A desnecessidade de citação da Fazenda Pública Estadual nos processos de inventário que tramitam sob o rito de arrolamento

25/02/2015 às 17:46
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É cediço que nos processos de inventário, a Fazenda Pública Estadual é uma das partes citadas, conforme determina o artigo 999 do Código de Processo Civil. Mas, e no caso do processo de inventário tramitar sob o rito de arrolamento? Há esta necessidade?

É cediço que nos processos de inventário (que tramitam sob o rito ordinário), a Fazenda Pública Estadual é uma das partes citadas, conforme determina o artigo 999 do Código de Processo Civil. Mas, e no caso do processo de inventário tramitar sob o rito de arrolamento? Há esta necessidade?

A citação é o ato de chamamento ao processo para que a parte ou interessado defenda seus interesses. No caso do inventário, a Fazenda Pública Estadual tem interesse pertinente à avaliação dos bens do espólio, já que este valor é base da elaboração do cálculo do Imposto de transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). Neste sentido, o art. 999 do Código de Processo Civil, que determina a citação da Fazenda Pública Estadual, nos casos de inventário que tramitam sob o rito ordinário. Existiria interesse, da Fazenda Pública Estadual, quando o processo de inventário tramita sob o rito de arrolamento?

Para esclarecermos tais questões, analisemos o art. 1.031 e seguintes, do Código de Processo Civil, que tratam sob o inventário sob o rito de arrolamento.

Art. 1.031. A partilha amigável, celebrada entre partes capazes, nos termos do art. 2.015 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, será homologada de plano pelo juiz, mediante a prova da quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas, com observância dos arts. 1.032 a 1.035 desta Lei

§ 1º O disposto neste artigo aplica-se, também, ao pedido de adjudicação, quando houver herdeiro único.

§ 2º Transitada em julgado a sentença de homologação de partilha ou adjudicação, o respectivo formal, bem como os alvarás referentes aos bens por ele abrangidos, só serão expedidos e entregues às partes após a comprovação, verificada pela Fazenda Pública, do pagamento de todos os tributos.

Observa-se que, consta do artigo supracitado, que “a partilha judicial, celebrada entre partes capazes, nos termos do art. 2.015 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, será homologada de plano pelo juiz”.

Em um primeiro momento, a Lei determina que o juiz homologue, de logo, a partilha apresentada, enfatizando o artigo 2015 do Código Civil que reza sobre a capacidade civil dos herdeiros. Assim, percebe-se que é requisito essencial, para homologação do plano de partilha, a presença de todos os herdeiros, devidamente representados e, ainda, que estes sejam plenamente capazes para os atos da vida civil.

Após, constata-se que o artigo elencou algumas condições para a homologação de plano, da partilha, pelo juiz. A primeira condicionante é a quitação dos “tributos relativos aos bens do espólio e as suas rendas”. Nestes tributos mencionados no caput do art. 1.031, do Código de Processo Civil, decerto não se inclui o ITCMD, que é relativo à transmissão dos bens do espólio e não aos bens em si, conforme reza o art. 35 do Código Tributário Nacional. O artigo se refere aos impostos incidentes sobre os bens (ou sua propriedade), como IPTU, IPVA etc. Neste caso, são juntadas as certidões negativas de débito (CND) emitidas pelas Fazendas Públicas Federal, Estadual e Municipal (esta última, quando existirem imóveis urbanos).

A segunda condição imposta pela Lei é a observância dos artigos 1.032 à 1.035, todos do Código de Processo Civil. Passemos a destrinchar os aludidos artigos.

O artigo 1.032 do Código de Processo Civil traz em seu bojo a FORMA da petição que deverá ser homologada pelo juiz:

Art. 1.032. Na petição de inventário, que se processará na forma de arrolamento sumário, independentemente da lavratura de termos de qualquer espécie, os herdeiros:

I - requererão ao juiz a nomeação do inventariante que designarem;

II - declararão os títulos dos herdeiros e os bens do espólio, observado o disposto no art. 993 desta Lei;

III - atribuirão o valor dos bens do espólio, para fins de partilha.

Destarte, há necessidade de apresentação, já no bojo da petição Inicial ou de pedido de conversão do rito processual ao de arrolamento, a apresentação de Primeiras Declarações (1.032, inciso II, do CPC) com descrição individualizada das partes, herdeiros, bens e dívidas do inventariado. Neste caso, declarada a existência de dívidas, a partilha não poderá ser homologada de plano, mas, conforme artigo 1.035 do CPC, a NOTIFICAÇÃO do credor se faz necessária e, havendo impugnação, pelo credor, do valor dos bens atribuídos pelos herdeiros, será procedida avaliação.

É de bom alvitre ressaltar que, havendo avaliação do bem do espólio, tal valor servirá de base para o ITCMD, na forma da súmula 113 do STF, ainda que este só seja exigível após a sentença, conforme entendimento do STJ:

TRIBUTÁRIO - ITCMD - BASE DE CÁLCULO - VALOR VENAL - DATA DA ABERTURA DA SUCESSÃO OU TRANSMISSÃO DA HERANÇA - RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

DECISÃO

Vistos. Cuida-se de recurso especial interposto pela FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO, com fundamento no art.10555, inciso III, alínea a, da Constituição Federall, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim ementado:"Agravo de instrumento.(fl. 66e) Base de cálculo do ITCMD que o valor venal do imóvel, da data da abertura da sucessão, devidamente atualizado. Inteligência dos arts.3888 , do CTNN e 9º, da Lei Estadual n1070555/2000. Impossível a utilização de valor de cessão ocorrida anos após o óbito. Acerto da decisão que não merece reforma. Recurso improvido. "Aduz a recorrente violação do art. 38 do CTN e da Súmula 113 do STF. Sustenta, ainda, que deve ser considerado o valor real do imóvel, ou seja, o valor da data da avaliação judicial, para a definição da base de cálculo do ITCMD, conforme a interpretação da Súmula 113 do STF, que estabelece: "O impostos de transmissão causa mortis é calculado sobre o valor dos bens na data da avaliação". Apresentadas as contrarrazões à fl. 86, sobreveio o juízo de admissibilidade negativo da instância de origem, subindo os autos por força de agravo de instrumento. É(fls.88/89), no essencial, o relatório. O recurso merece provimento. Cinge-se a controvérsia a saber se a base de cálculo do ITCMD deve ser o valor venal dos bens na data da abertura da sucessão – falecimento do de cujus – ou da realização da transmissão. O art. 38 do CTN assim dispõe: Art. 38 -"A base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos." O imposto de transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos , é um tributo de competência estadual, ou seja, cabe aos Estados ou Distrito Federal a sua instituição, conforme previsão (ITCMD) do art. 155, I, e § 1º, da Constituição da República e dos arts. 35, parágrafo único, 38 e 42 do Código Tributário Nacional. Por esse motivo, tais entes da Federação são sujeitos ativos da relação obrigacional tributária. Com efeito, pelo princípio da saisine, com a abertura da sucessão, o domínio e a posse dos bens é transferida de imediato aos herdeiros. O fato gerador do ITCMD (art. 1572 do Código de 1916 e art. 1784 do Código atual) incide sobre os bens com a abertura da sucessão. Nesse momento (abertura da sucessão/morte do de cujus), ainda não é exigível o pagamento da exação. O art. 38 do Código Tributário Nacional é bastante claro ao estabelecer que a base de cálculo do imposto é o valor venal do dos bens ou direitos transmitidos. Forçoso concluir que somente com a liquidação da herança, via sentença judicial, é que se definem quais os bens que efetivamente foram transmitidos aos herdeiros. Consequentemente, a obrigação tributária, existente desde a data do óbito, somente é exigível o seu cumprimento após a homologação do cálculo por sentença judicial transitada em julgado. Nesse sentido é a Súmula 113/STF, que assim dispõe:"O imposto de transmissão causa mortis é calculado sobre o valor dos bens na data da avaliação".

A propósito:"TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS. SÚMULA 113/STF. CORREÇÃO MONETÁRIA. CABIMENTO. 1. O imposto de transmissão causa mortis é calculado sobre o valor dos bens na data da avaliação . 2.(Súmula 113/STF) Não recolhido o valor na época própria, torna-se indispensável a necessária atualização do valor. É pacífico o entendimento de que a correção monetária da base de cálculo não implica alteração do fato gerador. Precedentes. 3. Recurso especial conhecido e improvido." (REsp 57.742/PR, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 4.5.2004, DJ 23.8.2004.)

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial da Fazenda Paulista. Publique-se. Intimem-se. Brasília , 09 de agosto de 2010. MINISTRO HUMBERTO MARTINS Relator

(STJ - REsp: 1195974 , Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Publicação: DJe 17/08/2010. Grifo nosso.) RECURSO ESPECIAL Nº 1.195.974 - SP (2010/0097980-4)

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Entretanto, tal avaliação, no caso da existência de dívidas declaradas no processo de inventário sob o rito de arrolamento, só será realizada no caso de o credor impugnar o valor atribuído pelo herdeiro, vedando, a Lei, a avaliação para quaisquer outros fins, na forma do art. 1.033 do Código de Processo Civil.

Os procedimentos citados serão aplicados, ainda, quando existir único herdeiro, plenamente capaz, na forma do parágrafo primeiro do art. 1.031 do Código de Processo Civil.

O parágrafo segundo do artigo 1.031 do Código de Processo Civil condiciona a expedição e entrega da carta de adjudicação, formal de partilha ou alvará à apresentação da quitação de todos os tributos e a verificação pela Fazenda Pública desta quitação. Assim, observa-se que, para a prestação jurisdicional, a Lei não exige a comprovação de quitação do ITCMD, fato corroborado no trecho “transitada em julgado a sentença de homologação de partilha ou adjudicação”, deste artigo, sendo a intimação da Fazenda Pública Estadual exigida apenas para fins de expedição e entrega dos documentos.

Portanto, verifica-se que a Lei não admite a avaliação dos bens do espólio para fins de verificação da Fazenda Pública Estadual, o que gera total desinteresse pela ação de inventário que tramita sob o rito de arrolamento. Tal questão é enfatizada quando a Lei determina que a autoridade administrativa apure possível diferença sobre os valores atribuídos aos bens em processo administrativo e cobre a eventual diferença por meio de lançamento administrativo, chegando, inclusive a proibir o conhecimento de questões concernentes ao lançamento, pagamento ou quitação de tais tributos (art. 1.034 do Código de Processo Civil).

Sob o fundamento de que a exigibilidade do imposto só advém após a prolação da sentença e que é completamente incabível a discussão sobre os valores e pagamento do ITCMD, imposto que gera o interesse processual da Fazenda Pública Estadual nos processos de inventário, extrai-se que nenhum interesse tem a Fazenda Pública Estadual nos processo que tramitam sob o rito de arrolamento e, portanto, desnecessária sua citação.

Conclui-se, ainda, que a ciência dada à Fazenda Pública Estadual, conforme parágrafo segundo do art. 1.031 do Código de Processo Civil, tem fins apenas de notificação. A Fazenda Pública Estadual poderá impugnar a entrega dos formais/carta de adjudicação/alvarás, caso verifique que não existe quitação do ITCMD. No caso de existir o pagamento do imposto e, neste caso, se a Fazenda Pública Estadual discordar do valor atribuído caberá à Fazenda a apuração, em processo administrativo, da eventual diferença. A cobrança da diferença do imposto, como visto, será por meio de lançamento, não sendo possível, tal discussão, nos autos de inventário.

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Sobre a autora
Larissa Izabel Leite Sousa

* Assessora Jurídica<br>* Bacharelado em Direito pelo Centro de Estudos Superiores de Maceió/AL<br>

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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