Capitalização dos juros: uma análise da recente decisão do STF

09/02/2015 às 12:59
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Neste artigo realizamos uma abordagem acerca do tema da capitalização dos juros, maiormente à luz da recente decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nr. 592.377/RS.

1 - Breves considerações iniciais

            Este mês de fevereiro o Supremo Tribunal Federal decidira tema atinente à capitalização de juros, fato esse ocorrido no RE 592.377-RS. Esse julgamento tivera forte impacto no meio jurídico e, mais ainda, aos mutuários de empréstimos bancários.

            O tema central do julgado dizia respeito à possibilidade, ou não, da capitalização mensal dos juros. É dizer, a regra dos empréstimos onerosos é de permissão, tão só, de capitalização anual dos juros. São as diretrizes gerais contidas na Lei da Usura (Dec.-Lei nº. 22626/33) e igualmente no Código Civil (art. 591)

            Contudo, as instituições financeiras não estão submetidas às regras gerais supra-aludidas, uma vez que respondem às legislações especiais que tratam do tema. Afinal, atende-se ao princípio da especialidade das normas jurídicas (lex specialis derrogat lex generalis).

            Nesse passo, além de tantas outras normas que tratam da capitalização dos juros nos tratos financeiros bancários, há a norma que fora debate pelo STF, ora alvo de alguns comentários.

            No entanto, antes de adentrar no âmago do decisório proferido pelo STF, penso ser interessante tomarmos algumas considerações acerca do que sejam os juros capitalizados, maiormente sob o enfoque do que seja a capitalização anual e mensal.

1) Significado da expressão “juros capitalizados”

1.1. O significado da palavra “juros”

            “Grosso modo” teríamos dois sentidos: a remuneração pelo uso da coisa ou quantia pelo devedor; e o outro, no sentido de penalidade imposta a esse em face do atraso no cumprimento da obrigação.

            O conceito de juros não se apresenta na lei.

            Os juros provêm de convenção entre as partes ou determinados por lei. Esses são frutos civis do capital. Portanto, é uma obrigação acessória da principal. Tanto é assim, que da leitura do art. 323 do Código Civil colhemos que se presumem como pagos os juros com a quitação da obrigação principal. Dessa forma, os juros surgem quando do nascimento da dívida.

            A palavra juros ordinariamente é usada no plural, todavia pode ser utilizado no singular, “juro”.

1.2. O significado da palavra “capitalização” (capitalização de juros)

            Capital tem vários significados. Pode ser o principal ou parte de uma dívida, distinguindo-se dos juros; também como acepção de dinheiro ou equivalente à soma de bens, representando um patrimônio. Nesta exposição vamos debater unicamente no sentido de dinheiro.

            Mas então, o que seria a expressão “capitalizar os juros” ?

            Para melhor compreendermos essa expressão, conveniente que entendamos primeiro o que seja o sufixo gramatical “izar”.

            Esse sufixo “izar” é utilizado para formar verbos oriundos de substantivos e adjetivos. Com isso, os verbos passam a ter o sentido de “fazer” ou “tornar-se” do que se revela substantivo ou adjetivo.

            Vamos exemplificar:

            Humanizar = tornar humano; individualizar = tornar individual; capitalizar = tornar capital (os juros se tornam capital)

            Vejamos isso em uma conta aritmética:

            Sujeito A toma emprestado a quantia de R$ 100.000,00 do Banco B. O empréstimo foi convencionado para ser pago em 12 parcelas sucessivas e mensais, com juros remuneratórios, capitalizados mensalmente, à razão de 1%.

            1º mês – 1% x R$ 100.000,00(capital) = R$ 1.000,00(juros)

            2º mês-  1% x R$ 101.000,00(capital)= R$ 1.010,00(juros)

 ** Perceba que, no segundo mês, os juros do primeiro mês integraram o capital no segundo mês, ou seja, foi capitalizado. Desse modo, os juros do primeiro mês passaram a ser capital. Daí o sentido do sufixo “izar”, que, nesse caso, tornou o substantivo “juros” em capital.

2) Sob o enfoque do “princípio da especialidade”

            Como afirmado nas linhas iniciais, a controvérsia quanto à aplicação da Medida Provisória nº 2.170-36(art. 5º) às instituições financeiras se fundamenta sob a ótica da antinomia de regras ou conflito de normas. No dizer do jurista italiano Norberto Bobbio: “O critério cronológico, chamado também de lex posterior, é aquele com base no qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a norma posterior: lex posterior derogat priori. “

            O artigo 4º da Lei da Usura (Dec-Lei 22.626/33) disciplina que não é permitida a capitalização de juros em período inferior a um ano, como demonstrado no exemplo acima. Como se percebe, referido Decreto é tido como norma infraconstitucional.

            Não obstante, a Medida Provisória é tida com força de lei federal (CF, art. 62, caput), da mesma hierarquia da Lei da Usura. Aquela norma é de 23 de agosto de 2001, assim sendo posterior à promulgação da Lei da Usura. Nesse compasso, aquela derroga essa no ponto específico da capitalização dos juros. (art. 5º da MP X art. 4º da Lei da Usura)

            Assim sendo, prevaleceu o entendimento de que as Leis federais posteriores, que tratam do tema de capitalização de juros, derrogam a Lei da Usura, nesse enfoque específico.

3) Outras considerações em relação ao tema

3.1. Necessidade de ajuste expresso quanto à capitalização dos juros

            Se analisarmos atentamente a cabeça do art. 5º da Medida Provisória em comento, percebemos que há semelhança quanto o que restou definido na Súmula 93 do STJ. Entende essa Casa que há uma flexibilização para as partes pactuarem a capitalização de juros no empréstimo. Vejamos, a propósito, o conteúdo da mencionada Súmula:

“A legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros.”

            Destarte, para que seja legal a cobrança de capitalização de juros, é preciso ajuste expresso das partes nesse tocante.

            Como afirmado, isso é claramente externado na MP em espécie.

            Ademais, outras normas de trato de empréstimo bancário identicamente traz o mesmo registro quanto à capitalização dos juros: Dec-Lei nº 167/67, art. 5º (Cédula de Crédito Rural), Dec-Lei nº. 413/59, art. 5º (Cédula de Crédito Industrial),  Lei nº. 6.840/80, art. 14, inc. VI (Cédula de Crédito Comercial) etc.

            Portanto, inexistindo pacto expresso, a cobrança de juros capitalizados em período inferior a um ano é tida por ilegal.

            Cumpre destacar o Superior Tribunal de Justiça, lamentavelmente, consagrou o entendimento de que a taxa mensal contratada, multiplicada por doze, superando a taxa anual pactuada, resultará na conclusão de que foram pactuados juros capitalizados mensalmente. Sendo esse entendimento seria permitida a cobrança de juros capitalizados em periodicidade mensal, desde que expressamente pactuada, o que ocorreria quando a taxa anual de juros ultrapassar o duodécuplo da taxa mensal. Como se verifica, é algo como que subtendido.

            Na conformidade do entendimento do STJ podemos assim exemplificar o raciocínio:

Taxa mensal contratada = 5,50% x 12 meses (anual linear) = 66,00%

Taxa anual convencionada para o mesmo empréstimo = 90,12%

            Por conta dessa diferença no resultado haveria uma presunção de pacto de cobrança juros capitalizados, uma vez que o duodécuplo (doze vezes maior) da taxa de juros mensal supera o resultado da taxa anual.

            No entanto, vale consignar nosso posicionamento de que, nessas hipóteses, impera uma relação de consumo. Por esse norte, tal conduta fere de morte o princípio da boa fé objetiva prevista no Código de Defesa do Consumidor. É dizer, resta comprometido o dever de informação ao consumidor no âmbito contratual, maiormente à luz dos ditames dos artigos 4º, 6º, 31, 46 e 54 do CDC.

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            Os juros, sobretudo nos contratos bancários, são incompreensíveis à quase totalidades dos consumidores. Representa que o CDC reclama, por meio de cláusulas, a prestação de informações detalhadas, precisas, corretas e ostensivas.

            Assim, cláusulas com acerto implícito não pode – ao menos não deveriam – ser admitidas, maiormente quando fere regras em sentido contrário previstas na Legislação Consumerista.

3.2. Capitalização anual dos juros

            Em regra, nos contratos de mútuos financeiros onerosos, não pode haver cobrança de juros capitalizados com periodicidade inferior à anual; salvo, como dito, as exceções previstas em Lei. 

            A capitalização anual de juros é admitida, como disciplina o artigo 4º do Dec-Lei nº. 22.626/33 (Lei da Usura). A propósito, esta é a mesmíssima diretriz fixada no Código Civil, como se percebe da leitura do artigo 591.

            Mas, na prática, como seria a capitalização anual de juros ?

            Determina o artigo 4º do Dec.-Lei nº. 22.626/33 que é permitida a “acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano.“  Isso é o mesmo que capitalização anual dos juros.

            Podemos concluir que, por exemplo, os juros poderão ser cobrados mês a mês (ou, bimestre a bimestre; semestre a semestre, etc.). No entanto, esses devem ser separados em uma conta a parte da destinada ao capital para, ao final de um ano, serem incorporados a esse.

            Mais uma vez vamos exemplificar com uma conta aritmética.

            Em um empréstimo de R$ 100.000,00(o capital) com emprego de juros mensais remuneratórios de 1%, por período um de 24 meses, teríamos a seguinte conta:

( 1º mês ) R$ 100.000,00 x 1% = R$ 1.000,00 (somatório a parte dos juros = R$ 1.000,00)

( 2º mês ) R$ 100.000,00 x 1% = R$ 1.000,00 (somatório a parte dos juros = R$ 2.000,00)

( 3º mês ) R$ 100.000,00 x 1% = R$ 1.000,00 (somatório a parte dos juros = R$ 3.000,00)

[ . . . ]

            Ao final de doze meses teríamos:

( 12º mês ) R$ 100.000,00 x 1% = R$ 1.000,00 (somatório a parte dos juros = R$ 12.000,00)

            Perceba que até aqui, ou seja, no décimo segundo mês, os juros não foram incorporados ao capital (capitalização); ficaram em uma conta separada.

            Nessa última etapa, isso é, completado um ano de cobrança de juros (de forma simples), a soma anual desses juros(R$ 12.000,00) será agregada ao capital inicial emprestado(R$ 100.000,00).

            No segundo ano do empréstimo (veja que o pacto foi de 24 meses), o capital já não mais será R$ 100.000,00, mas sim R$ 112.000,00, uma vez que a soma dos juros cobrados foram incorporados ao capital inicial. Portanto, no segundo ano da dívida, a taxa de juros incidirá, por mais um ano, sobre a quantia de R$ 112.000,00, que agora representará o capital.

4. A questão dos juros capitalizados enfrentada pelo STF

            Acreditamos que, ante as linhas anteriores, ficou mais fácil compreender as diferenças existentes entre juros capitalizados mensalmente e anualmente.

           

            A regra apreciada pelo STF enfrenta justamente essa questão: é permitida a capitalização de juros por período inferior a um ano? Enfim, enfocou-se incisivamente à regra contida no caput art. 5º da já referida Medida Provisória.

            Da análise do julgado, podemos trazer à tona algumas nuances que tem trazido dubiedade de entendimentos.

            O mais importante a revelar é que, ao contrário do que muito tem se visto na mídia, a decisão do STF não enfrentou o tema de fundo, ou seja, a capitalização mensal de juros.  Na verdade essa questão é alvo de apreciação – ainda não julgado – na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.316/DF, na ocasião proposta pelo Partido Liberal.

           

            Não se deve olvidar o que restou consignado na decisão proferida pelo STF, maiormente nas seguintes passagens do voto do Ministro Marco Aurélio(relator do recurso): “De acordo com a decisão atacada, na edição da norma precária, não foram observados os requisitos de relevância e urgência do artigo 62 da Carta da República. “ (destaques nossos)

            Com efeito, a passagem acima, em síntese, reafirma que a decisão atacada se cingiu ao tema da não observância dos requisitos do art. 62 da Constituição Federal. É dizer, esse foi o tema prequestionado; foi a inobservância dos requisitos da norma constitucional quanto à edição da MP sem a necessária obediência à urgência e relevância.

            Mais a frente, referindo-se à capitalização de juros, encontramos identicamente o seguinte trecho: “Quanto ao tema de fundo, a matéria está sendo examinada na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 2.316/DF. “ (negritamos)

            Embora tenha sido esse o voto vencido, foi esse, de fato, o tema único analisado pela Turma.

            Conclui-se que a vertente da periodicidade da capitalização de juros, no âmbito do STF, ainda reclama apreciação e julgamento. Assim, não se deve mais argumentar a questão da desobediência dos requisitos da urgência e relevância quando da edição da MP em comento. Até porque a decisão se encontra decidida com resultados de repercussão geral. Outras vertentes de defesa quanto à periodicidade da capitalização obviamente podem, e devem, ser debatidos em juízo.

Sobre o autor
Alberto Bezerra de Souza

Professor de cursos de prática jurídica civil, penal e trabalhista. Palestrante. Articulista. Autor de livros de direito. Pós-graduado em Direito Empresarial pela PUC/SP. Advogado há mais de 25 anos.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Autor do livro Prática Forense Bancária

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