Defensoria Pública sob a ótica constitucional de instituição essencial à justiça

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3. Estrutura organizacional e atuação da Defensoria Pública

A Defensoria Pública conforme preceitua o art. 1º, da Lei Complementar nº. 80/1994 “é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe prestar assistência jurídica, judicial e extrajudicial, integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma da lei”.

Cuida tal norma infraconstitucional da organização da Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios, indicando, ainda, normas gerais para sua organização nos Estados, e dá outras providências.

De acordo com a Lei Complementar nº. 80/1994, a Defensoria Pública é una e indivisível, pois abarca tanto a União, os Estados e os Municípios, que devem trabalhar de maneira a integrar e colaborar para o principal fim, ou seja, a garantia do acesso à justiça a quem dela não podem suportar os ônus. No art. 5º do referido diploma legal, observa-se, in verbis:

Art. 5º A Defensoria Pública da União compreende:

I - órgãos de administração superior:

a) a Defensoria Pública-Geral da União;

b) a Subdefensoria Pública-Geral da União;

c) o Conselho Superior da Defensoria Pública da União;

d) a Corregedoria-Geral da Defensoria Pública da União;

II - órgãos de atuação:

a) as Defensorias Públicas da União nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios;

b) os Núcleos da Defensoria Pública da União;

III - órgãos de execução:

c) os Defensores Públicos da União nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios.

Entretanto, apesar de indivisível, raciona-se em três órgãos, com a finalidade de melhor organizar sua estrutura e serviços, sendo eles, os órgãos de administração superior, os órgãos de atuação e os órgãos de execução, conforme disposto na norma alhures. (BARROS, 2010).

Para exercer a função de Defensor Público, por exigência legal, deve-se ser aprovado em concurso de provas e títulos, para então, iniciar como Defensor substituto. Dispensa-se aos Defensores Públicos, o mesmo tratamento dado aos magistrados, membros do Ministério Público e aos advogados, posto que entre eles não exista subordinação ou qualquer relação de hierarquia. (BARROS, 2010).

Os Defensores Públicos no uso de suas atribuições gozam de atribuições, prerrogativas, garantias, e, até mesmo, impedimentos, de modo que exerçam sua função de maneira adequada, célere e eficiente.


4. O papel do Defensor Público como meio a garantia do Acesso à Justiça

A atuação dos Defensores Públicos é, tradicionalmente, dividida em atividades típicas e atividades atípicas. Primeiramente, as atividades típicas dizem respeito à redação do art. 5º, LXXIV, da nossa Constituição Federal, que aduz o seguinte:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. (grifei).

Desta monta, constitui-se daquelas atividades primordiais e essenciais, (conditio sine qua non), seria impossível o cumprimento da missão constitucional de garantia do acesso à justiça. A título de exemplificação, temos a defesa judicial em ação civil ou penal do desprovido economicamente.

As atividades atípicas, por sua vez, compreendem aquelas cujos usuários, não se enquadram, a priori, dentre os necessitados, pois dispõem de recursos financeiros para os custos de uma ação e dos honorários advocatícios. Todavia, tal, classificação, é geradora de diversas críticas, aliás, merecidamente, haja vista a existência de diversas formas de necessitados, constituindo-se a dos economicamente necessitados, apenas uma delas. (GARCIA, 2002).

Nesse diapasão, esclarece o Defensor Público José Augusto Garcia (2002, p.144):

A defesa do hipossuficiente econômico é a forma de atuação que deve ser priorizada pela instituição, considerando, principalmente, a escassez de recursos que ela possui em diversos estados da federação. Entretanto, esse enfoque deve ser o mínimo e não o limite institucional, pois, para uma visão mais apropriada do conceito de necessitado, devemos entender que a nossa carência atual engloba todos os tipos de deficiências que se tornem um óbice para o acesso do indivíduo à Justiça.

Dessa maneira, os Defensores Públicos devem pautar seu exercício com o intuito de garantir o acesso efetivo à justiça para todos aqueles que precisam de ajuda na concretização de seus direitos, uma vez que se encontram em situação de desvantagem dentro de uma relação jurídica. Assim, consideram-se também hipossuficientes, aqueles que naturalmente, já partem com alguma situação desvantajosa, a exemplo do idoso, da criança e do adolescente, da mulher vítima de discriminações ou de violência familiar, do consumidor, todos eivados de proteção especial por parte do Estado.

Restando ineficaz essa classificação quanto as atividades dos Defensores Públicos, haja vista a abrangência do conceito de hipossuficiência, demonstrar-se-á outra: onde de um lado estão as atividades tutelares clássicas, que dizem respeito à atuação contenciosa dos Defensores Públicos, em vista a garantir a tutela dos interesses individuais, inclusive, os direitos individuais homogêneos. Essas primeiras têm ligação tênue com o conceito de hipossuficiente financeiramente, porém não se atendo somente a ele. (DANTAS, 2011).

No entanto, do outro lado temos as atividades extrajudiciais, que dizem respeito à atuação dos Defensores na busca da efetivação dos direitos dos necessitados, de forma não contenciosa. E, por último, as atividades supraindividuais, que dizem respeito à tutela, por meio da via judicial, dos interesses difusos transindividuais ou coletivos. (DANTAS, 2011).

Observamos a atuação extrajudicial, por exemplo, com a assistência judicial, a conciliação e a atuação da instituição em órgãos públicos administrativos e fiscalizadores. Verifica-se na atuação supraindividual, em todas as postulações dos Defensores Públicos, que envolvam direitos coletivos e transindividuais.

Importa rememorar aqui, a fim de esclarecer a atuação da Defensoria Pública, a decisão do, então, Ministro Relator, Sepúlveda Pertence, quando da ADI nº. 558/RJ, requerida pelo Procurador- Geral da República, nos dizeres do Ministro, sintetizado em:

[...] 21. Certo, a própria Constituição da República giza o raio da atuação institucional da Defensoria Pública, incumbindo-a da orientação e da defesa, em todos os graus, dos necessitados (art. 134). (...) A Constituição Federal impõe, sim, que os Estados prestem assistência judiciária aos necessitados. Daí decorre a atribuição mínima compulsória da Defensoria Pública. Não, porém, o impedimento a que os seus serviços se estendam ao patrocínio de outras iniciativas processuais em que se vislumbre interesse social que justifique esse subsídio estatal [...]. (grifo nosso).

Extrai-se desse decisum, que o real entendimento do Ministro Sepúlveda Pertence é pela assistência integral a ser prestada pela Defensoria Pública, como bem consagrado no art. 5º, LXXIV da CF. A atuação desse órgão garantidor deve ser vislumbrada da maneira mais ampla possível, de forma a abarcar toda e qualquer espécie de hipossuficiência, para assim, tornar-se efetiva a prestação jurisdicional e o acesso ao alcance de todos.

Nessa esteira de raciocínio, valho-me de trecho do discurso do Ministro do STF, Marco Aurélio Mello, em oportunidade da cerimônia de posse da Defensora Pública Geral de São Paulo, Daniela Sollberger Cembranelli, acontecida em 18 de junho de 2010:

"As conquistas não teriam sido alcançadas sem os virtuosos homens e mulheres que se dedicaram a defender as pessoas que se encontram em flagelo social. Nesse país de tantas desigualdades não faltará serviço, embora o aparelhamento necessário ainda não esteja disponível”.

Posto isto, o papel dos Defensores Públicos, tem como princípio basilar, trazer à materialidade o direito do acesso à justiça, como autores desta busca incessante pela efetividade na prestação da assistência judiciária a quem dela necessite e da forma a qual necessitem. Para isso, entretanto, é necessário o amparo do Estado, como detentor que é, do poder para sustentar e aparelhar esse órgão de tamanha importância.


CONCLUSÃO

Compreende-se sob a ótica constitucional a Defensoria Pública como órgão essencial para garantia do direito fundamental do acesso à justiça, entendendo que o papel desempenhado por esta é de crucial importância para a prestação da assistência jurídica.

Assim, foi possível observar que a Emenda Constitucional de 2004 trouxe visíveis avanços para a instituição da Defensoria Pública, quando lhe conferiu autonomia funcional, administrativa e iniciativa de proposta orçamentária, além de expandir seus quadros e ampliar significativamente o atendimento aos necessitados.

Diante disto, a Defensoria Pública torna-se uma ferramenta que tem condições de cooperar para que o cidadão desprovido obtenha o acesso à justiça, e isto pode ser feito de diversas formas, apresentando-se como uma delas, a assistência judicial gratuita. Por todo o exposto, a Defensoria Pública é tida pela Constituição Federal de 1988 como instituição essencial à justiça.


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Notas

[1] MORAES, Humberto Peña de. “A Assistência Judiciária Pública e os mecanismos de acesso à Justiça, no Estado Democrático”, in Revista de Direito da Defensoria Pública II/70.

[2] MOREIRA, José Carlos Barbosa. “O direito à assistência jurídica”, in Revista de Direito da Defensoria Pública V/122. Este artigo tem por base palestra proferida em 30/10/1990, promovida pela Procuradoria-Geral da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (PGDP-RJ), hoje Defensoria Pública–Geral do Estado do Rio de Janeiro (DPGE-RJ), por ocasião do lançamento da Revista de Direito da Defensoria Pública IV.

[3] A Constituição Federal de 1934 trouxe como competência da União e dos Estados a prestação da assistência judiciária, e, dispunha assim em seu art.113, n.32: “A União e os Estados concederão aos necessitados assistência judiciária, creando para esse effeito, órgãos especiaes, e assegurando a isenção de emolumentos, custas, taxas e sellos”. (redação original).

[4]O direito à defesa estava assegurado na redação do artigo 122, n.11, da Constituição de 1937, que aduzia: “À exceção do flagrante delito, a prisão não poderá efetuar-se senão depois de pronúncia do indiciado, salvo os casos determinados em lei e mediante ordem escrita da autoridade competente, em virtude de lei e na forma por ela regulada; a instrução criminal será contraditória, asseguradas, antes e depois da formação da culpa, as necessárias garantias de defesa”.

[5]Art. 141, § 35, Constituição Federal de 1946. “O poder público, na forma que a lei estabelecer, concederá assistência judiciária aos necessitados”.

[6] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l1060.htm

[7] Art. 150, § 32. “Será concedida assistência judiciária aos necessitados, na forma da lei”. Art. 153, § 32. “Será concedida assistência judiciária aos necessitados, na forma da lei”.

[8] (RHC 3900/SP - Recurso Ordinário em Habeas Corpus 1994/0027399-1 – Sexta Turma - Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro - DJ 03/04/1995 p. 8148).

[9] Se o constituinte originário tivesse vontade de estabelecer limites à inamovibilidade, o teria feito, no art. 134, parágrafo primeiro, com uma ressalva a este aspecto, assim como fez em à relação à Magistratura (art. 95, inciso II da Constituição Federal) e do Ministério Público (art. 128, § 5°, inciso I, alínea “b”, CF).

[10] Art. 46, Decreto Lei nº. 3.688/1941: “Usar, publicamente, de uniforme, ou distintivo de função pública que não exerce; usar, indevidamente, de sinal, distintivo ou denominação cujo emprego seja regulado por lei”. Pena - multa, de duzentos a dois mil cruzeiros, se o fato não constitui infração penal mais grave.

[11] Vide art. 44, VI e VIII, da Lei Complementar 80/94.

[12] V. art. 6, nº. 8 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos de 1969.

[13] V. art. 44, XIV, Lei Complementar nº. 80/94.

[14] V. art. 46, Lei Complementar nº. 80/94.


Abstract: In this article a brief analysis on the Public Defender view by the Federal Constitution as an essential institution to justice will be done. Initially, it will be treated in the historical evolution of the Public Defender, tracing the significant milestones since its inception to the present day, will also be discussed briefly, however elementary, principles, powers, guarantees and impediments granted to the Public Defenders. Then will be taking care of its organizational structure and operations, as well as the role of the Ombudsman in order to provide the guarantee of access to justice. It should be noted that the present article aims to demonstrate the importance given by the Constitution to the institution of the Public Defender, but necessary to make the development of this institution, and obvious respect for CF / 88, so that it can play its role effectively.

Keywords: Public Defender; 1988 Federal Constitution; Access to Justice; Essential function to justice.

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Sobre a autora
Karla Richelly Carvalho Santos

Advogada, graduada em Direito pela Universidade CEUMA.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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