IV – Subordinação – Aspectos, requisitos e sua caracterização.
1. Características.
Esclarece Sergio Pinto Martins[9] que a palavra explicitada, na regra legal é dependência, mas que se costuma usar o vocábulo subordinação, por ser mais exato no que diz respeito à relação, vínculo, e conceitua: "Subordinação é o aspecto da relação de emprego visto pelo lado do empregado, enquanto poder de direção é a mesma acepção vista pelo ângulo do empregador".
Salienta também[10], lembrando a existência de várias formas de subordinação (econômica, técnica, hierárquica), asseverando, no entanto, que a tese da subordinação jurídica é a mais aceita: "em função da situação do contrato de trabalho, em que está sujeito a receber ordens, em decorrência do poder de direção do empregado, do seu poder de comando".
O jovem jurista Ricardo Marcelo Fonseca[11] também apanha com profundidade a questão das origens da subordinação, de modo a explicitar qual a diferença entre subordinação jurídica e subordinação pura e simples.
De forma direta frisa que o diferencial estaria nos limites da atividade econômica do empregador, do risco físico e do atentado moral do empregado, e da prática de ato que seja ilícito. No mais, segundo afirma, são idênticas.
Lembra, o ilustre Jurista[12], a necessidade de se compreender que:
"[...] não foi o direito que inventou a relação de trabalho subordinado e o requisito da subordinação jurídica, traçando depois a linha divisória do que seria o limite de uma subordinação jurídica e uma subordinação não jurídica. O que de fato ocorreu é que a subordinação do trabalhador pré-existia à regulamentação do contrato de trabalho, e o direito positivo, confrontando-se com uma situação de subordinação já existente, traçou os limites formais para definir até onde essa subordinação poderia ser exercida licitamente (e denominou-a subordinação jurídica)”.
2. Aspectos subjetivistas e personalistas.
Uma das obras mais significativas do direito do trabalho brasileiro é o Curso escrito por Orlando Gomes em parceria com Elson Gottschalk[13]. Nessa obra, os autores asseveraram ser o critério da subordinação jurídica ou da dependência hierárquica o que tem logrado maior aceitação na doutrina, na legislação e na jurisprudência.
Nesse sentido explicam:
"A atividade do empregado consistiria em se deixar guiar e dirigir, de modo que as suas energias convoladas no contrato, quase sempre indeterminadamente, sejam conduzidas, caso por caso, segundo os fins desejados pelo empregador. Tanto ao poder de comando como ao de direção do empregador corresponde o dever específico do empregado de obedecer. O poder de comando seria o aspecto ativo e o dever de obediência o passivo da subordinação jurídica".
Também se posiciona nesse sentido Roberto Norris[14] dizendo: "A todo contrato de trabalho se aplica o poder diretivo do empregador, com os seus respectivos consectários. Desta forma, pode-se afirmar que o contrato laboral gera o estado de subordinação, vinculado à própria relação jurídica empregatícia, surgindo, desta forma, o status subietionis do empregado”.
A Professora Aldacy Rachid Coutinho[15] também lembra o fato de que, embora o empregado seja protegido pelo direito, que o defende das agruras econômicas, ele deve, juridicamente, obediência e fidelidade ao seu empregador, encontrando-se em latente estado de submissão da sua vontade às ordens do empregador que detém o poder de dirigi-lo, fiscalizar a sua conduta e vida, e, por conseqüência, puni-lo no próprio interesse.
O critério da subordinação jurídica ou da dependência hierárquica é o que tem logrado maior aceitação na doutrina, na legislação e na jurisprudência, vinculando-se ao poder diretivo do empregador e ao estado de sujeição do empregado.
Conclui a brilhante jurista[16]: "A subordinação ressalta esse estado pessoal de sujeição ao poder de direção, que é um estado jurídico, criado ou revelado pelo contrato de trabalho; um modo de ser do sujeito, do qual decorrem deveres e obrigações; dentre esses deveres, o de fidelidade, obediência e disciplina” ·.
3. Aplicabilidade
Baseado na doutrina alemã, e no direito italiano, Paulo Emilio Ribeiro de Vilhena[17] busca uma imagem a que os juristas venham a afeiçoar a subordinação atenuando a rigidez divisória, e que representaria uma validade maior e mais constante na esfera das relações trabalhistas, para o que considera: "uma relação de coordenação ou de participação integrativa ou colaborativa, através da qual a atividade do trabalhador como que segue, em linhas harmônicas, a atividade da empresa, dela recebendo o influxo próximo ou remoto de seus movimentos” [18].
O vínculo subordinativo teria como suposto conformador, como atividade coordenada "a atitude harmônica do prestador de serviços, rente com a regular manutenção daquela parcela da dinâmica empresária e de seu processo produtivo, que lhe cabe dar seguimento".[19]
4. Conceito objetivo e seus requisitos
Arion Sayão Romita[20] afirma, com veemência: "A subordinação não significa sujeição ou submissão pessoal. Este conceito corresponde a etapa histórica já ultrapassada e faz lembrar lutas políticas que remontam à condição do trabalhador como objeto de locatio (locação), portanto equiparado a coisa (res). O trabalhador, como pessoa, não pode ser confundido com a atividade, este sim, objeto de relação jurídica".
Para verificar-se a existência de subordinação não seria exigida "a efetiva e constante atuação da vontade do empregador. Basta a possibilidade jurídica dessa atuação. Por isso, a subordinação não deve ser confundida com submissão a horário, controle direto do cumprimento de ordens, etc. O que importa é a possibilidade, que assiste ao empregador, de intervir na atividade do empregado” [21].
Recorda Arion[22] exemplos jurisprudenciais pelos quais já foram proferidas decisões no sentido de que a prestação de serviços gera a presunção iuris tantum[23] da existência de contrato de trabalho; e, também, aplicando analogicamente o art. 455 da CLT[24], pressupõe o conceito puramente objetivo da subordinação que vincula os empregados do empreiteiro ao empresário, em cujo estabelecimento eles trabalham, se os serviços podiam ser executados, normalmente, pelos empregados do empregador.
Seguindo esta tendência progressista, o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, por sua 2ª Turma, já se manifestou a respeito:
"VÍNCULO DE EMPREGO. REQUISITOS LEGAIS. NOVA INTERPRETAÇÃO. CONTRATO-REALIDADE. ALTERIDADE. O contratualismo do direito civil não se presta a explicar a verdadeira concepção de contrato, no direito do trabalho. O contrato de trabalho é denominado contrato-realidade porque existe, não no acordo abstrato de vontades, mas na realidade da prestação do serviço, independente do que foi pactuado entre empregado e empregador. A subordinação, com as características impressas pelo moderno mercado de trabalho, e a alteridade, requisito de construção doutrinária que significa a prestação de serviços por conta alheia, devem ser conjugados para aferir se existe efetiva autonomia ou se a relação é de emprego, apesar de formalmente constituída como contrato de índole civil. Recurso provido para reconhecer a relação de emprego e determinar o retorno dos autos à origem para análise dos demais pedidos"
No Acórdão nº 9257/02, também reconheceu a existência de vínculo de emprego entre médico plantonista e hospital, salientando, igualmente, o critério objetivo da subordinação jurídica, em referência às obras de José Augusto Rodrigues Pinto[25] e Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena[26]:
"Por outro lado, o trabalho desempenhado pela autora representa um contrato de atividade, no qual há dispensa de energia pessoal de um contratante em proveito de outro (JOSÉ AUGUSTO RODRIGUES PINTO - in 'O Direito do Trabalho e as questões do nosso tempo' - Ltr). É aí que reside, o ponto nevrálgico da questão: há no caso a presença de alteridade, eis que a energia pessoal e intelectual do trabalhador é direcionada em proveito econômico para o empresário da atividade, que assume os riscos do empreendimento.”
Sobre o caso concreto em exame, assim relatou o Excelentíssimo Juízo:
"Não se pode deixar de cogitar que a autora, estando investida em função de alto grau intelectual e de especialização (médica obstetra e ginecologista), não possuía aquela subordinação comumente presente nas relações de emprego que envolvem trabalho braçal, onde há um poder diretivo de grande importância, mas uma subordinação diáfana. É do conhecimento comum que os médicos que laboram em hospitais, não possuem a subordinação jurídica, tal como ocorre com a grande maioria dos trabalhadores. O médico é profissional altamente qualificado e especializado: após passar por seis anos de curso de graduação, mais a residência (geralmente dois anos ou mais), posteriormente a especialização e ainda, a realização de prova junto à entidade na qual procura admissão e inscrição como especialista, é colocado no mercado do trabalho, na qualidade de trabalhador ímpar, eis que os conhecimentos adquiridos durante o longo caminho percorrido (cerca de dez anos), concede-lhe a liberdade de atuação na sua atividade, vale dizer, a sua opinião e atuação como médico não é dirigida por outrem, como a força do prestimoso operário o é. Mas, de forma muito tênue, quase que inexistente, - processo de diluição a que se refere De Ferrari - em que pese a existência do vínculo de emprego, identificado à luz de outros elementos, sobretudo na análise da dinâmica da empresa, e a sua importância na organização desta". (grifo nosso)
Lembrou-se, neste julgamento, o sustentado por De Ferrari (in Derecho Del Trabajo. Buenos Aires. Ed. Depalma), no sentido de que devemos defender-nos de outro conceito que confunde a subordinação com o cumprimento de horário e convivência de empregado e empregador, porque este modo de ver concederia a uma das partes a possibilidade material de dar ordens e controlar diretamente seu cumprimento, o que, em rigor, não tem importância, concluindo, brilhantemente, que na dinâmica e na estrutura da empresa, que pressupõe integração e coordenação de atividades, a exteriorização da subordinação em atos de comando é fenômeno da ocorrência irregular, variável, muitas vezes imperceptível e esses atos sofrem um processo de diluição, até quase desaparecerem, na medida em que o trabalho se tecniza e se intelectualiza.
Com efeito, consoante as disposições dos artigos 2º e 3º da CLT[27], é empregado quem presta, pessoalmente, serviços não eventuais, de forma subordinada, a quem, assumindo os riscos do empreendimento, fiscaliza e remunera a prestação destes serviços.
A relação de emprego se estabelece independentemente da vontade das partes, submetida apenas à existência concomitante dos elementos que a informam.
Nesta esteira, é comum dizer que, na expressão permanente de La Cueva[28], o contrato de trabalho é um contrato-realidade, sobrepujando-se a prestação de trabalho efetiva, na prática, sobre qualquer estipulação formal que venha a reconhecer outra forma de vínculo.
Moderna teoria advoga que para se verificar a existência de subordinação não seria exigida a efetiva e constante atuação da vontade do empregador, bastando a sua possibilidade jurídica.
Importante recordar, também, que sendo pacífica a prestação de serviços, emerge a presunção juris tantum[29] de existência de relação de emprego, enquanto consectário lógico daquela situação fática.
Transcreve-se, ainda, neste sentido, ementa do Acórdão nº 2.058/97:
"VINCULO DE EMPREGO. MÉDICO PLANTONISTA. É inconcebível a contratação de médicos autônomos em Setor de Pronto Socorro, onde a própria natureza da atividade determina a permanência desses profissionais em tempo integral, de tal forma que sofrem permanente vigilância da instituição onde trabalham. Destarte, a condição de profissional liberal não desnatura a relação empregatícia, desde que o obreiro preste serviços subordinados juridicamente, conforme leciona o mestre Délio Maranhão. No caso concreto, o vínculo de emprego se impõe ante a presença dos pressupostos do artigo 3º, 'caput', da CLT."
Por fim, cabe lembrar outra decisão importante, do E. TRT da 17ª Região:
"Dispõe o art. 249, § 2º, do CPC, que não será declarada nulidade quando o juiz puder decidir no mérito em favor da parte. Tal regra, decorrente dos princípios processuais da instrumentalidade e da economia, tem plena aplicação no processo trabalhista (art. 769, da CLT). Em sede de vínculo empregatício, incumbe ao obreiro somente provar o labor em prol de outrem (subordinação objetiva); aquele que usufrui do trabalho e empresta-lhe outra conotação jurídica que não a de emprego, seja pela eventualidade, ou ainda, pela inocorrência de subordinação subjetiva (direito de comando de fiscalização), em suma, direção dos trabalhos deve demonstrar tais fatos prejudiciais ao direito do trabalhador (arts. 818 da CLT e 333, II, do CPC) sob pena de sucumbir na demanda. De qualquer modo, havendo contradição no conjunto probatório sobre a existência da relação de emprego, impõe-se decisão em favor desta (aplicação do princípio in dubio pro operario[30])”.
5. A parassubordinação
O jovem jurista José Affonso Dallegrave Neto[31] menciona o neologismo parassubordinação, que traduz subordinação mitigada, "própria de empregados altamente qualificados ou controlados à distância, ou, ainda, das figuras contratuais resididas na zona fronteiriça entre o trabalho autônomo e a relação de emprego, como, por exemplo, o representante comercial e o vendedor pracista".
Refere que isso pode servir para uma exegese excludente ou para uma nova hermenêutica includente, de tal forma que: os adeptos do neoliberalismo não incluem esses trabalhadores na órbita celetista, fazendo interpretação restritiva do art. 3º da CLT[32]; já os juristas voltados a uma hermenêutica constitucional com base nos arts. 170 e 193 da CF/88[33], a tutela da CLT deve ampliar seu horizonte para acolher as novas figuras contratuais.
6. Relação de poder entre capital e trabalho
Reginaldo Melhado[34], em interessante, e profundo, trabalho, recentemente publicado, afirma que agora, no capitalismo, os trabalhadores são "´livres` e esse simulacro de liberdade dá status de racionalidade à sua submissão ao capital: há uma eleição voluntária que é inteiramente livre, no plano jurídico, mas rigorosamente coercitiva, no âmbito real em que a relação se dá".
Ao refutar o institucionalismo, o autor[35] sustenta que a relação entre capital e trabalho configura um contrato e, como tal, deriva de um conceito de vontades. Mas também discorda do contratualismo clássico, pois esse contrato "é visto como um negócio jurídico de compra e venda através do qual a capacidade de trabalho passa por um processo de intercâmbio sui generis (de seu próprio gênero), já que seu proprietário, ao aliená-la, não recebe em troca outra coisa senão o trabalho mesmo convertido em dinheiro".
Resume seu trabalho dizendo que "a relação de poder entre capital e trabalho, tal como configurada, é um fenômeno datado, próprio do modo de produção capitalista, e que será como ele um dia superado” [36].
No capitalismo os trabalhadores são tidos por livres, passando-se a idéia de racionalidade à sua submissão ao capital, o que, todavia, em realidade não existe. Embora a esperança esteja em sua superação, permanece, por ora, a relação de poder entre capital e trabalho, porque fenômeno próprio do modo de produção do regime capitalista.