O objetivo do presente trabalho é demonstrar que o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, especialmente por meio de seu órgão de direção superior, a Procuradoria-Geral de Justiça, adota e incentiva a realização de audiências públicas, o que indica a adoção de características da vertente societal de administração pública, a qual inclui a participação social como ferramenta no desenvolvimento de políticas estatais.
Inicialmente vale mencionar que a vertente societal destoa da administração pública na vertente gerencial, dentre outros pontos, ao dar voz e poder de intervenção ao “cliente” dos serviços públicos, alçando-o à categoria de cidadão.
Na administração pública societal, o súdito que cumpre as decisões do senhor transmuda-se em cidadão, participando como ator social das decisões governamentais.
Neste sentido, Ana Paula Paes de Paula (2005, p.159)
“Assim, busca-se criar organizações administrativas efetivas, permeáveis à participação popular e com autonomia para operar em favor do interesse público. Trata-se de estabelecer uma gestão pública que não centraliza o processo decisório no aparelho de Estado e contempla a complexidade das relações políticas, pois procura se alimentar de diferentes canais de participação, e modelar novos desenhos institucionais para conectar as esferas municipal, estadual e federal.”
Por outro enfoque, na administração pública gerencial as decisões governamentais são, em regra, verticais partindo da cúpula da administração pública para vincular o “cidadão-cliente”, que está na parte de baixo do contexto estatal.
Com a palavra, Luiz Carlos Bresser-Pereira (1996, p.17,24)
(...) “o serviço público brasileiro não logra se tornar um sistema plenamente burocrático, já que esse é um sistema superado, que está sendo hoje abandonado em todo o mundo, em favor de uma administração pública gerencial. E por esse mesmo motivo não consegue fazer a sua passagem para uma administração pública moderna, eficiente, controlada por resultados, voltada para o atendimento do cidadão-cliente.(...)
Por isso, no núcleo estratégico, onde essas características são muito importantes, ela deverá estar ainda presente, em conjunto com a administração pública gerencial. Já nos demais setores, onde o requisito de eficiência é fundamental dado o grande número de servidores e de cidadãos-clientes ou usuários envolvidos, o peso da administração pública burocrática deverá ir diminuindo até praticamente desaparecer no setor das empresas estatais.”
Mencionado esse ponto destoante entre as vertentes societal e gerencial, há que se indicar a importância dada pelo Ministério Público às audiências públicas.
Assim está disposto no Manual de Atuação Funcional do Ministério Público (2008, p. 90/102):
“O ensino no País contribui para a exclusão de um grande contingente popular do processo democrático e não cumpre os objetivos e princípios informadores da educação, estabelecidos no art. 205 da CF/88, especialmente o pleno desenvolvimento da pessoa e o seu preparo para o exercício da cidadania. Até que haja a reestruturação do ensino médio no Brasil, a imprensa e as instituições de defesa social, como o Ministério Público, têm um compromisso, imposto constitucionalmente, de contribuir para a divulgação dos direitos e deveres inerentes à cidadania, possibilitando que um maior número de cidadãos participem efetivamente do processo de democratização da sociedade brasileira e, com isso, não fiquem dispersos e sujeitos a manobras imorais e espúrias do poder político e econômico.(...)
Além das cartilhas cidadãs, da divulgação e da transparência em relação às medidas e às ações da Instituição, o mecanismo da audiência pública é um legítimo canal para que o Ministério Público, em pleno diálogo com a sociedade, possa exercer, efetivamente, essa função pedagógica da cidadania, ampliando a sua legitimação social.
A audiência pública encontra-se fundamentada no princípio constitucional do exercício direto da soberania popular, estabelecido no art. 1º, parágrafo único, da CF/88. Prevê o referido dispositivo constitucional que “Todo o poder emana do povo, exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Constitui-se, assim, mecanismo de exercício direto da soberania popular, pois o cidadão, por si, ou por seus entes sociais representativos, é convidado a apresentar propostas, reivindicar direitos, exigir a observância de deveres constitucionais e infraconstitucionais, bem como a tomar ciência de fatos ou medidas adotadas ou a serem adotadas pelas autoridades públicas.”
Posto isto, resta claro o ponto de contato entre a participação social defendida pela vertente societal e as audiências públicas fomentadas pelo Ministério Público. Ambas as propostas tem clara relação com a Teoria do Agir Comunicativo, elaborada por Jürgen Habermas.
Sobre o tema, vejamos Ana Paula Ferrari Lemos Barros (2008, p.28):
“A esfera pública passou a ser o lugar de conflito entre diferentes grupos de interesse que procuram a mídia para manipular a audiência, ou o público. O termo “público” aqui pode ser empregado para referir-se a fenômenos distintos, como algo aberto e disponível a todos (visibilidade); algo potencialmente concernente a todos (de interesse comum) e como uma reunião de pessoas, ou audiência (ASEN; BROUWER, 2001).
Na revisão do conceito, Habermas (1997) descreve a esfera pública ou espaço público como o espaço de discussão, fundamentado na capacidade de confrontar argumentos racionais com a opinião baseada na razão. A soberania do povo, em sociedades complexas, passou a ser entendida como um processo prático de argumentação, fruto da interceptação e sobreposição de discursos.”
Assim, evidente que o Ministério Público do Estado de Minas Gerais vem adotando, ainda que desapercebidamente, o modelo societal de administração pública, ao permitir que suas decisões institucionais sejam influenciadas pela vontade dos cidadãos, legítimos interessados na boa transformação da realidade social.
Em conclusão e reiterando, a audiência pública é mecanismo constitucional de participação democrática, decorrente da soberania popular, devendo ser adotada tanto na formulação de políticas públicas no âmbito da administração pública, quanto pelos demais Poderes (Judiciário, Ministério Público e Legislativo) como meio de legitimação e adequação das ações do Estado.
Bibliografia:
Barros, Ana Paula Ferrari Lemos. A importância do conceito de esfera pública de Habermas para a análise da imprensa - uma revisão do tema. Brasília, 2008.
Bresser-Pereira, Luiz Carlos. Da administração pública burocrática à gerencial. Brasília, 1996.
Minas Gerais. Ministério Público. Procuradoria-Geral de Justiça. Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional. Manual de Atuação Funcional do Ministério Público do Estado de Minas Gerais/ Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional. Belo Horizonte: CEAF, 2008
Paula, Ana Paula Paes de. Por uma nova gestão pública: limites e potencialidades da experiência contemporânea / Ana Paula Paes de Paula. – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.