A constitucionalidade do regime disciplinar diferenciado

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Em face da necessidade de se adequar o conjunto normativo pátrio à Constituição Federal como norma fundamental, cumpre analisar a constitucionalidade do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD).

1. O nascedouro do Regime Disciplinar Diferenciado.

Para que se possa adentrar na parte conceitual e nas características do Regime Disciplinar Diferenciado, aqui tratado como RDD, é necessário relembrar sua origem.

Após diversas rebeliões no Estado de São Paulo, dentre elas a maior rebelião prisional registrada, ocorrida no Município de Taubaté, em que foram envolvidas quatro cadeiras públicas sob a responsabilidade da Secretaria da Segurança Pública do Estado e vinte e cinco unidades prisionais, diversas medidas administrativas foram tomadas visando evitar novos contratempos.

Figurando como umas destas medidas, estava a edição de Resoluções, que visavam a assegurar a disciplina e a ordem do sistema prisional. Entre elas, surgiu a Resolução SAP-26, de 04/05/2001, a qual instituiu o Regime Disciplinar Diferenciado.

Após a criação dessa medida, cinco unidades prisionais adotaram o regime, porém, três delas deixaram de aplicá-la em razão de ter sido inaugurado Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes que tinha como sim abrigar presos que necessitavam de tratamento mais rigoroso.

Em agosto de 2002, a Resolução SAP-59 instituiu o RDD no complexo Penitenciário de Campinas/Hortolândia e, em março de 2003, o Governo Federal, ao procurar uma medida para "endurecer" o sistema já criado e para amparar legalmente o RDD, edita a Lei nº 10.792 com a criação do RDD.

É importante destacar que o RDD, em um primeiro momento, foi iniciado por um ato administrativo de Secretário de Estado, membro do Poder Executivo. Naturalmente, à época, fora questionado sobre a possibilidade de uma Resolução legislar sobre matéria penal, já que, a Constituição Federal, em seus artigos 22I e 24I, dispõe que cabe à União legislar sobre Direito penal.

Devido às calorosas discussões, consequentemente, criou-se a Lei tratando sobre o tema, conforme abordado anteriormente. Com isso, em 1º de dezembro do ano de 2003, entrou em vigor a Lei nº10.792, alterando a Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execucoes Penais – LEP) para a inclusão do respectivo regime.

2. Sobre o Regime Disciplinar Diferenciado

2.1 Conceito.

Trata-se de uma sanção disciplinar voltada a presos provisórios e condenados, sendo fixada no caso de prática de fato previsto como crime doloso, acarretando, consequentemente, a subversão da ordem ou disciplina internas, observando-se as características previstas em Lei.

O RDD é uma sanção disciplinar mais drástica, e medida extrema que é deve ser excepcional. Pois, vale ressaltar que tal medida não se presta para o cumprimento da pena tão somente. Isso porque alguns doutrinadores vêm entendendo o RDD como um "regime fechadíssimo", tomando-se nesta oportunidade, definição de Luiz Flávio Gomes (2004, p. 20).

A respeito de sua definição doutrina Júlio Fabbrini Mirabete em sua obra (2004, p. 116):

"O regime disciplinar diferenciado (...) não constitui um regime de cumprimento de pena em acréscimo aos regimes fechado, semi-aberto e aberto, nem uma nova modalidade de prisão provisória, mas sim um regime de disciplina carcerária especial, caracterizado por maior grau de isolamento do preso e de restrições ao contato com o mundo exterior, a ser aplicado como sanção disciplinar ou como medida de caráter cautelar, tanto ao condenado como ao preso provisório, nas hipóteses previstas em lei ".

2.2 Características.

Os incisos IIIIII e IV do artigo 53 da Lei nº. 7.210 /84, definem bem as características do RDD:

"Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características:

I - duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada;

II - recolhimento em cela individual;

III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas;

IV - o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol ".

Verifica-se que o Regime Disciplinar Diferenciado engloba as seguintes características: duração máxima de 360 dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada; recolhimento em cela individual; visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas; direito à saída da cela por duas horas diárias para banho de sol.

Assim, cabe expor as principais discussões acerca de cada característica:

a) Inciso I - falta grave da mesma espécie: consta no artigo que a medida será aplicada até o limite de 1/6 da pena aplicada, portanto, não se trata de 1/6 da pena cumprida ou a cumprir. Se houver uma terceira falta, há duas correntes. A primeira assevera que, para cada repetição da falta, deve-se contar um novo 1/6 da pena. Já a segunda defende que o 1/6 da pena vale para a segunda e todas as demais faltas disciplinares. Em outras palavras, na primeira falta, o limite é 360 e nas demais somadas não pode ultrapassar o limite de 1/6 da pena. Prevalece a primeira corrente.

b) Inciso II - recolhimento em cela individual: ainda que solitária, a cela não poderá ser escura e devendo primar pela salubridade, pois tratamento diverso é vedado pelo artigo 45 da LEP. Caso contrário, estar-se-ia a ferir o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

c) Inciso III - Visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas: discute-se se são duas pessoas mais as crianças ou se elas também devem ser computadas. Por óbvio, ela também deve ser computada, pois não é interessante à criança visitar um ente familiar que cumpre o RDD. O Tratado de Direitos Humanos da ONU estabelece, no item 79 que, "a visita é um direito, desde que conveniente para ambas as partes".

d) Inciso IV - direito a banho de sol por duas horas diárias: será uma faculdade do aprisionado gozar do benefício, sendo que tal horário de saída da cela é definido pelo delegado ou diretor do estabelecimento, não é o preso quem decide. Deve ser evitada rotina. Ou seja, deve haver alternância de horários durante a semana.

2.3 Cabimento

As hipóteses de cabimento do “Regime”, por sua vez, estão previstas no caput e nos§§ 1º e do artigo 52 da LEP:

a) Caput - já fora transcrito anteriormente e engloba a hipótese de prática de fato previsto como crime doloso que constitua falta grave e ocasione subversão da ordem ou disciplina internas: O artigo estabelece, que, para estar sujeito ao RDD, não basta a prática de crime doloso, deve estar, ainda, associado a uma subversão/ tumulto carcerário. Frise-se que o RDD não atinge aquele que responde por crime culposo, nem preterdoloso, conforme entendimento do STJ.

b) § 1º - Tal dispositivo revela que o RDD também poderá abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade. Vale destacar o estrangeiro, que possui iguais direitos e deveres que o nacional no caso da prisão e da execução da pena. Ressalte-se, ainda, o fato de que esse dispositivo não abrange aquele que cumprem pena em medida de segurança.

c) § 2º - A última hipótese revela que estará igualmente sujeito ao RDD o preso provisório ou o condenado sobre o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando: Mas tal previsão será melhor analisada, posteriormente.

2.4 Outras Singularidades

Conforme estabelece o art. 54 da LEP, o RDD é judicializado, ou seja, cabendo privativamente ao juiz aplicar-lo. O abordado artigo estabelece: "As sanções disciplinares dos incisos I a IV do art. 53 serão aplicadas por ato motivado do diretor do estabelecimento e a do inciso V, por prévio e fundamentado despacho do juiz competente".

O magistrado não poderá agir de ofício para aplicar tal regime, dependendo, desta forma, pela inteligência do dispositivo de requerimento elaborado por diretor do estabelecimento.

É crucial ressaltar, em razão do disposto no art. 68II, “a”, da LEP que o Ministério Público também é parte legítima para requerer o RDD, embora não seja autoridade administrativa, pois incumbe ao MP requerer todas as providências necessárias ao desenvolvimento do processo executivo.

Por se tratar de impor condição mais severa ao preso, a decisão do juiz acerca do Regime Disciplinar Diferenciado deve ser precedida do devido processo legal, com prévia manifestação do Ministério Público, conferindo-se o direito de defesa ao réu condenado.

Importante é fazer apontamento a respeito da natureza jurídica do instituto. Observa-se que as normas atinentes ao RDD possuem natureza mista, ou seja, possui uma fachada de processo penal (execução penal), porém, com um acentuado caráter de Direito Penal, já que torna mais rigoroso o regime e, portanto, interfere na liberdade do cidadão.

Sendo, portanto, norma mista, suas regras regem-se pela disciplina do Direito Penal e não do Direito Processual Penal, logo, aplica-se o artigo XL da CF/88, obedecendo-se o princípio da irretroatividade da Lei Penal, sendo, ainda, incompatível sua disposição por medida provisória.

3. Análise da Constitucionalidade do RDD

3.1 Duração do RDD

Como antes abordado, a duração do RDD pode atingir o patamar máximo de trezentos e sessenta dias, os quais podem ser repetidos por igual período. A Lei das Execuções Penais, em seu artigo 58 estipula que "o isolamento, a suspensão e a restrição de direitos não poderão exceder a trinta dias, ressalvada a hipótese do regime disciplinar diferenciado".

Conclui-se, portanto, que o isolamento, por si, não pode ser considerado inconstitucional. Entretanto, teria sido mais razoável, por parte do legislador, se o prazo tivesse guardado compatibilidade com aquele já estabelecido na referida Lei, qual seja, trinta dias.

Assim, a ressalva feita pelo legislador, mormente o fato de este prazo poder ser dobrado, tornam, no nosso entendimento, a medida desumana, degradante e cruel, desviando do foco, ressocialização, ferindo a dignidade da pessoa humana.

O posicionamento do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (apudKUEHNE, 2006) sobre o RDD vai ao encontro daquele esposado neste artigo. Especificamente sobre a duração do regime, o Conselho manifestou-se no seguinte sentido:

(...) "O projeto, ao prever 360 dias de isolamento, certamente causará nas pessoas a ele submetidas à deterioração de suas faculdades mentais, podendo-se dizer que o RDD não contribui para o objetivo da recuperação social do condenado e, na prática, importa a produção deliberada de alienados mentais".

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Portanto, sobre este ponto, posiciona-se no sentido de que o isolamento de 360 dias é cruel, desumano e degradante, colocando em xeque princípios da dignidade e da humanidade da pena primados da Constituição, de sorte que, como se não bastasse o endurecimento deste regime, o prazo deveria ter guardado coerência com o que já constava em lei.

3.2 Cometimento de Falta Grave.

O motivo gerador do isolamento e demais circunstâncias alinhavadas anteriormente (falta grave cometida dentro do presídio) não pode ser tido como inconstitucional, já que decorre de algo que o agente efetivamente praticou.

Há, nesse caso, uma conduta concreta que efetivamente aconteceu e não meras suposições. Trata-se de nítida hipótese do Direito Penal do fato, ou seja, o condenado recebe a sanção em razão de sua conduta.

Entendemos que a conduta deve ser punida, até porque a ordem e a disciplina precisam ser mantidas dentro do presídio. Em outras palavras, o cometimento de falta grave deve ser passível de punição, mas, tal punição, deve se resguardar de proporcionalidade e respeito à dignidade da pessoa humana, ou seja, deve haver uma ponderação entre a privação ou restrição do direito e a finalidade perseguida com a incriminação prevista. A sanção prevista deve estar compatível com o grau de ofensividade a fim de que não se cometam excessos, ou mesmo benesses.

No que diz respeito à questão, oportuno é o entendimento de Paulo Queiroz e Aldeleine Melhor, no artigo científico "Princípios Constitucionais da Execução Penal" (2006, p. 09) acerca do princípio da proporcionalidade:

(...) "Convém notar, todavia que o princípio da proporcionalidade compreende, além da proibição de excesso, a proibição da intervenção jurídico-penal. Significa dizer que, se por um lado, deve ser combatida a sanção penal desproporcional porque excessiva, por outro lado, cumpre também evitar a resposta penal que fique muito aquém do seu efetivo merecimento, dado o seu grau de ofensividade e significação político-criminal, afinal a desproporção tanto pode dar-se mais quanto para menos(...)".

Pelo pensamento do professor Luiz Flávio Gomes (2006), o qual entende que essa hipótese "se funda no Direito Penal do fato". E complementa: "(...) de qualquer modo, ainda que se admita essa hipótese de RDD como constitucional, sua aplicação prática (duração, modo de execução, condições de execução etc.) não pode ser inconstitucional".

3.3 Presos que apresentem alto risco para a sociedade e segurança do estabelecimento e suspeita de participação em organização criminosa.

As hipóteses de cabimento também devem ser analisadas com muita ponderação. Com efeito, são aquelas previstas nos §§ 1º e  do artigo 52 da Lei nº 7.210/84.

Extrai-se da inteligência do respectivo artigo que é cabível o RDD aos presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal/sociedade ou quando recair, sobre o preso provisório ou condenado, fundadas suspeitas de envolvimento ou participação em organizações criminosas, quadrilha ou bando.

Divergindo da hipótese acerca do cometimento de falta grave, essas duas condições, ora expostas, não são hipóteses as quais relatam algo que o agente efetivamente praticou.

Baseiam-se, portanto, em suposições e suspeitas, afastando-se, dessa forma, do Direito Penal do fato e aproximando-se do Direito Penal do autor, ou seja, o agente recebe uma sanção pelo que supostamente é e não pelo que fez. Verdadeira teoria da aparência.

Essas condições, apesar elogiadas pela mídia julgadora e pelo legislador, revelam cabal violação ao princípio da presunção de inocência e ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Na idéia de Antônio Magalhães Gomes Filho (1994, p. 30), na conclusão do artigo "Presunção de inocência: princípios e garantias", é certo que tal preceito perfaz tanto um direito como uma garantia, já que objetiva instituir, de forma direta e imediata, regras jurídicas de proteção da posição do indivíduo na sociedade (garantias), estabelecendo, em contrapartida, limites que não podem ser transpostos pela atuação estatal.

O autor, ainda, complementa que as garantias decorrentes da presunção de inocência são: a jurisdicionalidade, em virtude da qual a verificação da culpa só pode ser alcançada com o devido processo legal; a não intervenção do jus puniendi, exceto quando a culpa do acusado esteja comprovada pela acusação acima de qualquer dúvida razoável; a não auto-incriminação; o tratamento como inocente até o trânsito em julgado da sentença condenatória e, por fim, a preservação da liberdade durante o processo, salvo diante de situações excepcionais justificadas, em que a restrição da liberdade só pode ocorrer em face das exigências processuais a fim de assegurar resultados no próprio processo.

Não bastasse isso, vamos supor que o agente realmente participe de quadrilha ou organização criminosa, para tanto, existem o artigo 288 do Código Penal e a Lei nº.9.034/95 pelos quais o agente pode ser punido. Então, terá, por óbvio, uma sanção específica para o ato, de sorte que integrar o condenado ao Regime Disciplinar Diferenciado, com análise atenta, implicará bis in idem.

Como é sabido, a CF/88 não consagrou expressamente princípio do non bis in idem, no entanto, alguns Tratados e Convenções Internacionais assim o fizeram. Um exemplo é a Convenção Americana de Direitos Humanos, que dispõe, em seu artigo 8.4, que "O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá se submetido a novo processo pelo mesmo fato".

Portanto, para que não se tome uma medida tão drástica quando presentes apenas indícios ou fundadas suspeitas, deve-se comprovar devidamente algum fato ligando o interno a uma sociedade criminosa.

3.4 Conclusões

Nesse ponto, é relevante notar o pensamento daqueles que entendem pela constitucionalidade do instituto. Argumentam que não pode haver bis in idem por se tratar de instâncias diversas, ou seja, o crime é penal e a sanção do RDD, administrativa.

Não obstante esse argumento, tecnicamente, possa estar adequado, entende-se no sentido contrário. Pois é fundamental pensar na pessoa do condenado, uma vez que, na prática, ele estará sofrendo duas vezes pelo mesmo fato.

Verifica-se que o RDD é instituto de gravidade extrema e provoca, de forma inequívoca, constrangimento ao condenado e ao seu direito de liberdade. Não se trata de uma simples sanção, mas de uma repressão séria que pode causar prejuízos à integridade física e psíquica no condenado por uma coisa que supostamente participa.

Invocando-se Luiz Flávio Gomes (2006), agora, em seu artigo "RDD e Regime de Segurança Máxima", diz:

"O Estado constitucional, democrático e garantista de Direito é o que procura o equilíbrio entre a segurança e a liberdade individual, de maneira a privilegiar, neste balanceamento de interesses, os valores fundamentais da liberdade do ser humano. O desequilíbrio em favor do excesso de segurança com a conseqüente limitação excessiva da liberdade das pessoas implica, assim, em ofensa ao referido modelo de Estado”.

Assim, a conclusão que se chega é que o instituto da forma em que foi concebido é inconstitucional, já que ofende aos princípios da presunção de inocência, da dignidade da pessoa humana, do devido processo legal e do non bis in idem, este último não expresso na atual Constituição, mas invocado de tratados.

4. Principais julgados sobre o RDD.

Este capítulo destina-se a expor os principais julgados acerca do Regime Disciplinar Diferenciado, sobretudo aqueles proferidos pelos Tribunais Superiores.

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou algumas vezes sobre o tema. Segue um dos julgados:

"EMENTA - HABEAS CORPUS. REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO. ART.52DA LEP. CONSTITUCIONALIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. NULIDADE DO PROCEDIMENTO ESPECIAL. REEXAME DE PROVAS. IMPROPRIEDADE DO WRIT. NULIDADE DA SENTENÇA CONDENATÓRIA NÃO RECONHECIDA.

1. Considerando-se que os princípios fundamentais consagrados na Carta Magnanão são ilimitados (princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas), vislumbra-se que o legislador, ao instituir o Regime Disciplinar Diferenciado, atendeu ao princípio da proporcionalidade. (grifo nosso) 2. Legitima a atuação estatal, tendo em vista que a Lei n. 10.792 /2003, que alterou a redação do art. 52 da LEP, busca dar efetividade à crescente necessidade de segurança nos estabelecimentos penais, bem como resguardar a ordem pública, que vem sendo ameaçada por criminosos que, mesmo encarcerados, continuam comandando ou integrando facções criminosas que atuam no interior do sistema prisional - liderando rebeliões que não raro culminam com fugas e mortes de reféns, agentes penitenciários e/ou outros detentos - e, também, no meio social.(...) 5. Ordem denegada. (grifou-se)"

Como se observa, o Superior Tribunal de Justiça tem o Regime Disciplinar Diferenciado como uma medida necessária dentro dos estabelecimentos penitenciários. Não faz, assim, análise crítica dentro dos princípios constitucionais, aplicando, tão somente a Lei e seus requisitos.

A única menção que faz aos princípios da proporcionalidade e da individualização das penas é que tais princípios não são ilimitados, motivo por que autorizariam a presença de um instituto como o RDD em nosso ordenamento jurídico.

Cabe nesta oportunidade analisar um julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo, o qual discorda do entendimento proferido pelo STJ e considera o Regime Disciplinar Diferencial inconstitucional.

Trata-se do Habeas Corpus n. 978.305.3/0-00 oriundo da Primeira Câmara do TJSP:

" (...) O chamado RDD (Regime disciplinar diferenciado), é uma aberração jurídica que demonstra à sociedade como o legislador ordinário, no afã de tentar equacionar o problema do crime organizado, deixou de contemplar os mais simples princípios constitucionais em vigor. (...) Independentemente de se tratar de uma política criminológica voltada apenas para o castigo, e que abandona os conceitos de ressocialização ou correção do detento, para adotar "medidas estigmatizantes e inocuizadoras " próprias do "Direito Penal do Inimigo" , o referido "regime disciplinar diferenciado" ofende inúmeros preceitos constitucionais ". E continua o insigne Magistrado,"trata-se de uma determinação desumana e degradante (art. III, daCF), cruel (art. XLVII, da CF), o que faz ofender a dignidade humana (art. ,III, da CF). (...) O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, ao entender como inconstitucional o citado regime disciplinar, ainda deixou evidente que a medida"é desnecessária para a garantia da segurança dos estabelecimentos penitenciários nacionais e dos que ali trabalham, circulam e estão custodiados, a teor do que já prevê a Lei 7.210/84".

(...)

Mas na visão de Rogério Sanches (2007, p. 25), o posicionamento do Tribunal de Justiça daquele Estado seria equivocado, e observa: “Pensamos que a drástica medida é constitucional, desde que utilizada como sanção extrema, excepcional, servindo como derradeira trincheira na correção de reeducando faltoso e perigoso, preferindo o juiz, sempre que possível e suficiente (critério de proporcionalidade), as sanções outras trazidas na mesma lei".

Finalmente, apenas para não deixar este artigo órfão de informação no que tange ao Supremo Tribunal, embora ainda não tenha se posicionado sobre a constitucionalidade do tema, consoante supramencionado, deve-se destacar que houve um julgado no sentido de que eventual inconstitucionalidade declarada deveria ser feita pelo Pleno do Tribunal Estadual e não por Câmara isoladamente.

5. O RDD e os Tratados Internacionais.

Ponto relevante é observar as características do Regime Disciplinar Diferenciado e suas hipóteses de cabimento frente aos principais Tratados Internacionais que o Brasil figura como signatário.

No que diz respeito à Convenção Americana de Direitos Humanos, foi adotada e aberta à assinatura na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969 e ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992.

O artigo 5º, 1, 2 e 6 e o artigo 11, 1, prevêem:

"Artigo 5º - Direito à integridade pessoa”

1. Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.

2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.

(?)

6. As penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados.

(?)

Artigo 11 - Proteção da honra e da dignidade. “Toda pessoa tem direito ao respeito da sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade".

Como se expôs neste artigo, são inconstitucionais: a duração do RDD; as hipóteses que envolvem a suspeita de o condenado participar de organização criminosa e de apresentar alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal/sociedade.

Esses pontos que revelam, no nosso entendimento, a inconstitucionalidade do instituto, que contrariam não somente a Constituição Federal, assim como o Pacto de San José da Costa Rica, segundo o teor dos artigos supramencionados.

Nessas hipóteses de inconstitucionalidade, é certo que há desrespeito à integridade física, psíquica e moral do condenado, além de revelar trato degradante o qual desrespeita a dignidade humana.

Por sua vez, a Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes foi adotada pela Resolução 39 /46, da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1984 e adotada pelo Brasil em 28 de setembro de 1989.

A referida Convenção estipula, em sua maior parte, o procedimento para combater a tortura. Assim, o artigo 1º conceitua tortura:

"Artigo 1º - Para fins da presente Convenção, o termo "tortura" designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido ou suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam conseqüência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram.

“O presente artigo não será interpretado de maneira a restringir qualquer instrumento internacional ou legislação nacional que contenha ou possa conter dispositivos de alcance mais amplo”. (grifou-se).

A permanência do indivíduo no RDD por 360 dias ou mais; a inclusão do condenado nesse "regime" por meras suspeitas ou por apresentar alto risco pode causar dor ou sofrimento agudo, físicos ou mentais e ser visto como um castigo a ato que o réu possa ter cometido.

Ressalta-se que, a Declaração de Direitos e Deveres do Homem, proclamada pelas Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. Os artigos pertinentes ao tema são:

"Artigo I. Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sua pessoa”.

(?)

Artigo XVIII. Toda pessoa pode recorrer aos tribunais para fazer respeitar os seus direitos. Deve poder contar, outrossim, com processo simples e breve, mediante o qual a justiça a proteja contra atos de autoridade que violem, em seu prejuízo, qualquer dos direitos fundamentais consagrados constitucionalmente.

(...)

Artigo XXVI. Parte-se do princípio de que todo acusado é inocente, até provar-se lhe a culpabilidade. “Toda pessoa acusada de um delito tem direito de ser ouvida em uma forma imparcial e pública, de ser julgada por tribunais já estabelecidos de acordo com leis preexistentes, e de que se lhe não inflijam penas cruéis, infamantes ou inusitadas".

No que se refere aos tratados humanitários, frisa-se o pensamento de Helena Singer:

"Apesar desse desejo de mudanças, partidários e críticos da penalização e da punição concordam em um aspecto: a punição é um recurso conservador, para a manutenção da ordem, o restabelecimento de normas que foram rompidas e a afirmação dos valores morais de uma sociedade. (...) É importante que fique clara a relação entre regra e punição: a punição repara a falta de maneira sempre proporcional. O desrespeito à regra desmoraliza porque prejudica a fé (...) na disciplina, o que significa que a punição não serve para normalizar o delinqüente e sim para dar uma satisfação ao obediente. Por isso mesmo, a punição deve ser pública e sua publicidade também deve ser proporcional à gravidade do ato cometido".

Desta forma, é latente a incompatibilidade do instituto com a Constituição Federal e com o Pacto de San José da Costa Rica, o RDD também viola essa Convenção contra a Tortura, prática que é reprimida em todas as suas formas.

6.1 Nova Posição dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos no Ordenamento Jurídico

A Emenda Constitucional nº 45 trouxe ao nosso ordenamento jurídico a possibilidade de os tratados relativos aos Direitos Humanos serem incorporados como equivalentes às emendas constitucionais, segundo o artigo § 3º, da Carta Magna, que dispõe:"Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais".

Pela doutrina de Luiz Flávio Gomes (2007):

"A nova pirâmide normativa (o novo edifício do Direito), destarte, passou a ter três patamares (andares): no de baixo está a legalidade, no topo está a Constituição e no andar do meio encontra-se o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH). No plano formal (repita-se) essa é a nova pirâmide normativa que emana da recente doutrina do STF ".(...)

O STF proclamou o status supralegal dos tratados de direitos humanos, no julgamento do RE n. 466.343. Portanto, é certo que a interpretação das normas de direitos humanos nos tratados internacionais, hoje, ganharam força e novo patamar em nosso ordenamento jurídico. Obviamente, é um assunto novo em que as posições ainda não estão sedimentadas, entretanto, é inegável o objetivo do legislador constituinte ao alterar e reconhecer a relevância desse assunto, além de colocá-lo em posição de destaque em nossa Carta Magna o que nos remete a estudá-lo para uma aplicação mais eficaz.

6. Conclusão

Diante do exposto, conclui-se que, mais uma vez, o legislador e os aplicadores do Direito utilizam-se de um meio ineficaz para combater à criminalidade.

Tudo porque a própria Lei foi iniciada como uma medida legitimadora das resoluções administrativas já existentes sobre o tema. Como se não bastasse, o que se vê, principalmente a partir dos anos 90, é que várias leis criminais são apresentadas como um conforto para a questão da violência e da segurança pública.

O Regime Disciplinar Diferenciado, sem dúvida, representa, atualmente, a mais drástica sanção disciplinar, que abarca características as quais deixam o preso em situação degradante, acarretada pela duração máxima de 360 dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie.

Nesse diapasão, encontra-se também a hipótese de cabimento consistente na inserção ao RDD do preso que apresenta alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade e sobre o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando.

Repise-se que tanto a duração de 360 dias como o fato de inserir no RDD aqueles sobre os quais recaiam somente suspeitas são situações entendidas como inconstitucionais em virtude da transgressão aos princípios da dignidade da pessoa humana, da proibição de pena cruel, desumana e degradante, da proibição do bis in idem, da presunção de inocência, da individualização da pena, do devido processo legal e da proporcionalidade.

No que diz respeito à proporcionalidade, especialmente, destaca-se a interpretação do Ministro Gilmar Mendes (2007, p. 127), ao consignar que a doutrina constitucional mais moderna defende que, em se tratando de imposição de restrições a determinados direitos, deve-se indagar não somente sobre a admissibilidade constitucional da restrição eventualmente fixada, mas também sobre a compatibilidade das restrições estabelecida pelo princípio da proporcionalidade.

Analisando-se, ainda, o RDD à luz dos mais importantes tratados internacionais sobre direitos humano é possível concluir que o Regime Disciplinar Diferenciado viola flagrantemente o Pacto de São José da Costa Rica, a Convenção contra a tortura e a Declaração dos Direitos do Homem.

Por fim, expôs-se o novo posicionamento interpretativo a respeito dos tratados internacionais de direitos humanos. A mais moderna discussão reside na nova pirâmide normativa, a qual passou a ter três andares: no de baixo, a legalidade; no topo, a Constituição e no andar do meio, o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH).

Mais importante que o aspecto formal da pirâmide é o aspecto material, uma vez que deve preponderar, na prática e na vivência do Direito, o conteúdo da norma. Ou seja, sempre prevalece aquela norma que mais assegurar o direito violado.

Em suma, o RDD faz parte de uma lei válida, mas não vigente nesse ponto. Precisa, com urgência, ser revista, a fim de se compatibilizar com a nossa Constituição e com os Tratados Internacionais de Direitos Humanos, dos quais o Brasil faz parte, a fim de fornecer aos presos uma reprimenda justa e condizente com as diretrizes e princípios estabelecidos em nosso ordenamento jurídico.

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QUEIROZ, Paulo Queiroz e MELHOR, Adeleine. Princípios Constitucionais da Execução Penal. Leituras Complementares da Execução Penal. Editura Juspodium. 2006.

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Sobre os autores
Alisson Ribeiro Andrade

estudante do 9º período do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES.

Daniel Lucas Lyra Ramos

estudante do 9º período do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES.

Informações sobre o texto

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