A natureza jurídica das medidas de segurança e o conceito subjetivo de periculosidade

24/03/2015 às 08:52

Resumo:


  • Medidas de segurança no direito penal brasileiro são aplicadas com base na periculosidade e na inimputabilidade do indivíduo, visando a prevenção de novos delitos e a reinserção social do agente.

  • As medidas de segurança diferem das penas, pois não têm caráter retributivo, mas preventivo, e podem ser detentivas (internação em hospital de custódia) ou restritivas (tratamento ambulatorial).

  • A periculosidade, como fundamento para a aplicação de medidas de segurança, é um conceito amplo e subjetivo, que deve ser comprovado por perícia médica e não pode ser apenas presumido.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

As medidas de segurança, diferentemente das penas, têm o caráter de tratamento de saúde mental. Visa-se com o presente artigo o estudo das medidas de segurança no plano de sua formalidade conceitual, abrangendo sua natureza jurídica, espécies, requisitos.

Palavras chave: medidas de segurança; periculosidades; inimputabilidade; direito penal; código penal.

Sumário: Introdução; 1. Conceito das Medidas de Segurança; 2. Natureza jurídica das medidas de segurança; 3. Espécies das medidas de segurança; 4. Dos requisitos das Medidas de Segurança; 4.1 O conceito de periculosidade.

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Introdução

A imputabilidade de alguém que comete um ilícito penal, segundo a legislação brasileira, é caracterizada a partir do critério biopsicológico, ou seja, a responsabilidade do agente está pautada na causalidade do ato e o estado mental da pessoa. Assim, para o direito brasileiro não há relação em moldes absolutos entre a doença mental e a determinação da imputabilidade, ou seja, a isenção de pena depende do lapso mental do indivíduo no momento do injusto penal. Não é outro pensamento de Peres, segundo o qual há um

"momento intelectivo, que se relaciona com a capacidade de entendimento, e um momento volitivo, relacionado com a capacidade de determinação." (PERES, 2002, p. 343).

Historicamente, a medida de segurança surge no cenário italiano, debruçada sobre as ideias da Escola positivista do Direito Penal a qual defendia a sua aplicação como prevenção e assistência social de modo a aplicar a periculosidade de portadores de doença mental que praticavam ações previstas na lei como crime.

1. Conceito das Medidas de Segurança

A medida de segurança é a reação do Direito Penal com a finalidade de coibir o ato delituoso e de prevenir para que ele não venha a ocorrer novamente. Sendo assim, é uma forma da sociedade responder pelo injusto penal cometido e tornar possível a reinserção do enfermo no meio social.          

Segundo Regis Prado, “as medidas de segurança são consequências jurídicas do delito, de caráter penal, orientadas por razões de prevenção especial” (PRADO, 2004: p.688)

Esta resposta é uma forma de dar assistência social, de terapia àqueles que não são penalmente responsáveis, e, garantir o tratamento para o doente. Cohen (2006a, p. 127).

2. Natureza jurídica das medidas de segurança

São requisitos do delito: fato típico, ilícito e culpável. Consoante a isso, não existe crime sem culpa e, portanto, o injusto penal cometido por autoria do agente inimputável deve ser absorvido e não há que se falar em penas uma vez que as últimas têm caráter retributivo-preventivo e as medidas de segurança têm natureza jurídica de modo eminente preventiva.

Enfatiza DOWER (2000, P. 122) que “medida de segurança não é pena. A pena é uma sanção baseada na culpabilidade do agente. O louco age sem culpa. Por tanto a medida de segurança se fundamenta na periculosidade do agente”

Ressalta-se que no Brasil, de acordo com o artigo 32 do atual Código Penal as penas podem ser privativas de liberdade, restritivas de direitos e, multa.

A medida de segurança não é entendida como pena, mas a sua aplicação quando se trata de internação manicomial parece ser a acumulação entre restrição de direitos e privação de liberdade.

Preconiza o artigo 174: “Aplicar-se-á, na execução da medida de segurança, naquilo que couber, o disposto nos artigos 8° e 9° desta Lei.”

Art. 8º O condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime fechado, será submetido a exame criminológico para a obtenção dos elementos necessários a uma adequada classificação e com vistas à individualização da execução.

Parágrafo único. Ao exame de que trata este artigo poderá ser submetido o condenado ao cumprimento da pena privativa de liberdade em regime semiaberto.

Art. 9º A Comissão, no exame para a obtenção de dados reveladores da personalidade, observando a ética profissional e tendo sempre presentes peças ou informações do processo, poderá:

I - entrevistar pessoas;

II - requisitar, de repartições ou estabelecimentos privados, dados e informações a respeito do condenado;

III - realizar outras diligências e exames necessários. (BRASIL, 1940)

Os artigos mencionados no texto remetem-se ao cumprimento de pena privativa de liberdade, previsão legal que aborda o princípio da individualização da pena que também é, analogicamente, aplicado às mediadas de segurança.

3. Espécies das medidas de segurança

A concepção que se conserva no Código Penal, após a reforma de 1984, esta fundada em somente duas espécies de medidas de segurança: detentiva e preventiva. A primeira consiste na internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, a segunda, se refere ao tratamento ambulatorial.

A finalidade das medidas de segurança é levar o suposto tratamento ao enfermo mental e, além disso, têm natureza preventiva especial. Para tanto, o inimputável será sujeito ao tratamento em um estabelecimento hospitalar (detentivo) ou será submetido ao tratamento ambulatorial (restritivo).

O tratamento ambulatorial e a internação se diferenciam uma vez que o primeiro não afasta o enfermo da sociedade, já o segundo possui caráter aflitivo diante da privação de liberdade.

O tratamento ambulatorial está relacionado ao projeto terapêutico em que o agente irá frequentar consultas com um psiquiatra. Neste caso, as terapias são feitas individualmente e em grupos, as quais poderão agrupar outras pessoas doentes mentais ou com sua família.

Embora a legislação preveja a internação como regra, o juiz poderá não utilizá-la e aplicar ao agente a medida de segurança segundo o que entender ser melhor para o agente (GRECO, 2009). É o que prevê o artigo 26, do Código Penal, segundo o qual "se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação. Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial."

O tratamento ambulatório que se trata de um projeto terapêutico em que o agente irá frequentar consultas com o psiquiatra. As terapias são feitas individualmente e em grupos, as quais poderão agrupar outras pessoas doentes mentais ou com sua família.

Embora a legislação preveja a internação como regra, o juiz poderá absolver o agente e aplicar a medida de segurança segundo o que entender ser melhor para o agente. (GRECO, 2009)

Assim como a legislação vigente discorre:

Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação. Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial. (artigo 97, CP)

Portanto, é passível de críticas a resposta legislativa em relação às espécies de medidas de segurança, visto que são fixadas de forma subjetiva, sem uma adequada regulamentação, a critério do juiz, levando em conta, inclusive o regime de detenção ou reclusão previsto na sanção penal. Vale esclarecer que o primeiro é aplicado para tratamento ambulatorial e o segundo para internação em hospital de custódia, sem possuir um parâmetro de tempo que se paute o tratamento terapêutico necessário para a reabilitação.

4. Dos requisitos das Medidas de Segurança

Para que as medidas de segurança sejam aplicadas é necessária a presença de dois requisitos: o injusto penal ( um fato típico, antijurídico) e periculosidade do agente.

Consoante prevê o Código Penal:

Art. 76. A aplicação da medida de segurança pressupõe:

I. a prática do fato previsto como crime;

II. a periculosidade do agente

Depois de ocorrido o injusto penal, é realizada a perícia médica psiquiátrica a fim de que se comprove a periculosidade do doente mental infrator. O início do cumprimento da medida de segurança é determinado segundo o artigo 171 da Lei de execução penal que, em conjunto com os artigos 8º e 9º, concluirá pelo cumprimento da pena em regime fechado ou semi-aberto,a depender de exame criminológico e de dados reveladores da personalidade do interno, pela Comissão criada para este fim.

Além disso, o Código Penal prevê dois tipos de periculosidade os quais são entendidos como a periculosidade presumida que ocorre quando o agente é inimputável, segundo o que dispõe o artigo 26 do CP e a periculosidade real que ocorre quando o juiz reconhece que o sujeito apresenta sinal de periculosidade. 

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4.1 O conceito de periculosidade

O fundamento norteador das Medidas de Segurança ainda está extremamente ligado entre a loucura e o perigo. Haja vista que isolamento dos portadores de doença mental passa a ser justificado pelo risco para a harmonia social, legitimado por meio da periculosidade.

O polêmico, amplo e subjetivo requisito da periculosidade o qual fundamenta o dispositivo normativo das medidas de segurança não pode ser presumido, é necessário que seja comprovada a partir de um juízo naturalístico e não somente a critério da análise do mesmo.

Leia-se, artigo 42 do CP:

(...) O juiz, ao fixar a pena, não deve ter em conta somente o fato criminoso, e suas circunstâncias objetivas e conseqüências, mas também o delinqüente, a sua personalidade, seus antecedentes, a intensidade do dolo ou grau de culpa e os motivos determinantes (BRASIL, 1940)

                                                                                           

Nesse sentido discorreu o memorável Ariosvaldo de Campos Pires em seu compêndio de Direito Penal: “O grande e sempre perseguido e quase fracassado objetivo do Direito Penal é, em derradeira análise, o de prevenir o crime. A ameaça que resulta da cominação legal, por primeiro, é a medida de segurança” (PIRES, 2005, pg. 361)

Segundo Francine Machado de Paula:

[...] como considerar constitucional julgar alguém após reconhecê-lo mentalmente enfermo, a ponto de não ter noção do que faz, sob o fundamento da periculosidade social. Seria preciso que a Constituição dissesse que “ninguém será considerado culpado ou perigoso socialmente até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória ou de sentença penal absolutória, que reconheça tal periculosidade nos termos da lei”. Daí considerar que a medida de segurança tem caráter punitivo, constituindo sua aplicação uma hipocrisia social com roupagem legal.

Segundo Henrico Ferri (1999), para a justiça penal, a periculosidade criminal consiste em haver cometido ou tentado cometer um delito. Portanto, para a aplicação das medidas de segurança,é relevante que se tenha parâmetros para se avaliar o grau de ameaça que o indivíduo representa para a sociedade. As críticas são no sentido de que o conceito é muito amplo e subjetivo e o que é mais gravosa é a necessidade de aferição da cessação de tal periculosidade para que o indivíduo reconquiste sua liberdade.

BIBLIOGRAFIA:

COSTA, Jurandir Freire. História Da Psiquiatria No Brasil. 40 ed. Rio de Janeiro: ed. Xenon, 1989;

GOMES, Luiz Flávio. O louco deve cumprir medida de segurança perpetuamente?. Disponível em: http://www.juspodivm.com.br/i/a/%7BB1EB1120-5CB9-4E75-95C7-B82AE42055DC%7d_1.pdf. Acesso em 30/10/07.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Vol. I. Rio de Janeiro: ed. Impetus, 2006, 6ª ed;

MACHADO, Francine de Paula. Medidas de segurança. A impossibilidade de manutenção do instituto face à sua vinculação ao pressuposto da periculosidade. Disponível em:  http://jus.uol.com.br/revista/texto/14617/medidas-de-seguranca/2

PERES, Maria Fernanda Tourinho; NERY FILHO, Antônio. A doença mental no direito penal brasileiro: inimputabilidade, irresponsabilidade, periculosidade e medida de segurança. Revista Hist. cienc. saude-Manguinhos, maio/ago. 2002, vol.9, no.2, p.335-355

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Sobre a autora
Daniela Moreira de Souza

Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, foi pesquisadora e bolsista FAPEMIG (2011), monitora de Direito Constitucional II (Julho de 2011 a novembro de 2012), coordenadora do Núcleo de Pesquisa Acadêmico da Puc Minas (NAP), diretora do IICCP (Instituto de Investigação Cientifica em Constituição e Processo) e extensionista na APAC - Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (março de 2012 a julho de 2013). OAB em Direito Penal, OAB/MG 148.192. Cursando o mestrado em Direito Penal/ PUC Minas

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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