Direitos humanos: conceito, caracterização, evolução histórica e eficácia vertical e horizontal

10/03/2015 às 12:12
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O artigo apresenta uma visão geral acerca dos direitos humanos no Brasil e no mundo, abordando à sua conceituação, evolução histórica, dimensões, caracterização, positivação, mas dá ênfase à questão da eficácia vertical e horizontal dos direitos humanos.

Resumo: O artigo apresenta uma visão geral acerca dos direitos humanos no Brasil e no mundo, abordando à sua conceituação, evolução histórica, dimensões, caracterização, positivação, mas dá ênfase à questão da eficácia vertical e horizontal desses direitos.

Palavras-chave: Direitos Fundamentais – Dimensões dos direitos fundamentais – Aplicação Imediata - Eficácia vertical e Horizontal

Sumário: Introdução. 2. Conceito de Direitos Humanos. 3. Caracterização. 4.  Evolução histórica e classificação dos direitos fundamentais: 4.1. Origem histórica dos direitos humanos: Cristianismo; 4.2. As gerações ou dimensões dos direitos humanos. 5. Reconhecimento e Positivação no direito nacional. 6. Eficácia dos direitos fundamentais: 6.1. Conceito de eficácia; 6.2. Eficácia plena e imediata dos direitos fundamentais: análise do art. 5º, § 1º, da CF/88; 6.3. Eficácia vertical e horizontal dos direitos fundamentais. Conclusões. Referências.

Introdução

Assunto de extrema importância no mundo atual os direitos humanos ou os direitos fundamentais – como também são conhecidos - necessitam de profundas reflexões. Vivemos em um mundo cheio de desigualdades e injustiças das mais diversas e o que vemos são tremendas violações dos direitos básicos dos seres humanos. Direitos básicos de toda espécie: individuais ( vida, liberdade de culto, expressão, etc.), sociais (saúde, trabalho, educação, moradia, entre outros) e difusos ( direito ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado e da defesa do consumidor). Em países em processo de desenvolvimento, como é o caso do Brasil, essas violações são mais evidentes.

Essas violações ocorrem não apenas por parte do Estado, mas também por diversos atores privados, dentro da família, da empresa, no serviço público, nas relações de consumo, enfim, em uma série de relações privadas.

No presente texto, temos como finalidade essencial analisarmos um dos aspectos mais polêmicos dos direitos fundamentais: a questão de sua eficácia horizontal. A eficácia vertical, que é o respeito pelo Estado aos direitos fundamentais das pessoas não temos nenhuma dificuldade. O problema reside nas relações privadas e aí perguntamos:  os direitos fundamentais devem ser observados nas relações privadas? Um empresário, por exemplo,  poderá contratar um funcionário com base na “boa aparência”, ou deverá observar o direito fundamental da isonomia? São questões que pretendemos responder. Inclusive, iremos apresentar as teorias mais importantes sobre o tema e também vamos apresentar a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal.

Antes porém de falarmos sobre o tema da eficácia vertical e horizontal dos direitos fundamentais vamos apresentar uma breve visão geral dos direitos humanos, abordando sua conceituação, caracterização, evolução histórica e positivação e reconhecimento na ordem jurídica nacional.

Desse modo, esperamos que com esse texto possamos fomentar o debate acerca da efetivação dos direitos fundamentais, em especial pelo reconhecimento de sua eficácia nas relações privadas.

2. Conceito de Direitos Humanos

Antes de apresentarmos uma conceituação do que seja direitos humanos, necessário é estabelecermos a nomenclatura mais adequada. Isto porque alguns usam a expressão “direitos humanos”, outros de “direitos fundamentais” e outros ainda de “direitos do homem”. Qual seria a nomenclatura correta? Entendemos que todas são corretas, mas preferimos utilizar neste texto a expressão “ direitos fundamentais”,  pois a mesma está relacionada com a ideia de positivação dos direitos humanos. Assim, quando a busca pela efetivação desses direitos são apenas aspirações dentro de uma comunidade podemos chamá-los de direitos humanos, mas quando os mesmos são positivados num texto de uma Constituição os mesmos passam a serem considerados como direitos fundamentais. Parte da doutrina entende que os direitos fundamentais seriam os direitos humanos que receberam positivação.

Para exemplificarmos a afirmação feita, podemos mencionar a lição de Paulo Gonet Branco (2011: 166), para quem a expressão direitos humanos ou direitos do homem, é reservada para aquelas reinvindicações de perene respeito a certas posições essenciais ao homem. São direitos postulados em bases jusnaturalistas, contam com índole filosófica e não possuem como característica básica a positivação numa ordem jurídica particular. Já a locução direitos fundamentais é reservada aos direitos relacionados com posições básicas das pessoas, inscritos em diplomas normativos de cada Estado. São direitos que vigem numa ordem jurídica concreta, sendo, por isso, garantidos e limitados no espaço e no tempo, pois são assegurados na medida em que cada Estado os consagra. 

Assim, podemos conceituar direitos humanos como aqueles direitos básicos inerentes a todas as pessoas sem distinção, adquiridos com seu nascimento, tais como o direito à vida, à liberdade de locomoção,  à liberdade expressão, liberdade de culto, etc, que ainda não receberam positivação constitucional e até então são apenas aspirações. As pessoas já nascem sendo titulares desses direitos básicos.

Com a positivação no texto constitucional, esses direitos humanos tornam-se direitos fundamentais, tornando-se objetivos a serem alcançados pelo Estado e também pelos demais atores privados, como iremos demonstrar adiante. 

Vale ressaltar também que, a noção de direitos fundamentais  está intimamente relacionada com o princípio da dignidade da pessoa humana, o qual pressupõe que todo ser humano deve possuir um mínimo existencial para ter uma vida digna. A ideia de dignidade da pessoa humana foi trabalhada inicialmente por Kant, para quem “ o homem é um fim em si mesmo”, conforme ensina Ricardo Castilho ( 2012: 134). Podemos afirmar que a dignidade humana é a “fundamentalidade” dos direitos fundamentais, ou seja, é o fundamento de validade.

No Brasil, a Constituição de 1988, positivou a dignidade da pessoa humana no art. 1º, inciso III, como fundamento da República Federativa do Brasil.

3. Caracterização

Podemos apresentar didaticamente as seguintes características dos direitos fundamentais:

a) Historicidade: A historicidade significa que os direitos fundamentais variam de acordo com a época e com o lugar;

b) Concorrência: os direitos fundamentais podem ser exercidos de forma concorrente. Ou seja, é possível  exercer  dois ou mais direitos fundamentais ao mesmo tempo;

c) Indisponiblidade: o titular não pode dispor dos direitos fundamentais;

d) Inalienabilidade: os direitos fundamentais não podem ser transferidos a terceiros;

e) Irrenunciabilidade: o titular não pode renunciar um direito fundamental. A pessoa pode até não exercer o direito, mas não pode renunciar;

f) Imprescritibilidade: os direitos fundamentais não estão sujeitos a nenhum tipo de prescrição, pois os mesmos são sempre exercitáveis sem limite temporal. Exemplo: o direito à vida;

g) Indivisibilidade: os direitos fundamentais não podem ser fracionados. A pessoa deve exercê-lo em sua totalidade;

h) Interdependência: significa que os direitos fundamentais são interdependentes, isto é, um direito fundamental depende da existência do outro. Ex: a liberdade de expressão necessita do respeito à integridade física;

I) Complementariedade: os direitos fundamentais possuem o atributo da complementariedade, ou seja, um complementa o outro. Ex: o direito à saúde complementa à vida, e assim sucessivamente

m) Universalidade:  os direitos humanos são apresentados como universais, ou seja, são destinados a todos os seres humanos em todos os lugares do mundo, independente emente de religião, de raça, credo, etc. No entanto, alguns autores mostram que em certos países os direitos humanos não são aplicados em razão das tradições culturais. Seria a chamada teoria do “relativismo cultural” dos direitos humanos. Sobre o assunto, assim leciona Paulo Henrique Portela (2013: 833):

“ (...) o universalismo é contestado por parte da doutrina, que fundamentalmente defende que os diferentes povos do mundo possuem valores distintos e que, por isso, não seria possível estabelecer uma moral universal única, válida indistintamente para todas as pessoas humanas e sociedades. É a noção de relativismo cultural, ou simplesmente relativismo, que defende , ademais, que o  universalismo implicaria imposição de ideias e concepções que na realidade, pertenceriam ao universo da cultura ocidental.”

Um exemplo prático desse relativismo cultural é que em países islâmicos os direitos das minorias não são  respeitados. A imprensa já divulgou, por exemplo, que a teocracia islâmica que governa o Irã enforca em praça pública as pessoas que são homossexuais. São mortos em nome da religião muçulmana, que considera pecado a sua opção sexual. Isso ocorre em pleno século XXI.

Um outro exemplo de violação sistemática dos direitos humanos com base em crenças religiosas, que também já foi divulgado pela imprensa mundial,  é a mutilação de mulheres muçulmanas em alguns nações africanas. Milhares de mulheres têm seus clitóris arrancados para que não sintam prazer sexual, pois na religião islâmica, extremamente machista, somente o homem pode ter prazer. Novamente, a religião islâmica viola os direitos humanos em nome de preceitos religiosos.

Quem defende o relativismo cultural afirma que a ideia de direitos fundamentais é uma ideia cristã-ocidental e não tem como ser aplicada em algumas regiões do mundo.

Concordamos com a afirmação de que os direitos fundamentais são um ideal cristão e ocidental, mas não podemos concordar com o relativismo cultural. Entendemos que todas as pessoas no mundo inteiro devem ser tratadas com dignidade.

Em todo o caso, o universalismo dos direitos humanos é expressamente consagrado no bojo da própria Declaração de Viena de 1993, a qual diz que “todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados...”

n) Limitabilidade: os direitos fundamentais não são absolutos. Os mesmos podem sofrer limitações, inclusive, pelo próprio texto constitucional. Segundo Paulo Branco (2011: 162) afirma que  tornou-se voz corrente na nossa família do Direito admitir que os direitos fundamentais podem ser objeto de limitações, não sendo, pois absolutos. Tornou-se pacifico que os direitos fundamentais podem sofrer limitações quando enfrentam outros valores de ordem constitucional, inclusive outros direitos fundamentais. Igualmente no âmbito internacional, as declarações de direitos humanos admitem expressamente limitações “ que sejam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral pública ou os direitos e liberdades fundamentais de outros (Art. 18 da Convenção de Direitos Civis e Políticos de 1966 da ONU)”.

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Exemplificando na Constituição pátria, Paulo Branco (2011: 163) demonstra que  até o elementar direito á vida tem limitação explícita no inciso XLVII, a, do art. 5º, em que se contempla a pena de morte em caso de guerra formalmente declarada.

Para o Supremo Tribunal Federal, os direitos fundamentais também não são absolutos e podem sofrer limitação, conforme a ementa abaixo transcrita:

 OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER ABSOLUTO. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros (Grifamos. Jurisprudência: STF, Pleno, RMS 23.452/RJ, Relator Ministro Celso de Mello, DJ de 12.05.2000, p. 20.).

Assim, a limitação dos direitos fundamentais podem ocorrer quando esses direitos entram em colisão entre ou até mesmo quando a limitação é prevista no texto constitucional.

4. Evolução histórica e classificação dos direitos fundamentais

4.1. Origem histórica dos direitos humanos: Cristianismo

Podemos afirmar que os direitos humanos tem sua origem no Cristianismo.  Sendo que o cristianismo nasceu na antiga Palestina, onde era situado o Estado de Israel.

A mensagem de Jesus Cristo, conforme vemos em Mateus 22: 36-40,  pode ser resumida em dois mandamentos: a) Amar a Deus sobre todas as coisas e b) Amar o próximo com a si mesmo. Ora, o primeiro mandamento já havia sido dado por Deus a Moisés no Monte Sinai e este mandamento não seria difícil de ser atendido. O segundo mandamento, agora dado por Jesus, o Filho de Deus, foi que causou polêmica em sua época. Amar a Deus é fácil. Difícil é amar o próximo, ainda mais quando o próximo nos faz algum mal. Jesus ensinou ainda que deveríamos “orar e amar nossos inimigos” (Mateus 5: 44). O contexto histórico em que Jesus começou a pregar era de completa dominação de Israel pelos romanos. Sendo que Pilatos,  era o governador romano de toda aquela região. Assim, um judeu ter que amar o próximo, orar e amar seus inimigos era um judeu ter que amar um romano, seu inimigo máximo, ocupante de suas terras e opressor do povo. Por isso, esse ensinamento de Jesus causou polêmica em sua época.

Desse modo, o respeito pelo próximo é o respeito pelos direitos humanos. Não podemos fazer o mal ao próximo, pois os homens foram feitos a imagem e semelhança de Deus. Assim, o ensinamento cristão de amor ao próximo é o fundamento histórico dos direitos humanos.

4.2. As gerações ou dimensões dos direitos humanos

A doutrina costuma dividir a evolução histórica dos direitos fundamentais em gerações de direito. Mas, parte da doutrina abandou o termo geração, para adotar a expressão dimensão. O argumento é de que geração pressupõe a superação da geração anterior. O que não ocorre com os direitos fundamentais, pois todas as gerações seguintes não superam a anterior, mas as complementam, por isso é preferido o uso de “dimensão”. Independente da nomenclatura utilizada, Pedro Lenza (2010: 740) apresenta a seguinte classificação:

a) Direitos humanos de 1ª geração: referem-se às liberdades públicas e aos direitos políticos, ou seja, direitos civis e políticos a traduzirem o valor de liberdade. Documentos históricos (séculos XVII, XVIII e XIX): 1) Magna Carta de 1215, assinada pelo rei Joao sem terra;2) Paz de Westfália (1648);3) Habeas Corpus Act (1679);4) Bill of Rights (1688); 5) Declarações, seja a americana (1776) , seja a francesa (1789).

b) Direitos humanos de 2ª geração: referem-se aos chamados direitos sociais, como saúde, educação, emprego entre outros. Documentos históricos: Constituição de Weimar (1919), na Alemanha e o Tratado de Versalhes, 1919. Que instituiu a OIT.

c) Direitos humanos de 3ª geração: são os direitos relacionados a sociedade atual, marcada por amplos conflitos de massa, envolvendo o direito ambiental e também o direito do consumidor, onde esses direitos difusos muita  das vezes sofrem violações.

d) Direitos humanos de 4º geração: Norberto Bobbio, defende que esses direitos estão relacionados com os avanços no campo da engenharia genética, ao colocarem em risco a própria existência humana, através da manipulação do patrimônio genético.

e) Direitos humanos de 5ª geração: Paulo Bonavides defende essa ideia. Para ele, essa geração refere-se ao direito à paz mundial. A paz seria o objetivo da geração a qual vivemos, que constantemente é ameaçada pelo terrorismo e pelas guerras (Portela: 2013: 817).

5. Reconhecimento e Positivação dos direitos fundamentais no direito nacional

No plano internacional podemos afirmar que o principal documento que positivou os direitos humanos foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) da ONU.

No plano interno, a Constituição de 1988 positivou em seu texto diversos direitos fundamentais. Vale ressaltar, que o rol do art. 5º é exemplificativo, podendo haver ampliação desses direitos, mas nunca sua redução ou supressão. Até porque a CF/88 considera os direitos e garantias individuais e coletivos como claúsula pétrea  (art. 60, §4º,IV).

  Todas as gerações de direitos humanos foram positivados no texto constitucional. As liberdades individuais constam no art. 5º. Os direitos sociais no art. 6º. Os direitos políticos nos arts. 14 a 16. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado no art. 225. A saúde no art. 6º e no art. 196 e assim por diante.

A Emenda 45/2004, acrescentou ao art. 5º,  o §3º, o qual dispõe  que os tratados internacionais sobre direitos humanos, que forem aprovados em cada casa do Congresso Nacional, por 3/5 de seus membros, em dois turnos, equivalem às emendas constitucionais, ou seja, esses tratados ganham status de norma constitucional.

Desse modo, com a Emenda 45/2004, os tratados sobre direitos humanos aprovados nos termos do § 3º, do art. 5º da CF/88, ampliaram o bloco de constitucionalidade, juntando-se às normas jurídicas do texto constitucional.

6.  Eficácia dos Direitos Fundamentais

6.1. Conceito de eficácia

Antes de entrarmos na análise da eficácia dos direitos fundamentais, é preciso sabermos o que significa a expressão “eficácia.” Pois bem, eficácia pode ser definida como algo que produz efeitos.

Segundo a doutrina, há dois tipos de eficácia das normas: a jurídica e social. Michel Temer (2005: 23) ensina que a eficácia social se verifica na hipótese da norma vigente, isto é, com potencialidade para regular determinadas relações, ser efetivamente aplicada a casos concretos. Já a eficácia jurídica, ainda segundo Temer, significa que a norma está apta a produzir efeitos na ocorrência de relações concretas; mas já produz efeitos jurídicos na medida em que a sua simples edição resulta na revogação de todas as normas  anteriores que com ela conflitam. Embora não aplicada a casos concretos, é aplicável juridicamente no sentido negativo antes apontado. Isto é: retira a eficácia da normatividade anterior. É eficaz juridicamente, embora não tenha sido aplicada concretamente.

Entendemos que as normas constitucionais que regulam o direito a saúde e a defesa do consumidor são  normas que possuem também eficácia social, na lição de Michel Temer. A eficácia jurídica é inerente à espécie, mas a eficácia social existe também pela  própria abrangência de que esses direitos fundamentais apresentam.

Vale ressaltar,  que uma norma jurídica poderá ter vigência, mas poderá não ser eficaz, ou seja, devido a alguma circunstancia uma norma pode não apresentar efeitos jurídicos. No entanto, somente uma norma vigente poderá ser eficaz.

Sobre o tema vigência e eficácia, assim leciona Ingo Sarlet (2012: 236):

Importa salientar, ainda, que a doutrina pátria tradicionalmente tem distinguido – e neste particular verifica-se substancial consenso – as noções de vigência e eficácia, situando-as em planos diferenciados. Tomando-se a paradigmática lição de José Afonso da Silva, a vigência consiste na qualidade da norma que a faz existir juridicamente (após regular promulgação e publicação), tornando-a de observância obrigatória de tal sorte que a vigência constitui verdadeiro pressuposto de eficácia, na medida em que apenas a norma vigente pode ser eficaz.

Desse modo, somente uma norma jurídica que possua vigência poderá produzir efeitos jurídicos, ou seja, será eficaz, sendo que  no presente texto, nos interessa conhecer a eficácia das normas jurídicas constitucionais que tratam dos direitos fundamentais.

6.2. Eficácia plena e imediata dos direitos fundamentais: análise do art. 5º, § 1º, da CF/88

De acordo, com o art. 5º, §1º, de nossa Carta Constitucional, as normas relativas às garantias e aos direitos fundamentais, possuem eficácia plena e imediata. Isso significa, que essas normas jurídicas não precisarão  da atuação do legislador infra-constitucional, para poderem ser efetivadas. Essas normas, portanto,  não precisarão receber regulamentação legal para serem eficazes. Assim, as mesmas poderão ser aplicadas pelo intérprete imediatamente aos casos concretos. 

Paulo Gustavo Gonet Branco (2011: 174) explica que esse dispositivo tem como significado essencial ressaltar que as normas que definem direitos fundamentais são normas de caráter preceptivo, e não meramente programático. Ainda segundo o autor, os juízes podem e devem aplicar diretamente as normas constitucionais para resolver os casos sob sua apreciação. Não é necessário que o legislador venha, antes, repetir ou esclarecer os termos da norma constitucional para que ela seja aplicada.

O disposto no art. 5º, § 1º, da CF, é um dispositivo de suma importância, pois o mesmo servirá de fundamento de validade para a eficácia vertical e horizontal dos direitos fundamentais.

6.3. Eficácia vertical e horizontal dos direitos fundamentais

A eficácia vertical significa que o Estado, em suas relações com os particulares, deverá respeitar  as normas de direitos fundamentais. O Estado, portanto, deverá respeitar as liberdades individuais, tais como a liberdade de crença, de expressão, sexual, enfim, assuntos da esfera privada dos indivíduos. Mas a função do Estado não é apenas garantir essa proteção. No caso dos direitos fundamentais sociais, como a saúde, educação e outros, o Estado deve ter uma postura positiva no  sentido de efetivar aqueles direitos.

Assim, a eficácia vertical dá ao Estado esse duplo papel: garantista e efetivados dos direitos fundamentais.

No que tange a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, podemos afirmar que esses direitos também podem ser aplicados as relações privadas. Os particulares nas relações que travam entre si devem também obedecer os direitos fundamentais.

Segundo Daniel Sarmento (2004: 223), a premissa da eficácia horizontal dos direitos fundamentais é o fato de que vivemos em uma sociedade desigual em que a opressão pode provir não apenas do Estado, mas de uma multiplicidade de atores privados, presentes em esferas como o mercado, a família, a sociedade civil e  a empresa.

Várias teorias surgiram para explicar a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, mas duas se destacaram e tiveram origem no direito germânico: a) Teoria da Eficácia Indireta e Mediata dos Direitos Fundamentais na Esfera Privada e b) Teoria da Eficácia Direta e Imediata dos Direitos Fundamentais na Esfera Privada.

Segundo Sarmento (2004:238), a teoria da eficácia horizontal mediata ou indireta dos direitos fundamentais (Mittelbare Drittwirkung) foi desenvolvida originariamente na doutrina alemã por Günter Dürig, em obra publicada em 1956, e tornou-se a concepção dominante no direito germânico, sendo hoje adotada pela maioria dos juristas daquele país e pela sua Corte Constitucional. Trata-se de construção intermediária entre a que simplesmente nega a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, e  aquela que sustenta a incidência direta destes direitos na esfera privada.

Ainda segundo Sarmento (2004: 238), para a teoria da eficácia mediata, os direitos fundamentais não ingressam no cenário privado como direitos subjetivos, que possam ser invocados a partir da Constituição. Para Dürig, a proteção constitucional da autonomia privada pressupõe a possibilidade de os indivíduos renunciarem a direitos fundamentais no âmbito das relações privadas que mantem, o que seria inadmissível nas relações travadas com o Poder Público. Por isso, certos atos contrários aos direitos fundamentais , que seriam inválidos quando praticados pelo Estado, podem ser lícitos no âmbito do Direito Privado.

Não concordamos com essa teoria, pois entendemos que os particulares devem sim respeito aos direitos fundamentais, especialmente nas relações contratuais e naquelas que envolvem o direito do consumidor, tendo em vista que nessas áreas as violações aos direitos fundamentais são mais intensas.

Já a teoria da eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações privadas, conforme leciona Sarmento (2004: 245), foi defendida inicialmente na Alemanha por Hans Carl Nipperdey, a partir do início da década de 50. Segundo ele, embora alguns direitos fundamentais previstos na Constituição alemã vinculem apenas o Estado, outros, pela sua natureza, podem ser invocados diretamente nas relações privadas, independentemente de qualquer mediação por parte do legislador , revestindo-se de oponibilidade erga omnes. Nipperdey justifica sua afirmação com base na constatação de que os perigos que espreitam os direitos fundamentais no mundo contemporâneo não provem apenas do Estado, mas também dos poderes sociais e de terceiros em geral. A opção constitucional pelo Estado Social importaria no reconhecimento desta realidade, tendo como consequência a extensão dos direitos fundamentais às relações entre particulares.

Somos partidários da teoria da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais as relações privadas, tendo em vista que como defendeu Nipperdey os abusos nas relações jurídicas ocorrem não apenas tendo o Estado como protagonista, mas muitos atores privados, como as grandes empresas que violam constantemente os direitos fundamentais dos consumidores.

Outro argumento pelo qual defendemos a teoria em tela é justamente o disposto no art. 5º,§ 1º da CF, que dispõe sobre a aplicação imediata das normas de garantia dos direitos fundamentais. Para nós o dispositivo abarca as relações entre os particulares e o Estado.

Do ponto de vista filosófico, e usando a visão do liberalismo de princípios de John Rawls, podemos também argumentar em favor da teoria  que os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, tais como o direito à saúde e o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, são exemplos de bens primários que devem ser distribuídos pelo Estado às pessoas de forma equitativa.

Na concepção de justiça de Rawls, os homens escolhem num estado hipotético chamado de “posição original” os princípios de justiça que irão governar a sociedade. Estes princípios são a liberdade e a igualdade. As instituições sociais (Estado) e as demais pessoas devem obediência a esses princípios.

 A escolha desses princípios na posição original é feita pelos homens sob um “véu de ignorância”, ou seja, eles não sabem que papéis terão nessa futura sociedade e se serão beneficiados por esses princípios. A escolha, portanto, foi justa porque obedeceu ao procedimento.

Por essa ótica, mais do que nunca prevalece o entendimento que esses princípios de justiça vinculam os particulares, tendo em vista que os mesmos na posição original escolheram esses princípios. Assim, não apenas o Estado, mas os demais atores privados devem obediência a esses princípios e têm o dever de distribuir os bens primários (direitos fundamentais) de forma justa.

E qual a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal? Nossa Corte suprema adotou, sabiamente, a teoria de Nipperdey, conforme podemos ver pela transcrição parcial da ementa do RE 201819, que teve como relator para o acordão o Min. Gilmar Mendes e foi o leading case da questão, nos seguintes termos:

EMENTA: SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. (... ) O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO.(RE 201819, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 11/10/2005, DJ 27-10-2006 PP-00064 EMENT VOL-02253-04 PP-00577 RTJ VOL-00209-02 PP-00821).

Desse modo, o STF consagrou na jurisprudência pátria  a teoria da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas, ao admitir que as sociedades privadas devem obediência aos direitos fundamentais, e quando quiserem excluir um sócio, deverão obedecer os direitos fundamentais da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. Assim, a teoria da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas é um importante instrumento de efetivação dos direitos fundamentais.

Conclusões

Ante o exposto, podemos afirmar que a grande dificuldade que temos no momento, especialmente em países subdesenvolvidos como é o caso do Brasil, é efetivar os direitos fundamentais. Efetivar significa “tirar do papel”. É tornar realidade os direitos fundamentais.

O papel do Estado, assim, é de suma importância. Caberá ao Estado por meio de politicas públicas, principalmente, efetivar os direitos fundamentais, em especial, os direitos fundamentais sociais, como a saúde e a educação. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado previsto no art. 225 da CF/88, também é um direito fundamental que merece uma atenção especial por parte do Estado, que deve adotar políticas públicas de proteção.

Finalmente, podemos afirmar ainda que na sociedade de risco em que vivemos, os direitos fundamentais devem ser respeitados não somente pelo Estado, mas também pelos demais atores privados, pois como demonstramos neste texto, a opressão pode advir também de empresas, na família, no trabalho, enfim, nas relações privadas, por isso, defendemos com entusiasmo a teoria da eficácia horizontal imediata e direta dos direitos fundamentais as relações privadas.

Referências

BRASIL, Constituição Federal de 1988, Vade Mecum compacto, 11 º edição, São Paulo: Saraiva, 2014.

BRANCO, Paulo Gustavo Gonet e MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 6ª ed. São Paulo: Saraiva,  2011.

CASTILHO, Ricardo. Filosofia do Direito. 1ª ed. São Paulo: Saraiva,  2012.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 5ª ed. Salvador: Jus Podium, 2013.

SARLET, Ingo. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 11 ª. São Paulo: Livraria do Advogado, 2012.

SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004.

TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 20ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.

RAWLS, John. Uma teoria da justiça. 1ª ed. Tradução de Almiro Piseta e Lenita M.R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

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Sobre o autor
Márcio de Almeida Farias

Mestre em Direitos Fundamentais pela Universidade da Amazônia. Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Estácio de Sá. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Pará. Promotor de Justiça no Ministério Público do Estado do Pará.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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