Análise crítica da Emenda Constitucional 62/2009 à luz da jurisprudência do STF

19/02/2015 às 10:32
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O vertente artigo científico tem como escopo uma análise mais detida à Emenda Constitucional 69 de 09 de dezembro de 2012, principalmente no que diz respeito ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal em relação à mencionada Emenda.

O vertente artigo científico tem como escopo uma análise mais detida à Emenda Constitucional 69 de 09 de dezembro de 2012, principalmente no que diz respeito ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal em relação à mencionada Emenda. O processo de execução se reveste de suma importância, vez que é através do referido procedimento que o credor, efetivamente, tem o seu direito tutelado - é o momento em que se dá a satisfação do direito outrora conhecido. A já mencionada Emenda trata, em especial, do processo executivo em face da Fazenda Pública, que, por sua vez, possui algumas peculiaridades, dentre elas, a impossibilidade de se prosseguir com penhora, o pagamento - em casos de execução por quantia certa fundada em título judicial - por meio de precatórios ou RPV (requisição de pequeno valor). Pelo breve exposto percebe-se a importância e relevância do tema em apreço. 

Primeiramente, insta saber qual o conceito de Fazenda Pública para os fins de um Processo de Execução. A mais balizada doutrina entende ser todas as pessoas jurídicas de direito público (CUNHA, 2013), porém a jurisprudência pátria possui interpretação mais ampla. Tal posicionamento se deu após o Supremo Tribunal Federal considerar que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) também se submete ao regime de precatórios. Exclui-se, de tal "conceito", as sociedades de economia mista, bem como as empresas públicas, vez que estas são constituídas na forma de pessoas jurídicas de direito privado. Assim sendo, tem-se, para fins de Execução, que Fazenda Pública engloba todas as pessoas jurídicas de direito público e a ECT.

Outro ponto que aguça a curiosidade dos estudiosos da matéria, diz respeito a mudança trazida pela Lei 11.232/05, que aboliu o processo autônomo de execução de títulos judiciais. Tal norma instituiu o que hoje a doutrina chama de "processo sincrético", o qual prevê, em um único processo, a fase cognitiva e a fase executória. Assim, tem-se respeitado os princípios da celeridade e da economia processual. Com o advento da supracitada lei, surgiu a figura do cumprimento de sentença. Essencial se faz trazer à baila o posicionamento doutrinário (ASSIS, 2010):

"[...] buscou-se confinar toda atividade executiva, tratando-se de prestação faciendi e prestação para entrega de coisa, no âmbito da relação processual que originou o provimento antecipatório ou final, independentemente da força da ação. Por via de consequência, o princípio da autonomia da função executiva, do seu ponto de vista estrutural, acabou excepcionado. Deu-se semelhante técnica o nome de 'execução sincrética'. A evolução culminou com a Lei 11.232/2005, que instituiu tal regime para todos os pronunciamentos judiciais com força condenatória e efeito executivo [...]"

Ocorre, todavia, que a mudança supra não afetou o processo de execução em face da Fazenda Pública. Referido procedimento manteve a figura da ação autônoma de execução, nos moldes dos arts. 730 e 731 do Código de Processo Civil. Assim se posiciona a mais balizada doutrina pátria (CUNHA, 2013), in verbis: "Então, proferida uma sentença contra a Fazenda Pública, sua efetivação, cumprimento ou execução continua a ser feita em processo autônomo de execução."

Antes de adentrar ao tema do vertente artigo em si, necessário se faz uma ultima explanação: precatórios. A figura do precatório surgiu na Carta Política de 1934 (FLAKS, 1990). Antes disso, "a obtenção de pagamento de crédito em face da Fazenda Pública ficava subordinada ao bel-prazer do Administrador e a muito esforço e conhecimento político do interessado" (ARAÚJO, 2000). Pelo exposto, tem-se que o precatório surgiu com o intuito de melhor organizar o recebimento dos créditos oriundos de condenações em desfavor da Fazenda.

Em apertada síntese, segue explicação acerca do "trâmite" dos precatórios: a sua expedição fica a cargo do juiz competente, que deverá instruí-lo com "cópia das principais peças dos autos originários", bem como a certidão de trânsito em julgado, conforme o disposto no art. 100, §5º, do Texto Maior. Na seqüência, o juiz assinará e remeterá ao Presidente do Tribunal de Justiça, que, por sua vez, "deverá inscrever o precatório e comunicar ao órgão competente para efetuar a ordem de despesa" (CUNHA, 2013).

Interessante observação diz respeito ao "prazo" para a inscrição do precatório. Tal inscrição deve se dar até o dia 1º de julho, para que o pagamento se dê até o final do exercício financeiro subseqüente. Para melhor explicar, cita-se um exemplo: "[...] sendo, por exemplo, o precatório inscrito até 1º de julho de 2010, deverá o correlato valor ser pago até o dia 31 de dezembro de 2011. Caso o precatório somente seja inscrito após o dia 1º de julho, haverá a perda de um exercício financeiro, devendo ser incluído no orçamento seguinte para ser pago até o dia 31 de dezembro de 2012 [...]" (CUNHA, 2013). Assim é o que dispõe a Carta Magna, em seu art. 100, §5º:

"§ 5º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente;"

Por fim, interessante falar da problemática que envolve a correção monetária e aplicação de juros moratórios. Antes da Emenda Constitucional n. 30/2000, os acréscimos oriundos de correções monetárias eram feitos através de precatório complementar, que, por sua vez, estava vinculado a "instauração de um novo processo de execução" (CUNHA, 2013). Dessa feita, tinha-se a expedição de sucessivos precatórios complementares até se chegar ao valor monetariamente corrigido. Após a Emenda supracitada, a sistemática mudou, vez que o §5º do art. 100, da Constituição Federal, passou a prever o pagamento de precatório já corrigido, evitando um amontoado de precatórios complementares.

 

No que diz respeito aos juros moratórios, o constituinte foi silente, vez que mencionou, tão só, a figura da correção monetária. Devido às excessivas questões levantadas acerca do ponto em apreço, o Supremo Tribunal Federal editou uma súmula vinculante (enunciado 17), in verbis: "Durante o período previsto no parágrafo 1º do artigo 100 da Constituição, não incidem juros moratórios sobre os precatórios que nele sejam pagos.". Ou seja, uma vez que o pagamento (do precatório) seja feito até o exercício posterior à inscrição, não há que se falar em mora e, consequentemente, em juros moratórios. Assim, os juros serão computados apenas nos casos em que o pagamento se der após o exercício financeiro subseqüente à inscrição. Vale ressaltar que tais juros deverão constar de precatório complementar, "pois não se podem agregar valores num precatório já inscrito" (CUNHA, 2013).

A Emenda Constitucional 62, editada em março de 2009, teve como desiderato a alteração significativa do art. 100 da Carta Magna, bem como uma nova redação do art. 96 dos Atos de Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Ocorre, todavia, que as mudanças trazidas por dita Emenda foram extremamente prejudiciais aos credores da Fazenda Pública, motivo pelo qual é chamada de "Emenda do Calote". Dentre as mudanças, três despertaram mais a atenção: a) a criação de um regime especial para pagamento de precatórios; b) a forma de cálculo do pagamento; e c) a previsão de que 50% da verba destinada ao pagamento de precatórios poderá não ser utilizada conforme a ordem cronológica (AMORIM, 2014).

O mencionado regime especial diz, especialmente, respeito a possibilidade da Administração Pública quitar a dívida com seus credores em um prazo de até 15 (quinze) anos. Antes da referida Emenda, o prazo utilizado era o disposto no art. 78 do ADCT: 10 (dez) anos. Diante da impossibilidade dos entes públicos quitarem os precatórios emitidos no prazo de dez anos, o legislador optou por conferir maior elasticidade ao referido prazo, porém tal medida afetou negativamente apenas os credores da Fazenda  (CURY NETO, 2014).

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A segunda principal mudança trazida pela EC 62/09 diz respeito à forma de cálculo do reajuste dos precatórios, tida como injusta pelos estudiosos do tema, vez que o índice utilizado para calcular os juros dos precatórios foi fixado abaixo do índice utilizado, pela Fazenda, para cobrar os seus créditos.

Por fim, instituiu-se a possibilidade de separar 50% das verbas destinadas aos precatórios para serem pagas em inobservância da ordem cronológica. O art. 97, §8º, do ADCT, assim dispõe:

"§ 8º A aplicação dos recursos restantes dependerá de opção a ser exercida por Estados, Distrito Federal e Municípios devedores, por ato do Poder Executivo, obedecendo à seguinte forma, que poderá ser aplicada isoladamente ou simultaneamente:

I - destinados ao pagamento dos precatórios por meio do leilão;

II - destinados a pagamento a vista de precatórios não quitados na forma do § 6° e do inciso I, em ordem única e crescente de valor por precatório;

III - destinados a pagamento por acordo direto com os credores, na forma estabelecida por lei própria da entidade devedora, que poderá prever criação e forma de funcionamento de câmara de conciliação."

Assim sendo, a forma - mais democrática - de prosseguir com o pagamento de precatórios, conforme a ordem cronológica, foi parcialmente substituída, gerando uma espera, ainda maior, por parte de alguns credores.

Diante desses e outros motivos, a Ordem dos Advogados do Brasil propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4.357 - Rel. Min. Ayres Britto), em face da Emenda Constitucional 62/2009, que foi subscrita pela Associação dos Magistrados do Brasil, Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, Associação Nacional dos Servidores do Poder Judiciário, Confederação Nacional dos Servidores Públicos e Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho.

Em março de 2013, a supracitada ADI foi julgada parcialmente procedente. O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do art. 97, ADCT e partes do art. 100 da Constituição Federal.

A decisão do Relator, Ministro Ayres Britto, foi pautada em três principais pontos, quais sejam: I) quebra da isonomia entre particular e Fazenda Pública, vez que esta estava se utilizando de fórmula de correção que variava conforme a situação que ocupava: credora ou devedora. Sendo as dívidas calculadas de forma mais "branda"; II) a Emenda em apreço previa que, para fins de prioridade no trâmite do pagamento de precatório, era levado em conta a idade da pessoa quando da expedição do precatório. Diante disso, o STF entendeu que não seria razoável a pessoa que contava com 59 anos, quando da expedição do precatório, não poder entrar na fila de prioridades. Com o julgamento passa a valer, pra fins de prioridade, a idade da pessoa quando do recebimento do precatório; e III) a Emenda instituiu a figura da compensação, que previa que só poderia receber o precatório quem estive quite com a Fazenda Pública, porém não prévia condição semelhante para a Fazenda, inobservando, novamente, o princípio da isonomia.

Diante do exposto no vertente artigo cientifico, tem-se que a Emenda Constitucional sob exame, de fato, trouxe, em seu bojo, previsões que, para os credores, se fizeram desarrazoáveis, desproporcionais, ensejando o julgamento, parcialmente procedente, de ADI, por parte do Supremo Tribunal Federal, que pautou sua decisão nos princípios da isonomia, razoabilidade e proporcionalidade, buscando estabelecer um regime (de precatórios) mais equilibrado e justo.

 

BIBLIOGRAFIA

CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 11. ed. São Paulo: Dialética, 2013.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil: Volume Único. 6. ed. São Paulo: Método, 2014.

ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 13. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

FLAKS, Milton. Precatório Judicial na Constituição de 1988. Revista de Processo, São Paulo, p.86-88, 1990.

ARAÚJO, Paulo Sérgio Cavalcanti. Precatórios na Justiça Estadual de Pernambuco. Revista de Direito, Recife, p.2-17, 2000.

CURY NETO, Michel. O Pagamento de Precatórios pela Administração Pública. 2014. Disponível em: <http://michelcury.jusbrasil.com.br/artigos/112214649/o-pagamento-de-precatorios-pela-administracao-publica>. Acesso em: 15 set. 2014.

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