OS CONSÓRCIOS INTERMUNICIPAIS COMO INSTRUMENTO DE GOVERNANÇA PÚBLICA REGIONAL: O EXEMPLO BEM SUCEDIDO DO ABC PAULISTA

03/02/2015 às 22:47
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Diante do avanço jurídico da regulamentação legal dos Consórcios, foram criados mecanismos para reduzir as desigualdades regionais, para que os municípios vizinhos possam se fortalecer, superando deficiências, agregando recursos e trabalhos conjuntos.

A Constituição Federal em seu artigo 241 prevê que os entes federativos disciplinarão por meio de lei, os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, diante disso, foi promulgada a Lei n.º 11.107/2005, que veio com o intuito de efetivar o instituto dos consórcios no sentido de viabilizar a governança pública regional em que os municípios limítrofes, na maioria das vezes, se unirão com objetivos comuns.

Sendo esta uma maneira de aproximação das realidades que estariam divergentes tão somente por critérios político-administrativos, sendo tal figura jurídica, algo muito deve ser estudado e construído em arranjos locais para efetivação da boa prestação dos serviços públicos pela Administração. Senão vejamos:


I – ASPECTOS JURÍDICOS DA CRIAÇÃO DOS CONSÓRCIOS PÚBLICOS

Sendo que, diante da previsão constitucional de que todas as unidades federativas gozam de autonomia política, organizacional e administrativa, a legislação infraconstitucional, a supracitada Lei n.º 11.107/2005, respeitou a igualdade jurídica dos participantes de consórcios públicos, não havendo hierarquia entre os entes, independente de sua capacidade financeira, extensão de território ou parâmetro populacional, se respeitando também a possibilidade do ente participar ou não do Consórcio, a depender de seu poder discricionário, dependendo também de autorização legislativa para tanto e se prevê ainda a necessidade de um consenso dos entes federados, denominado protocolo de intenções, estabelecendo diretrizes para a atuação do Consórcio e a conseqüente formação de uma nova personalidade jurídica de direito público para que os serviços públicos “possam ser executados com maior celeridade e eficiência em prol da coletividade, em coerência com o princípio reitor de colaboração recíproca, que deve nortear o moderno federalismo de cooperação”.[1]

Nesta seara jurídica, Rodrigo Chaloub Dieguez [2], entende que observação se faz necessária sobre a definição legal dos consórcios, pois possui implicação direta sobre o conceito que será construído, que se faz sobre os objetivos e competências previstos na forma da lei.

O artigo 4°, inciso I, da Lei 11.107 exige que, no protocolo de intenções – negócio jurídico de ajuste preliminar – seja estabelecida a finalidade do consórcio, podendo ser classificado como consórcio de objetivo singular, quando se almeja um único objetivo específico, ou como consórcio de objetivo plúrimo, quando os pactuantes indicam mais de um objetivo a ser perseguido. (Os objetivos específicos que devem orientar a atuação dos consórcios foram relacionados pelo artigo 3° do Decreto n° 6.017, tendo a Lei 11.107 silenciado a respeito do assunto. Embora esta relação, seja meramente exemplificativa, ou seja, não esgota todas as possibilidades de atividades para as quais os entes federativos consorciam-se, é fundamental conhecer aquelas previstas pelo ato regulamentador. São elas: gestão associada de serviços públicos; serviços de obras e bens; compartilhamento de instrumentos e equipamentos; produção de informações ou de estudos técnicos; instituição e funcionamento de escolas de governo e congêneres; promoção do uso racional dos recursos naturais e proteção do meio ambiente; gerenciamento de recursos hídricos; gestão e proteção de patrimônio urbanístico, paisagístico ou turístico comum; planejamento, gestão e administração da previdência social dos servidores; fornecimento de assistência técnica para o desenvolvimento rural e agrário; ações e políticas de desenvolvimento urbano, socioeconômico local e regional; e exercício de competências autorizadas ou delegadas.


II – A EXPERIÊNCIA BEM SUCEDIDA DOS MUNICÍPIOS DO ABC EM SE CONSORCIAR E O CONTEXTO POLÍTICO LOCAL

Desta forma, diante do avanço jurídico da regulamentação legal dos Consórcios, se criou mecanismos para reduzir as desigualdades regionais, para que os ‘vizinhos’ possam se ajudar, superando suas deficiências, agregando recursos e trabalho conjunto, exemplo bem sucedido é o do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, que nasceu como associação civil de direito privado e foi o primeiro consórcio público brasileiro a ter personalidade jurídica de Direito Público, tendo natureza autárquica e pode, portanto, organizar seus concursos públicos, executar de serviços e projetos isoladamente ou em conjunto com os municípios consorciados, realizar licitações compartilhadas, firmar convênios com os governos do Estado e Federal a fim de obter empréstimos para a execução de projetos e obras que trarão melhorias de infraestrutura e serviços às sete cidades do ABC paulista, tendo ainda as vantagens inerentes à Fazenda Pública, como prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer, obrigações não alimentares pagas por meio de precatórios e isenção de custas judiciais.

Regina Célia dos Reis [3] fez estudo explicando a vocação consorciada do Grande ABC e as questões históricas que trouxeram a região para este papel de pioneirismo no assunto de Consorcio Intermunicipal, no sentido de que a política regional no Grande ABC tem apresentado novos e significativos elementos para a reflexão sobre a ação política local compartilhada. O Grande ABC Paulista é uma região bastante importante, dada sua importância no cenário econômico nacional. Do ponto de vista político, uma região caracterizada pela experiência de organizações sociais, principalmente a partir dos movimentos grevistas que, no final da década de 70, deu origem ao Novo Sindicalismo. Objeto de vários estudos acadêmicos, o Grande ABC atraiu o interesse de muitos pesquisadores, estudos sociológicos destacaram as novas formas de organização operária criadas pelos trabalhadores, principalmente dos empregados nas grandes indústrias; o papel das lideranças operárias; os novos mecanismos de representação dos trabalhadores e suas formas de organização sindical; e, por fim, sobre a participação popular nas diversas formas de manifestação.

Cabe explicar, que se justificou a criação do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC em razão de que a Região do ABC Paulista é composta por sete municípios que somam um total de aproximadamente 2,5 milhões de habitantes (SEADE, 2004).

O Grande ABC foi um locus importante no nascimento da indústria no Brasil, a partir da década de 30 até a década de 50, tendo como pilar o eixo ferrroviário São Caetano do Sul/Santo André, passando posteriormente, nas décadas de 50 a 70, o eixo de desenvolvimento para São Bernardo do Campo e Diadema, a partir das rodovias Anchieta e Imigrantes, e o predomínio dos transportes Rodoviários.[4]

 Sendo esta uma região com importante presença da grande indústria automobilística e petroquímica. Além disso, é uma região nitidamente política, considerando-se a presença de sindicatos, meios de comunicação e entidades de sociedade civil, todos com significativa representatividade e uma preocupação que transborda os limites deste ou daquele município. Durante as décadas de 80 e 90, a região se defronta com uma considerável crise, culminando com um processo de desconcentração das indústrias no ABC, que migram para outras regiões dentro e fora do Estado de São Paulo, alinhado a um ambiente de falta de consciência coletiva, que não gera boas perspectivas para a região na década de 80. Porém, a partir da década de 90, cresce na região do Grande ABC paulista a consciência da necessidade da uma articulação regional, parcialmente explicada pela percepção que se tem da profundidade do impacto das transformações sobre a região e o tamanho da crise econômica. Essa conscientização impulsiona o surgimento de várias iniciativas de aproximação entre os atores regionais voltadas para a solução de problemas comuns e, mais particularmente, daqueles relacionados com o tema de desenvolvimento econômico regional. A região também começa a discutir, no final dos anos 80, a sua própria identidade.[5]

A partir então do início dos anos 90, é gerada uma consciência coletiva entre os atores políticos da região no sentido de que a melhor saída para resolver os problemas regionais, é não discutir as questões de forma fragmentada e sim de forma associativa.

A primeira iniciativa então foi criar o Consórcio Intermunicipal das Bacias do Alto Tamanduateí e Billings, mais conhecido como Consórcio Intermunicipal Grande ABC, uma sociedade civil de direito privado, formada pela associação dos sete municípios do Grande ABC, ou seja, Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, autorizada por leis municipais nos termos da Constituição Estadual e das respectivas Leis Orgânicas.[6]

E posterior a isso, a criação da Câmara do Grande ABC, que é um órgão informal com atividades dirigidas pelo Consórcio Intermunicipal, oriunda da citada iniciativa anterior, sendo esta um fórum intergovernamental de planejamento, formulação e implementação de políticas públicas, que reune as sete prefeituras do ABC, com foco no desenvolvimento sustentável da região, que nos anos 90 era afetada pela crise de suas atividades econômicas tradicionais e pelo crescimento do desemprego. A Câmara, da qual, o ex-prefeito de Santo André, Celso Daniel, foi um dos idealizadores e a principal liderança, caracteriza-se pela cooperação entre governo e sociedade civil, reunindo prefeitos, poder legislativo, governo do Estado e representantes de empresários, de trabalhadores e de outros segmentos da sociedade civil. A Câmara constituiu um desdobramento de iniciativa anterior, o Consórcio Intermunicipal das Bacias Billings e Tamanduateí, criado em dezembro de 1990 por sete prefeituras do ABC, sob a liderança da prefeitura de Santo André, tendo por objetivo inicial a formulação e implantação conjunta de um modelo de gestão de recursos hídricos para a região, com foco na destinação de resíduos sólidos. Como visto, a gestão de recursos hídricos constituía, desde então, uma prioridade para a região, boa parte situada em área de proteção de mananciais e ameaçada pela ocupação predatória dessas áreas, com prejuízo para a qualidade da água. A partir desse primeiro foco de cooperação, o Consórcio passou a incluir também a preocupação com o desenvolvimento da região, afetada pelo desemprego e pela desindustrialização.[7]

Celso Daniel [8] explicou a complexidade de reunir no mesmo contexto político, municípios com realidades comuns, parecidas, mas com interesses muitas vezes divergentes senão vejamos:

“Colocar em movimento tal multiplicidade de atores não é, reconhecidamente, uma tarefa fácil. É preciso ressaltar que, no caso do Grande ABC, isto vem sendo produto de um processo que não é comandado por um agente específico que assume, isoladamente, a liderança, mas sim resulta de esforços de várias origens que confluem no mesmo sentido: prefeitos (através do Consórcio Intermunicipal), governo estadual, vereadores (por meio das Câmaras Municipais), empresários, trabalhadores e associações comunitárias (em parte com base no Fórum da Cidadania, em parte através de uma representatividade social conquistada junto à comunidade). O fato óbvio de existirem lideranças e instituições mais atuantes do que outras, apenas confirma a consideração efetuada. Na medida em que agentes diferenciados - no nível do Estado e da sociedade - partem de suas próprias perspectivas específicas para produzir coletivamente algo novo, isto é, acordos voltados ao desenvolvimento regional, o que está em jogo na Câmara Regional é a criação de uma esfera democrática, simultaneamente pública e não estatal, espaço plural em que, de modo transparente, é estabelecido o debate público e são tomadas decisões consensuais. Esta é, portanto, uma primeira dimensão da Câmara como modelo específico de governança local.”

Conforme descrevem Lépore, Klink e Bresciani [9], a criação da Câmara Regional simbolizou o embrião de um novo modelo de ação coletiva no Brasil. O novo arranjo institucional evidenciou a maturidade dos atores locais na medida em que conseguiram avançar no processo de negociação de conflitos e na busca flexível e pragmática de soluções para os problemas que têm em comum. Apesar de divergências ideológicas e de interesses freqüentemente conflitantes, a nova instituição vem se enraizando num ambiente de confiança dentro de uma cultura inovadora de planejamento regional no ABC paulista.

Com esse clima e o constante aperfeiçoamento das instituições, embalado pela história de aproximação dos municípios, e com o intuito de se adequar a Lei nº 11.107 de 2005 foi criado o Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, na data de 08 de fevereiro de 2010, a entidade passou a ser o primeiro consórcio de direito público e natureza autárquica do país.

O referido órgão é mantido com as receitas oriundas dos municípios consorciados, por meio de contrato de rateio, de acordo com as receitas orçamentárias de cada um, existindo ainda os Grupos de Trabalho, que são os grupos internos que fazem o planejamento de ações regionais divididas em eixos de atuação, (Por exemplo, Infraestrutura, desenvolvimento econômico, segurança pública), e são formados por gestores públicos e técnicos nas áreas de atuação específica, suas ações entram em prática após aprovação da Assembléia Geral, que é constituída pelos prefeitos dos municípios consorciados, sendo que a representação de cada Município, ocorre na figura de seu prefeito municipal na Assembleia Geral. 

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III - CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto, conclui-se que Consórcio Intermunicipal do Grande ABC que nasceu da necessidade de preservação da represa Billings e dos mananciais e se instrumentalizou com o advento da Lei n.º 11.107/2005, hoje reflete a estratégia de considerar que problemas relacionados a municípios limítrofes, como mobilidade urbana, segurança pública, tratamento de lixo e até mesmo prevenção de enchentes deve ser discutido de forma ampla, pois atingem diretamente a toda a região, que vive sob os mesmos costumes, práticas e hábitos, sendo este, a possibilidade de um verdadeiro laboratório de políticas públicas compartilhadas em um sentido regional.

Tal órgão foi discutido e ensaiado durante muitos anos, em razão da necessidade da região do Grande ABC se consorciar motivados pelas realidades comuns dos municípios e cidadãos, de forma talvez impar, em todo Brasil.

Houve avanço legislativo com o advento da supracitada lei federal em reconhecer essa figura jurídica e principalmente avanço democrático em igualar a voz de menores, com menor renda e habitantes junto à cidades de grande vulto econômico e populacional.

Diante de tal espirito democrático e de aperfeiçoar instituições, fica a sugestão da luta que já ocorre no ABC, que se abra uma cadeira nos Consórcios para um membro do Poder Legislativo de uma das cidades consorciadas, a ser escolhido em Fórum Regional de Parlamentares, concedendo voz regional ao Poder Legislativo, de forma que também pensem em ações de forma integrada, e haja o aperfeiçoamento democrático de mais este importante instrumento. Entende-se, portanto, que a feliz e útil ideia do Consórcio, aproxima na forma da gestão, municípios que já são próximos fisicamente e que tem muito em comum. 


[1] CARVALHO FILHO, J. S. Consórcios Públicos (Lei n° 11.107 de 06.04.2005, e Decreto 6.017, de 17.01.2007). Rio             de Janeiro: Editora Lumens Juris, 2009.


[2] CHALOUB DIEGUEZ, Rodrigo. Consórcios Intermunicipais em foco: debate conceitual e construção de quadro                    metodológico para análise política e institucional. CADERNOS do DESENVOLVIMENTO, Rio de Janeiro, v. 6, n. 9, p.              291-319, jul.-dez. 2011

[3] REIS, Regina C. Articulação política regional: a experiência do Grande ABC (1990 – 2005). 2005, 261 p. Tese                      (Doutorado em Ciências Sociais) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo.


[4] DANIEL, Celso. Uma experiência de desenvolvimento econômico local: a Câmara Regional do Grande ABC. Santo              André, dez. 1999.


[5] Lépore, Wendell Cristiano, Jeroen Johannes Klink, and Luís Paulo Bresciani. "Câmara Regional do Grande ABC–                produção e reprodução do capital social na Região do Grande ABC Paulista." Revista Economia & Gestão 6.13                          (2008).


[6] In Articulação política regional: a experiência do Grande ABC (1990 – 2005). 2005.


[7] Farah, Marta Ferreira Santos. "O LEGADO DE CELSO DANIEL PARA A GESTÃO PÚBLICA." RAE-Revista de                Administração de Empresas 42.2 (2002): 110-114.


[8] In Uma experiência de desenvolvimento econômico local: a Câmara Regional do Grande ABC.


[9] In Câmara Regional do Grande ABC–produção e reprodução do capital social na Região do Grande ABC Paulista. 

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Sobre o autor
Fernando Rubinelli

Advogado, pós-graduado em Direito Processual Civil, foi Professor-Assistente de Direito Administrativo (2011-2012), Direitos Difusos e Coletivos (2013) e de Direito Processual Penal (2014) na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, foi Assessor Jurídico da Prefeitura Municipal de Diadema (2010-2012) e Assessor Jurídico Parlamentar na Câmara dos Deputados (2012-2015) e na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo - ALESP (2015), é Vereador (2017-2020), Membro da Comissão de Justiça da Câmara Municipal de Mauá.

Informações sobre o texto

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