Decadência tributária em casos de fraude, dolo ou simulação: art. 150, §4º c/c art. 173, I ambos do CTN

03/02/2015 às 22:42

Resumo:


  • O Direito Tributário necessita de conceitos claros e definições precisas para evitar a insegurança jurídica e a autuação abusiva, que pode levar a uma redução da atividade empresarial e recessão econômica.

  • A decadência do direito do fisco de constituir crédito tributário em casos de fraude, dolo ou simulação ainda é um tema controverso, com interpretações variadas na doutrina e jurisprudência, especialmente quanto ao início do prazo decadencial.

  • O Superior Tribunal de Justiça (STJ) adota a posição de que, em caso de fraude, dolo ou simulação, o prazo decadencial para o fisco lançar de ofício inicia-se no primeiro dia do exercício seguinte ao fato gerador e dura cinco anos, conforme o artigo 173, I do Código Tributário Nacional (CTN), desconsiderando a homologação tácita.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Análise do termo inicial do prazo decadencial da Fazenda constituir o crédito tributário nos casos de dolo, fraude e simulação.

O Direito Tributário não deve admitir questões indefinidas. Diante das lacunas da legislação, que não são poucas, cabe à doutrina e jurisprudência, principalmente, extrair conceitos e definições que faltaram ao legislador. Alguns defenderão que as lacunas servem aos empresários, eis que a brecha na lei admite interpretações várias, mas o mesmo se aplica aos órgãos arrecadadores, e, portanto, acaba por não interessar a ninguém. Além das lacunas gerarem insegurança, acabam por prejudicar o sistema tributário como um todo, quando a autuação abusiva decorrente de uma interpretação parcial expropria patrimônio indevidamente, traz uma redução da atividade empresarial financeiramente fragilizada, e consequentemente uma recessão na economia, situação que não interessa ao fisco, aliás a ninguém, pois quanto menor o PIB, menor a arrecadação, já que o fisco é um parasita do bem, se alimenta do corpo das empresas para atender ao interesse público.

Uma consequência ainda indefinida no Direito Tributário é a decadência do direito do fisco em constituir o crédito tributário em casos de fraude. Diz o art. 150 do CTN em seu §4º:

“Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.

§ 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento.

§ 2º Não influem sobre a obrigação tributária quaisquer atos anteriores à homologação, praticados pelo sujeito passivo ou por terceiro, visando à extinção total ou parcial do crédito.

§ 3º Os atos a que se refere o parágrafo anterior serão, porém, considerados na apuração do saldo porventura devido e, sendo o caso, na imposição de penalidade, ou sua graduação.

§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.”

O referido parágrafo 4º trata primeiramente da homologação tácita, determinando que ultrapassados cinco anos sem manifestação do fisco, homologado está o lançamento realizado pelo contribuinte e mais, estará extinto o crédito tributário, não podendo mais a Fazenda constituir um crédito tributário referente a eventual diferença na apuração, exceto nos casos de fraude, dolo ou simulação.

Assim, a legislação retira da mão do contribuinte o direito de constituir o crédito tributário, ou seja, de apurar o montante devido, informá-lo nas declarações e recolher a guia, sempre que houver fraude, dolo ou simulação, ficando a responsabilidade de constituir o crédito a cargo da Fazenda.

Para analisarmos a disposição acima, precisamos analisar em conjunto o disposto no art. 173 do CTN:

“Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:

I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;

II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.

Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.”

Pois bem, o primeiro ponto que precisamos definir é: havendo fraude, dolo ou simulação não se aplica a homologação tácita.

A homologação tácita funciona da seguinte forma, uma empresa apura um tributo, declara-o numa obrigação acessória e recolhe o montante. Após, aguarda a homologação pelo fisco. Não havendo homologação expressa, passados cinco exercícios completos, homologado estará a apuração (o crédito tributário).

Havendo fraude, não se aplica a homologação tácita, como vimos acima. Portanto, a constituição do crédito tributário sai da mão do contribuinte e passa para a mão do fisco.

A questão é, a partir de quando começa a correr o prazo decadencial se não há mais lançamento por homologação e sim lançamento de ofício? O art. 173 poderia responder, mas a jurisprudência se divide neste ponto.

A Receita Federal, e parte da jurisprudência defendem que nos casos de fraude, dolo ou simulação, o prazo decadencial se inicia no momento em que o fisco soube da fraude, dolo ou simulação. Tal posicionamento pode perpetuar o direito da Fazenda em constituir o crédito tributário. Se descoberta fraude em 2014 referente a um tributo apurado em 1980, reabre o prazo decadencial de 5 exercícios. Tal posição nos parece absurda.

Outra posição, que inclusive encontra guarida no STJ, considera a data de abertura do prazo decadencial a primeira intimação realizada pelo Fisco na abertura do procedimento que busca apurar a fraude, dolo ou simulação, fundamentando o entendimento no parágrafo único do art. 173, conforme precedente abaixo:

AgRg no REsp 1044953 / SP AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2008/0069527-0

Relator(a) Ministro LUIZ FUX (1122)

Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA

Data do Julgamento 23/04/2009

Data da Publicação/Fonte DJe 03/06/2009

Ementa

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ICMS.  DECADÊNCIA DO  DIREITO DE O FISCO CONSTITUIR O CRÉDITO TRIBUTÁRIO. OCORRÊNCIA. ARTIGO 150, § 4º, DO CTN. CITAÇÃO POR EDITAL. ESGOTAMENTO DE TODOS OS MEIOS. MATÉRIA FÁTICA-PROBATÓRIA. SÚMULA 07/STJ. SÚMULA 98/STJ.

1. O Código Tributário Nacional, ao dispor sobre a decadência, causa extintiva do crédito tributário, assim estabelece em seu artigo 173: "Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:

I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;

II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.

Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento."

2. A decadência ou caducidade, no âmbito do Direito Tributário, importa no perecimento do direito potestativo de o Fisco constituir o crédito tributário pelo lançamento, e, consoante doutrina abalizada, encontra-se regulada por cinco regras jurídicas gerais e abstratas, quais sejam: (i) regra da decadência do direito de lançar nos casos de tributos sujeitos ao lançamento de ofício, ou nos casos dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação em que o contribuinte não efetua o pagamento antecipado; (ii) regra da decadência do direito de lançar nos casos em que notificado o contribuinte de medida preparatória do lançamento, em se tratando de tributos sujeitos a lançamento de ofício ou de tributos sujeitos a lançamento por homologação em que inocorre o pagamento antecipado; (iii) regra da decadência do direito de lançar nos casos dos tributos sujeitos a lançamento por homologação em que há parcial pagamento da exação devida; (iv) regra da decadência do direito de lançar em que o pagamento antecipado se dá com fraude, dolo ou simulação, ocorrendo notificação do contribuinte acerca de medida preparatória; e (v) regra da decadência do direito de lançar perante anulação do lançamento anterior (In: Decadência e Prescrição no Direito Tributário, Eurico Marcos Diniz de Santi, 3ª Ed., Max Limonad, págs. 163/210).

3. As aludidas regras decadenciais apresentam prazo quinquenal com dies a quo diversos. Assim, conta-se do "do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado" (artigo 173, I, do CTN), o prazo quinquenal para o Fisco constituir o crédito tributário (lançamento de ofício), quando não prevê a lei o pagamento antecipado da exação ou quando, a despeito da previsão legal, o mesmo inocorre, sem a constatação de dolo, fraude ou simulação do contribuinte, bem como inexistindo notificação de qualquer medida preparatória por parte do Fisco. Sob esse enfoque, cumpre enfatizar que "o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado" corresponde, iniludivelmente, ao primeiro dia do exercício seguinte à ocorrência do fato imponível, sendo inadmissível a aplicação cumulativa dos prazos previstos nos artigos 150, § 4º, e 173, do CTN, em se tratando de tributos sujeitos a lançamento por homologação, a fim de configurar desarrazoado prazo decadencial decenal.

4. O dever de pagamento antecipado, quando inexistente (tributos sujeitos a lançamento de ofício),  ou quando, existente a aludida obrigação (tributos sujeitos a lançamento por homologação), há omissão do contribuinte na antecipação do pagamento, desde que inocorrentes quaisquer ilícitos (fraude, dolo ou simulação), tendo sido, contudo, notificado de medida preparatória indispensável ao lançamento, flui o termo inicial do prazo decadencial da aludida notificação (artigo 173, parágrafo único, do CTN), independentemente de ter sido a mesma realizada antes ou depois de iniciado o prazo do inciso I, do artigo 173, do CTN.

5.  A decadência do direito de lançar do Fisco, em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, quando ocorre pagamento antecipado inferior ao efetivamente devido, sem que o contribuinte tenha incorrido em fraude, dolo ou simulação, nem sido notificado pelo Fisco de quaisquer medidas preparatórias, obedece a regra prevista na primeira parte do § 4º, do artigo 150, do Codex Tributário, segundo o qual, se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador: "Neste caso, concorre a contagem do prazo para o Fisco homologar expressamente o pagamento antecipado, concomitantemente, com o prazo para o Fisco, no caso de não homologação, empreender o correspondente lançamento tributário. Sendo assim, no termo final desse período, consolidam-se simultaneamente a homologação tácita, a perda do direito de homologar expressamente e, consequentemente, a impossibilidade jurídica de lançar de ofício" (In Decadência e Prescrição no Direito Tributário, Eurico Marcos Diniz de Santi, 3ª Ed., Max Limonad , pág. 170).

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6. A notificação do ilícito tributário, medida indispensável para justificar a realização do ulterior lançamento, afigura-se como dies a quo do prazo decadencial quinquenal, em havendo pagamento antecipado efetuado com fraude, dolo ou simulação, regra que configura ampliação do lapso decadencial, in casu, reiniciado. Entrementes, "transcorridos cinco anos sem que a autoridade administrativa se pronuncie, produzindo a indigitada notificação formalizadora do ilícito, operar-se-á ao mesmo tempo a decadência do direito de lançar de ofício, a decadência do direito de constituir juridicamente o dolo, fraude ou simulação para os efeitos do art. 173, parágrafo único, do CTN e a extinção do crédito tributário em razão da homologação tácita do pagamento antecipado" (Eurico Marcos Diniz de Santi, in obra citada, pág. 171).

7.  O artigo 173, II, do CTN, por seu turno, versa a decadência do direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário quando sobrevém decisão definitiva, judicial ou administrativa, que anula o lançamento anteriormente efetuado, em virtude da verificação de vício formal. Neste caso, o marco decadencial inicia-se da data em que se tornar definitiva a aludida decisão anulatória.

9. In casu: (a) cuida-se de tributo sujeito a lançamento por homologação; (b) a obrigação ex lege de pagamento antecipado do ICMS foi omitida pelo contribuinte concernente ao fato gerador de julho de 1986, consoante consignado pelo Tribunal a quo (fls. 564); (c) o prazo do fisco para lançar iniciou a partir de 01.01.1987 com término em 01.01.1992; (d) a constituição do crédito tributário pertinente ocorreu em 25.10.1991.

10. Desta sorte, a regra decadencial aplicável ao caso concreto é a prevista no artigo 173, I, do Codex Tributário, contando-se o prazo de cinco anos, a contar "do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado" (artigo 173, I, do CTN), donde se dessume a inocorrência da decadência do direito de o Fisco lançar os referidos créditos tributários.

11. A citação do devedor por edital só é admissível após o esgotamento de todos os meios possíveis à sua localização.

12. In casu, as conclusões da Corte de origem no sentido de que houve esgotamento de todos os meios para a localização do executado resultaram do conjunto probatório carreado nos presentes autos. Consectariamente, infirmar referida conclusão implicaria sindicar matéria fática, interditada ao E. STJ em face do enunciado sumular n.º 07 desta Corte.

13. A multa imposta com base no art. 538, parágrafo único, do CPC, merece ser afastada quando os embargos são opostos para fins de prequestionamento. Ratio essendi da Súmula 98 do STJ, verbis: "Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório".

14. Agravo regimental desprovido.

Não obstante, a posição acima também não nos parece a mais acertada, pois havendo intimação do procedimento fiscal penal para apuração de eventual fraude ao final dos cinco exercícios completos a que se refere o art. 173, o prazo será reaberto, podendo o fisco dispor de mais prazo (dez anos) do que a legislação fixou para a constituição do crédito tributário, e se ao final não for apurada fraude, o lançamento realizado pelo contribuinte já se encontrará prejudicado, abrindo uma lacuna maior na legislação fiscal.

Pensando nisso o STJ definiu seu posicionamento no sentido de que, havendo fraude, dolo ou simulação a decadência se opera conforme determina o art. 173, I, permanecendo os cinco exercícios completos, mas retirando o lançamento da mão do contribuinte, criando hipótese de lançamento de ofício:

REsp 572872 / RS RECURSO ESPECIAL 2003/0114080-1

Relator(a) Ministra ELIANA CALMON (1114)

Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA

Data do Julgamento 07/06/2005

Data da Publicação/Fonte DJ 15/08/2005 p. 243

Ementa

PREVIDENCIÁRIO – CONTRIBUIÇÃO – LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO – DECADÊNCIA (ART. 150 § 4º E 173 DO CTN).

1. Aplica-se o teor da Súmula 282/STF relativamente às teses não prequestionadas.

2. A divergência jurisprudencial não se configura quando inexiste similitude fática entre acórdãos confrontados.

3. A jurisprudência do STJ já se posicionou no sentido de entender que nas exações de natureza tributária, como sói acontecer com as contribuições previdenciárias, lançadas por homologação, o prazo decadencial segue a regra do artigo 173, I do CTN, ou seja, o prazo decadencial de cinco anos tem início no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado.

4. Nas exações cujo lançamento se faz por homologação, havendo pagamento antecipado, conta-se o prazo decadencial a partir da ocorrência do fato gerador (art. 150, § 4º, do CNT).

5. Somente quando não há pagamento antecipado, ou há prova de fraude, dolo ou simulação é que se aplica o disposto no art. 173, I, do CTN.

6. Recurso especial improvido.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça "A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Sra. Ministra-Relatora." Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Castro Meira e Francisco Peçanha Martins votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Franciulli Netto.

Concluímos, destarte, que, constatada a fraude, dolo ou simulação no lançamento por homologação, abre-se o prazo decadencial para o fisco lançar de ofício o crédito tributário, que inicia-se no primeiro dia o exercício seguinte ao qual poderia ser apurado e finda em cinco exercícios completos, conforme art. 173, I do CTN.

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Sobre o autor
Francisco Silva Laranja

Advogado e consultor tributarista<br>Pós-graduado em Direito Tributário<br>Especialista em ICMS pelo Instituto Nacional de Estudos Jurídicos<br>Autor do livro "A Substituição Tributária do ICMS no Rio Grande do Sul" - Paixão Editores.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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