A Constituição Federal, em seu art. 23, estabelece o seguinte:
“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público;
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência.
III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;
IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;
V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;
VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;
VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar;
IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;
X - combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos;
XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios;
XII - estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito.
Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)”
O dispositivo supra demarcou a área das atribuições materiais ou de execução exercitáveis, em parceria, por todos os integrantes da Federação, convocados para uma ação conjunta e permanente, visando ao atendimento de objetivos de interesse público, de elevado alcance social, a demandar uma soma de esforços.[1]
Portanto, segundo o dispositivo acima conferido, em se tratando de matéria ambiental deve haver a cooperação dos entes federativos. A fim de regulamentar a norma constitucional, com relação aos incisos destacados, surge, em 2011, a Lei Complementar nº 140.
A Lei Complementar surgiu com o objetivo de fixar normas nos termos dos incisos III (meio ambiente cultural), VI (proteção do meio ambiente e combate à poluição em todas as suas formas) e VII (preservação das florestas, da fauna e da flora) do caput e do parágrafo único do art. 23 da CF, “visando a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis à proteção do meio ambiente, ao combate da poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da fora”[2].
Objetiva-se desfederalizar procedimentos que antes de sua vigência concentravam-se apenas no âmbito da União Federal.
Cumpre esclarecer que a legislação ora discutida está em harmonia com o conteúdo da Lei nº 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente), ratificando no plano legislativo todos os argumentos anteriormente aduzidos.[3]
A Lei Complementar nº 140/11 se inicia, em seu art. 2º, com a apresentação dos conceitos de licenciamento ambiental, atuação supletiva e atuação subsidiária. Já no art. 3º corrobora com a intenção legislativa do Constituinte de 1988 acerca da cooperação entre os entes federativos, listando seus objetivos comuns. Somente a título de exemplo, cite-se a garantia ao equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico com a proteção do meio ambiente, observando a dignidade da pessoa humana, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais.[4]
O art. 4º estabelece formas de cooperação entre os entes, dentre os quais estão os consórcios públicos, convênios, acordos de cooperação técnicas, delegação de atribuições de um ente a outro, delegação de execução das ações administrativas, fundos públicos e privados.
Já em seu art. 6º a Lei trata das ações de cooperação, tratando nos arts. 7º, 8º e 9º das ações administrativas da União, dos Estados e dos Municípios, respectivamente.
Tratando-se de ações administrativas dos Municípios, cite-se a execução, no âmbito Municipal, das Políticas Nacionais e Estaduais de Meio Ambiente, o exercício da gestão de recursos ambientais no âmbito de suas atribuições e a promoção da integração de programas e ações de órgãos e entidades da administração pública federal, estadual e municipal relacionadas à proteção e a gestão ambiental.
A título de exemplo da aplicação da Lei Complementar nº 140/2011, cite-se, no âmbito do Estado de Minas Gerais, acordo de cooperação técnica firmado no dia 5 de junho de 2013 entre IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais), SEMAD (Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável) e IEF (Instituto Estadual de Florestas). O acordo visa a união de esforços entre o Estado de Minas Gerais e a União na gestão da fauna no Estado.
Não obstante a legislação em comento estar em vigor, a doutrina faz duras críticas a sua aplicação prática. Édis Milaré assegura que “os entes federativos não podem atuar autônoma e indistintamente sobre as matérias discriminadas no art. 23 da CF, de modo cumulativo, ou, ainda, pretender sobrepor-se uns aos outros, sob pena de invalidação dos atos que excederem os limites legais”[5]. Assim, a falta de equilíbrio na atuação simultânea dos entes em prol da defesa do meio ambiente gera enorme insegurança jurídica.[6]
Assim como Milaré, Vladmir Freitas também escreveu sobre o tema[7]:
“A insegurança que se cria com a indefinição a todos prejudica. Ao meio ambiente, porque não sabe a quem dirigir-se para a solução de suas pretensões e até mesmo para reinvidicar ao Poder Judiciário (federal ou estadual, dependendo do órgão ambiental)”
Ademais, o grande questionamento que se faz acerca da aplicação da legislação diz respeito a fiscalização. Vejamos o conteúdo do art. 17 da LC 140/11:
“Art. 17. Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada.
§ 3o O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput”.
Como se observa, o caput do art. 17 assegura que compete ao órgão responsável pelo licenciamento a fiscalização do empreendimento, ao passo que seu § 3o informa que não há impedimento deste exercício pelos entes da atribuição comum. Os dispositivos acima estariam entrando em contradição dentro da mesma norma?
A solução da situação exposta não é pacífica. Tanto a doutrina quanto a jurisprudência divergem bastante neste tema.
No entanto, adiante-se o posicionamento adotado por este trabalho, que corrobora com a posição de Édis Milaré, senão vejamos:
“A competência para fiscalizar está igualmente prevista no art. 23 da Constituição de 1988 e se insere, portanto, dentro da competência comum de todos os entes federados. A interpretação do referido artigo, no tocante à fiscalização ambiental, deve ser feita de forma ampliativa, no sentido de que a atividade seja exercida cumulativamente por todos os entes federados”.
Entende-se que a Lei Complementar não poderia limitar ou reduzir a competência comum prevista no art. 23 da Constituição Federal. Somente a própria Constituição poderia impor qualquer limitação na atuação dos entes federados.
Muito embora alguns entendam que a fiscalização compete apenas ao ente licenciador, a legislação deve ser interpretada à luz dos dispositivos Constitucionais ambientais. Neste sentido, ao fazer uma leitura integrada das normas, conclui-se que não pode a lei complementar tolher um direito constitucionalmente garantido em 1988.
BIBLIOGRAFIA
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. – 9. Ed. Rev., atual. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2013.
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Comentário ao art. 23, caput. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.) Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. P. 747.
Lei Complementar nº 140/2011
FREITAS, Vladmir Passos de. A Constituição Federal e a efetividade das normas ambientais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
[1] ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Comentário ao art. 23, caput. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.) Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. P. 747.
[2] FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2013.
[3] Idem
[4] Art. 3º, II da Lei Complementar 140/11
[5] MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. – 9. Ed. Rev., atual. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.
[6] Idem
[7] FREITAS, Vladmir Passos de. A Constituição Federal e a efetividade das normas ambientais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 81-82.