“Ora, se a felicidade de cada espécie consiste no modo de perfeição que lhe é próprio, a felicidade do homem consiste na virtude, uma vez que a virtude é sua imperfeição” CICERO
RESUMO: Assim como quase todas as filosofias da antiguidade, o estoicismo concebe que o homem deve buscar a sabedoria e a felicidade, entretanto, esses conceitos de sabedoria e felicidade não possuem o mesmo sentido em todo mundo antigo. De uma forma geral o estoicismo admite ideal de perfeição para o homem, de tal forma que todo sábio é necessariamente feliz. O nome desta filosofia tem origem na palavra grega Stoa, que significa “Pórtico”, o lugar em que se situava em Atenas a escola filosófica fundada por Zenão de Cício. Por conseguinte, aqueles que frequentavam a Stoa eram chamados de “estóicos” ou “filósofos do Pórtico”, e cultivavam uma doutrina, através do nome do lugar ficou conhecido como “estoicismo”. É importante ressaltar que, o estoicismo talvez seja mais bem apresentado como um conjunto de doutrinas com traços comuns, do que uma única doutrina inequívoca.
Palavras-Chave: natureza, virtude, apatia.
Costuma-se dividir esta filosofia em três momentos históricos, são eles: Estoicismo Grego ou Estoicismo Antigo, sendo o filósofo mais conhecido Zenão de Cício. Conhecido como o fundador da escola estóica, daí surge o nome através dos quais seus primeiros discípulos eram conhecidos “zenonianos”, e só depois estóicos. Diversas são as histórias sobre como se deu a conversão de Zenão à filosofia. Médio estoicismo, com Panécio, Possidônio e Cicero, sendo que nem todas as obras deste são consideradas estóicas. E o Novo estoicismo ou Estoicismo Imperial, com Sêneca, Epiteto, Marcos Aurélio.
Toda a natureza e a sua criação são perfeitas em seu gênero, não somente as que são animadas, mas ainda as que são feitas para prender-se a terra pelas suas raízes. Assim, as árvores e até as menores plantas ou conservam um perpétuo verdor ou depois de serem despojadas de suas folhas se revestem por completo de novo, de modo que todas atingem o grau de perfeição que lhes é próprio. Outro exemplo são os animais que também são dotados de sentidos, manifestam o poder da natureza. Pois ela pôs nas águas os que são para nadar, nos ares os que são próprios para voar, e entre os terrestres fez rastejar a uns, a outros caminhar, e assim a sua infinidade de diferenças. Cada animal segue fielmente o seu instinto, a sua natureza, sem conseguirem mudar a sua maneira de viver. Assim, como cada espécie possui alguma propriedade que a distingue essencialmente, também o homem tem uma, a alma, que sendo uma emanação da ordem divina, é de ordem superior. Esta alma quando cultivada e curada das ilusões capazes de cegá-la, alcança o mais alto grau de inteligência, que é a razão perfeita, à qual dá-se o nome de virtude. A felicidade de cada espécie consiste no modo de perfeição de cada uma, e a do homem consiste na virtude, segundo os estóicos. Assim, possuir virtude seria a sua perfeição.
O princípio desta filosofia é a Física, a natureza, a Lógica, a racionalidade do cosmo e então a Moral, a virtude, são descobertas como meio e fim que o homem deve alcançar para tornar-se sábio e feliz. De forma geral pode-se entender que o ponto de partida é o todo, a natureza; e o de chegada é o modo de perfeição de cada parte, em especial a alma humana. Para Crisipo seria necessário ensinar em primeira instância a lógica à juventude, em segundo à ética e em terceiro a física, deixando para o final a questão dos deuses. No texto ciceroniano encontramos uma síntese do itinerário físico e intelectual da alma, para descobrir em si mesma o soberano bem, a virtude. No texto das Tusculanas temos de inicio a pergunta “de onde”, “de que lugar”, sendo mais que uma pergunta afirma que deve-se começar a dissertar “pala comum mãe natureza”, ela seria o ponto de partida de uma dedução que do todo vai à parte. Logo de inicio encontramos os traços divinos da natureza, pois quem gera, produz todas as coisas existentes só pode ser um deus, sendo que dentro do estoicismo deus se confunde com a própria natureza, a natureza é divina porque deus é imanente a ela, confunde-se com ela. Muito diferente da concepção cristã onde Deus jamais se confunde com o mundo, com a natureza, mas os criou e se encontra “fora” do mundo, transcendente. Por conseguinte, afirma que todas as coisas geradas, animadas e inanimadas, são perfeitas em seu gênero, todas as coisas no cosmo ocupam lugar próprio, de sorte que não há nada fora de lugar, nada desordenado: os animais, por exemplo, cumprem a sua função seguindo a lei maior a da natureza. O homem ocupa lugar privilegiado no cosmo, porque a natureza o distinguiu entre todos os animais, conferindo-lhe traço divino.
A Física se refere à natureza, a investigação da natureza como geratriz de todas as coisas, como dos vegetais e dos animais ordenados por movimento interno e lei da natureza imanente a eles, mas essa ordem do cosmo revela a Lógica, precisamente a racionalidade que atravessa toda a natureza, pois a natureza é razão, é o logos. Além disso, quando a dedução descende de todo até uma parte privilegiada da natureza que é o homem, a Lógica é definitivamente explicitada. O traço distintivo do homem é a razão, que ele possui porque sua alma é uma emanação da mente divina. A alma humana difere da dos outros animais, justamente porque é racional, emana da própria Razão universal, que para os estóicos é o Fogo. A alma irracional é penetrada pela Razão universal que, afinal, é universal, encontra-se em toda e qualquer parte da natureza, mas a alma deles não se confunde com a própria Razão, assim como os vegetais são penetrados pela Razão, mas não o são.
Os estóicos estabelecem que “o único bem é o honesto, o único mal é o vergonhoso”, assim, alguns tinham valor positivo, outros negativos e finalmente outros seriam sem valor. Restituindo um direito de cidadania aos intermediários, com valores positivos encontramos: a saúde, a integridade dos sentidos, a ausência de dor, a glória, a riqueza. Entre os que possuem um valor negativo: a dor, a doença, a perda dos sentidos, a pobreza e a desonra. O bem ocupa sempre o primeiro lugar, aquilo que se chama coisa preferível ou principal não deve ser nem um bem nem mal. A isto deram a seguinte definição: uma coisa indiferente dotada de um valor médio.
Cicero diz que a alma deve ser cultivada, curada das ilusões que o cegam, ou seja, curada das paixões, para atingir a razão perfeita. As ilusões, as paixões que cegam a alma são quatro: alegria, tristeza, medo e desejo. O sábio estóico não é acometido por nenhuma paixão, porque cultivou em sua alma a apatia, a ausência de toda e qualquer paixão. Ele sabe que deve preservar um estado de tranquilidade da alma, um estado em que a razão triunfa sobre toda e qualquer paixão, isto é, desrazão. Assim, é somente a alma cultivada, transfigurada em pura razão, que possui sabedoria e virtude. A alma também é parte da natureza, isso porque para os estóicos não há separação entre alma e corpo. Finalmente a Moral é deduzida a partir da Lógica quando a virtude tem aparição no texto em relação de identidade com a “razão absoluta”.
Para os estóicos “virtude” e “pura razão” são uma e mesma coisa. O sábio estóico não se depara com nenhuma insuficiência da razão ou da vontade para ser virtuoso. A Moral estóica é inteiramente fundamentada na razão, em procedimentos racionais que passam distantes. Há nessa doutrina uma profunda crença na autossuficiência da razão que, em identificação com a virtude, é infalível e inquebrantável. As paixões se referem a coisas e acontecimentos exteriores ao homem: a alegria e a tristeza existem em função do que se encontra ou no prazo, ou no presente; medo e desejo em relação ao povir. De posse da virtude, o sábio, possui em si mesmo o soberano bem do homem, sabe que sua posição no cosmo e tudo que lhe sucede obedece a uma ordem racional, de sorte que não há razão para alegrar-se ou entristecer-se. O sábio nunca poderá ser privado da virtude e uma vez conquistada nenhum movimento desordenado o acomete, nada o atinge: seu estado de felicidade é inquebrantável. Assim, medo e desejo, paixões relacionadas ao futuro, também não podem perturbar o sábio. Pode-se entender que o ideal estóico de perfeição ampara-se no traço interior, indestrutível e deletável da virtude. Uma filosofia que não concebesse como imperecível o soberano do bem do homem, e não o dispusesse de forma indelével em uma outra esfera interior, teria dificuldades para afirmar que o homem pode atingir a perfeição e identificar-se definitivamente com o divino. A solução estóica parece ser a constituição de uma interioridade, na qual o homem se bastaria e descobriria o soberano bem em si mesmo.
Referências :
CICERO. A virtude e a felicidade. Livro V das Tusculanas. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
CICERO. Do sumo bem e do sumo mal. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
REVISTA CIÊNCIA E VIDA: FILOSOFIA. Editora Escala. Ano IV, nº 38