme Pereira Dolabella. Do positivismo ao pós-positivismo jurídico: O atual paradigma jusfilosófico Constitucional. 2011. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/242864/000910796.pdf?sequence=1>. Acesso em 27 jan.2015
MENDES, Gilmar. Os direitos fundamentais e seus múltiplos significados na ordem constitucional. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, n. 10, p. 2, jan. 2002.
MIRANDA, André Padoin, CARNEIRO JÚNIOR, Amilcar Araújo. O ativismo judicial como mecanismo efetivo da hermenêutica jurídica constitucional no moderno estado democrático de direito. [s.d.]. Disponível em: <https://www.unigran.br/revista_juridica/ed_atual/artigos/artigo04.pdf>. Acesso em: 20 jan.2015
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 34. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
NOBRE FRAGA, Luiz Felipe. A religião do pós-positivismo. Âmbito Jurídico. [s.d.], Disponível em: <https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6743>. Acesso em: 24 jan.2015
PASSOS DE FREITAS, Vladimir. Responsabilidade Social do Juiz e do Judiciário. Revista Consultor Jurídico, 13 set. 2009. Disponível em: <https://www.tre-rs.jus.br/arquivos/FREITAS_Responsabilidade_juiz.pdf.> Acesso em: 24 jan.2015
PINTO E BORGO, Maria Celia Nogueira. Apontamentos sobre o positivismo jurídico, sua superação e o papel do juiz diante dos princípios no modelo pós-positivista. CONPEDI. Disponível em: <https://www.conpedi.org.br/anais/36/11_1098.pdf>. Acesso em: 21 jan.2015
PISKE, Oriana. O desafio da magistratura ante as mudanças sociais e econômicas. Parte II. 2007. Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/artigos/2007/o-desafio-da-magistratura-ante-as-mudancas-sociais-e-economicas-parte-ii-juiza-oriana-piske> . Acesso em: 23 jan.2015
RACY, VIvien. A função do Poder Judiciário no estado contemporâneo The social function of the Judiciary in the contemporary state. Revista USCS. 2010. p.43. Disponível em: <https://seer.uscs.edu.br/index.php/revista_direito/article/view/1092/897>. Acesso em 25 jan.2015.
RODRIGUES MACIEL, José Fábio. Formação Humanística em Direito: uma responsabilidade social. Carta Forense. 2012. Disponível em: <https://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/formacao-humanistica-em-direito-uma-responsabilidade-social/8642>. Acesso em: 21 jan.2015.
SILVA, Eduardo Farias. O pós-positivismo e o ativismo judicial. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 15 out. 2010. Disponível em: <https://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.29307&seo=1>. Acesso em: 26 jan. 2015
VENOSA, Silvio de Salvo. Introdução ao estudo do direito: primeiras linhas. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
Notas
3 NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 34. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 385.
4 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 242
5 Idem ao item 1, p. 381
6 VENOSA, Silvio de Salvo. Introdução ao estudo do direito: primeiras linhas. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 56
7 NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 34. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 381
8 RODRIGUES MACIEL, José Fábio. Formação Humanística em Direito: uma responsabilidade social. Carta Forense. 2012. Disponível em: <https://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/formacao-humanistica-em-direito-uma-responsabilidade-social/8642>. Acesso em: 21 jan.2015.
9 DALLARI, Dalmo de Abreu. Humanismo Jurídico. [.s.d]. DHnet – direitos humanos na internet. Disponível em: <https://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/dalmodallari/dallari20.html>. Acesso em 22 jan.2015.
10 COELHO, Fábio Ulhoa. Para entender Kelsen, 4 ed, rev. São Paulo: Saraiva, 2001
11 PINTO E BORGO, Maria Celia Nogueira. Apontamentos sobre o positivismo jurídico, sua superação e o papel do juiz diante dos princípios no modelo pós-positivista. CONPEDI. Disponível em: <https://www.conpedi.org.br/anais/36/11_1098.pdf>. Acesso em: 21 jan.2015
12 VENOSA, Silvio de Salvo. Introdução ao estudo do direito: primeiras linhas. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 6
13 FERNANDES DE AQUINO, Sérgio Ricardo. Mediação como experiência de humanização do direito na pós-modernidade: inquietações a partir do pensamento complexo. 2011. Disponível em: <https://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/revistahumus/article/view/1645>. Acesso em: 25 jan.2015
14 PISKE, Oriana. O desafio da magistratura ante as mudanças sociais e econômicas. Parte II. 2007. Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/artigos/2007/o-desafio-da-magistratura-ante-as-mudancas-sociais-e-economicas-parte-ii-juiza-oriana-piske> . Acesso em: 23 jan.2015
15 SILVA, Eduardo Farias. O pós-positivismo e o ativismo judicial. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 out. 2010. Disponivel em: <https://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.29307&seo=1>. Acesso em: 26 jan. 2015
16 Idem ao item 13.
17 Idem ao item 13
18 BARROZO, Luiz Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Revista nº 04 da Ordem dos Advogados do Brasil. Janeiro/Fevereiro de 2009, disponível emhttps://www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1235066670174218181901.pdf, acessado em 20 jan.2015.
19MIRANDA, André Padoin, CARNEIRO JÚNIOR, Amilcar Araújo. O ativismo judicial como mecanismo efetivo da hermenêutica jurídica constitucional no moderno estado democrático de direito. [s.d.]. Disponível em: <https://www.unigran.br/revista_juridica/ed_atual/artigos/artigo04.pdf>. Acesso em: 20 jan.2015
20 PASSOS DE FREITAS, Vladimir. Responsabilidade Social do Juiz e do Judiciário. Revista Consultor Jurídico, 13 set. 2009. Disponível em: <https://www.tre-rs.jus.br/arquivos/FREITAS_Responsabilidade_juiz.pdf.> Acesso em: 24 jan.2015
21 CARVALHO, Francisco José. A função social do Direito e a efetividade das Normas Jurídicas. Carta Forense. 2011. Disponível em: <https://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/a-funcao-social-do-direito-e-a-efetividade-das-normas-juridicas/7940>. Acesso em: 23 jan.2015
22 RACY, VIvien. A função do Poder Judiciário no estado contemporâneo The social function of the Judiciary in the contemporary state. Revista USCS. 2010. p.43. Disponível em: <https://seer.uscs.edu.br/index.php/revista_direito/article/view/1092/897>. Acesso em 25 jan.2015.
23 NOBRE FRAGA, Luiz Felipe. A religião do pós-positivismo. Âmbito Jurídico. [s.d.], Disponível em: <https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6743>. Acesso em: 24 jan.2015
24 FERNANDES, Ricardo Vieira de Carvalho. BICALHO, Guilherme Pereira Dolabella. Do positivismo ao pós-positivismo jurídico: O atual paradigma jusfilosófico constitucional. 2011. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/242864/000910796.pdf?sequence=1>. Acesso em 27 jan.2015
25 MENDES, Gilmar. Os direitos fundamentais e seus múltiplos significados na ordem constitucional. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, n. 10, p. 2, jan. 2002.