6. Irredutibilidade de subsídios e cláusula pétrea
A irredutibilidade de subsídios é a um só tempo:
1º) garantia imodificável da Constituição (art.60, § 4º, IV); e
2º) autêntico direito adquirido daqueles que já a incorporaram, em definitivo, aos seus respectivos partimônios individuais (art.5º, XXXVI).
O Pretório Excelso, a respeito da matéria, afirmou tratar-se de cláusula que "veda a redução do que se tem".
Com efeito, prospectou em termos válidos ainda hoje: "o Supremo Tribunal Federal, tendo presente a concreta abrangência desse postulado fundamental, enfatizou que ´a garantia constitucional da irredutibilidade de vencimentos torna intangível o direito que já nasceu e que não pode ser suprimido (RTJ, 118:300, Rel. Min. Carlos Madeira), pois, afinal, a garantia da irredutibilidade incide sobre aquilo que, a título de vencimentos, o servidor já vinha percebendo (RTJ, 112:768, Rel. Min. Alfredo Buzaid). Cumpre ter presente, neste ponto, a sempre relembrada decisão desta Suprema Corte, em período no qual a garantia em causa somente dizia respeito aos membros do Poder Judiciário, na qual se assentou, concernentemente ao tema em debate, que ´o que a irredutibilidade veda é a diminuição, por lei posterior, dos vencimentos que o juiz, em exercício antes de sua vigência, estivesse recebendo´ (RTJ, 45:353,355, Rel. Min. Evandro Lins e Silva). Esse entendimento - impõe-se enfatizar - tem sido reiterado em diversos posicionamentos dessa Corte Suprema, nos quais, por mais de uma vez, já se proclamou que a garantia constitucional da irredutibilidade de vencimentos proíbe que o estipêndio funcional seja reduzido ou afetado, por ato do Poder Público, em seu valor nominal (RTJ, 105:671, 675, Rel. Min. Soares Muñoz)".
7. O direito adquirido e as contribuições de custeio à Previdência Social
Com a edição da Lei 9.783, de 28.01.1999, foi instituída a contribuição para o custeio da previdência social dos servidores públicos, ativos e inativos, e dos pensionistas dos três Poderes da União.
Óbvio que a mencionada lei é inconstitucional, ferindo, frontalmente, a garantia dos direitos adquiridos, as cláusulas imodicáveis, e o próprio art.40, da Constituição, com a redação dada pela EC 20/98.
Ao instituir o regime previdenciário de caráter contributivo, com base no tempo de contribuição, o referido art.40, dirigiu-se somente aos servidores titulares de cargos efetivos das entidades federativas.
Daí veio a Lei 9.783/99, cobrando contribuição dos aposentados e pensionistas.
É evidente a sua inconstitucionalidade, pois, como se deduz do multicitado art.40, os inativos e pensionistas não têm qualquer dever de contribuir.
Seria grande incongruência exigir contribuição de custeio da Previdência Social daqueles que a vida inteira contribuíram, esperando, um dia, a aposentadoria.
A Lei 9.783/99 viola, ainda, o princípio da irredutibilidade de benefícios (art.194, IV), a isonomia tributária (art.150, II), e, como já reconheceu o Supremo Tribunal Federal, a proibição de se utilizar tributos com efeito confiscatório (art.150, IV).
8. Concluindo
Intentamos transmitir a idéia de que os direitos adquiridos devem ser preservados, porque constituem garantias fundamentais irreformáveis (art.60,§ 4º, IV).
Porém, através de miniconstituinte, o art.60, § 4º, IV, da Constituição, poderia ser refomulado, com vistas a atenuar a ´regra de bloqueio´ prevista no art.5º, inc.XXXVI?
Em primeiro lugar, miniconstituinte é uma terminologia teratológica e imprópria, sem precedentes no direito constitucional comparado.
Claro que qualquer proposta no sentido de se criar "miniconstituintes" se apresenta totalmente inconstitucional.
Primo, porque subverte o primado da rigidez.
Secundo, pois viola a manifestação constituinte originária.
Tercio, porquanto a observância do quórum qualificado de três quintos é princípio imodificável (art.60, § 2º).
Admiti-lo seria aceitar a tese da dupla revisão, sobremodo controvertida na seara constitucional.
Para nós é inviável o legislador reformador, por intermédio de dupla revisão, suprimir os limites procedimentais, nem mesmo através de consulta popular, via plebiscito ou referendo.
Ou se convoca uma Assembléia Nacional Constituinte para elaborar uma nova Constituição, ou se respeita o único caminho para se empreender reformas: através da aprovação de emendas em dois turnos na Câmara e no Senado, com o voto de, no mínimo, três quintos parlamentares.
É que as vedações procedimentais são imprescindíveis e insuperáveis. Imprescindíveis, porque simplificar as normas que estatuem limites, outrora depositados pela manifestação constituinte originária, é usurpar o caráter fundacional do poder criador da Constituição.
Insuperáveis, pois modificar as condições estabelecidas por um poder mais alto - o poder constituinte originário - com o escopo de reformar-se o processo revisional, é promover uma fraude à Constituição dos juristas alemães (Verfassungsbeseitigung).
Por isso, o processo de dupla revisão viola normas que prescrevem a imodificabilidade de outras normas, e, nesse caso, nítido alijamento às cláusulas de inamovibilidade.
A Constituição é um meio e nunca um fim em si mesma.
Não podemos alimentar a ilusão de que a força operante das normas constitucionais podem evoluir a conjuntura social.
A situação é outra: os preceitos constitucionais servem para ordenar a realidade circundante, dependendo, ainda, do reconhecimento que se lhes emprestem.
Não são modificações formais, inoportunas e inviáveis, com promessas teóricas de fácil equacionamento, que trarão uma suposta ´felicidade nacional´.
De um modo geral, os legisladores brasileiros preocupam-se em fazer reformas, mas se esquecem do modo como elas devem ser concebidas.