A nova concepção dos contratos frente ao Código de Defesa do Consumidor

20/03/2015 às 15:43
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O presente artigo versa sobre a nova concepção dos contratos no ordenamento jurídico brasileiro, haja vista, as alterações destes ao longo dos últimos anos, ressaltando-se a nova roupagem atribuída a tal instituto pelo Código de Defesa do Consumidor.

O contrato é um instituto que existe há alguns anos, e é de real importância para o mundo jurídico e para a vida em sociedade, na medida em que envolve interesses recíprocos entre as partes contratantes, estipulando uma obrigação para ambas as partes, a fim de satisfazê-las.

Sobre a importância dos contratos, acentua Gonçalves (2010, p. 21):

“O contrato é a mais comum e a mais importante fonte de obrigação, devido às suas múltiplas formas e inúmeros recursos no mundo jurídico.” [1]

Entretanto, a atual concepção dos contratos no ordenamento jurídico brasileiro, surgiu mediante mudanças ocorridas no seio da sociedade, como as transformações sociais, econômicas e políticas, que clamavam por uma nova ordem jurídica capaz de atender as novas necessidades surgidas por essas transformações.

O contrato na Idade Média tinha como escopo perfazer os interesses da nobreza, contudo, foi com a Revolução Francesa que se estabeleceu Princípios que conduziram a relação contratual durante quase dois séculos. O Liberalismo, trouxe o ideário de que todos são iguais perante a Lei, estabelecendo o modelo liberal, seguindo-se os princípios norteadores da autonomia da vontade, da liberdade de contratar e do pacta sunt servanda.

A respeito do modelo liberal, o autor Donnini (1999, p. 145) colabora:

“O liberalismo marcante do século XIX influenciou as codificações daquele período e deste século também, incluindo-se nessas legislações o nosso Código Civil. A teoria geral do contrato está fundada no pensamento dessa época, em que a autonomia privada da margem à exaltação do contrato e a rigidez do brocardo pacta sunt servanda.”[2]

Percebe-se, que o liberalismo acabou por colaborar para o modelo contratual, que ficou conhecido como modelo liberal, tendo em vista, a liberdade em que as partes detinham de discutir as cláusulas contratuais (olho por olho, cláusula por cláusula).

Ressalta-se que o Estado não intervinha nas relações contratuais, em razão da autonomia da vontade. As partes detinham da liberdade e autonomia para contratar. Já em se tratando do pacta sunt servanda, o contrato prevalecia, era a lei entre as partes, rígido, estático e intangível.

Todavia, a sociedade continuou suas mudanças que repercutiram na relação contratual e nos princípios que regiam o mesmo, em especial ao princípio da autonomia da vontade, que já não alcançava os interesses sociais.

Rodrigues (2004, p. 18), assim nos ensina:

“De fato, tanto o princípio da autonomia da vontade como o da obrigatoriedade das convenções perderam uma parte de seu prestígio, em face de anseios e preocupações novas, nem sempre atendidos no apogeu do regime capitalista".[3]

A revolução industrial contribuiu para mais transformações que repercutiram na maneira de contratar, como o desenvolvimento científico e tecnológico, o consumo e produção em massa. O capitalismo trouxe novas formas de produção, o que antes era manual, passou a ser desenvolvido por máquinas, de sorte, que a produção começou a ser massificada, bem como o consumo, que por sua vez, passou a ser em massa.

Destarte, o contrato já não conseguia acompanhar essas modificações, posto que, aplicar os ideários do liberalismo e discutir as cláusulas “olho por olho” já não se fazia mercê diante da produção e consumo em massa.

Gonçalves (2010, p.24) afirma:

“A economia de massa exige contratos impessoais e padronizados (contratos – tipo ou de massa), que não mais se coadunam com o princípio da autonomia da vontade.” [1]

Surgiram então, os contratos de adesão, que não admitia a discussão de suas cláusulas, ou o consumidor aderia ou não o contrato. Porém, como uma das partes detinha do poder de formular o contrato e a outra apenas de aderi-lo, não demorou muito, para que ocorressem práticas abusivas, que acabaram por colocar o consumidor em situação de vulnerabilidade.

Grinover (2005, p.499) acrescenta.

“Com efeito, as regras ortodoxas do Direito Positivo não mais atendem a ordem pública de proteção do consumidor, notadamente quantos aos vícios do consentimento, à noção de causa no contrato, ao regramento da cláusula penal, à teoria das nulidades e a proteção contra cláusulas abusivas.” [4]

Assim sendo, perante as inovações e transformações ocorridas na sociedade, e diante das abusividades sofridas pelos consumidores, massacrados por um modelo jurídico que não mais atendia às necessidades da coletividade, surgiu a nova concepção contratual, originada pelo Código de Defesa do Consumidor.

Insta dizer, que o Código de Defesa do consumidor foi o percursor da nova realidade contratual do sistema jurídico brasileiro, na medida em que, estabeleceu uma série de direitos a serem observados na relação de consumo, objetivando proteger o consumidor, considerado parte vulnerável e hipossuficiente dessa relação, em busca da igualdade real e não apenas legal.

Venosa (2010, p. 385), esclarece:

“No campo dos contratos que por ora nos interessa, foram trazidos para o bojo da lei, além de instrumentos eficazes em favor do consumidor no tocante à responsabilidade objetiva do fornecedor e possibilidade de inversão do ônus da prova careada para o fornecedor, princípios de direito contratual que a doutrina tradicional já adotava há muito, na exegese de proteção do mais fraco.”[5]

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Sendo assim, a nova concepção contratual passou-se a observar a função social do contrato, observando-se a flexibilização do contrato ao invés da intangibilidade observada no modelo liberal (tradicional), assim sendo, o brocardo pacta sunt servanda, perdeu força diante do novo modelo. Que busca o equilíbrio contratual ao invés da rigidez do contrato.

Outra importante inovação no modelo atual foi a intervenção do Estado, que passou de Estado Liberal para Estado social. Nesse sentido o Estado passou a ser intervencionista, a fim de garantir a ordem pública de proteção dos consumidores.

Os Princípios norteadores desse novo modelo contratual estão previsto na Lei 8.078/90, que dispõe sobre o Código de Defesa do Consumidor [6], se fazendo necessário mencionar alguns deles, assim como o Princípio da boa-fé objetiva (artigo 51, inciso IV) que visa impedir que o consumidor seja colocado em situação de desvantagem exagerada.

 Em relação ao Princípio da Intangibilidade das Convenções (artigo 51, incisos X, XI e XIII), visa-se proteger o consumidor na relação contratual, para que o mesmo não seja alvo da variação do preço, do cancelamento unilateral do contrato e da modificação unilateral do conteúdo do contrato, assim sendo, resguarda-se o consumidor da arbitrariedade do fornecedor de produtos ou serviços.

Já em se tratando das lesões nos contratos e da excessiva onerosidade (artigo 51, § 1º) o Código de Defesa do Consumidor estabelece que  as multas de mora não poderão se superiores a 2% do valor da prestação, limitando o valor a ser cobrado no caso de inadimplemento.

Ante o exposto percebe-se que a nova concepção de contrato no Código de Defesa do Consumidor analisa o contrato concretamente, aplicando-se inclusive o Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, essa aplicação se faz possível, posto que o novo modelo utiliza-se de uma abordagem voltada para a pessoa, buscando-se um contrato justo, pautado na igualdade real, com o intuito de proteger a parte vulnerável da relação.

Ressalva-se que os princípios contratuais oriundos da nova concepção contratual devem ser observados para o fim precípuo de alcançar-se equilíbrio na relação de consumo e evitar-se danos em relação ao consumidor.

Destarte, a nova concepção contratual, não trata apenas de uma igualdade formal entre as partes, e sim, busca-se uma igualdade real entre os contratantes, em virtude da vulnerabilidade do consumidor, parte mais frágil dessa relação contratual.

Assim sendo, o Código de Defesa do Consumidor inovou ao tornar o contrato mais justo, em busca da função social do contrato e do equilíbrio contratual.

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NOTAS

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

 [1] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

[2] DONNINNI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1999.

[3] RODRIGUES, Silvio. Direito civil, volume 3: dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

[4] GRINOVER, Ada Pellegrini. Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.

[5] VENOSA, Sylvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 4ed. São Paulo: Atlas, 2004.

[6] BRASIL. Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990. In: CURIA, L.R. (Org.) Vade Mecum. 12. ed. atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2011.

Sobre a autora
Právila Indira Knust Leppaus

Advogada e Consultora Jurídica. Especialista em Responsabilidade Civil e Direito do Consumidor. Atua nas diversas áreas jurídicas e em todo Estado do Espírito Santo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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