As audiências promovidas pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais e a vertente societal de administração pública

04/03/2015 às 10:42
Leia nesta página:

O objetivo do presente trabalho é demonstrar que o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, especialmente por meio de seu órgão de direção superior, a Procuradoria-Geral de Justiça, adota e incentiva a realização de audiências públicas, o que indica

O objetivo do presente trabalho é demonstrar que o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, especialmente por meio de seu órgão de direção superior, a Procuradoria-Geral de Justiça, adota e incentiva a realização de audiências públicas, o que indica a adoção de características da vertente societal de administração pública, a qual inclui a participação social como ferramenta no desenvolvimento de políticas estatais.

Inicialmente vale mencionar que a vertente societal destoa da administração pública na vertente gerencial, dentre outros pontos, ao dar voz e poder de intervenção ao “cliente” dos serviços públicos, alçando-o à categoria de cidadão.

Na administração pública societal, o súdito que cumpre as decisões do senhor transmuda-se em cidadão, participando como ator social das decisões governamentais.

Neste sentido, Ana Paula Paes de Paula (2005, p.159)

“Assim, busca-se criar organizações administrativas efetivas, permeáveis à participação popular e com autonomia para operar em favor do interesse público. Trata-se de estabelecer uma gestão pública que não centraliza o processo decisório no aparelho de Estado e contempla a complexidade das relações políticas, pois procura se alimentar de diferentes canais de participação, e modelar novos desenhos institucionais para conectar as esferas municipal, estadual e federal.”

Por outro enfoque, na administração pública gerencial as decisões governamentais são, em regra, verticais partindo da cúpula da administração pública para vincular o “cidadão-cliente”, que está na parte de baixo do contexto estatal.

Com a palavra, Luiz Carlos Bresser-Pereira (1996, p.17,24)

(...) “o serviço público brasileiro não logra se tornar um sistema plenamente burocrático, já que esse é um sistema superado, que está sendo hoje abandonado em todo o mundo, em favor de uma administração pública gerencial. E por esse mesmo motivo não consegue fazer a sua passagem para uma administração pública moderna, eficiente, controlada por resultados, voltada para o atendimento do cidadão-cliente.(...)

Por isso, no núcleo estratégico, onde essas características são muito importantes, ela deverá estar ainda presente, em conjunto com a administração pública gerencial. Já nos demais setores, onde o requisito de eficiência é fundamental dado o grande número de servidores e de cidadãos-clientes ou usuários envolvidos, o peso da administração pública burocrática deverá ir diminuindo até praticamente desaparecer no setor das empresas estatais.”

Mencionado esse ponto destoante entre as vertentes societal e gerencial, há que se indicar a importância dada pelo Ministério Público às audiências públicas. 

Assim está disposto no Manual de Atuação Funcional do Ministério Público (2008, p. 90/102):

“O ensino no País contribui para a exclusão de um grande contingente popular do processo democrático e não cumpre os objetivos e princípios informadores da educação, estabelecidos no art. 205 da CF/88, especialmente o pleno desenvolvimento da pessoa e o seu preparo para o exercício da cidadania. Até que haja a reestruturação do ensino médio no Brasil, a imprensa e as instituições de defesa social, como o Ministério Público, têm um compromisso, imposto constitucionalmente, de contribuir para a divulgação dos direitos e deveres inerentes à cidadania, possibilitando que um maior número de cidadãos participem efetivamente do processo de democratização da sociedade brasileira e, com isso, não fiquem dispersos e sujeitos a manobras imorais e espúrias do poder político e econômico.(...)

Além das cartilhas cidadãs, da divulgação e da transparência em relação às medidas e às ações da Instituição, o mecanismo da audiência pública é um legítimo canal para que o Ministério Público, em pleno diálogo com a sociedade, possa exercer, efetivamente, essa função pedagógica da cidadania, ampliando a sua legitimação social.

A audiência pública encontra-se fundamentada no princípio constitucional do exercício direto da soberania popular, estabelecido no art. 1º, parágrafo único, da CF/88. Prevê o referido dispositivo constitucional que “Todo o poder emana do povo, exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Constitui-se, assim, mecanismo de exercício direto da soberania popular, pois o cidadão, por si, ou por seus entes sociais representativos, é convidado a apresentar propostas, reivindicar direitos, exigir a observância de deveres constitucionais e infraconstitucionais, bem como a tomar ciência de fatos ou medidas adotadas ou a serem adotadas pelas autoridades públicas.”

Posto isto, resta claro o ponto de contato entre a participação social defendida pela vertente societal e as audiências públicas fomentadas pelo Ministério Público. Ambas as propostas tem clara relação com a Teoria do Agir Comunicativo, elaborada por Jürgen Habermas.

Sobre o tema, vejamos Ana Paula Ferrari Lemos Barros (2008, p.28): 

“A esfera pública passou a ser o lugar de conflito entre diferentes grupos de interesse que procuram a mídia para manipular a audiência, ou o público. O termo “público” aqui pode ser empregado para referir-se a fenômenos distintos, como algo aberto e disponível a todos (visibilidade); algo potencialmente concernente a todos (de interesse comum) e como uma reunião de pessoas, ou audiência (ASEN; BROUWER, 2001). 

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Na revisão do conceito, Habermas (1997) descreve a esfera pública ou espaço público como o espaço de discussão, fundamentado na capacidade de confrontar argumentos racionais com a opinião baseada na razão. A soberania do povo, em sociedades complexas, passou a ser entendida como um processo prático de argumentação, fruto da interceptação e sobreposição de discursos.”

Assim, evidente que o Ministério Público do Estado de Minas Gerais vem adotando, ainda que desapercebidamente, o modelo societal de administração pública, ao permitir que suas decisões institucionais sejam influenciadas pela vontade dos cidadãos, legítimos interessados na boa transformação da realidade social.

Em conclusão e reiterando, a audiência pública é mecanismo constitucional de participação democrática, decorrente da soberania popular, devendo ser adotada tanto na formulação de políticas públicas no âmbito da administração pública, quanto pelos demais Poderes (Judiciário, Ministério Público e Legislativo) como meio de legitimação e adequação das ações do Estado.

Bibliografia:

Barros, Ana Paula Ferrari Lemos. A importância do conceito de esfera pública de Habermas para a análise da imprensa - uma revisão do tema. Brasília, 2008.

Bresser-Pereira, Luiz Carlos. Da administração pública burocrática à gerencial. Brasília, 1996.

Minas Gerais. Ministério Público. Procuradoria-Geral de Justiça. Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional. Manual de Atuação Funcional do Ministério Público do Estado de Minas Gerais/ Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional. Belo Horizonte: CEAF, 2008

Paula, Ana Paula Paes de. Por uma nova gestão pública: limites e potencialidades da experiência contemporânea / Ana Paula Paes de Paula. – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Renato Rezende Neto

Mestre em Administração Pública pela Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL, Especialista em Direito Penal pela Faculdade Damásio, Especialista em Direito Público pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL (2010), Graduado pela Faculdade de Direito de Varginha – FADIVA (2005). Oficial do Exército Brasileiro. Foi Consultor jurídico nas áreas de Direito Administrativo, Constitucional, Difusos e Coletivos, Penal e Processual Penal. Foi Assessor Especial junto à Procuradoria de Justiça do Estado de Minas Gerais atuando nas áreas de Direito Administrativo, Constitucional, Difusos e Coletivos, Penal e Processual Penal. É professor de Direito Penal, Processual Penal e Processual Penal Militar.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O objetivo do presente trabalho é demonstrar que o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, especialmente por meio de seu órgão de direção superior, a Procuradoria-Geral de Justiça, adota e incentiva a realização de audiências públicas, o que indica a adoção de características da vertente societal de administração pública, a qual inclui a participação social como ferramenta no desenvolvimento de políticas estatais.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos