A resolução da ANS para estímulo do parto normal: norma que lesa princípios constitucionais

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26/02/2015 às 09:19
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1. DA REFERIDA RESOLUÇÃO

A ANS juntamente com o Ministério da Saúde publicou no dia 07/01/2015 resolução RN 368/2015 que tipifica regras para reduzir o excesso de cesarianas na saúde suplementar no país.                       

1.1. REDUÇÃO DO EXCESSO DE CESARIANAS NA SAÚDE SUPLEMENTAR DO PAÍS

A. METAS

Dentre várias justificativas estão: O Brasil é um dos países lideres mundiais no número de cesarianas;  O Ministério da Saúde já organizou várias campanhas defendendo o parto natural, mas o número de cesarianas acabou aumentando; A Organização Mundial de Saúde recomenda: só 15% dos partos devem ser cesáreas. Mas no Brasil, nos hospitais particulares, foram 84% no ano passado, de acordo com a Agência Nacional de Saúde. Na rede pública, 31%.

Segundo SGORJ- Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Rio de Janeiro,

As taxas de cesariana defendidas pela OMS datam de 1985. Citá-las é um anacronismo e mostra total desconhecimento das taxas de cesariana em qualquer outro país já que não há nenhum país desenvolvido que a cumpre. Temos sempre que ter em mente que a OMS dita condutas para o globo inteiro, do país mais rico ao mais pobre. E suas recomendações devem sempre ser vistas sob esse prisma e, além disso, ela é também uma organização política. [1]

1.2. A CESARIANA COMO VILÃ? OU O MÉDICO COMO VILÃO?

Não se pode olvidar que tal resolução demonstra mais uma conduta do governo petista de tentar "tampar o sol com a peneira". Pois ao que se nota, o governo não esta agindo no ponto nevrálgico da relação. Escondendo o óbvio, qual seja, explicar o caos da saúde materno-infantil de nosso país!

Numa tentativa maquiavélica tal governo tentar desviar a atenção dos reais e gravíssimos problemas de saúde no Brasil.

Segundo a SGORJ,

Embora a crítica aos números do sistema privado seja recorrente, é notório que os índices de mortalidades materna e neonatal no sistema privado é muito menor do que no público. Não seria o caso de o governo se preocupar primeiro em reduzir as taxas de mortalidade materna no setor público de algumas cidades do Brasil que são comparáveis a países paupérrimos da África em vez de se preocupar com taxas de cesarianas de hospitais privados brasileiros de excelência que têm taxas de mortalidade materna comparáveis aos melhores países do mundo nessa área? Além disso, a Coréia do Sul, com taxas similares às do Brasil em cesarianas, tem uma das menores mortalidades maternas do mundo e vinte vezes menor que as do Brasil. O problema passa ao largo das altas taxas de cesarianas para explicar o caos da saúde materno-infantil de nosso país, que esta longe de atingir a meta do milênio.  [2]

Não é a primeira vez que este governo escolhe os médicos como bode para a culpa da ineficácia da saúde pública brasileira. Como não citar o programa eleitoreiro "mais médicos".  A tática do governo acarretou em culpar estes profissionais pela ineficácia de sua gestão, difamou ainda mais os médicos brasileiros junto a população brasileira.

Em coluna da revista VEJA, Rodrigo Constantino cita artigo do colunista Luiz Felipe Pondé, em que o autor faz uma analogia ao nazismo citando que os médicos brasileiros viraram os "judeus do PT".[3]

O autor, destaca que o PT está usando uma tática de difamação contra os médicos brasileiros, colando neles a imagem de interesseiros e insensíveis ao sofrimento do povo e, com isso, fazendo com que a população acredite que a reação dos médicos brasileiros contra o programa "mais médicos"seria fruto de reserva de mercado.

Dessa vez, escolheram obstetras como alvo da leviandade e a cesariana como a vilã. Assim continuamos a afirmar que a cesariana por si só não é o problema. Há sim um caos na saúde materno-infantil do sistema de saúde brasileiro, mas que não possui ligação com os altos números de cesariana.

Como ressalta Rodrigo Constantino em sua coluna na revista VEJA:

Não sou médico nem mulher. Logo, não pretendo entrar no mérito em si da questão “cesariana versus parto normal”. Deixo isso para os que entendem mais do assunto. O que sei é que há claramente um fator ideológico poluindo o debate, justamente por parte daqueles que não entendem do assunto, e que os médicos têm se tornado os bodes expiatórios do atual governo.[4]

Como veremos a resolução tipifica uma série de normas que devem ser adotadas pelos planos de saúde e pelos médicos. Com tais normas a ANS espera estimular o parto normal e consequentemente diminuir do número de cesarianas.

Contudo, não se pode olvidar que a cesariana não é a vilã. A ANS esqueceu de constar que a cesariana por vezes é a única maneira de salvaguardar a vida da gestante e do feto.

Ora, não há procedimentos médicos sem riscos. E a cesariana tem sim suas qualidades, assim como o parto normal, e esta escolha deve ser feita pela paciente após as informações de seu médico assistente. A cesariana é um procedimento que representou uma verdadeira revolução na obstetrícia e assegurou significativa redução da mortalidade materna. Não há por que está demonização sentimentalista abraçada pela ANS/MS.

A resolução coloca nas costas dos médicos o problema na saúde suplementar brasileira, não revelando que há hipóteses que a cesariana é a melhor opção.

Segundo SGORJ- Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Rio de Janeiro,

A questão é que a cesariana por si só não é o problema. Os estudos atuais não são capazes de apontar qual a mais segura via de parto em pacientes de baixo risco. O parto vaginal tem suas vantagens, assim como a cesariana também as tem, tais como: menor hemorragia, uma das principais causas de mortalidade materna e distopias vaginais. (...). [5]

A SOGESP - Associação  de Ginecologistas e Obstetras de São Paulo se pronunciou,

Na avaliação da SOGESP – Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo, as novas regras são inócuas e escondem as principais causas para o índice abusivo de partos cirúrgicos no Brasil. Ademais, fixar percentuais de cesáreas em 15% usando dados antigos da OMS é desconhecer que estes índices não são, nos dias atuais, alcançados por nenhum país de primeiro mundo com assistência obstétrica bem estruturada. Tampouco serão atingidos em nosso país, na saúde suplementar ou na saúde pública, por melhor sucedido que possa ser qualquer programa de incentivo ao parto normal.

 O Ministro da Saúde a os dirigentes da ANS sabem ou deveriam saber que existem problemas subjacentes muito mais sérios para o elevado número de cesáreas que estão ocorrendo no sistema de saúde suplementar no Brasil. Apenas para citar alguns, vale lembrar a redução progressiva do número de leitos obstétricos nos hospitais e maternidades credenciados, a falta de ambiência adequada nos hospitais e maternidades e a falta de equipes de plantonistas presenciais apropriada para assistência obstétrica nas maternidades. Imaginar que categorizar obstetras como bons ou ruins pelos seus percentuais de cesáreas seja a solução para o problema é, no mínimo, na melhor das hipóteses, um desconhecimento profundo do problema. Isto não resolve. É o mesmo que imaginar que carimbando médicos de outras especialidades pelos seus percentuais de realização ou não de determinados procedimentos específicos de suas especialidades, vá se resolver todas as mazelas que vive o sistema de saúde suplementar nos dias atuais.

(Fonte: http://www.sogesp.com.br/noticias/sogesp/repercussao-da-fala-do-ministro-da-saude-dr-arthur-chioro)

1.2.A COMO REDUZIR O NÚMERO DE CESARIANAS DESNECESSÁRIAS?

Conforme carta aberta da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Rio de Janeiro.

Se a conduta do Ministério da Saúde fosse menos autoritária e fechada ao diálogo, as associações de especialidade como a SGORJ poderiam ser parceiras do governo e ajudar a elaborar um plano calcado na educação e treinamento aos médicos obstetras para diminuir as taxas de cesarianas que realmente são altas no nosso país e reduzi-las para um patamar aceitável (que jamais será o de 15%).

Em verdade, a expectativa que se tinha, caso, efetivamente, a proposta fosse reduzir o número de cesáreas desnecessárias, era de que o ministro Chioro e a ANS fizessem uma análise mais profunda do problema, o que não foi feito.

O caminho para diminuição do número de cesarianas desnecessárias é a informação, a educação, o diálogo, além do aumento de número de leitos em maternidades e não a restrição autoritária de direitos e imposição de deveres.

Para a diminuição do número de cesarianas desnecessárias a ANS deveria enfrentar as operadoras de planos de saúde para exigir que as maternidades credenciadas tenham equipes de assistência obstétrica de plantão 24 horas – contemplando médicos obstetras, anestesistas, neonatologistas e enfermeiras com especialização em obstetrícia. Sobre isso, no entanto, nem o ministro, nem a ANS teceram qualquer consideração.[6]

Os poucos leitos de maternidade é fator preponderante para as cesarianas eletivas, pois não há garantia para a mulher e nem para o médico de que terá uma vaga em um hospital quando a paciente entrar em trabalho de parto, muitas mulheres e médicos preferem não correr esse risco.

A ANS tipificou tal norma sem se debruçar sobre a realidade atual das maternidades brasileiras, ora, não se atentou para a dificuldade de leitos? Não, tal norma colocou em destaque apenas os médicos, e não a mudança de postura esperável frente aos operados de planos de saúde.

A ANS ainda, esqueceu-se de notificar que a cesariana por diversas vezes é essencial para salvaguardar a vida da gestante e do feto, pois preocupou-se apenas em demonizá-la, descrevendo apenas seus riscos, como a exemplo, entre outras da placenta prévia centro total, da cesárea iterativa (duas cesáreas anteriores ou mais) e de incisões cirúrgicas prévias sobre o útero como acontece nas pacientes submetidas a retirada de miomas com preservação do útero (miomectomias prévias).

Não considerar estas situações em que a cesárea é recomendada e se não realizada causa sérios danos à saúde da mãe e do feto é simplesmente demonizar a cesárea, aumentar a desinformação e causar insegurança às gestantes quando de sua internação para dar à luz. Aumentando assim a insegurança na relação médico e paciente e fomentando a indústria do dano contra esta classe.

Não se pode olvidar, ainda, que o médico prefere a cesariana em virtude  da industria do erro médico que assombra a classe, o risco de denúncias e mesmo ameaças, em casos de resultados insatisfatórios. "Por que não indicou logo a cesariana?", denunciam os familiares, como se fosse sempre possível fazer esta previsão.

1.3 DOS INTERESSES ESCUSOS          

Na verdade há interesses escusos do governo ao tipificar tal resolução a realidade é nítido o propósito de um plano maior que é o de tirar o médico da assistência ao parto para baratear o custo em demérito da saúde da população.    

Para a Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo, as novas regras são inócuas e escondem as principais causas para o índice abusivo de partos cirúrgicos no Brasil.

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Rodrigo Constantino cita,

O governo usa essa cortina de fumaça contra a cesariana e os médicos para esconder a precariedade do sistema público de saúde notória. Retirar o médico da assistência e diminuir as taxas de cesarianas é uma forma de diminuir gastos em detrimento da saúde dos brasileiros. Impressionante como no atual momento ONGs de feministas são mais ouvidas em questões técnicas em relação ao parto que as associações científicas da ginecologia e obstetrícia. Mais que um absurdo que coloca em risco a população, isso é um desrespeito com os profissionais obstetras do Brasil. Recentemente, uma reunião da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara sobre temas relacionados a partos de onde saiu um projeto de lei sobre o tema não chamou qualquer entidade representativa dos ginecologistas-obstetras. O resultado disso foi um Projeto de Lei completamente absurdo que se aprovado da forma como está colocará em risco as gestantes do Brasil.[7]

O autor Dr. Ézio Ojeda, argumenta,

Qual o objetivo ou propósito disso tudo? Talvez seja apenas uma evolução natural da humanidade em se desfazer dos seus antigos valores e reavaliar sua filosofia, atualizando a história, o que de per si já seria um engano. Talvez, pior. Perversa exista uma manobra de sucatear para baratear a mão-de-obra em avançada decomposição. Alguém se lembra desta astúcia neoliberal? De qualquer forma, as consequências serão lastimáveis. Pelo andar da carruagem, teremos carência destes experts na praça.[8]


2- DA INCOMPETÊNCIA DA ANS PARA REGULAMENTAÇÃO DA ATUAÇÃO DO MÉDICO

Segundo Lei 3.268/57- Caberá ao Conselho Profissional a regulamentação da atividade profissional dos médicos.

Art . 2º O conselho Federal e os Conselhos Regionais de Medicina são os órgãos supervisores da ética profissional em tôda a República e ao mesmo tempo, julgadores e disciplinadores da classe médica, cabendo-lhes zelar e trabalhar por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho ético da medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exerçam legalmente.

Art. 15 – São atribuições dos Conselhos Regionais:

 (...) h) promover, por todos os meios ao seu alcance, o prefeito desempenho técnico e moral da medicina e o prestígio e bom conceito da medicina, da profissão e dos que a exerçam...”

Com efeito, a União, por intermédio da Lei supracitada, outorgou aos Conselhos de Medicina a legitimidade para tratar de temas atinentes à área médica. O CFM possui, em realidade, o poder dever de regulamentar os assuntos atinentes ao exercício moral e ético da medicina, atuando, dessa forma, nos escorreitos limites de sua competência legalmente definida.

Assim a resolução da ANS referida, tem caráter regulatório da atuação do médico e a competência para tal conduta é exclusiva do CRM ao qual o médico estiver vinculado.

A norma extrapola completamente suas atribuições, pois a ANS carece de legitimidade para legislar, sobre a matéria pretendida, tendo em vista que ingressa na seara dos Conselhos de Medicina e das Sociedades Especializadas.

2.1. A RESOLUÇÃO DARÁ MARGEM AO AUMENTO DE RECUSAS PELOS PLANOS DE SAÚDE: A LESÃO À AUTONOMIA DO MÉDICO

A resolução tem como intuito reduzir o número de cesarianas na rede de saúde suplementar, porém lesa o direito da paciente a opção de escolha pela via de parto, visto que vincula o partograma como documento necessário a pagamento do procedimento de parto, bem como fornecimento de relatório justificando a não utilização do partograma.

Assim, para o médico obstetra receber o procedimento de cesariana realizada, nos casos de parto eletivo, ou seja, aquele que a paciente agenda com o médico a data e hora da cirurgia, ele deve justificar a indicação do procedimento cirúrgico ao plano de saúde, que por sua vez passa a controlar e contabilizar quantos partos cirúrgicos são feitos e suas justificativas.

É notório que tal medida, não incentiva a realização do parto normal e sim cerceia a autonomia do médico e, especialmente, a opção da paciente pela via de parto mais conveniente.

Portanto o parto cirúrgico eletivo por opção da paciente e com avaliação do médico especialista, tornou-se implicitamente excluído da cobertura contratual.

Assim, é notório que tal resolução abrirá brechas para que os planos de saúde recusem pagamento, ou seja, recusar cobertura ao parto cesárea eletivo por opção do paciente.

Caberá a paciente recorrer ao judiciário para garantia de seu direito. Pois é notório o entendimento que não cabe ao plano de saúde interferir na conduta médica. Há tipificado no Código de Ética Médica a independência destes profissionais. Porém é certo que tal resolução fundamentará muitas recusas e glosas.

Rafael Robba adverte,

“Há entendimento do Judiciário de forma pacifica que quem decide a modalidade do procedimento a que o paciente vai se submeter é o médico e não o plano de saúde. A partir do momento que o médico prescrever ou optar por um parto cesariano, o plano de saúde não pode se negar a cumprir por conta da resolução.”

O professor Rollo faz coro ao fato de que a conduta clínica é do médico e os planos e seguros de saúde não podem nela interferir. Porém, alerta que a tendência do médico “será a adoção da conduta mais conservadora, que minore os riscos à gestante e ao bebê”, ao passo que planos e seguros de saúde quererão desqualificar a opção do médico pela cesárea, “para não pagar seus custos, carreando o ônus do processo judicial aos consumidores, aos médicos e aos hospitais”.

Nesse sentido, Rafael Robba assinala que, se o plano de saúde eventualmente negar autorização ou reembolso da cesárea com base na resolução, o consumidor pode buscar o Judiciário para que prevaleça a indicação do seu médico. “O plano de saúde não pode jamais interferir na conduta do médico.” [9]

Assim caberá ao paciente no caso de recusa de autorização buscar o judiciário para que prevaleça a indicação do seu médico.

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Sobre a autora
Amanda Bernardes

Advogada Especialista em Defesa Médica.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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