DIREITOS ASSEGURADOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 EM FUNÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
No Brasil, o princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana foi positivado na Constituição da República de 1988, no Título I – DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS, artigo 1º, inciso III, no qual o constituinte assegurou a dignidade a todos os seres humanos, devendo ser respeitados como pessoa, bem como a dignidade em relação à vida, à saúde, ao próprio corpo, direitos estes inerentes a toda pessoa humana.
O eminente jurista Alexandre de Moraes assim nos ensina:
A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo- se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas, sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. [1]
Mister esclarecer que há diferença entre os termos “dignidade da pessoa humana” e “dignidade humana”, sendo esta entendida como a humanidade em geral, a qualidade atribuída a todos os homens, e aquela refere-se ao homem individualmente.
Nesse sentido, discorre Ingo Wolfgang Sarlet:
“A dignidade constitui atributo da pessoa humana individualmente considerada, e não de um ser ideal ou abstrato, não sendo lícito confundir as noções de dignidade da pessoa humana e dignidade humana (da humanidade).” [2]
Sendo um princípio natural do homem, o princípio da dignidade da pessoa humana tem como escopo a proteção aos chamados Direitos de Personalidade, entendidos estes como sendo o direito à vida, à honra da pessoa, à integridade física, à saúde, à imagem e intimidade de cada ser humano e, ainda, às liberdades físicas e psicológicas.
Daí extraem-se várias questões hoje muito polêmicas acerca desses direitos, quais sejam, transplantes de órgãos, tecidos e partes do corpo humano, manipulação genética da pessoa, métodos de reprodução da vida humana, as situações de risco de vida, os casos de autorização de aborto de anencéfalos, dentre outros, sendo temas cada vez mais discutidos na sociedade atual, pois divergentes nas diversas culturas e religiões espalhadas pelo mundo.
Com efeito, a doutrina majoritária considera o princípio da dignidade da pessoa humana positivado na Constituição Federal de 1988 como valor absoluto, não autorizando qualquer tipo de restrição, pois se assim o fizer, estar-se-ia violando quaisquer dos princípios.
RELATIVIZAÇÃO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O texto constitucional de 1988 traz em seu bojo os valores fundamentais a embasarem a aplicação e interpretação das normas constitucionais no que diz respeito à busca pela cidadania, valores do trabalho e da livre iniciativa.
Sendo o princípio da dignidade da pessoa humana consagrado como fundamento da República Federativa do Brasil, o Poder Constituinte o reconheceu como um meio viável de se interpretar o texto da Constituição, podendo ele se sobrepor quando houver ponderação de valores.
Contudo, havendo uma colisão de direitos, é perfeitamente possível a relativização desse valor, uma vez que nenhum direito é absoluto, tomando como base a hermenêutica constitucional, bem como aplicando-se o princípio da cedência recíproca ou concordância prática ou, ainda, harmonização, o que não se manifesta a violação, dependo do caso concreto, dos demais princípios constitucionais.
Para o jurista alemão Robert Alexy, o princípio resulta da fusão de duas normas, quais sejam, uma regra e um princípio, no qual tal princípio poderia alcançar um poder absoluto, pleno, porém, ele sofreria uma relativização, e complementa: “pode-se dizer que a norma da dignidade da pessoa não é um principio absoluto e que a impressão de que o seja resulta do fato de que esse valor se expressa em duas normas — uma regra e um princípio —, assim como da existência de uma serie de condições sob as quais, com alto grau de certeza, ele precede a todos os demais” 19
O fundamento desse princípio traduz para os dias atuais a necessidade do ser humano ser tratado e reconhecido como pessoa e não mais como objeto, buscando dessa forma propiciar a igualdade entre os homens.
Essa questão da relativização do princípio em comento é defendida pelo professor e magistrado Ingo Wolfgang Sarlet, do Rio Grande do Sul, o qual sustenta que, mesmo prevalecendo sobre os demais princípios e regras constitucionais, a relativização do princípio da dignidade da pessoa humana faz-se necessária, mormente à sua própria condição principiológica, nesse sentido, assim ele considera:
O que nos parece deva ficar consignado é que não se deve confundir a necessidade de harmonizar, no caso concreto, a dignidade na sua condição de norma-princípio (que, por definição admite vários níveis de realização) com outros princípios e direitos fundamentais, de tal sorte que se poderá tolerar alguma relativização, com a necessidade de respeitar, proteger e promover a igual dignidade de todas as pessoas, não olvidando que, antes mesmo de ser norma
jurídica, a dignidade é, acima de tudo, a qualidade intrínseca do ser humano e que torna merecedor ou, pelo menos, titular de uma pretensão de respeito e proteção.20
No tocante à relativização do princípio da dignidade da pessoa humana, muitos são os exemplos de “sopesamento” de princípios, e, para tanto, seguem os seguintes casos, exempli gratia:
Como e.g. de caso concreto sobre a relativização do princípio da dignidade da pessoa humana, dentre tantos outros casos concretos, pode-se citar o meio pelo qual se busca comprovar a paternidade, onde há um confronto entre os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável (artigo 226, §7º da CF/1988), quando se verifica uma coação a que se veria o suposto pai à realização do exame de DNA.
Percebe-se o conflito entre dois direitos igualmente protegidos pelo ordenamento jurídico, no qual um se sobrepõe ao outro, deixando o princípio da dignidade da pessoa humana de ter um caráter absoluto. Tal fato precisou da intervenção do Estado, a fim de relativizar o princípio em tela.
Em julgado proferido pelo Superior Tribunal Federal, prevaleceu o entendimento da impossibilidade do suposto pai ser coagido a realizar exame de DNA, como pode ser observado, in verbis:
(...) discrepa, a mais não poder, de garantias constitucionais implícitas e explícitas – preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer – provimento judicial que, em ação civil de investigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório, “debaixo de vara”, para coleta do material indispensável à feitura do exame DNA. A recusa resolve-se no plano jurídico instrumental, consideradas a dogmática, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos”. (PLENO – HC nº71.373/RS – rel. Min. Francisco Rezek, Diário da Justiça, Seção I, 22.nov.1996, p. 45.686).21
Não menos conflitante é no sentido de haver confronto entre o direito de greve, expressamente previsto no nosso ordenamento jurídico, Constituição federal, artigo 9º, bem como na Lei Federal nº 7.783/1989, e o direito de liberdade de manifestação, reunião e expressão, no qual um direito se sobrepõe ao outro, causando um verdadeiro descompasso e desequilíbrio entre esses princípios, visto que há um conflito de valores em detrimento dos interesses da maioria.
Como bem se posicionou o eminente Professor universitário e Procurador de Justiça aposentado do estado de Mato Grosso do Sul, José Carlos de Oliveira Robaldo, em seu artigo “ Greve nos serviços públicos: reflexões”: (...) Absurdo duplamente. De um lado pela desproporção entre os interesses particulares dos funcionários (das empresas de ônibus e do metrô) e o interesse dos usuários (...)”, referindo-se à greve nos serviços de transportes públicos na cidade de São Paulo.22
Ainda, também sobre o direito de greve no serviço público, no julgamento do Mandado de Injunção nº 712 do estado do Pará, no qual se discutiu a aplicabilidade da lei nº 7.783/1989 até que sobrevenha lei regulamentadora a tratar do tema.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em virtude das considerações expendidas, verifica-se que o presente artigo trás um pouco de luz ao tema abordado, sem a pretensão de exaurí-lo visto que é muito amplo, porém, restou claro que os princípios não são absolutos em si mesmo, embora norteadores das fontes das normas jurídicas, bem como, do regramento geral das condutas em sociedade.
Dito isto, observa-se por todo o exposto que o principio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, além de princípio é um fundamento da República Federativa do Brasil, sendo inerente a pessoa humana, trata-se de valor moral, ético e honorífico que implica no respeito aos demais direitos naturais, bem como, a observância dos direitos de 1ª a 3ª geração dos direitos fundamentais.
A Dignidade da Pessoa Humana funciona como um metal imantado pela eletricidade que é a energia das aspirações sociais, as quais orientam todos os demais direitos fundamentais do homem, desde o direito a vida, de modo que a Dignidade não pode ser pensada no sentido de atendimento exclusivo dos direitos nucleares da personalidade, esquecendo-se, portanto, dos direitos sociais, visto que a ordem econômica deverá realizar a justiça social, a educação, e ao desenvolvimento da pessoa humana com vistas ao exercício da cidadania, do contrário de que serviria a vida, se não fosse possível usufruí-la com o máximo em efetividade no tocante a dignidade.
Para tanto, é necessário observar que a vida em sociedade exige a ponderação ou sopesamento de princípios eventualmente conflitantes que impedem o exercício de tal ou qual direito fundamental, pois, segundo as linhas de Robert Alexy o equilíbrio normativo no âmbito do ordenamento jurídico nacional se deve a otimização de direitos levando-se em conta a carga valorativa em consonância com a proporcionalidade e razoabilidade que envolve o caso concreto.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. CASTANHO, Cônego Amaury. Direitos Humanos: Aspiração ou Realidade. São Paulo. Edições Loyola, 1973.
2. FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS. Saraiva. São Paulo. 2004.
3. HERKENHOFF, João Baptista. Curso de Direitos Humanos. São Paulo. Editora Acadêmica, 1994.
4. JUNQUEIRA, Ivan de Carvalho. ABC dos Direitos Humanos. JH MIZUNO EDITORA. São Paulo.
5. MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2002.
6. MORAES. Alexandre de, Direitos Humanos Fundamentais, Ed. Atlas, 1998.
7. MORAES, Guilherme Braga Peña de. Dos Direitos Fundamentais - Contribuição para uma teoria. LTR. São Paulo. 1997.
8. ROBALDO, José Carlos de Oliveira. Jornal CORREIO DO ESTADO, 16 de junho de 2014.
9. Disponível em: <https://www.conteudojuridico.com.br/artigo,relativizacao-do-principio-da-dignidade-da-pessoa-humana,27646.html> Acesso em: 21 junho 2014
10. Disponível em: <https://www.upf.br/seer/index.php/rjd/article/download/2182/1413> Acesso em: 21 junho 2014.
11. Disponível em: <https://conceito.de/dignidade> Acesso em: 20 junho 2014.
12. Disponível em: <https://www.comunidademaconica.com.br/Artigos/5778.aspx".com.br> Acesso em: 20 junho 2014.
13. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Direito_natural> Acesso em: 20 junho 2014.
14. Disponível em: <https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/978/O-Direito-Natural -como-justificativa-da-protecao-aos-direitos-humanos-fundamentais-no-caso-de-omissao-legislativa> Acesso em: 20 junho 2014.
15. Disponível em: <https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/145516/qual-a-diferenca-entre-direitos-do-homem-direitos-fundamentais-e-direitos-humanos-aurea-maria-ferraz-de-sousa> Acesso em: 20 junho 2014.
16. Disponível em: <https://uni9direito1c.files.wordpress.com/2013/02/declarac3a7c3a3º-de-direitos-da-virgc3adnia-1776.pdf> Acesso em: 22 junho 2014.
17. Disponível em: <https://escoladegestores.mec.gov.br/site/8-biblioteca/pdf/direitos_homem_cidadao.pdf> Acesso em: 22 junho 2014.
18. Disponível em: <https://www.mp.go.gov.br/portalweb/hp/7/docs/declaracao_universal_dos_direitos_do_homem.pdf> Acesso em: 22 junho 2014.