É corrente, dentre os operadores do direito, que o credor que primeiro efetuou a penhora sobre determinado bem ou valor tem direito de preferência (artigo 612 do CPC[1]), restando aos demais, igualmente pela ordem de preferência (penhora), concorrerem sobre a importância restante para a quitação de seus respectivos créditos (artigo 711 do CPC[2]). Aliás, desta forma decide o Superior Tribunal de Justiça[3].
O que se propõe com este pequeno texto é que se repense, considerando a escassez de recursos por parte do executado, esta regra. Ou seja, que em uma situação ideal, em havendo mais de uma penhora sobre determinado bem, mas em se tratando de devedor solvente ou com capacidade de pagamento, que efetivamente se observem, à risca, os antes citados preceitos do Código de Processo Civil mas que, na situação inversa, se afaste esta regra em detrimento de outra, de natureza constitucional, constante do artigo 3o, I, da CF/88[4].
É objetivo fundamental da República Federativa do Brasil uma sociedade livre, justa e solidária. Não existe, no país, relações humanas que possam afastar-se destes critérios de justiça, liberdade e solidariedade. Ou seja, em situações de trato com o outro deve-se privilegiar a justiça, a liberdade e a solidariedade. É por isso que em havendo escassez de recursos, ou seja, um devedor cujo o único bem é aquele constrito e sobre o qual há várias penhoras, antes de dar-se preferência à primeira, seja aplicado o fundamento da solidariedade. Cada credor receberá um pouco. Não haverá pagamento integral de um em detrimento dos demais. É que a solidariedade, como objetivo fundamental da República, deve-se fazer valer igualmente para as relações entre os privados, de onde, na situação em discussão, cada credor receberá uma parte, na proporção de seu crédito (princípio da igualdade).
É bom registrar que na Justiça do Trabalho, por exemplo, a execução ocorre de ofício. Na maioria das vezes a penhora é fruto de ações dos juízes, servidores e dos oficiais de justiça. Isso reforça, aqui, o argumento de que uma vez em havendo escassez de recursos, deve-se afastar a aplicação crua dos artigos 612 e 711 do CPC para, com base no objetivo fundamental da solidariedade, repartir, de forma proporcional aos créditos, os valores a todos os credores, independentemente da preferência da penhora. Note-se que não se trata de insolvência do devedor declarada pelo juiz nos exatos termos dos artigos 748 a 786-A do CPC. Simplesmente, na situação tratada neste pequeno ensaio, não há mais bens do devedor que possam garantir os débitos, sendo necessário, portanto, a liquidação daquele ou daqueles constritos para pagamento dos créditos existentes.
Assim, a ideia aqui apresentada diz respeito à solidariedade no processo executivo sempre que há escassez de recursos do devedor para pagar todos os seus débitos, repartindo os valores objeto das penhoras e/ou constrições havidas nos autos entre todos os credores, na proporção de seus créditos, deixando de lado, nestes casos, mas apenas nestes casos, o que preceituam os artigos 612 e 711 do CPC. Para isso, contudo, deve-se esgotar a execução frente ao réu (e aos sócios), sob pena, aí sim, de infringência aos artigos antes listados.
[1] Art. 612. Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal (art. 751, III), realiza-se a execução no interesse do credor, que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados.
[2] Art. 711. Concorrendo vários credores, o dinheiro ser-lhes-á distribuído e entregue consoante a ordem das respectivas prelações; não havendo título legal à preferência, receberá em primeiro lugar o credor que promoveu a execução, cabendo aos demais concorrentes direito sobre a importância restante, observada a anterioridade de cada penhora.
[3] RECURSO ESPECIAL Nº 829.980 - SP (2006⁄0056644-0) , Min. Sidnei Beneti, julgado em 01 de junho de 2010.
[4] Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; (...).