As implicações da delimitação das áreas de preservação permanente no Código Florestal Brasileiro

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O presente artigo busca fazer uma reflexão sobre as mudanças realizadas ao longo das atualizações do Código Florestal Brasileiro, no que diz respeito as Áreas de Preservação Permanente (APP).

O Código Florestal Brasileiro representa um avanço na proteção aos recursos hídricos, a medida que garante a proteção e conservação da vegetação nas proximidades dos corpos d'água e, consequentemente, favorece a "produção da água".

A manutenção da cobertura vegetal dessas áreas garante o equilíbrio hídrico e sedimentológico da bacia hidrográfica, pois contribui para o aumento da infiltração de água no solo, reduzindo o escoamento superficial e, consequentemente, os processos erosivos (CRIADO, 2012).

A primeira preocupação com a vegetação na legislação brasileira foi estabelecida no Código Florestal de 1934, instituído pelo Decreto nº. 23.793/34, o qual considerou as florestas do território nacional como "bem de interesse comum a todos os habitantes do país" (BRASIL, 1934).

Esse decreto também classificou algumas florestas como protetoras, sendo elas as que tem as seguintes funções: conservar o regime das águas; evitar a erosão do solo pela ação de agentes naturais; fixa dunas; auxiliar a defesa das fronteiras, aquelas que as autoridades militares julgarem como necessárias; assegurar condições de salubridade pública; proteger sítios, que por sua beleza mereçam ser conservados; e, abrigar espécies raras de fauna indígena (BRASIL, 1934).

Em 15 de setembro de 1965, instituiu-se outro código florestal, compreendido pela Lei nº. 4.771. Este trouxe em vigor as Áreas de Preservação Permanente (APP), atribuindo à vegetação dessas áreas a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem e os demais elementos do ambiente.

A Lei nº. 7.511/86 modificou o Código Florestal, aumentando pela primeira vez as faixas de proteção, as quais tiveram sua extensão novamente ampliada pela Lei nº. 7.803/89 (QUADRO 1).

Quadro 1 - Especificação da largura das APP na evolução dos códigos florestais.

Lei nº. 4.771/65

Lei nº. 7.511/86

Lei nº. 7.803/89

Lei nº. 12.651/12 e Lei nº. 12.727/12

Curso d'água

APP

Curso d'água

APP

Curso d'água

APP

Curso d'água

APP

<10 m

5 m

<10 m

30 m

<10 m

30 m

<10 m

30 m

10 a 200 m

Igual a metade da largura do curso d'água

10 a 50 m

50 m

10 a 50 m

50 m

10 a 50 m

50 m

50 a 100 m

100 m

50 a 200 m

100 m

50 a 200 m

100 m

100 a 200 m

150 m

200 a 600 m

200 m

200 a 600 m

200 m

>200 m

100 m

> 200 m

150 m

>600 m

500 m

>600 m

500 m

Fonte: Brasil (1965; 1986; 1989; 2012a; 2012b).

Em 2012, houve a promulgação do novo Código Florestal, por meio da Lei nº. 12.651, de 25 de maio de 2012,  e que foi alterado logo em seguida pela Lei n.12.727, de 17 de outubro de 2012, que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa. A modificação do Código Florestal gerou diversos conflitos entre ruralistas, ambientalistas e cientistas durante os debates para sua oficialização.

 Na nova lei as APP continuaram a ser consideradas como,

Área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de proteger os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas (BRASIL, 2012b).

Ainda de acordo com a legislação vigente (BRASIL, 2012b), a vegetação das APP deverá ser mantida pelo proprietário da área, ser houver a sua supressão este será obrigado a promover sua recomposição.

 

Essa mudança passou a ignorar a zona de vegetação ripária, que são aquelas localizadas na transição entre o curso d'água e a área do solo antropizado. As áreas de vegetação ripária tem grande importância na efetividade da proteção dos recursos hídricos, sendo consideradas ecossistemas complexos que favorecem o habitat das comunidades aquáticas (CRJC, 1998).

De acordo com Hawer e Smith (2005), a zona de vegetação ripária a ser protegida depende das funções que se deseja preservar. A largura dessa zona é considerada como a distância horizontal perpendicular ao rio, iniciada ao fim da sua calha maior (SILVA, 2003).

Para Silva (2003), a partir da verificação de diversos estudos científicos analisados, as funções das zonas ripárias são: estabilização de taludes e encostas, manutenção da morfologia do rio e proteção a inundações, retenção de sedimentos e nutrientes, mitigação da temperatura da água e do solo, fornecimento de alimentos e habitat para criaturas aquáticas, manutenção de corredores ecológicos, paisagem e recreação, fixação de gás carbônico e interceptação de escombros rochosos.

Assim, a largura adequada para cada função da zona ripária, a partir da adaptação de Silva (2003) para os estudos de CRJC (1998), são as seguintes:

  • 10 a 15 metros: estabilidade de aludes;
  • 15 a 30 metros: habiat de peixes;
  • Mais que 30 metros: remoção de nutrientes;
  • 30 a 45 metros: controle de sedimentos;
  • Mais que 60 metros: controle de enchentes; e,
  • Mais que 90 metros: habitat da vida silvestre.

Nesse sentido, como a atual delimitação das APP não consideram a função adequada para o ambiente, é possível concluir que o Novo Código Florestal não garante a eficiência da proteção exercida pelas APP, desconsiderando importância das zonas de vegetação ripária, na preservação e conservação dos recursos hídricos, já que são necessários no mínimo 90 metros de APP em cada margem do curso d'água para assegurar a qualidade da água, do solo e da vida aquática e silvestre.

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Referências:

BRASIL. Lei nº. 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação native e dá outras providências. Brasília: Palácio do Planalto. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011- 2014/2012/lei/l12651.htm >. Acesso em: 05 ago. 2014. 2012a.

BRASIL. Lei nº. 12.727, de 17 de outubro de 2012. Altera a Lei nº. 12.651 de 25 de maio de 2012, que dispõe sobre a proteção da vegetação native e dá outras providências. Brasília: Palácio do Planalto. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/L12727.htm >. Acesso em: 05 ago. 2014. 2012b.

BRASIL. Decreto nº. 7.830, de 17 de outubro de 2012.     Dispõe sobre o Sistema de Cadastro Ambiental Rural, o Cadastro Ambiental Rural, estabelece normas de caráter geral aos Programas de Regularização Ambiental, de que trata a Lei no 12.651, de 25 de maio de 2012, e dá outras providências. Brasília: Palácio do Planalto. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-014/2012 /Decreto/D7830.htm>.  Acesso em: 05 ago. 2014. 2012c.

BRASIL. Lei nº. 7.803, de 18 de julho de 1989.      Altera a redação da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, e revoga as Leis nº.6.535, de 15 de junho de 1978, e 7.511, de 7 de julho de 1986. Brasília: Palácio do Planalto. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7803.htm>. Acesso em: 05 ago. 2014. 1989.

BRASIL. Lei nº. 7.511, de 7 de julho de 1986.        Altera dispositivos da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, que institui o novo Código Florestal. Brasília: Palácio do Planalto. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7511.htm>. Acesso em: 05 ago. 2014. 1986.

BRASIL. Lei nº. 4.771, de 15 de setembro de 1965. Institui o novo Código Florestal. Brasília: Palácio do Planalto. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4771.htm>. Acesso em: 05 ago. 2014. 1986.

BRASIL. Decreto 23.793, de 23 de janeiro de 1934. Aprova o código florestal. Brasília: Palácio do Planalto. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d23793.htm>. Acesso em: 05 ago. 2014. 1986.

CRJC. Connecticut River Joint Commissions. Introduction to riparian buffers for the connecticut river watershed, 1998. Disponível em <http://www.crjc.org/buffers/introduction.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2014.

CRIADO, Rodrigo Cezar. Análise do uso da terra nas áreas de preservação permanente dos corpos d’água da bacia do córrego espraiado como subsídio para o pagamento por serviços ambientais. Presidente Prudente, 2012. Dissertação (Mestrado). Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia, 118p.

HAWES, Ellen; SMITH,  Markelle. Riparian buffer zones: functions and recommended widths. 2005. Disponível em < ttp://www.eightmileriver.org/resources/digital_library/appendicies/09c3_Riparian%20 Buffer%20Science_YALE .pdf>. Acesso em: 20 nov. 2014.

SILVA, Roberto Valmir. Estimativa de largura de faixa vegetativa para zonas ripárias: uma revisão. In: I Seminário de Hidrologia Florestal: zonas ripárias, 2003, Alfredo Wagner/SC. Anais..., 2003, p.74-86.

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Sobre as autoras
Letícia Roberta Trombeta

Mestranda em Geografia no Programa de Pós-Graduação da UNESP de Presidente Prudente.

Informações sobre o texto

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