Algumas inovações do ECA
Tem-se que o fim condutor do ECA gira em torno da doutrina da proteção integral que enuncia direitos que devem ser garantidos prioritariamente às crianças e aos adolescentes visando garantir o pleno desenvolvimentos desses. A doutrina influenciará todos os outros institutos disciplinados pelo Estatuto. Esse é o ponto a ser demarcado: a revolução proposta pelo ECA estabelece em um mesmo plano crianças e adolescentes enquanto pessoas humanas dotadas de dignidade.
Comumente, quando da elaboração de uma nova lei, discuti-se em que medida o novo diploma legal alterará o anterior. Se é certo que há alterações com a criação e a incorporação de novos institutos, não é menos certo que tais alterações, muitas vezes, representam atualizações que incorporam antigos institutos jurídicos, agora atualizados e adaptados, em tese, a uma nova realidade social. Desde há pouco, tem-se a vigência de um novo estatuto civil que, certamente, pretendeu a atualização do antigo código aos desafios impostos pelas extremas mudanças dos últimos 86 anos. Para realizar tal intento, é correto afirmar que o Código Civil de 1916 serviu – além de fonte de inspiração – de parâmetro e de fonte para o novo código. Dentre outros, a lógica interna inerente à disciplina civil que a singulariza, os institutos jurídicos que o definem foram apropriados pelo legislador contemporâneo, servindo de ponto inicial para a análise de valor acerca da necessidade e dos efeitos de sua utilização. A constatação é que o legislador contemporâneo partiu de algo dado: o Código Civil de 1916 (até pela disposição estrutural isso pode ser evidenciado). Esse processo ocorreu com o ECA se comparado ao Código de Menores de 79?
A pergunta não é tão simples. Acima distinguiu-se o traço principal que diferencia o ECA do Código de Menores de 79, isto é, a substituição da doutrina da situação irregular pela doutrina da proteção integral. Como visto, não se trata de mera substituição. A lógica jurídica de ambos diplomas legais apresenta diferenças capazes de identificar dois direitos: o direito do menor (Código de Menores) e o direito da criança (ECA). O primeiro, fulcrado na doutrina da situação irregular, não atingia todos os menores mas apenas aqueles que se identificassem às situações descritas no art. 2º do Código de Menores.
Ao contrário, o ECA enunciou direitos, gerando a possibilidade de exigibilidade de tais direito, situação que elevou a sua abrangência a todas as crianças. Tem-se que o ECA não poderia ter absorvido a lógica-jurídica apresentada no Código de Menores pela razão de que os dois diplomas legais condicionavam as suas respectivas estruturas legais diferentemente. Contudo, inúmeros institutos jurídicos constantes do Código de Menores foram absorvidos e aperfeiçoados pelo ECA. São exemplos desses institutos: a internação de adolescentes infratores [63], a colocação em família substituta [64] e as medidas de vigilância/Política de Atendimento e Fiscalização das Entidades [65].
Desse modo, as importantes alterações introduzidas pelo ECA são construídas, também, a partir das atualizações de antigos institutos jurídicos adaptados à nova realidade social inaugurada e requerida pela doutrina da proteção integral.
Diferentemente, há institutos jurídicos previstos no ECA que se constituem em inovação na medida em que não são encontrados nos Códigos de Menores de 27 e 79. Parecem ter sido criados ante a inexistência e insuficiência de institutos jurídicos previstos nas legislações anteriores que contribuíssem para a correção do modelo voltado ao menor até então vigente e atendessem as finalidades de proteção integral de crianças e adolescentes.
São exemplos desses novos institutos jurídicos previstos no ECA: a municipalização e a descentralização da política dirigida às crianças e aos adolescentes bem como a criação de conselhos [66] e as garantias processuais do adolescente submetido ao procedimento de apuração de ato infracional [67].
Notas
1. SANTOS, Marco Antonio Cabral dos. Criança e criminalidade no início do século. In: História das Crianças no Brasil. Mary Del Priore (org.). 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2000, Pg. 211.
2. Op. Cit., p.156 in Álbum das meninas, revista literária e educativa dedicada às jovens brasileiras – propriedade Anália Emilia Franco – Anno 1, São Paulo, 31 de out. 1898, n. 7.
3. Op. Cit., p. 212.
4. Op. Cit., p. 212.
5. Op. Cit., p. 213.
6. Op. Cit., p. 214.
7. Op. Cit., p. 215.
8. Martha Abreu observa que esse discurso moralista era de cunho estritamente elitista, tendo o direito servido para legitimar essa nova moralidade. Um exemplo disso, verifica-se no tratamento da questão de moças defloradas. O julgamento dos juristas, em casos como esses, estava associado a um padrão econômico da moça: assim, "as moças defloradas, na totalidade representantes de setores populares, eram vistas e tratadas como mulheres pela grande parte dos juristas e, também, pelos seus próprios pares" (Meninas Perdidas. In: História das Crianças no Brasil. Mary Del Priore (org.). 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2000, Pg. 290).
A professora Liliane Novaes acentua o caráter moral presente no discurso empresarial: "Nos discursos empresariais dos anos 20 percebia-se que a preocupação com a vida privada, com a esfera familiar do trabalhador, se dirigia muito mais ao controle dos seus ‘instintos animais’ e hábitos insalubres fora do trabalho do que a sua condição e de sua família como pessoas (do gênero humano)." (Tese de Mestrado sobre o Trabalho Infantil apresentada junto ao Dep. Serviço social, UFMT, p. 4).
9. Esmeralda Moura comenta que: "Em 1890, segundo a repartição de Estatística e Arquivo do Estado, os menores representavam aproximadamente um quarto da mão-de-obra empregada nesse setor na capital". (Crianças operárias na recém-industrializada São Paulo. In: História das Crianças no Brasil. Mary Del Priore (org.). 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2000, Pg. 265).
10. MOURA, Esmeralda. Crianças operárias na recém-industrializada São Paulo. In: História das Crianças no Brasil. Mary Del Priore (org.). 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2000, p. 266.
11. Marco Santos afirma que: "Freqüentemente, esses menores transitavam entre atividades lícitas e ilícitas, servindo de mão-de-obra em pequenos serviços, e na falta desses, entregando-se à prática de pequenos furtos e roubos, acobertando-se no intenso fluxo de transeuntes nas calçadas paulistanas". Criança e criminalidade no início do século. In: História das Crianças no Brasil. Mary Del Priore (org.). 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2000, Pg. 219.
12. Candido Mota. A justiça criminal (1895). São Paulo: Imp. Oficial, 1895. Citado em "Criança e criminalidade no início do século". In: História das Crianças no Brasil. Mary Del Priore (org.). 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2000, Pg. 219.
13. A criação pelo governo de uma instituição pública de recolhimento que visasse corrigir os menores que praticavam atos ilícitos seria a solução para os jovens delinquentes (p. 223); seria uma forma também de proteger a infância já que evitaria que os menores fossem colocados nas mesmas celas que adultos criminosos (espécie de castigo informal) (p. 223).
14. SANTOS, Marco. Criança e criminalidade no início do século. In: História das Crianças no Brasil. Mary Del Priore (org.). 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2000, p. 222.
15. SANTOS, Marco. Criança e criminalidade no início do século. In: História das Crianças no Brasil. Mary Del Priore (org.). 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2000, p. 225.
16. RIZZINI, Irma. Pequenos trabalhadores do Brasil. In: História das Crianças no Brasil. Mary Del Priore (org.). 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2000, p. 378
17. Op. cit., p 380
18. Tese de Mestrado apresentado pela Prof. Liliane Capilé sobre o Trabalho Infantil apresentada junto ao Dep. Serviço social, UFMT, p. 4.
19. SILVA, Roberto da. Direito do Menor X Direito da Criança. Retirado do site www.direitoejustiça.com em 15 de setembro de 2002.
20. SILVA, Roberto da. Direito do Menor X Direito da Criança. Retirado do site www.direitoejustiça.com em 15 de setembro de 2002.
21. PASSETTI, Edson. Crianças carentes e políticas públicas. In: História das Crianças no Brasil. Mary Del Priore (org.). 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2000, p. 348.
22. Tese de Mestrado apresentado pela Prof. Liliane Capilé sobre o Trabalho Infantil apresentada junto ao Dep. Serviço social, UFMT.
23. Tese de Mestrado apresentado pela Prof. Liliane Capilé sobre o Trabalho Infantil apresentada junto ao Dep. Serviço social, UFMT.
24. Tese de Mestrado apresentado pela Prof. Liliane Capilé sobre o Trabalho Infantil apresentada junto ao Dep. Serviço social, UFMT.
25. Após apontar que a FUNABEM fora criada dentro do espírito da Doutrina da Segurança Nacional, norteadora das ações dos governos militares, cuja formulação teórica fora estabelecida na Escola Superior de Guerra, Roberto da Silva, op. cit., aponta que "a Funabem propunha-se a resolver um problema nacional, pois nas palavras de seu primeiro presidente, o médico Mário Altefender, ‘cada vez mais se acentuava a necessidade da elaboração de uma nova política, cuja execução fosse entregue a um órgão federal, fazendo desaparecer a idéia de que cada um pode resolver seus problemas locais, estanques, quase pessoais, sem pensar na Nação, como que ignorando a existência de 22 Estados e territórios e que tudo se chama Brasil’ (In: Anais da X Semana de Estudos do Problema do Menor, São Paulo, 1971:476."
26. "A FUNABEM (Fundação Nacional para o Bem Estar do Menor), veio substituir o SAM com a proposta de ser apenas uma formuladora de políticas para a assistência ao menor, mas um sistema estadual de atendimento foi se desenvolvendo tendo seus internatos para os "infratores" e para os "carentes", nacionalmente conhecidos como FEBEMs." Tese de Mestrado apresentado pela Prof. Liliane Capilé sobre o Trabalho Infantil apresentada junto ao Dep. Serviço social, UFMT.
27. SILVA, Roberto da. Direito do Menor X Direito da Criança. Retirado do site www.direitoejustiça.com em 15 de setembro de 2002.
28. SILVA, Roberto da. Direito do Menor X Direito da Criança. Retirado do site www.direitoejustiça.com em 15 de setembro de 2002.
29. Roberto da Silva, op. cit., atribui à doutrina da segurança nacional a instituição do sistema de internação de carentes e abandonados até os 18 anos e o tratamento dos infratores sob a ótica da "política dos muros retentores", ao invés da "política dos portões abertos". Além disso, as unidades de internação deveriam contar com "inspetores de alunos, monitores ou atendentes jovens e vigorosos (com um mínimo de escolaridade), a presença de guarda permanente (reedição do sistema penitenciário), correlacionamento policial perfeito (o mesmo tratamento para menores e adultos), que houvesse compreensão política (para justificar a necessidade de isolamento das instituições totais) e, sobretudo, confiança social (para que não houvesse ingerência no que acontecia dentro dos muros das instituições)."
30. Tese de Mestrado apresentado pela Prof. Liliane Capilé sobre o Trabalho Infantil apresentada junto ao Dep. Serviço social, UFMT.
31. Roberto da Silva, op. cit., explica que "as alterações promovidas no Código de 27 ao longo dos anos, particularmente pelas leis n.º 4.655/65, 5.258/67 e 4.439/68, foram todas no sentido de especificar a natureza do tratamento necessário ao ‘menor infrator’, distinguindo-o do órfão e do abandonado, ainda que todos fossem caracterizados como em "situação irregular’".
32. Roberto da Silva, op. cit., citando Mário Altefender: "o problema do menor, diretamente ligado ao problema da família, tendo como agravantes fatores que todos nós conhecemos [...] como a explosão demográfica, o problema da saúde, a deficiente alimentação, a migração, o subemprego, a falta de religião, o desrespeito à autoridade, a ignorância da pátria, o problema do menor não pode ser solucionado com a idéia ingênua de construir abrigos. Infelizmente ainda se percebe no Brasil a influência dessa detestável política. Questões como mendicância, abandono de menores, delinqüência, ainda são tomados como existentes porque os Juizes de Menores e a polícia são ineficientes".
33. BRASIL. Senado Federal. Código de Menores, Lei n.º 6.697/79: comparações, anotações, histórico. Brasília, 1982, p. 427.
34. O relator senador José Lindoso ofereceu projeto substitutivo em que abandonou a enunciação de direitos.
35. A elaboração do Código de Menores envolveu assim o debate entre o Direito da Criança e o Direito do Menor, pelo menos, sob certos aspectos. O fato da doutrina do Direito do Menor ter sido vitoriosa no que seria o Código de Menores de 79 não anula a existência e a importância da controvérsia em sua elaboração, sobretudo, pelo reconhecimento de que foi a Declaração dos Direitos da Criança de 1959 que possibilitaria criar as condições para a existência dessa controvérsia. Isto por que a mencionada Declaração, pela primeira vez, colocaria a criança e o adolescente em evidência do ponto de vista da proteção legal. E o fez isso, enunciando direitos que - mesmo sem um valor normativo que conduzisse à sua exigibilidade enquanto direito subjetivo - romperiam com uma tradição internacional de omissão com a problemática da criança. Deixava-se para trás a visão da criança vista como um objeto; deixava-se para trás a responsabilização para com a criança restrita exclusivamente ao âmbito familiar como, por exemplo, ocorria com as legislações influenciadas pela doutrina da situação irregular.
36. BRASIL. Senado Federal. Código de Menores, Lei n.º 6.697/79: comparações, anotações, histórico. Brasília, 1982, p. 473.
37. BRASIL. Senado Federal. Código de Menores, Lei n.º 6.697/79: comparações, anotações, histórico. Brasília, 1982, p. 473.
38. BRASIL. Senado Federal. Código de Menores, Lei n.º 6.697/79: comparações, anotações, histórico. Brasília, 1982, p. 451.
39. Existindo a impossibilidade da expressão situação irregular abarcar todas as hipóteses de patologia social, caberia ao "Juizado de Menores classificar a situação do menor como irregular ou não" (p. 88 in Correio Brasiliense, de 14.10.1979, sob o título "Seminário: vê como vive menor do DF). Isso reflete o extremo poder que o juiz de menores possuía para definir a situação do menor, verdadeiro arbítrio conferindo-lhes o poder para definir o destino de um menor em uma base extremamente subjetiva. Esse é o mesmo entendimento do Relator do Código de Menores na Câmara dos Deputados, o então deputado Claudino Sales, segundo o qual ante a impossibilidade da norma abarcar todas as faces da "situação irregular" de forma expressa já que a realidade social é extremamente mutável deve a expressão situação irregular ser "uma chave para generalizar todas as situações do menor jurisdicionado". Isso significa tipificar uma norma em branco, que seria utilizada conforme o entendimento de cada juiz que justificaria a conduta do menor como uma patologia social. BRASIL. Senado Federal. Código de Menores, Lei n.º 6.697/79: comparações, anotações, histórico. Brasília, 1982, p. 89 in DCN, SI 17.8, 1979, p. 8.042).
40. BRASIL. Senado Federal. Código de Menores, Lei n.º 6.697/79: comparações, anotações, histórico. Brasília, 1982, p. 85 (Direito do Menor - um direito novo. Revista da Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, 27 (21), maio 1979, pp. 391-4). Prof. Allyrio Cavallieri).
41. BRASIL. Senado Federal. Código de Menores, Lei n.º 6.697/79: comparações, anotações, histórico. Brasília, 1982, p. 83
42. A tutela jurídica do menor só ocorre ante o disposto no art. 2º que define os casos de situação irregular "sobre o qual incidirão todas as normas do Código" BRASIL. Senado Federal. Código de Menores, Lei n.º 6.697/79: comparações, anotações, histórico. Brasília, 1982, p. 473).
43. Para mostrar a existência no direito brasileiro (Código Mello Matos) da doutrina da situação irregular, acentua o professor Cavallieri que a prevenção, referida em 79, se correlaciona com a vigilância prevista no Código de 27. À expressão situação irregular correspondem as denominações abandonado, delinqüente, transviado, exposto, infrator. BRASIL. Senado Federal. Código de Menores, Lei n.º 6.697/79: comparações, anotações, histórico. Brasília, 1982, p. 86.
44. BRASIL. Senado Federal. Código de Menores, Lei n.º 6.697/79: comparações, anotações, histórico. Brasília, 1982, p. 83
45. BRASIL. Senado Federal. Código de Menores, Lei n.º 6.697/79: comparações, anotações, histórico. Brasília, 1982, p. 84
46. BRASIL. Senado Federal. Código de Menores, Lei n.º 6.697/79: comparações, anotações, histórico. Brasília, 1982, p. 135
47. Essa amplitude estaria em seu ponto máximo na doutrina da proteção integral quando os destinatários das normas fossem todas as crianças e adolescentes, independentes de qualquer condição; em relação à doutrina da situação irregular, a amplitude é reduzida na medida em que o código tem destinatários na medida em que estes são identificados à determinada condutas.
48. CHAVES, Antônio. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 2ª ed. São Paulo: LTr, 1997, pg. 41/42. O autor faz referência ao deputado Nelson Aguiar que, em discurso publicado no Diário do Congresso Nacional de 05.09.1987, págs. 523-525, considerou espantoso tal fato. Observação interessante do Deputado comentada por Antônio Chaves: "Diagnostica a causa do mal no vício histórico que trazemos e que tem acarretado conseqüências graves à vida da Nação: o direito da criança está incorporado ao Direito da Família de tal forma que só possa ser exercido através do pai e da mãe, o que significa dizer que a criança sem família neste País não tinha direito."
49. José C. de Oliveira Sampaio destaca o papel desempenhado pelos seguintes documentos internacionais: Declaração de Genebra (1924), Declaração Universal dos Direitos Humanos ( 1948), Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959), Convenção Americana dos Direitos Humanos ( Pacto de San José – 1969). Tais documentos teriam contribuído para a afirmação da doutrina da proteção integral e para a incorporação dessa no ordenamento jurídico brasileiro. SAMPAIO, José C. de Oliveira. Infância e Juventude: o princípio da prioridade absoluta e a colocação em família substituta no ECA – os limites etários da guarda. Revista Direito e Paz, São Paulo, n.º 02, 2000, p. 35.
50. O artigo 227 da Constituição Federal foi fruto de uma emenda popular denominada "CRIANÇA, PRIORIDADE NACIONAL". Organizada pela entidades Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Federação Nacional das sociedades Pestalozzi (FENASP), Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, Frente Nacional de Defesa dos Direitos da Criança (FNDDC) e Serviço Nacional Justiça e Não-Violência a emenda pretendia alertar para as grave situação da infância e da juventude brasileira além de criar condições de que a Constituição tivesse dispositivos que promovessem e defendessem os direitos das crianças e dos adolescentes.
51. SILVA, Antônio F. do Amaral e. O Estatuto, Novo Direito da Criança e do Adolescente e a Justiça da Infância e da Juventude. Retirado de www.direitoejustiça.com em 20 de maio de 2002.
52. SILVA, Antônio F. do Amaral e. O Estatuto, Novo Direito da Criança e do Adolescente e a Justiça da Infância e da Juventude. Retirado de www.direitoejustiça.com em 20 de maio de 2002.
53. COSTA, Dionísio Leite da. Reflexões sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Revista Direito e Paz, São Paulo, n.º 02, 2000.
54. Tese de Mestrado apresentado pela Prof. Liliane Capilé sobre o Trabalho Infantil apresentada junto ao Dep. Serviço social, UFMT, item 4.
55. Dissertando sobre o surgimento da idéia da criança como objeto de direito, Allyrio Cavallieri a identifica na lei antiga que "autorizava o poder familiar a dispor da vida e da morte do próprio filho, o que justificaria o gesto de Abraão, ao sacrificar o filho Isaac. Seus reflexos estão no Código de Napoleão, naturalmente filtrados pelo cristianismo e em todas as legislações ocidentais que o imitaram, como o Brasil, mas, ainda assim, propugnador de um pátrio poder quase absoluto" (p. 219). Citando o advento do Código Civil francês como o marco em que a criança era considerada sujeito e não objeto de direito, lembra Cavallieri que, naquele Código, a relativização do pátrio poder operou-se através da permissão conferida ao juiz de menores "para afastar o pátrio poder, toda vez que estivessem em perigo a saúde, a segurança, a moralidade e a educação de uma criança, mesmo inserida numa família" Cf. Allyrio Cavallieri, O Direito do Menor, in Ministério da Justiça, arquivos, 35: 146, Jun/1978, citado em BRASIL. Senado Federal. Código de Menores, Lei n.º 6.697/79: comparações, anotações, histórico. Brasília, 1982, p. 80.
Pode-se dizer que o poder conferido ao juiz de menores para destituir o pátrio poder nos casos previstos na lei representa a tentativa de limitar o arbítrio dos pais, guardando um sentido protetivo nos casos em que a infância e a juventude estivessem ameaçadas.
56. SAMPAIO, José C. de Oliveira. op.cit., p. 35.
57. Sobre o surgimento da doutrina da Proteção Integral, Roberto da Silva observa que "foi enunciada inicialmente na Declaração dos Direitos da Criança de 1959, mas o 8º Congresso da Associação Internacional de Juízes de Menores (Genebra, 1959) posicionou-se no sentido de que não era função do Poder Judiciário assegurar à criança direitos tão amplos como o direito ao nome, à nacionalidade, à saúde, à educação, ao lazer e ao tratamento médico dos deficientes." Roberto da Silva, op. cit..
58.
59. DARLAN, Siro. Redução da idade de Responsabilidade Penal. Revista Cidadania e Justiça. Ano 3. N.º 7. 2º semestre de 99.
60. CHAVES, Antônio. Op. cit., pg. 51. O autor identifica ainda um sentido estritamente legal na expressão proteção integral: "é que toda a matéria passará a ficar subordinada aos dispositivos do estatuto, como de resto se deduz do último dos seus artigos, o de n.º 267." Por sua vez, o enunciado do artigo 267 do Eca é o seguinte: "Revogam-se as leis ns. 4.513, de 1964, e 6.697, de 10 de outubro de 1979 (Código de Menores), e as demais disposições em contrário."
61. SILVA, Antônio F. do Amaral e. O Estatuto, Novo Direito da Criança e do Adolescente e a Justiça da Infância e da Juventude. Retirado de www.direitoejustiça.com em 20 de maio de 2002.
62. DARLAN, Siro. Redução da idade de Responsabilidade Penal. Revista Cidadania e Justiça. Ano 3. N.º 7. 2º semestre de 99.
63. Saliente-se o que já foi dito anteriormente: apesar de ser um instituto comum entre o Código de Menores e o ECA, este disciplinou-a conforme a doutrina da proteção integral apresentando importantes inovações, dentre as quais destacam-se: a reavaliação da medida de internação a cada seis meses (art. 121, §2º, ECA), diferentemente do que ocorria no Código de Menores onde a medida podia ser avaliada em até dois anos (art. 41, §1º, Lei 6.697/79); a definição de um prazo máximo de internação de 3 anos (art. 121, §3º, ECA) enquanto no Código de Menores essa situação não está definida, possuindo o juiz a capacidade de determinar o tempo de internação que poderia exceder à três anos (art. 41, Lei 6.697/79); a previsão de que o local da internação seja destinado exclusivamente para adolescentes (art. 123, ECA), por sua vez, o Código de Menors admite excepcionalmente a internação em estabelecimento destinado a maiores; a previsão de direitos aos adolescentes internados (art. 124, ECA) que não existia no Código de Menores.
64. Entre as medidas aplicáveis ao menor, destacam-se às relativas à colocação em família substituta. A idéia é evitar a internação mediante a guarda, a tutela e a adoção sobretudo nos casos orfandade comprovada ou de abandono total. Sabe-se que a maior parte dos abandonos ocorre em decorrência de carência econômicas. Vem daí o art. 23, pár. único do ECA que prevê a inclusão da família carente em programas oficiais de auxílio como forma de impedir a perda ou suspensão do pátrio poder. Registre-se a inexistência de um dispositivo de cunho preventivo no como aquele no Código de Menores em que pese o entendimento abalizado de parte da doutrina: "A assistência ao menor na própria familiar é a forma mais eficaz de prevenir o abandono. Esta ação é própria dos órgãos executivos de assistência, e será exercida por meio de subsídio familiar e de assistência técnica à família" (conforme Alberto de Gusmão, juiz de menores, p. 148 in III Encontro Nacional de Juizes de Menores, Juizado de Menores do Distrito Federal, setor de Biblioteca e Documentação, citado em BRASIL. Senado Federal. Código de Menores, Lei n.º 6.697/79: comparações, anotações, histórico. Brasília, 1982, p. 136-7). Somente ante a impossibilidade de integração na própria família, recorre-se à família substituta sendo a internação o último recurso.
Outro aspecto importante, que evidencia a valorização à personalidade da criança no ECA, é a previsão de oitiva da criança nos casos de colocação em família substituta, desde que possam se expressar. De fato, não havia no Código de Menores tal previsão. Assim, era a lei do divórcio (6.515/77) que disciplinaria a matéria, estabelecendo em seu art. 10 a guarda ao cônjuge que não tiver dado causa ao divórcio. Apesar de ser uma lei recente, as afinidades, a afeição entre pais e filhos não são avaliados, ignorando o que é ideal para os filhos "De forma que as crianças são distribuídas como coisas: ‘se todos os filhos couberem a um só cônjuge (...)’, reza o parágrafo único do art. 327" citado em BRASIL. Senado Federal. Código de Menores, Lei n.º 6.697/79: comparações, anotações, histórico. Brasília, 1982, p. 164.
65. É bem provável que a divulgação das violações cometidas e abusos cometidos contra menores no âmbito do SAM e a ineficácia da internação que culminava na estigmatização do adolescente tenha influenciado o legislador a inserir dispositivos atinentes à fiscalização dos estabelecimentos que abrigavam menores (arts. 48 e 49, Código de Menores). O ECA disciplina a matéria para além da timidez observada no Código de Menores de 79, estabelecendo a necessidade de registro dessas entidades (art.91, ECA), os princípios exigidos em seus programas (art. 92) e as obrigações a serem seguidas por essas entidades (art. 94).
66. Medidas como a descentralização (municipalização) foram previstas no ECA com vistas a desburocratização do atendimento à criança e ao adolescente. As super-estruturas de controle e a formulação de uma política do menor de caráter nacional – construídas, sobretudo, pela influência da Doutrina da Segurança Nacional, em que a FUNABEM era a versão acabada – mostraram-se ineficazes para executar os programas voltados para infância e a juventude. O Código de Menores, por sua vez, coroava a mencionada política descentralizada, dispondo em seu art. 4º, I que a aplicação do referido Código se submetia as diretrizes da Política Nacional do Bem-Estar do Menor. A política de atendimento prevista no ECA, por sua vez, tem como diretrizes, dentre outras: municipalização do atendimento (art. 88, I); criação de conselhos municipais dos direitos da criança, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas segundo leis federa, estaduais e municipais (ar. 88, II); criação e manutenção de programas específicos, observada a descentralização político-administrativa (art. 88, III); manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos respectivos conselhos dos direitos da criança e do adolescente. Além disso, o art. 132 preceitua que:"Em cada Município haverá, no mínimo, um Conselho Tutelar composto de cinco membros, eleitos pelos cidadãos locais para mandato de três anos, permitida uma recondução". ( redação retificada pela Lei n.º 8.242, de 12.10.1991). A experiência da participação da comunidade é interessante, dentre outras coisas, por procurar dentro da própria comunidade soluções para os problemas da infância e juventude. Conforme os seus próprios recursos, a comunidade tem melhores condições de resolver determinados problemas já que conhece as necessidades dos menores que vivem em seu meio.
Antônio Chaves, op.cit., p. 586, ensina que a municipalização do problema do menor está ligado à idéia de "absorção dos menores carentes e abandonados por suas comunidades originais, e não pelas instituições públicas que os confinam e os marginalizam, familiar e socialmente".
Essa ação da comunidade, conforme previsão no ECA, ocorre por meio dos conselhos tutelares e conselhos de direitos. Evidentemente, a ação desses conselhos deve ser integrada por um conjunto de ações que possibilite a efetivação de suas decisões. Cabe aos Conselhos de Direitos definir a política municipal antes estabelecida por tecnocratas que pouco sabiam da realidade local (art. 88, II, ECA). Exercem atribuições que antes eram conferidas aos juízes de menores. Cabe aos Conselhos Tutelares zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e dos adolescentes definidos no ECA (art. 131, ECA).
67. Estabelecendo que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, o ECA estendeu-lhes garantias processuais antes não asseguradas nos diplomas legislativos anteriores. No Código de Menores, não havia, no curso do procedimento de apuração de ato infracional, a previsão de efetiva oportunidade de produção de provas, a defesa obrigatória por profissional habilitado, a garantia de liberdade a não ser em caso de flagrante ou ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária, a intervenção do Ministério Público em processos envolvendo infração penal e a intervenção de advogado. A justificativa para a posição de inferioridade processual do adolescente submetido a um procedimento de apuração de ato infracional se inspira na idéia de incapacidade, logo, a sua internação tem natureza de medida de segurança, situação que parecia justificar a inexistência de garantias processuais. O ECA vem corrige essas distorções já que o adolescente tem todas as garantias de defesa e produção de provas como um adulto. O reconhecimento de garantias processuais possibilita ao adolescente acusado de ato infracional atuar efetivamente no processo, defendendo-se e provando a sua tese. Não se pode esquecer que as medidas destinadas ao adolescente relativas a ato infracional podem culminar com a privação da sua liberdade. As garantias processuais estão estabelecidas no art. 110 e 111do ECA. Eis algumas delas: devido processo legal, pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante citação ou meio equivalente, igualdade na relação processual, defesa técnica por advogado, etc.
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