O dispositivo, do novo CPC, que disciplina a fundamentação da sentença é apenas uma reprodução pormenorizada da CF/88, do que nela há sobre isso, ou cria um novo regramento?

12/03/2015 às 19:50
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O NOVO CPC INOVA, SIM, AO DISCIPLINAR A QUESTÃO DA FUNDAMENTAÇÃO NÃO SÓ DA SENTENÇA, MAS, TAMBÉM, DE TODAS AS DECISÕES JUDICIAIS.

O Novo CPC inova, sim, ao disciplinar — de forma vanguardista, específica e minudente —, em seus arts. 11, 476 e 477 (conforme a numeração presente nas alterações, à redação original Projeto de Lei do Senado n. 166/2010, apresentadas no relatório-geral do senador Valter Pereira), a necessidade imperiosa, sob seu novel regime, do prestígio à fundamentação/motivação das decisões judiciais, atribuindo a esse instituto maior densidade normativa e amplitude, em comparação com a CF/88, eis que o mesmo consiste em princípio constitucional enunciado apenas de modo genérico e sucinto pela CF/88, em seu art. 93, IX.

Senão, veja-se, a título de mero e preliminar confronto normativo, os específicos e minudenciados dispositivos aludidos do Novo CPC, primeiramente, in verbis:

“... . Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade. Parágrafo único. Nos casos de segredo de justiça, pode ser autorizada somente a presença das partes, de seus advogados ou defensores públicos, ou ainda, quando for o caso, do Ministério Público.  (...). Art. 476. São requisitos essenciais da sentença: I – o relatório sucinto, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da contestação do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões que as partes lhe submeterem. Parágrafo único. Não se considera fundamentada a decisão, sentença ou acórdão que: I – se limita a indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo; II – empregue conceitos jurídicos indeterminados sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III – invoque motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador. (...). Art. 477. O juiz proferirá a sentença de mérito acolhendo ou rejeitando, no todo ou em parte, os pedidos formulados pelas partes. Nos casos de sentença sem resolução de mérito, o juiz decidirá de forma concisa. Parágrafo único. Fundamentando-se a sentença em regras que contiverem conceitos juridicamente indeterminados, cláusulas gerais ou princípios jurídicos, o juiz deve expor, analiticamente, o sentido em que as normas foram compreendidas. ... .” (G. n. Disponível em: <http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0CB0QFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.senado.gov.br%2Fatividade%2Fmateria%2FgetPDF.asp%3Ft%3D84496&ei=yXS5VOu6O-GCsQSj_oKYAg&usg=AFQjCNEj2VfzqsR7Jbumy_ZzTRgc790qsA&bvm=bv.83829542,d.cWc>. Acesso em: 16.01.2015).

Agora, por conseguinte, veja-se a geral e breve previsão constitucional do princípio vertente:

“... . Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: (...); IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) ... .” (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 16.01.2015).

Dessa feita, a partir desse simples cotejo de tais disposições normativas sobre o princípio da motivação das decisões judiciais é possível se perceber que o Novo CPC se abeberou na CF/88 da previsão genérica e concisa do instituto para o minudenciar e ampliar em seu texto, eis que esse novel diploma legal traz, como visto, seis hipóteses em que não se considera fundamentada uma decisão, sentença ou acórdão (aliás, as decisões/pronunciamentos judiciais são gênero, do qual são espécies a sentença, o acórdão e as decisões interlocutórias, consoante a doutrina — nesse sentido: MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil. Teoria geral do processo e processo de conhecimento. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006. v. 1. p. 64-67).

A fundamentação/motivação das decisões judiciais pode ser definida como a consideração pelo juiz das razões expendidas pelas partes e outros sujeitos processuais (como o perito, p. e.) no feito. Em tal linha, eis o que salienta DOS SANTOS:

“Inicialmente, importante tecer algumas considerações do que vem a ser a fundamentação ou motivação das decisões, conceitos estes que não se alteram com a redação do CPCP e o novo sistema traçado. Fundamentação da decisão, então, ‘é o momento apropriado para que o juiz diga, à luz dos argumentos e provas carreadas aos autos, por que acolhe ou rejeita o pedido do autor (art. 459 do CPC), sendo, portanto, uma decorrência do princípio do livre convencimento motivado (art. 131 do CP) [...] A fundamentação das decisões judiciais é garantia verdadeiramente inerente ao Estado Democrático de Direito, e verdadeiro pressuposto para que delas se possa recorrer aos Tribunais, utilmente. Com efeito, conquanto os recursos não sejam interpostos contra a fundamentação das decisões, as razões recursais voltam-se justa e precipuamente contra a fundamentação da decisão, pois ela é que dá sustentação lógica ao decisum.’[7]” (DOS SANTOS, Regiane Martins. Sentença: novas luzes sobre o problema da fundamentação da sentença conforme o artigo 499, § 1º, do projeto do novo código de processo civil. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=3760>. Acesso em: 16.01.2015).

Nessa medida, o Novo CPC, a partir de tais disposições, pretende acabar com as decisões judiciais superficiais, que não analisam todos os pontos da defesa e do autor como fundamentos para decidir, como bem assenta LUCIANO: 

“... . Em explicitação do dever de fundamentação das decisões judiciais, o projeto inova ao enumerar as hipóteses em que não se atenderá o referido postulado nos incisos do parágrafo único de seu artigo 476. (...). Em rigor a proposta de norma do parágrafo único do projeto seria inteiramente desnecessária. O contraditório, por si, já seria suficiente para se entender que o julgador não está livre para decidir como lhe for mais aprazível ou conveniente. Porém, a realjuridik vem demonstrando que não suficientes as balizas abstratas do contraditório e do devido processo legal para obstar a tese jurisprudencial de que o juiz poderia escolher qualquer fundamentação para decidir ou deixar de analisar todos os argumentos trazidos pelas partes, conquanto que decida fundamentadamente. ... .” (Sic. LUCIANO, Pablo Bezerra. A fundamentação das decisões judiciais no projeto do cpc. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-jun-19/pablo-bezerra-fundamentacao-decisoes-judiciais-projeto-cpc. Acesso em: 16.01.2015).

Logo, diante da necessidade de se prestar uma tutela jurisdicional mais consentânea com os princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, adveio essa normação legal mais específica do Novo CPC, nitidamente para eliminar falsas fundamentações judiciais, como expõe DONOSO:

“..., sempre pareceu consensual a necessidade de uma regulamentação mais rígida em relação ao relevante tema da motivação das decisões judiciais. Desde a primeira versão de um anteprojeto já se revelou a tendência de reforçar a imposição de que os órgãos julgadores exponham adequadamente as razões que os levaram a decidir de uma ou de outra forma. Não tenho dúvidas de que esta postura se deve em grande parte – para não dizer exclusivamente – à reprovável cultura de ‘mal fundamentar’ ou de simplesmente ‘não fundamentar’ uma decisão, embora exista previsão constitucional (art. 93, IX) e legal (arts. 165 e 458 do CPC/73) que imponha justamente o oposto. Com efeito, tenho convicção de que meu leitor deve se lembrar de alguma decisão judicial duplamente frustrante: a uma, porque contrária aos seus interesses; a duas, principalmente, porque a respectiva motivação deixou a desejar. Expedientes como ‘indefiro por falta de amparo legal’, ‘o juiz não está obrigado a apreciar todos os argumentos das partes’ ou a aplicação pura e simples do controvertido art. 252 do RITJSP (Nos recursos em geral, o relator poderá limitar-se a ratificar os fundamentos da decisão recorrida, quando, suficientemente motivada, houver de mantê-la) entre tantos exemplos cotidianos, agridem o modelo constitucional do processo ao simplesmente ignorar o dever imposto pela Carta Magna ao magistrado. ... .” (Sic. DONOSO, Denis. Motivação das decisões judiciais no projeto do novo cpc. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/motivacao-das-decisoes-judiciais-no-projeto-do-novo-cpc/13771>. Acesso em: 16.01.2015).

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Adende-se, outrossim, que a atuação do juiz fundada em princípios requer uma fundamentação peculiar, como acentua MEDINA (ao falar sobre a dificuldade de argumentação judicial nesse particular):

“A complexidade dos fenômenos sociais torna difícil a transposição, para o plano normativo, da evolução das instituições tal como se apresentam na sociedade moderna. Acabam sendo criadas normas jurídicas ainda mais gerais (trazendo em seu bojo noções de conteúdo variável, de conceito vago ou indeterminado) e de cláusulas gerais, a fim de possibilitar ao órgão jurisdicional aplicar a norma jurídica em atenção às particularidades de cada caso, particularidades estas insuscetíveis de serem previstas pelo legislador. Permeia-se o sistema, por outro lado, com princípios jurídicos. Como ensina Canotilho, ‘o direito do estado de direito do século XIX e da primeira metade do século XX é o direito das regras dos códigos; o direito do estado constitucional democrático e de direito leva a sério os princípios, é um direito de princípios’. Assim, ‘o tomar a sério os princípios implica uma mudança profunda na metódica de concretização do direito e, por conseguinte, na actividade jurisdicional dos juízes’. Escrevemos sobre o assunto, com mais vagar, neste livro. O art. 477, parágrafo único do NCPC, quanto a este ponto, é claro no sentido de que ‘fundamentando-se a sentença em regras que contiverem conceitos juridicamente indeterminados, cláusulas gerais ou princípios jurídicos, o juiz deve expor, analiticamente, o sentido em que as normas foram compreendidas’. Seguindo a mesma linha, o art. 476, parágrafo único, II do NCPC estabelece que ‘não se considera fundamentada a decisão, sentença ou acórdão que […] empregue conceitos jurídicos indeterminados sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso’. A atuação jurisdicional realizada com fundamento em princípios é peculiar, diferente daquela desenvolvida apenas com base em regras. Impõe-se ao juiz, além de justificar a existência do princípio e sua incidência, em um caso concreto, também demonstrar os motivos que o levaram a mitigar a incidência de outro princípio. ... .” (MEDINA, José Miguel Garcia. A fundamentação judicial no ncpc. Disponível em: <http://professormedina.com/2011/01/11/fundamentacao-da-decisao-judicial-no-ncpc/>. Acesso em: 16.01.2015).

Por fim, consoante aduz DOS SANTOS, é de se notar que “..., em vistas ao fiel cumprimento da Constituição Federal e em busca de consolidar no seio da sociedade o princípio lá insculpido (da motivação das decisões judiciais, leia-se), o CPCP[6] traz grande inovação neste sentido, de modo a compelir o Magistrado a proceder à fundamentação das decisões observando, inclusive, determinadas regras para que a mesma seja assim considerada e, portanto, não afronte a Constituição Federal. Da mesma maneira, a intenção do CPCP é a de trazer à sociedade a consolidação dos ditames constitucionais, bem como possibilitar aos cidadãos a fiscalização das decisões mediante acompanhamento dos fundamentos de convencimento dos Magistrados.” (DOS SANTOS, Regiane Martins. Sentença: novas luzes sobre o problema da fundamentação da sentença conforme o artigo 499, § 1º, do projeto do novo código de processo civil. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=3760>. Acesso em: 16.01.2015).

Logo, diante do aduzido, o Novo CPC, nos seus dispositivos que disciplinam a operabilidade/concretização do princípio da fundamentação das decisões judiciais (gênero), entre elas a sentença (uma de suas espécies), como dito, não reproduz pormenorizadamente a previsão constitucional do mesmo (inserida no art. 93, IX, da CF/88), antes, pelo contrário, cria um novo regramento da matéria representada por esse instituto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da república federativa do brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 16.01.2015;

BRASIL. Projeto de novo cpc. Disponível em: <http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0CB0QFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.senado.gov.br%2Fatividade%2Fmateria%2FgetPDF.asp%3Ft%3D84496&ei=yXS5VOu6O-GCsQSj_oKYAg&usg=AFQjCNEj2VfzqsR7Jbumy_ZzTRgc790qsA&bvm=bv.83829542,d.cWc>. Acesso em: 16.01.2015;

DONOSO, Denis. Motivação das decisões judiciais no projeto do novo cpc. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/motivacao-das-decisoes-judiciais-no-projeto-do-novo-cpc/13771>. Acesso em: 16.01.2015;

DOS SANTOS, Regiane Martins. Sentença: novas luzes sobre o problema da fundamentação da sentença conforme o artigo 499, § 1º, do projeto do novo código de processo civil. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=3760>. Acesso em: 16.01.2015;

LUCIANO, Pablo Bezerra. A fundamentação das decisões judiciais no projeto do cpc. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-jun-19/pablo-bezerra-fundamentacao-decisoes-judiciais-projeto-cpc. Acesso em: 16.01.2015;

MEDINA, José Miguel Garcia. A fundamentação judicial no ncpc. Disponível em: <http://professormedina.com/2011/01/11/fundamentacao-da-decisao-judicial-no-ncpc/>. Acesso em: 16.01.2015; e

MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil. Teoria geral do processo e processo de conhecimento. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006. v. 1. p. 64-67.

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Sobre o autor
Dirceu Gênis Pinheiro

Advogado (OAB/PR). Pós-Graduação em Direito Processual (Unisul) e Direito Civil (Unisul). Jornalista (PUC/PR).

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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A inovação trazida pelo Novo CPC sobre o tema da fundamentação das decisões judiciais.

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