Breve análise do sistema carcerário brasileiro e sistema de penas

10/02/2015 às 11:31
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Originalmente as prisões foram criadas como alternativas mais humanas aos castigos corporais e à pena de morte. Já, num segundo momento, estas deveriam atender as necessidades sociais de punição e proteção enquanto promovessem a reeducação dos infratores.

Originalmente as prisões foram criadas como alternativas mais humanas aos castigos corporais e à pena de morte. Já, num segundo momento, estas deveriam atender as necessidades sociais de punição e proteção enquanto promovessem a reeducação dos infratores. Mas sabemos que tem sido utilizadas para servir a propósitos muito diferentes daqueles originalmente visados. 
Segundo dados oficiais (CNJ/DPN), o Brasil tinha 422.373 presos, numero que subiu 6,8% (451.219) em 2008 e 4,9% (473.626) em 2009. Atualmente, o país conta com quase 500 mil presos – seguindo esse ritmo, estima-se que em uma década dobre a população carcerária brasileira. O Brasil é a terceira maior população carcerária do mundo, só fica atrás dos Estados Unidos (2,3 milhões de presos) e da China (1,7 milhões de presos). 
Dos quase 500 mil presos, 56% já foram condenados e estão cumprindo pena e 44% são presos provisórios que aguardam o julgamento de seus processos; A capacidade prisional é de cerca de 320 mil presos. Assim, o déficit no sistema prisional gira

em torno de 180 mil vagas; Há cerca de 500 mil mandados de prisão já expedidos pela justiça que não foram cumpridos; Cerca de 10 mil pessoas são detidas mensalmente; O índice de punição de crimes é inferior a 10%. Isso mostra que se a polícia fosse mais eficiente, o poder público não teria onde colocar tantos presos e a superlotação seria maior; Quase 60 mil pessoas se encontram encarceradas em delegacias, pois as penitenciarias e cadeiões não comportam e não dispõem de infra-estrutura adequada; A construção de novas prisões custa, em média, cerca de R$ 25.000 por vaga; Em termos de manutenção das vagas existentes, cada preso custa, em média, cerca de R$ 1.500 por mês aos cofres públicos. É muito dinheiro, mas e daí?
A população carcerária brasileira compõe se de 93,4% de homens e 6,6% de mulheres. Em geral, são de jovens com idade entre 18 e 29 anos, afrodescendente, com baixa escolaridade, sem profissão definida, baixa renda, muitos filhos e mãe solteira (no caso das mulheres). Em geral, praticam mais crimes contra o patrimônio (70%) e tráfico de entorpecentes (22%); A média das penas é de 4 anos.
As prisões no Brasil, segundo o relatório da ONG Human Rights Watch (sobre violações dos direitos humanos no mundo) estão em condições desumanas, são locais de tortura (física e psicológica), violência, superlotação. Vive-se uma situação de pré-civilização no sistema

carcerário. Constata-se péssimas condições sanitárias (v.g. um chuveiro e um vaso sanitário para vários detentos) e de ventilação; colchões espalhados pelo chão (obrigando os detentos a se revezarem na hora de dormir); superpopulação (falta de vagas, inclusive em unidades provisórias); má alimentação; abandono material e intelectual; proliferação de doenças nas celas; maus tratos; ociosidade; assistência médica precária; pouca oferta de trabalho; analfabetismo; mulheres juntas com homens, já que a oferta de vagas para mulheres é muito baixa; homens presos em conteiners; há desproporcionalidade na aplicação de penas; mantém se prisões cautelares sem motivação adequada e por mais tempo do que o previsto; falta Defensória Pública eficaz, pois muitos presos que já poderiam estar soltos continuam presos, já que não têm dinheiro para contratar um bom advogado; contudo, quando se observa a realidade das mulheres em estabelecimentos prisionais, as dificuldades são ainda maiores, pois o Estado não respeita as especificadas femininas, como por exemplo, a falta de assistência médica durante a gestação, de acomodações destinadas à amamentação e na quase ausência berçários e creches. 
Segundo Cezar Roberto Bitencourt, eminente penalista, as deficiências apresentadas nas prisões são muitas:
a) maus tratos verbais ou de fato (castigos sádicos, crueldade injustificadas,

etc.); b) superlotação carcerária (a população excessiva reduz a privacidade do recluso, facilita os abusos sexuais e de condutas erradas); c) falta de higiene (grande quantidade de insetos e parasitas, sujeiras nas celas, corredores); d) condições deficientes de trabalho (que pode significar uma inaceitável exploração do recluso); e) deficiência dos serviços médicos ou completa inexistência; f) assistência psiquiátrica deficiente ou abusiva (dependendo do delinquente, consegue-se comprar esse tipo de serviço para utilizar em favor da sua pena); g) regime falimentar deficiente; g) elevado índice de consumo de drogas (muitas vezes originado pela venalidade e corrupção de alguns funcionários penitenciários ou policiais, que permitem o trafico ilegal de drogas); i) ambiente propicio a violência (que impera a lei do mais forte ou com mais poder, constrangendo os demais reclusos). 
Segundo dados do InfoPen, um único médico é responsável por 646 presos; cada advogado público é responsável por 1.118 detentos; cada dentista, por 1.368 presos; e cada enfermeiro, por 1.292 presos. Todavia, a Resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária determina que para cada grupo de 500 presos exista um médico, um enfermeiro, um dentista e um advogado. O descumprimento da lei não está apenas na assistência dos presos. Segundo a legislação cada detento deveria ter cela

individual e área mínima de 6 metros quadrados. Mas a realidade é outra, pois nos cárceres há um verdadeiro amontoamento de presos, depósitos humanos, onde ficam apenas contidos, segredados.
No Brasil, a (alta) taxa de reincidência criminal, se situa em torno de 70% (ante 16% na Europa). Como não há reeducação (aprimoramento humano e profissional), quando voltam ao convívio social, geralmente se enveredam novamente para o crime. Se torna um ciclo, pois quanto mais gente se prende, mas potenciais presos se está formando, mas com o diferencial de que a cadeia o “aprimorou” para o crime (escolas do crime). Assim, quando o preso sai da cadeia, vamos nos deparar com alguém mais perigoso, embrutecido e, obviamente, sem nenhuma condição de acesso ao mercado de trabalho. O estigma de cometer um delito acompanha o ex-detento por toda a vida e geralmente chega ao ouvido dos futuros patrões, inviabilizando a possibilidade de trabalho. A falta de oportunidades reserva basicamente uma única opção ao ex-presidiário: voltar a infringir a lei quando retorna ao convívio social. É como se a sociedade o empurrasse novamente para o mundo do crime. Há um preconceito de toda a sociedade. Isso tudo, sem dúvida, torna muito pouco provável a reabilitação. Triste realidade. Todavia, é preciso oferecer perspectiva de futuro ao preso, caso contrário, as penitenciárias vão seguir inchada de reincidentes.

Apesar de ser uma exigência para a ressocialização, as atividades laborais e os cursos profissionalizantes, estão longe de ser uma realidade. Estudos mostram que aproximadamente 76% dos presos ficam ociosos. Em todo país, apenas 17% dos presos estudam na prisão – participam de atividades educacionais de alfabetização, ensino fundamental, ensino médio e supletivo. Todavia, trabalhar ou estudar na prisão diminui as chances de reincidência em até 40%. Dar um tratamento digno ao preso, propiciando-lhe trabalho e educação, além da inserção no mercado de trabalho, é uma forma de combater o crime. Por isso, as empresas e o governo precisam incentivar a criação de oportunidades de trabalho e cursos de capacitação profissional para presos e egressos do sistema carcerário, de modo a concretizar ações de cidadania, promover a ressocialização e consequente redução da reincidência.
Por conta deste quadro polêmico que atinge todos os estados brasileiros, para enfrentá-lo, o Conselho Nacional de Justiça apresentou algumas soluções: promoveu mutirões, passou a estimular os juízes criminais a reduzirem os números das prisões provisórias, a aplicarem penas alternativas e permitirem o monitoramento eletrônico de presos. No entanto, apesar dos sucessivos esforços e avanços, os resultados dessas iniciativas ficaram abaixo das expectativas. É dizer, o sistemaprisional continua em crise. Mas não é só. O mais grave é que este problema só tende a se agravar.

Sem embargo, há um consenso entre os estudiosos de que: é preciso evitar que as pessoas precisem ir à cadeia. Uma solução adotada em alguns países, como no Reino Unido (que representa um dos menores índices de presos no mundo), por exemplo, é reservar as prisões somente para os criminosos considerados perigosos que oferecem risco à sociedade, como o homicida ou quem comete crime sexual, ampliando, assim, a utilização de penas e medidas alternativas (à prisão), com acompanhamento (e fiscalização) dos condenados pelo Estado e sociedade. Com certeza, as possibilidades de recuperação de quem cometeu um delito considerado leve ou médio são comprovadamente muito maiores quando o condenado não cumpre sua pena em regime fechado. Além disso, as chances de a pessoa reincidir são menores – em torno de 12%. Outro fator positivo é que, embora a aplicação de penas e medidas alternativas, de acordo com a legislação vigente, não represente um esvaziamento imediato dos presídios, impede o agravamento da superpopulação carcerária. Sob um ponto de vista econômico, o governo gasta mais de US$ 1,5 bilhão por ano para manter a população carcerária, sendo que o custo mensal da manutenção do preso com uma pena alternativa gira em torno de R$ 70 por mês. 
Sabemos que no país já existe esforço

para aplicar e conscientizar sobre a importância e necessidade das penas alternativas, mas, ainda assim, continuam sendo a exceção. Os crimes de menor gravidade, inclusive contra o patrimônio, são punidos com prisão, havendo grande mistura entre os detentos. Com isso, as penitenciárias se tornam as verdadeiras escolas do crime. Na verdade, quando os juízes justificam a não substituição em nome do temor, gravidade do delito, risco à sociedade, etc. estão demonstrando a falta de estrutura do Judiciário (do Estado como um todo) na fiscalização do cumprimento das penas alternativas. Sem dúvida é mais cômodo e barato pagar um carcereiro para cuidar de um cadeado do que investir nas centrais de atendimento, na capacitação de funcionários e no exercício da cidadania. Como construir e manter cadeia não dá voto e prestígio aos governantes, eles não estão nem aí com a desgraça prisional.
A aplicação da pena alternativa deve ser a regra. A prisão deve ficar no lugar que lhe cabe: o de exceção. Não adianta insistir no erro, ou seja, acreditar que sanções mais rigorosas, menos benefícios, ampliação do número de vagas prisionais, resolverá o problema. É exatamente isso que está levando o sistema prisional ao colapso, a falência total, a uma verdadeira bomba-relógio prestes a explodir. Pois há muito se chegou à conclusão de que o problema da prisão é a própria prisão.
Desde o

principio do século XVIII as prisões são veemente criticadas, denunciando que a prisão foi “o grande fracasso da justiça penal”, por uma série de defeitos, entre eles, segundo Foucault: a) as prisões não diminuem a taxa de criminalidade; b) provocam a reincidência; c) não podem deixar de fabricar delinquentes, mesmo porque lhe são inerentes o arbítrio, a corrupção, o medo, a incapacidade dos vigilantes e a exploração (dentro dela nascem e se desenvolvem as carreiras criminais); d) favorecem a organização de um meio de delinquentes, solidários entre si, hierarquizados, prontos para todas as cumplicidades futuras; e) as condições dadas aos detentos libertados condenam-os fatalmente à reincidência; f) a prisão fabrica indiretamente delinquentes, ao fazer cair na miséria à família do detento. 
No início da década de 70, se colocaram sérias críticas à perspectiva retributiva e em relação à eficácia das instituições totais, em especial ao cárcere (e seu sustento operativo: “ideologia do tratamento ressocializador”, assente na crença do potencial regenerador de todo o ser humano) e ao tratamento através da pena privativa de liberdade. Adveio, então, por parte da doutrina, duas propostas político criminais: de um lado, um setor advogou na defesa do regresso às teses retributivas e na aplicação de doutrinas “just deserts” (recebimento da punição merecida), com o

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inevitável endurecimento das penas/punição, de outro lado, propôs-se uma mudança de orientação nas políticas penais, numa direção à alternativas ao cárcere (devendo ser a prisão somente estipulada para os criminosos de alta periculosidade e que tenham praticado reiteradas condutas – cárcere como última cartada), bem como ao desenvolvimento da perspectiva vitimológica, orientada à reparação dos danos causados às vítimas e a reconciliação do infrator com a vítima e com a sociedade, onde se insere, por exemplo, a justiça restaurativa.
Sem embargo, hoje em dia, uns são adeptos do Direito Penal Máximo, vêem na pena de prisão a solução para o problema do crime. De outra banda, temos o grupo do Direito Penal Mínimo, cujos componentes entendem que a cadeia deve servir somente para aqueles que cometem crimes de extrema gravidade, sendo a liberdade a regra, admitindo-se excepcionalmente o cerceamento da liberdade individual. Podemos ainda acrescer que, dentro desse universo, existem opiniões extremadas para ambos os lados, tal qual o grupo dos abolicionistas, os quais gostariam de ver a sociedade livre do Direito Penal, ou então os adeptos do Direito Penal do Terror, simpáticos à pena de morte, regime disciplinar diferenciado e à prisão perpétua, onde “bandido bom é bandido morto” ou então “este deve apodrecer na cadeia”. Como se situar dentro desse contexto? Como as opiniões extremadas não são as soluções, é melhor continuar com o Direito Penal. Todavia, cremos que, apesar dos dois sistemas terem suas virtudes e imperfeições, o Direito Penal Mínimo é a melhor solução, pelo menos a curto e médio prazo. A prisão, conseqüência por excelência dos sistemas penais, só deve se voltar para casos excepcionais, crimes mais graves e intoleráveis, não solucionáveis por via distinta e o direito penal precisa se restringir e justificar ao máximo sua intervenção. 

Criminólogos contemporâneos há muito apontam a exclusão sócio-econômica como uma das fontes da criminalidade (será que fica evidente que no Brasil há uma justiça para ricos e outra para pobres?). A revolta contra a exclusão é o desejo de ser incluído. Assim, a resposta eficaz para o problema da criminalidade é a democracia real, porque nenhuma política criminal substitui políticas públicas de emprego, salário digno, moradia, saúde, lazer, escolarização etc. No dizer de Radbruch “não temos que fazer um direito penal melhor, mas sim algo melhor do que o direito penal.” 
Todavia, diante da realidade em que se apresenta – e sabedores de que a democracia real está longe de ser alcançada -, devemos buscar alternativas que possam, ao menos, amenizar o problema da criminalidade. Mas para isso devemos parar de ser hipócritas e admitirmos o fracasso da pena de prisão e a falácia do atual sistema.

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Sobre o autor
Jonnaelvis Silva

Graduando em Direito na Universidade Federal do Piauí

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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