O princípio da duração razoável do processo e a responsabilidade do juiz

18/02/2015 às 15:42
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A atividade não jurisdicional do juiz é a que compreende os atos administrativos praticados no desempenho de sua função. Assim, a morosidade no andamento processual pode causar vários entraves na vida daqueles que pleiteiam sua tutela.

RESUMO

O tema proposto à análise, neste estudo, é amplo e de difícil abordagem, dadas sua complexidade e as diversas nuanças que o envolvem. A atividade judiciária do Estado compreende e abrange a atividade jurisdicional e a atividade não jurisdicional.  A primeira relaciona-se com as decisões dos magistrados (despachos e sentença), dividindo-se em atos de jurisdição contenciosa e atos de jurisdição voluntária. A atividade não jurisdicional do juiz é a que compreende os atos administrativos praticados no desempenho de sua função. Assim, a morosidade no andamento processual pode causar vários entraves na vida daqueles que pleiteiam sua tutela. Foi onde surgiu a Emenda Constitucional nº 45, como forma de constitucionalizar o princípio da celeridade processual e trazer punições àqueles magistrados que não condizerem com tal princípio. Culminando desse modo, em uma justiça mais célere e eficaz, alcançando o seu objetivo final com tempestividade e efetividade à luz do princípio da duração razoável do processo.

Palavras-Chave: Celeridade Processual. Emenda Constitucional nº 45. Morosidade.

INTRODUÇÃO

Na abordagem da morosidade processual, entende-se oportuno tecer alguns comentários sobre o tempo razoável para a finalização de uma demanda judicial.

A morosidade processual é um problema universal, tendo prejudicado o funcionamento e o desempenho das cortes de todo o mundo há muitas décadas. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, no período 2013-14, no Brasil, tramitavam 95,14 milhões de processos na justiça, sendo que 70% destes ou 66,8 milhões eram casos de 2013 não julgados acrescidos a 28,3 milhões de novos casos.

A cada ano, apesar do aumento no número de novos casos, o número de casos baixados é inferior ao de novos casos, ainda segundo o relatório do CNJ, o que faz que aumente ainda mais o número de casos que passam de um ano para o outro. 

As cortes são organizações que se equilibram entre as necessidades e as exigências de trabalho profissional independente e um processo tipo produção em massa eficaz. Essas características organizacionais deveriam resultar em respostas dadas em tempo hábil e de boa qualidade. Porém, há um descompasso entre tempo e qualidade nos processos judiciais.  

Apesar da grande preocupação com os atrasos, as soluções não têm conseguido aliviar o crescimento do problema.

Em verdade, seria leviano, se por ventura, se lançasse a lúgubre tentativa de estipular, aleatoriamente, em fração de dias ou meses, qual o tempo ideal para a conclusão de um dilema levado às fronteiras do judiciário.

Ora, para se chegar à cognição do contexto do litígio, e, por conseguinte, encontrar-se apto para a prolação da sentença, o magistrado, deverá dispor, naturalmente, de certo lapso temporal para conhecer os argumentos das partes.

Entretanto, o tempo para a conclusão de um feito deve ser apropriado para trazer ou, até mesmo, restabelecer o equilíbrio e ordem na sociedade, de modo que os litígios porventura advindos pela convivência social sejam estancados em tempo hábil sob o norte da segurança jurídica e efetividade.

Portanto, mesmo considerando a existência de certo tempo entre a chegada do conflito ao judiciário e o seu termo através da decisão transitada em julgado, não se pode olvidar que esse período não poderá, em hipótese alguma, perdurar mais do que o necessário para a formação dos elementos imprescindíveis à manifestação final do Estado através da sentença e atos subseqüentes ao seu cumprimento.

É certo que na hipótese de violação do tempo razoável para a conclusão do processo, se estará diante de um procedimento viciado e incapaz de efetivar a justiça no tempo ideal para a situação fática versada em referido feito, abalando, por conseguinte, a harmonia social.

Nos tempos modernos o maior desafio para os operadores do direito e a sociedade é o de dar celeridade e efetividade à Justiça. O grande decurso de tempo entre a proposição das demandas e a efetiva entrega da tutela jurisdicional tem se constituído no maior obstáculo aos que buscaram a Justiça. Não são raros os casos onde o longo tempo de espera pelo fim do processo corroeu o bem o qual se buscava proteger.      

A falta de celeridade da Justiça e os prejuízos advindos disso não são motivos de repudia apenas dos que buscam a tutela jurisdicional, mas também é motivo de desprestígio do Poder Judiciário.

Assim, o presente estudo pretende demonstrar que a constitucionalização do princípio da celeridade processual, sob as vestes da duração razoável do processo, não surtirá efeito na entrega da justiça e, demonstrará, também, qual a função do juiz diante desse quadro.

O primeiro capítulo fará uma breve abordagem da função da magistratura, demonstrando os principais aspectos inerentes ao exercício dessa função.

O segundo capítulo terá por escopo analisar a celeridade processual e a duração razoável do processo, salientando a questão da disfunção da máquina legislativa.

O terceiro e último capítulo tem por finalidade a abordagem da responsabilização do juiz, onde se ressaltará a questão relativa às mudanças implementadas pela emenda constitucional nº 45.

Após essas breves delineações, adentrar-se-á, agora no objeto de estudo do presente trabalho.

O JUIZ

O juiz de Direito é o profissional do Direito que integra o Poder Judiciário. Sua função precípua é a de pacificar os conflitos de interesses trazidos pelas partes a sua apreciação. Em outras palavras, o Juiz de Direito, investido da função jurisdicional, deve fornecer ao caso concreto uma solução jurídica justa, na medida do possível.

A função do cidadão que escolhe esta carreira é de extrema responsabilidade, é necessário que se tenha bastante consciência social e também amor pela profissão. Não se deixando influenciar por determinadas circunstâncias, o juiz deve proferir despachos, sentenças, fazer audiências, atender advogados, sempre em busca da equidade e fundamentalmente da justiça.

Katharina Maria Marcondes Ferrari, assim salienta acerca do desempenho do papel do magistrado:

Na atualidade, desempenhar o papel de juiz é algo extremamente complexo. Atribui-se ao magistrado o dever de tratar as partes com igualdade; o dever de coibir os atos que atentem contra a noção justiça; o dever de impedir o conluio fraudulento – concílio entre partes visando a um fim ilícito com a instauração do processo–; o dever de tentar, a qualquer tempo, a conciliação entre os litigantes; o dever de aplicar a lei e, nos casos de lacuna, recorrer à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do Direito; o dever de buscar a eqüidade – justiça no caso concreto – ainda que para tanto se faça necessário atenuar a austeridade de uma lei; o dever de instruir o processo devidamente, podendo determinar a confecção de provas não solicitadas pelas partes ou a repetição de prova já obtida; o dever de motivar todas as suas decisões ainda que concisamente; o dever de pronunciar-se sobre todo e qualquer pedido formulado em juízo e o dever de zelar pela rápida solução dos litígios. (FERRARI, 2006, pag 8).

 

Desta forma, a prestação jurisdicional, se prestada de forma tardia, pode se tornar sem qualquer efeito, por isso da necessidade da rápida solução dos litígios por parte do magistrado sob pena de produzir sentenças sem significado e sem reflexos nas vidas do autor e do réu, ou ainda, de decidir algo que, na realidade, resta há muito decidido.

A CELERIDADE PROCESSUAL E A MOROSIDADE – A DISFUNÇÃO DA MÁQUINA ADMINISTRATIVA

Tem-se consciência que o processo ideal consiste no mecanismo capaz de distribuir a justiça em curto espaço de tempo, ou seja, a solução judicial deverá cessar, o quanto antes, o conflito social apresentado ao judiciário.

Ora, em nossa sociedade, com o advento das atuais tecnologias que grassam em nosso meio, verifica-se, como resultado desse progresso, a existência de um comportamento social cada vez mais dinâmico.

Nessa nova realidade, o ideal/meta do indivíduo moderno centra-se  em fazer muito mais, no menor espaço de tempo. Em conclusão, o lema – quase que compulsivo, é não perder tempo com qualquer coisa que seja.

Segundo o professor Ivan de Oliveira citado por Souza (2008, p.106), 

 

Ocorre que, em vários casos, a finalização do processo através da sentença, não atende a necessidade da pronta resposta esperada pelos jurisdicionados. Portanto, na via inversa dos anseios sociais, está malograda lentidão processual.

 

No cenário do processo lento, infelizmente, é comum as lides quase que se eternizarem nos meandros das varas judiciais. E por vezes há a impressão de que o dilema levado ao poder judiciário se opõe à cadência natural das criações humanas: Começo, meio e fim.

A morosidade processual caminha no sentido inverso dos anseios da sociedade, haja vista que o cenário hodierno, no exercício de transações diversas, apregoa o máximo aproveitamento de tempo. Para tanto, é necessário que haja  instituições públicas dotadas para acompanhar adequadamente esse ritmo.

Segundo Lopes Junior, a pergunta que deveria ser feita é se é possível fixar um prazo máximo para a duração de um processo. Como resposta, um prazo máximo deveria ser fixado juntamente com sanções processuais. Citando um caso onde um indivíduo teve suas contas bancárias bloqueadas por 13 anos que ele chama de “caso preocupante.”

Temos conhecimento de boas pesquisas de campo levadas a cabo nas justiças estadual e federal que sinalizam três anos como sendo um prazo realístico (e razoável) entre o recebimento da denúncia e a sentença de primeiro grau. Muitos processos acabam em menos tempo e outros poucos demoram mais (a patologia sempre existirá), mas o prazo médio gira em torno de 24 a 28 meses (logo, menos de três anos). (LOPES JUNIOR, 2014, p. 4).

 

            A lentidão com que os casos se arrastam em países de todo o mundo já rendeu 50 reclamações à Finlândia pela Corte Internacional de Direitos Humanos e pelo menos quatro ao Brasil. A França estabeleceu três critérios em 1977 para avaliar a duração do processo – complexidade da causa, comportamento das partes e comportamento das autoridades competentes, e em Portugal, um juiz “foi julgado por ter cometido o ato ilícito de levar 5 anos para decidir um caso.” (FONSECA, 2013, p. 1).  

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            Para os juristas, processo é a série de atividades que devem se levar a cabo para chegar a obter a providência jurisdicional, ou seja, o processo em seu significado jurídico é o mecanismo apto para a obtenção da resposta jurisdicional.

Por outro lado, no que se refere ao impacto psicológico, para as partes e interessados em geral, o processo é algo terrível e angustiante, capaz de propiciar até mesmo momentos de ansiedade e sofrimento.

Assim, enquanto o processo não for solucionado, poderá simbolizar dor psicológica e tensão para os sujeitos processuais.

Neste sentido, constatamos que jurisdicionados que, por não tencionarem fazer “Justiça com as próprias mãos”, confiam ao Estado os seus dilemas financeiros e psicológicos para obter a solução dos conflitos originários da própria vida em sociedade.

Destarte, do ponto de vista jurídico, o que chamamos meramente de lide, por representar um compasso desarmônico entre cidadãos, em razão de uma expectativa ansiosa, pode provocar uma carga de sofrimentos às partes interessadas no resultado do litígio apresentado ao Judiciário.

Por tal motivo, como já anunciado, é comum encontrarmos processos completando vários natalícios e, muito deles, sobretudo nos tribunais, chegando a completar décadas de permanência sem a devida finalização.    

Para se quebrar esse círculo é preciso não só facilitar o acesso a justiça, mas também o atingimento do término. Hoje o acesso é relativamente fácil; o difícil é a saída, o desfecho. É preciso tornar vantajoso tanto o cumprimento imediato das obrigações quanto a solução rápida dos litígios, ampliando-se a oneração decorrente da demora causada pelo réu  ou o abuso do direito de petição pelo autor. O resistir à pretensão deve se tornar desvantajoso e , para isso, o caminho mais curto é a outorga de uma interpretação menos conservadora aos dispositivos legais que tratam da litigância de má-fé (COLEN, 2013, p. 2).

 

O professor Luiz Guilherme Marinoni (1994), comentando a respeito desta triste realidade, apresenta um público alvo mais atingido pelo ônus da morosidade processual, qual seja, aquele indivíduo de parcos recursos financeiros.

Assim para o mestre, “A morosidade do processo atinge muito mais de perto aqueles que possuem menos recursos. A lentidão processual pode ser convertida num custo econômico adicional, e este é proporcionalmente mais gravoso para os pobres”. (MARINONI, 1994, p. 37).

Seguindo esse raciocínio, concluímos que podemos acrescer nas diversas e já conhecidas mazelas sociais a praga da falta de celeridade processual, que para o cidadão de reduzidos recursos funciona como um verdadeiro verdugo impiedoso.

Assim, num contexto social, o processo contaminado pela lentidão, pode ser considerado como mais de um fator de exclusão de nichos sociais, porquanto, impõe ao indivíduo menos favorecido, em vários casos, a necessidade de aceitação de transações manifestamente prejudiciais, aos seus reais interesses.    

Colen (2013, p. 3) ressalta que, “[...] em algumas ocasiões, uma das partes processuais, com vistas a evitar a solução tardia de o litígio aceita barganhar seus interesses, para tão-somente evitar o ônus da demora imposta pelo pronunciamento do judiciário.”

A ocorrência da morosidade é comum não apenas na justiça Especializadas, como Justiça do Trabalho, mas, infelizmente, se dá em todos os ramos do direito, reproduzidas pois, dentro de significativa parte do poder Judiciário. Além disso,  verifica-se que em muitos momentos a lentidão processual beneficia os interesses de certos grupos abastados que apontam na impossibilidade de espera dos litigantes economicamente mais fracos.

Não há como falar que a morosidade processual ataca somente uma variante dos serviços judiciais, mas, de modo diverso, somos levados a registrar que tal incidência mostra-se em toda a máquina judiciária.

Como salientou Caio Mário da Silva Pereira (1997, p. 139), ao fazer alusão à diferenciação da responsabilidade, é a natureza do ato que fundamenta essa posição e não a autoridade que o pratica.

 Consoante o exposto, no caso da atividade administrativa, a responsabilidade civil do juiz não difere do agente público em geral da administração, pois agiu como se esse fosse, embora seja uma autoridade judiciária e não administrativa circunstância pela qual, nos termos do art. 37, § 6º (BRASIL, 1998), é inafastável a responsabilidade civil do Estado por eventuais danos causados.

Nos termos preconizados por Maria Sylvia Zanella Di Pietro (1992, p. 387), quando o dano é causado por servidor público, é necessário distinguir duas possibilidades: o dano causado ao Estado e o dano causado a terceiros.

Por outro lado, no caso de danos causados a terceiros, figura a regra do art. 37, § 6º (BRASIL, 1998), “em decorrência da qual o Estado responde objetivamente, ou seja, independentemente de culpa ou dolo, mas fica com o direito de regresso contra o servidor que causou o dano, desde que este tenha agido com culpa ou dolo”.

Araújo (1981), expressando-se acerca dos atos administrativos praticados pelo magistrado, assim sintetiza:

 

“Portanto, subordinam-se ao regime comum da responsabilidade do Estado, empenham sua responsabilidade indiscutivelmente, ocasionam ação regressiva contra o agente, em caso de dolo ou culpa. Esta constatação não é impugnada pela doutrina e encontra acolhida na jurisprudência”. (ARAÚJO, 1981, p. 81).

 

Como já destacado, o mau funcionamento do aparelho estatal não é causa de exclusão da responsabilidade civil do Estado, como pretende fazer crer a Administração Pública. Ao contrário, figura como circunstância que tipifica a sua obrigação de indenizar, à medida que a Constituição Federal mantém a regra geral no art. 37, § 6º e também o dispositivo do art. 5º, LXXV, (BRASIL, 1988).

Das considerações de Mário Moacry Porto (1989), retira-se a seguinte contribuição:

Não é indispensável a verificação da ocorrência de culpa dos juízes e funcionários para que se caracterize a responsabilidade do Estado. Basta que o serviço se revele falho, deficiente, inoperante, para que o poder público responda pelo mau desempenho da prestação judicial a que está obrigado, (PORTO, 1989, p. 155).

 

Assim, seguindo este entendimento, pode-se afirmar que não cumprindo o Estado com suas obrigações, responderá inexoravelmente pelos danos causados ao jurisdicionados, sejam de ordem patrimonial ou moral.

 

[...] reportando-se a esfera penal, em situações como a do penitenciário brasileiro, que permanece cumprindo pena por tempo superior ao da condenação, ou o caso a manutenção de prisão preventiva não obstante o trânsito em julgado de sentença absolutória, ou, ainda, a permanência em presídio comum quando configurada a hipótese de absolvição com imposição de medida de segurança que deveria ser cumprida em hospital ou estabelecimento apropriado, o dano sofrido  por omissão culposa do Estado, que deixa de oferecer instrumentos e estruturas adequadas à execução das sentenças, afronta direitos fundamentais da pessoa humana. (PERES, 2012, p. 8).

 

O mais alarmante é que o problema da disfunção da máquina administrativa não se restringe ao âmbito criminal ou a poucas Comarcas, encontram-se difundidos em toda a estrutura judiciária, não poupando qualquer área da atuação do Poder Judiciário deste país.

Por vezes, chega-se à conclusão, aparentemente realista, que a função Estatal, no que concernem as questões penais e de política criminal, resume-se unicamente ao ato de legislar, empregada como forma mascarada de mera satisfação jurídica a sociedade. Em contrapartida, denega deliberadamente os meios concretos imprescindíveis à consecução pragmática dessas medidas.  

 

O tema é tão sério e paradoxalmente tão comum, que chega a atingir as raias da absurda ‘normalidade’, agravando-se com uma inverídica carga aparente de insolubilidade. A posição inerte do Estado frente a problemas dessa ordem importa em manifesta inconstitucionalidade por omissão. (PERES, 2012, p. 9) .

 

Outro ponto de relevante interesse, porém ainda “nebuloso e controverso”, segundo Peres (2012, p. 38) diz respeito à demora na prestação da tutela jurisdicional, segundo José Augusto Delgado citado por Peres (2012, p. 38):

... Configura-se, pois, de maneira insofismável, a necessidade de criação jurisprudencial do direito, assegurando ao particular prejudicado a indenização cabível a ser paga pelo Estado. A realidade mostra que não é mais possível a sociedade suportar a morosidade da Justiça, quer pela sua ineficiência dos serviços forenses, quer pela indolência dos seus juízes. É tempo de se exigir uma tomada de posição do Estado para solucionar a negação da Justiça por retardamento da entrega da prestação jurisdicional. Outro caminho não tem o administrado, senão o de voltar-se contra o próprio Estado que lhe retardou Justiça, e exigir-lhe reparação civil pelo dano, pouco importando que por tal via também enfrente idêntica dificuldade. Só o acionar já representa uma forma de pressão legítima e publicização do seu inconformismo contra a Justiça emperrada, desvirtuada e burocratizada.

 

Por fim, ainda segundo Peres (2012, p. 38), a orientação dominante na doutrina e jurisprudência era no sentido de não responsabilizar o Estado pela sua atividade judiciária e jurisdicional, e ainda hoje há quem defenda essa posição.  

Confirmando esta orientação, segue os dizeres de Aguiar Dias:

“... não obstante a persistência das idéias regalistas, a responsabilidade do Estado progride para um ponto de satisfação plena aos princípios solidaristas. Vai pouco a pouco perdendo terreno a tese da irresponsabilidade, para surgir em seu lugar o princípio de que o particular tem direito de ser indenizado, toda vez que sofra um prejuízo em conseqüência do funcionamento do serviço público, pouco importando indagar se regular ou irregular, porque não se cogita de sabê-lo, mas de aplicar logicamente o princípio da igualdade dos encargos sociais”. (DIAS,  1995, p. 705).

 

Já Barbosa Moreira salienta que:

 

“Se uma Justiça lenta demais é decerto uma Justiça má, daí não se segue que uma Justiça muito rápida seja necessariamente uma Justiça boa. O que todos devemos querer é que a prestação jurisdicional venha a ser melhor do que é. Se para torná-la melhor é preciso acelerá-la, muito bem: não, contudo, a qualquer preço”. (MOREIRA, 2004, p. 5).

 

Segundo Colen (2013), alguns dos agravantes que contribuem para a morosidade processual incluem: O excesso de leis que às vezes são mal feitas, e cita principalmente as leis processuais que são editadas sem o parecer de especialistas, e que por isso mesmo pode levantar dúvidas quanto à sua interpretação. Outro agravante é a burocracia.

Se por um lado não podemos desprezar as tradições jurídicas, que, em muitos casos, representam essa desordem cultural, que é a união de tantas raças, credos, sangues e culturas, misturados num cadinho de tolerância, devemos nos desvencilhar das amarras da burocracia estatal, que na Europa se identificam, principalmente, com Portugal, Espanha e Itália, países em que fincamos nossas raízes culturais. Essa burocracia é a única explicação para que se exijam documentos, guias, recolhimentos, carimbos, chancelas e autenticações, quando uma simples declaração, sob as penas da lei, deveria surtir o mesmo efeito. Essa burocracia se projeta no processo em que a instrumentalidade serve como doutrina, mas está divorciada da prática. A burocracia, o apego excessivo à forma. Os juízes, principalmente os tribunais, ainda se escondem por detrás das formalidades, para adequar o número de processos à capacidade de julgar. Extinguem sem resolução de mérito e não conhecem de recursos, com enorme facilidade, considerando homônimas as soluções da lide e do processo, embora inconfundíveis. As primeiras (soluções da lide) trazem algum apaziguamento social; as segundas (soluções do processo) podem representar apenas a perpetuação da lide e o aumento do descrédito da justiça ou, o que é pior, aumentara audácia dos maus, por reconhecida à impunidade e institucionalizada a sua ocorrência (COLEN, 2013, p. 2-3).

Outros remédios para desafogar o sistema incluem ainda restrição ao sistema de recursos, pois este favorece mais aqueles com maior poder econômico, capazes de contratar advogados que, aliado a este poder econômico, conseguem levar o caso até o Supremo Tribunal Federal. Este, por sua vez, deve se tornar uma Corte Constitucional para desafogar o judiciário, julgar dentro da sua capacidade e “conciliar qualidade, rapidez e segurança de um julgado” (p. 3). E ainda, restringir acesso ao duplo grau pois o juiz de primeiro grau tem mais condições de compreender os fatos da lide (COLEN, 2013).

           

DA RESPONSABILIZAÇÃO DO JUIZ

A independência da magistratura

O Poder Judiciário, assim como os demais poderes, goza de independência por própria disposição constitucional, bem como a atividade do magistrado requer a presença de alguns requisitos indispensáveis, dentre eles a sua independência pessoal. Contudo a independência da Magistratura não pode ser colocada como empecilho à responsabilidade do Estado.

Maria Emília Mendes Alcântara demonstra tal posição:

 

“Outro argumento, ligado ao da soberania, em favor da irresponsabilidade do Estado por ato jurisdicional vem a ser o da independência da magistratura. Os juízes devem agir com absoluta independência, não se submetendo a qualquer espécie de pressão que possa entorpecer-lhes a autonomia funcional, tornando-os temerosos de sentenciar pelas conseqüências que daí poderiam advir”. (ALCÂNTARA, 2008, p. 28).

 

 

A mesma autora refuta a argumentação: “Parece-nos que esse argumento pode servir para demonstrar exatamente o contrário: precisamente porque a responsabilidade seria do Estado e não do juiz é que a independência deste estaria assegurada”.

A afirmação é relevante, na medida em que a responsabilidade do Estado é objetiva, possuindo o dever de ressarcir os danos causados, razão pela qual é impertinente a justificação da independência do juiz como obstáculo, porque se discute a responsabilidade do Estado e não do juiz. Aquela difere desta e situam-se em requisitos e hipóteses distintas.

A independência está relacionada à função jurisdicional para garantir a tranqüila prestação desse serviço pelos juízes, mas essa mesma independência não pode sequer ser utilizada como argumento para evitar-se a responsabilidade pessoal do juiz, porque esta sucede de previsão legal.

Assim, a solução apontada é a de que se trata aqui da responsabilidade do Estado, já que o magistrado age em nome deste, e somente em casos especiais (dolo ou fraude) é que caberia a sua responsabilização.

Por oportuno, é a lição de Dalmo de Abreu Dalari:

 

“Longe de ser um privilégio para os juízes, a independência da magistratura é necessária para o povo, que precisa de juízes imparciais para harmonização pacífica e justa dos conflitos de direito. (...) Essa conjugação de perspectivas, que tem sido pouco ressaltada, torna conveniente e oportuna uma reflexão sobre esse ponto, não só para que fiquem claros os motivos pelos quais é necessária a magistratura independente, mas também para que a alegação de falta de independência não seja usada como pretexto para isentar o Poder Judiciário de toda responsabilidade por suas próprias deficiências”. (DALARI, 1996, p. 45).

 

 

Da Emenda Constitucional nº 45

 

          A Emenda Constitucional nº 45 trouxe consigo a possibilidade efetiva de punição dos magistrados pela morosidade na tutela jurisdicional, onde controle deve ser exercido pelo Conselho Nacional de Justiça.

Tal Emenda modificou o art 93 da Constituição Federal, em sua alínea “c” e inclusão da alínea “e” do inciso II, o que cominou na seguinte redação:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

(...)

II- promoção de entrância para entrância, alternadamente, por antiguidade e merecimento, atendidas as seguintes normas:

(...)

c) aferição do merecimento conforme o desempenho e pelos critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela freqüência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento;

(...)

e) não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão. (BRASIL, 1988).

 

Assim, os atrasos na tutela jurisdicional, como a impossibilidade de acesso às instâncias superiores, podem ser considerados como uma das causas de impedimento da promoção do magistrado.

José Antonio Garcia salienta que:

 

“Os atrasos ou delongas que se produzem no processo por inobservância dos prazos estabelecidos, por injustificados prolongamentos das etapas mortas que separam a realização de um ato processual e outro, sem subordinação a um lapso temporal previamente fixado, e, sempre, sem que aludidas dilações dependam da vontade das partes ou de seus mandatários”. (GARCIA, apud TUCCI, 1997, p. 67).

 

No concernente ao controle pelo Conselho Nacional de Justiça, a Emenda incluiu tal órgão dentre aqueles que fazem parte do Poder Judiciário, no art. 92, inc. I-A, e delineou suas funções no art. 103-B, § 4º, incs. I a VII, todos da Carta Magna. (BRASIL, 1988).

Wambier assim conceitua o órgão: "o Conselho Nacional de Justiça é um órgão centralizador de fiscalização de natureza externa e superior aos demais órgãos integrantes do Poder Judiciário" (WAMBIER et al, Garcia 2005, p. 500).

 

CONCLUSÃO

Ao final desse breve estudo pode-se concluir que a jurisdição é algo exclusivo do Estado, que por meio do seu poder nos oferece a tutela jurisdicional como produto final.

Assim, para que possa contar com uma tutela jurisdicional rápida e eficiente importante ressaltar que não bastam apenas modificações em nossa Carta Magna, mas sim uma reformulação do poder judiciário, como o aumento do número de juizes de primeira instância e demais funcionários, terminando-se de vez com a disfunção da máquina judiciária.

Também é preciso dar efetividade ao Conselho Nacional de Justiça para que o mesmo realmente possa “punir” aqueles que realmente “emperram” a máquina do Judiciário e dando oportunidades e promoções àqueles que fazem da Justiça um mecanismo mais célere e confiável.

Por fim, o Processo é um instrumento capaz de sustentar o equilíbrio social, o chamado devido processo legal que ganha indiscutível importância em nosso regramento legal quando há a sua tempestividade.

Destarte, para evitar o prolongamento do desgaste causado pelo processo, urge a busca de um lapso temporal capaz de garantir a segurança jurídica das decisões, ao mesmo tempo, fazer impetrar o equilíbrio da sociedade através de decisões rápidas e eficazes, evitando assim, o descrédito do poder judiciário, o atentado aos ditames da segurança jurídica, a violação ao princípio da economia processual, a imposição de desgaste psicológico das partes e suas desigualdades tendo como derradeiro, a percepção de ausência de efetividade nas decisões judiciais.

REFERÊNCIAS

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