Estado de Direito

26/03/2015 às 21:51
Leia nesta página:

O texto aborda o Estado de Direito, sua origem, formação e evolução. Explica o Estado Democrático de Direito e apresenta suas características, Separação dos Poderes, Constitucionalismo, Poder Político, Crise da Separação dos Poderes e possíveis danos.

1     ESTADO DE DIREITO

1.1 Origem e Formação

Os seres humanos buscam sempre, por diversos modos, estabelecer relações com outras pessoas, unindo esforços em atividades comuns, na comunicação, na troca de bens, dividido espaços, ou seja, a vida humana é essencialmente compartilhada com seus semelhantes, fazendo com que, ao passar do tempo, comece a surgir grupos sociais.

Esses grupos sociais, de acordo com Carlos Ari Sundfeld, podem ser entendidos de uma maneira ampla, como a criação de um grupo de habitantes da Terra, um grupo de um mesmo país, ou mais restrito, como por exemplo, um grupo de uma empresa, de um clube, ou até um grupo familiar.

O ponto é que "a convivência, seja dos indivíduos no interior desses grupos, seja de cada grupo com os demais, depende de um fator essencial: da existência de regras estabelecendo como devem ser as relações entre todos.  Em uma palavra: a convivência depende da organização."[1]

O Brasil é, sem dúvida, formado por um grupo de pessoas organizadas sob determinadas regras, sob um determinado poder, relacionadas a um tipo de espécie, que pode ser denominado de Estado.

A origem do Estado é assunto que apresenta divergência na doutrina, uma vez que se busca analisar o tempo e o que determinou o seu nascimento. Dalmo Dallari explica a denominação da palavra Estado, afirmando que a sua primeira aparição foi no livro " o Príncipe" de Maquiavel, sendo entendida como sinônimo de cidade independente e organizada[2]

Pode-se dizer que alguns doutrinadores, como Dallari e Manoel Gonçalvez Ferreira Filho, entendem que a origem do Estado se deu antes do século XVI, embora com nomes diversos, tendo uma autoridade superior que fixava  normas para com seus membros. Contudo, outros doutrinadores entendem o nascimento do Estado ocorreu após o século XVI, sustentando que o nome Estado só pode ser aplicado com propriedade à sociedade política dotada de certas características bem definidas.

Dallari, sob o ponto de vista da época do aparecimento do Estado, apresenta  três posições divergentes.

A primeira corrente entende que Estado, assim como a própria sociedade,  sempre existiu, uma vez que o homem desde os primórdios estava integrado numa organização social. Eduard Meyer e Wilhelm Koppers sustentam que o Estado é um elemento universal na organização social.[3]

A segunda corrente, entretanto, afirma que existiu a sociedade sem o Estado por um certo período, sendo que o mesmo foi posteriormente constituído para atender as necessidades dos grupos sociais. Lawrence Krader, em a "Formação do Estado", explica o nascimento do Estado no decorrer da sociedade.[4]

Manoel Gonçalvez Ferreira Filho ensina que:

Nesta, designa ele toda e qualquer organização política que, indo além do rudimentar ou 'primitivo', apresente um mínimo de institucionalização, portanto, de estabilidade nas suas regras fundamentais. Assim, pode-se falar em Estado 'antigo', discorrendo sobre Roma ou Atenas. [5]

Karl Schmidt e Balladore Pallieri são adeptos a teoria de que o Estado só surgiu quando do nascimento da ideia da soberania, o que só ocorreu no século XVII, terceira corrente, devendo a sociedade política ser dotada de características bem definidas. [6]

            Ataliba Nogueira, doutrinador que defende a terceira corrente, afirma que a "pluralidade de autonomias existentes no mundo medieval, sobretudo o feudalismo, as autonomias comunais e as  corporações, ressalta que a luta entre elas foi um dos principais fatores determinantes da constituição do Estado, o qual, com todas as suas características, já se apresenta por ocasião da paz de Westfália".[7]

            Sendo assim, o entendimento de onde veio o Estado, quando ele se apresentou em sociedade e a data certa que o mesmo passou a integrar todos os grupos sociais é divergente.

            Como demonstrado, cada doutrinador traz uma base de conceitos diferentes da origem do Estado, contudo, com o passar do tempo, por mudanças na sociedade e marcos históricos, o Estado foi conceituado como Estado de Direito, posteriormente como Estado Democrático de Direito e Estado Social e Democrático de Direito.

1.2       Evolução do Estado

Pelo tópico anterior, viu-se não ser absoluto o entendimento de onde nasceu o Estado, se ele surgiu com a sociedade, ou só veio com a adequação dessa sociedade. O conceito e as bases que norteiam o Estado foram se desenvolvendo e modificando com o passar dos anos. 

1.2.1   Estado de Direito

            Fatores essenciais antecederam a formação do Estado de Direito, como por exemplo a sociedade na Antiguidade, Idade Média, no Absolutismo e Contemporânea.

            Na Antiguidade é importante destacar a inexistência de qualquer direito individual, uma vez que, a liberdade para os helênicos  era, "essencialmente, a oportunidade de participar dos negócios públicos, de cumprir uma função na cidade, de se submeter à lei (liberdade política).[8]

            Na Idade Média, tinha como enfraquecida a autoridade central, sendo que as atividades eram disputadas pela Igreja, senhores feudais e as corporações.[9]

            Dalmo Dallari analisa a situação do período dizendo:

Conjugados os três fatores que acabamos de analisar, o cristianismo, a invasão dos bárbaros e o feudalismo, resulta a caracterização do Estado Medieval, mais como aspiração do que como realidade: um poder superior, exercido pelo Imperador, com uma infinita pluralidade de poderes menores, sem hierarquia definida; uma incontável multiplicidade de ordens jurídicas, compreendendo a ordem imperial, a ordem eclesiástica, o direito das monarquias inferiores, um direito comunal que se desenvolveu extraordinariamente, as ordenações dos feudos e as regras estabelecidas no fim da Idade Média pelas corporações de ofício. Esse quadro, como é fácil de compreender, era causa e consequência de uma permanente instabilidade política, econômica e social, gerando uma intensa necessidade de ordem e de autoridade, que seria o germe da criação do Estado Moderno. [10]

            A Idade Moderna foi marcada pela concentração de todos os poderes na mão do soberano, a quem cabia editar as leis, julgar os conflitos e administrar os negócios públicos. O Estado era considerado irresponsável juridicamente (the king can not wrong), e sendo ele o criador da ordem jurídica, não se submetia a ela. [11]

            Com a Revolução Americana e Francesa, deu-se o surgimento da Idade Contemporânea, culminando ao fim do absolutismo e buscando a formação do Estado Liberal.

Thomas Hobbes defendia o princípio da tolerância religiosa e o da limitação dos poderes do Estado. Desses princípios nasceu de fato o Estado liberal moderno.[12]

John Locke, teórico do liberalismo, destacava três direitos naturais básicos: a liberdade, a propriedade e a vida, defendendo a ideia de proteção aos seus direitos.[13]

Hobbes afirmava que a própria razão oferece  as leis da natureza, isto é, justiça, equidade, modéstia, mas os homens quase que sempre relegam aquelas em detrimento destas (paixões naturais). Assim, faz-se necessário a instituição de algo artificial, de um poder suficientemente grande, aportado com espada, com autoridade e poder para obrigar os pactuantes a cumprir seus pactos. Esse poder é o Leviatã, o Estado civil.[14]

Desta forma, após o marco da Revolução Francesa e Americana, foi instituído a imagem de um Estado intervencionista, baseado na liberdade e livre iniciativa do particular, gerador do Estado de Direito.

Sundelf conceitua o Estado de Direito como um "Estado que realiza suas atividades debaixo da ordem jurídica, contrapondo-se ao superado Estado de Polícia, onde o poder político era exercido sem limitações jurídicas, apenas se valendo de normas jurídicas para se impor aos cidadãos."[15]

Seguindo esta linha de pensamento, Canotilho expõe a respeito do tema dizendo que:

(...) o Estado de direito, para o ser verdadeiramente, tem de assumir-se como um Estado liberal de direito. Contra a ideia de um Estado de polícia que tudo regula a ponto de assumir como tarefa própria a felicidade dos súbditos, o Estado de direito perfila-se como um Estado de limites, restringindo a sua ação à defesa da ordem e segurança públicas. Por sua vez, os direitos fundamentais liberais ─ a liberdade e a propriedade ─ decorriam do respeito de uma esfera de liberdade individual e não de uma declaração de limites fixada pela vontade política da nação. Compreende-se, assim, que qualquer intervenção autoritária sobre os dois direitos básicos ─ liberdade e propriedade ─ estivesse submetida à existência de uma lei do parlamento.[16]

Se afasta então do absolutismo, retirando todos os poderes  das mãos do rei e dividindo-os à agentes diferenciados.

O Estado de Direito foi "criado e regulado por uma Constituição (isto é, por norma jurídica superior as demais), onde o exercício do poder político seja dividido entre órgãos independentes e harmônicos, que controlem uns aos outros, de modo que a lei produzida por um deles tenha de ser necessariamente observada pelos demais e que os cidadãos, sendo titulares de direito, possam opô-los ao próprio Estado."[17]

Noberto Bobbio constrói seu conceito em termos semelhantes:

Por Estado de direito entende-se geralmente um Estado em que os poderes públicos são regulados por normas gerais (as leis fundamentais ou constitucionais) e devem ser exercidos no âmbito das leis que o regulam, salvo o direito do cidadão recorrer a um juiz independente para fazer com que seja reconhecido e refutado o abuso e excesso de poder. Assim entendido, o Estado de Direito reflete a velha doutrina - associada aos clássicos e transmitidas através das doutrinas políticas medievais - da superioridade do governo das leis sobre o governo dos homens, segundo a fórmula lex facit regem, doutrina, essa, sobrevivente inclusive da idade do absolutismo quando a máxima princeps legibus solutus é entendida no sentido de que o soberano não estava sujeito às leis positivas que ele próprio emanava,  mas estava sujeito às leis divinas ou naturais e às leis fundamentais do reino. Por outro lado, quando se fala de Estado de direito no âmbito da doutrina liberal do Estado, deve-se acrescentar à definição tradicional de uma determinação ulterior: a constitucionalização dos direitos naturais, ou seja, a transformação desses direitos em direitos juridicamente protegidos, isto é, em verdadeiros direitos positivos. Na doutrina liberal, Estado de direito significa não só a subordinação dos poderes públicos de qualquer grau às leis gerais do país, limite que ;e puramente formal, mas também subordinação das leis ao limite material do reconhecimento de alguns direitos fundamentais considerados constitucionalmente, e portanto em linha de princípio invioláveis(...).[18]

Do Estado de direito em sentido forte, que é aquele próprio da doutrina liberal, são parte integrante todos os mecanismos constitucionais que impedem ou obstaculizam o exercício arbitrário e ilegítimo do poder e impedem ou desencorajam o abuso ou o exercício ilegal do poder."[19]

É a transformação dos direitos naturais em leis do Estado, isto é, pela constitucionalização dos direitos naturais, na qual vincula a todos, cidadão ou poder público, a seguir de acordo com as normas jurídicas instituídas, ou seja, seguir a Constituição Federal.

            A partir desse entendimento, nasce mecanismos constitucionais para impedir os abusos de poder ou o seu exercício ilegal. Norberto Bobbio explica que, tais mecanismos são garantias da liberdade dos indivíduos, no sentido de que estes não devem estar presos aos “desmandos” de qualquer um que assuma o poder. 

            Desta forma, pode-se dizer que o Estado de Direito é criado e regulado por uma Constituição, Sundelf ainda sustenta que:

(...) onde o exercício do poder político seja dividido entre órgãos independentes e harmônicos, que controlam uns aos outros, de modo que a lei produzida por um deles tenha de ser necessariamente observada pelos demais cidadãos, sendo titulares de direito, possam opo-los ao próprio Estado. [20]

             Sendo assim, acredita que as pilastras que formarão um Estado de Direito está relacionada com a Supremacia de uma Constituição, Separação dos Poderes, a superioridade da lei e a garantia dos direitos individuais.

1.2.2   Estado Democrático de Direito

O Estado de Direito não será necessariamente entendido como um Estado Democrático de Direito, o primeiro controla o poder, protegendo, por exemplo, os direitos individuais, mas não garante a participação dos destinatários no seu exercício, sendo uma regra básica do segundo.

            Bobbio interpreta este Estado afirmando que:

O liberalismo dos modernos e a democracia dos antigos foram frequentemente considerados antitéticos, no sentido de que os democratas da antiguidade não conheciam nem a doutrina dos direitos naturais nem o dever do Estado de limitar a própria atividade ao mínimo necessário para a sobrevivência da comunidade. De outra parte, os modernos liberais nasceram exprimindo uma profunda desconfiança para com toda forma de governo popular, tendo sustentado e defendido o sufrágio restrito durante o arco do século XIX e também posteriormente. Já a democracia moderna não só é incompatível com o liberalismo como pode dele ser considerada, sobre muitos aspectos e ao menos até certo ponto, um natural prosseguimento.[21]

A democracia esta ligada onde "o povo, sendo destinatário do poder político, participa, de modo regular e baseado em sua livre convicção, do exercício desse poder."[22]

Pode-se dizer que com o passar do tempo, o Estado de Direito fora introduzindo instrumentos democráticos, permitindo assim, a participação popular no exercício do poder, como assegurado no parágrafo único do art.1 da Constituição Federal que afirma que "Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos dessa Constituição". [23]

            O art. 14 da Constituição Federal, é essencial para entender o conceito de democracia, pois o mesmo assegura, a realização do plebiscito (votação para conhecer a opinião popular sobre determinada decisão fundamental), referendo e iniciativa popular das leis.

            Carlos Ari Sundelf explica que:

Os direitos garantidos pela Constituição aos indivíduos - que o mero Estado de Direito se limitavam à proteção das manifestações individuais em face do poder: direito de exercer uma profissão, direito de não ser preso indevidamente, direito de possuir bens - se ampliam em outros de diversa qualidade: no asseguramento jurídico da participação popular nas decisões do Estado. Surgem não apenas os direitos de votar, de ser votado, de fundar e participar dos direitos políticos - correspondentes à garantia imediata da participação no poder -, como seus necessários sustentáculos: os direitos à liberdade de expressão do pensamento e de imprensa, de reunião, de informação, e outros mais.[24] 

Existi ainda, uma ligação interdependente do entendimento do que é Estado democrático com o Estado Liberal, conquanto originariamente distintos, fundam-se em necessária convivência.  Como disserta Noberto Bobbio:

Disto segue que o estado liberal é pressuposto não só histórico mas jurídico só estado democrático. Estado liberal e democrático são interdependentes em dois modos: na direção que vai do liberalismo à democracia, no sentido de que são necessárias certas liberdades para o exercício correto do poder democrático, e na direção oposta que vai da democracia ao liberalismo, no sentido de que é necessário o poder democrático para garantir a existência e a persistência das liberdades fundamentais. Em outras palavras: é pouco provável que um estado não liberal possa assegurar um correto funcionamento da democracia, e de outra parte é pouco provável que um estado não democrático seja capaz de garantir as liberdades fundamentais. A prova histórica desta interdependência está no fato de que o estado liberal e estado democrático, quando caem, caem juntos. [25]

Desta forma, o Estado Democrático Direito têm como elementos, a criação e regulamentação por uma Constituição, tem seus agentes públicos eleitos e renovados periodicamente pelos cidadãos, respondendo pelo cumprimento dos seus deveres, tem seu poder político exercido em parte, pelo povo de forma direta, em parte por órgãos estatais independentes e harmônicos. Se configura pelo entrelaçamento de constitucionalismo, república, participação popular direta, separação dos Poderes, legalidade e direitos, individuais e políticos. 

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

1.2.3   Estado Social e Democrático de Direito

O liberalismo, gerador do Estado de Direito, tinha a ideia de não intervenção estatal, nas relações individuais, tampouco nas relações econômicas do Estado. Seria possível o Estado ampliar a suas funções, passando a interferir intensamente na vida econômica, sem deixar de ser Estado de Direito?

Carlos Ari Sundfeld explica ser totalmente possível e assegura ainda que o "Estado Social não só incorpora o Estado de Direito, como depende dele para seus objetivos."[26]

O Estado Social ou Estado do Bem-Estar, nasceu nesse século posto quanto a crise econômica no pós-guerra, no qual levou o Estado a assumir um papel mais ativo tanto na economia, quanto intermediário garantidor da não miséria.

O papel do Estado de não intervencionista muda, criando a imagem de um agente que tem como intenção o desenvolvimento econômico e da justiça social.

Em um primeiro momento, aparecem os direitos sociais,assegurando Sundfelf:

 (...) ligados sobretudo à condição dos trabalhadores: garante-se o direito ao salário mínimo, restringe-se - em nome da proteção do economicamente fraco- a liberdade contratual de empregadores e empregados. (...) O Estado passa a atuar como agente econômico, substituindo os particulares e tomando a si a tarefa de desenvolver atividades reputadas importantes ao crescimento, surgem empresas estatais.[27]

Assim, não resta duvidas que há uma ligação com ambos tipos de Estados, sendo que um existe por conta do outro, não há como falar em direitos contra o Estado senão onde existia Estado de Direito.

Gordillo aponta uma diferença básica entre a concepção clássica do liberalismo e a do Estado Social:

(...) é que quanto naquela se trata tão-somente de colocar barreiras ao Estado, esquecendo-se de fixar-lhe também obrigações positivas, aqui, sem deixar de manter as barreias, se lhe agregam finalidades e tarefas às quais antes não se sentia obrigado. A identidade básica dentre o Estado de Direito e o Estado do Bem-Estar, por sua vez, reside em que o segundo toma e mantém do primeiro o respeito aos direitos individuais e é sobre esta base que constrói seus próprios princípios.[28]

Não houve, portanto, uma substituição, mas sim, um acoplamento de conceitos e bases, não deixando que a raiz do liberalismo em si, desaparecesse, simplesmente, flexibilizou-se.

Tem-se como elementos de um Estado Social e Democrático de Direito, o dever do Estado de atuar positivamente para gerar desenvolvimento e justiça social, os cidadãos, titulares de direitos, inclusive políticos e sociais, podem opô-los ao próprio Estado, a lei produzida e pelo Legislativo é necessariamente observada pelos demais Poderes, e aqueles já estabelecidos no Estado Democrático de Direito.

1.3 Características do Estado de Direito

Como demonstrado, o Estado de Direito apresenta características básicas, devendo sempre conter as quatro para que se possa garantir um bom funcionamento do Estado, Constitucionalismo, Direitos e Garantias, Superioridade da Lei e Separação de Poderes.

1.3.1      Constitucionalismo

O ordenamento jurídico pode ser visualizado em forma de pirâmide, no qual a Constituição Federal se encontra no topo dela, pairando, ordenando e organizando todas as demais leis.

Uma das chaves primordiais do Estado de Direito é a supremacia da Constituição Federal, é a necessidade e obrigatoriedade de obedecer o que ela expressa e direciona. É considerada como norte a ser seguido por todos, pelas leis e atos administrativos.

Ou seja, tudo aquilo que regula o indivíduo, as empresas, pessoas jurídicas em geral, cidadãos, direitos e deveres, obrigações, dentre outros, não pode ir contra a Constituição Federal, uma vez ser ela suprema a todas as outras normas.

Carlos Ari também disserta sobre o tema dizendo que:

A Constituição define quem pode fazer as leis, como deve fazê-las e quais os limites da lei. Por isso se diz que a lei tira seu fundamento e validade da Constituição. Uma lei vale, deve ser obedecida - seja pelos Poderes Executivo e Judiciário, seja pelos indivíduos -, por que foi feita na base e na forma da Constituição Federal. (...) o ato administrativo e a sentença valem se estiverem de acordo com a lei, que lhes é superior; a lei vale se estiver de acordo com a Constituição, que lhe é superior. Olhando no sentido inverso, verificamos que a Constituição é o fundamento de validade de todas as normas do ordenamento jurídico. Nisso consiste a supremacia da Constituição.[29]

A Constituição é feita por um Poder Constituinte, sendo que este último desaparecerá quando tem se por feita e finalizada a Constituição, surgindo o Estado como criatura dessa Constituição.[30] 

Dessa forma, o Estado não cria uma Constituição, esta cria aquela.

Agustín Gordillo expõe que: 

Não só estarão o Poder Executivo e o Poder Judiciário submetidos à lei, mas também estará o legislador submetido à Constituição, cujos limites e princípios não poderá violar nem alterar ou desvirtuar. Desta maneira todos os órgãos do Estado, todas as manifestações possíveis de sua atividade, inclusive as que outrora se puderem considerar como supremas, estão hoje submetidas a uma nova ordem jurídica superior. Este há de ser um passo de suma importância para o posterior desenvolvimento do Direito Público sobre a base dos princípios constitucionais e não só legais ou regulamentares.[31]

A Constituição Federal de 1988 é caracterizada por ser escrita e rígida, uma vez que os critérios para a alteração do seu texto são diversos dos adotado para a criação das normas ordinárias. "(..) nas Constituições rígidas há hierarquia formal entre norma constitucional e norma ordinária, o que não existe nas Constituições flexíveis, logo, em relação a estas últimas, não há que se falar em supremacia da Constituição."[32]

Quando, por exemplo, são formuladas leis por pessoa incompetente, dizemos estar diante de matéria inconstitucional, não estando assim, abarcando ditames Constitucionais.

Uma forma que se tem para que não se permita a aplicação das normas inconstitucionais é o uso do controle de constitucionalidade, eliminando do mundo jurídico as leis inconstitucionais. Realizado pelo Poder Judiciário.

Desta forma, a Constituição Federal é elemento essencial dentro do Estado de Direito, uma vez ser a mesma indispensável para a criação, manutenção, desenvolvimento, apresentação de direitos e deveres de todos dentro de uma sociedade.

1.3.2     Direitos e Garantias

Os direitos e garantias dos indivíduos estão espalhados pela Constituição Federal, como previsto expressamente nos artigos 5 º e 6 º desta.

Os direitos e garantias fundamentais previstos no Título II compreendem os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos (Capítulo I), os Direitos Sociais (Capítulo II), os Direitos de Nacionalidade (Capítulo III), os Direitos Políticos (Capítulo IV) e a existência e funcionamento dos partidos políticos (Capítulo V).

Com a idéia de se proteger o indivíduo nasceu esses direitos e garantias, cabendo ao cidadão a faculdade de cobrar isso do Estado.

Esses direitos são entendidos como direito subjetivo público, uma vez que o indivíduo pode utilizar esse direito contra o próprio Estado, como por exemplo, para defender a sua propriedade, fato que não era cabido, ou se quer exigido anteriormente.[33]

 Os direitos fundamentais constituem um todo harmônico, pois o pleno exercício dos direitos individuais exige muitas vezes, como condição prévia, o atendimento dos direitos sociais. Sem trabalho, educação e saúde, o exercício dos direitos individuais fica gravemente prejudicado. Nas situações de carência extrema, as liberdades formais constituem realidade distante para grande parte da população. É por isso que a Constituição procurou superar o abismo entre o cidadão abstrato da lei e o homem concreto da realidade, concebendo de forma integrada direitos resultantes de tradições diferentes.[34]

Desta feita, a Constituição vigente tem como base a garantia, a proteção desses direitos quanto ao cidadão. Como todas as demais leis devem estar de acordo com a Constituição, todas elas também devem resguardar os direitos estabelecido na Constituição.

Importante frisar que às normas constitucionais que regulam as liberdades individuais não exigem a edição de legislação complementar para que possam ser aplicadas. Pode suceder que, em certos casos, a Constituição mencione a existência de lei para regular o seu exercício.

O art. 5º, §3º da Constituição Federal, acrescentado pela Emenda Constitucional n. 45 de 8-12-2004, dispõe que: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. É digna de nota, também, a referência feita pelo §4º do mencionado artigo ao fato de que “O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”.[35]

1.3.3     Superioridade da Lei

A lei na época medieval era vista como imutável, sagrada, já no período absolutista era entendida como fruto de um querer divino, concentrada na mão de uma só pessoa, ganhando com o Estado de Direito uma característica mais social.[36]

A lei então, passa a regular toda a vida em sociedade, o que deve ou não ser feito, o direito e deveres, obrigações, faculdades, regula todo tipo de relação, tanto entre indivíduos como pessoas jurídicas. Desta forma, se a lei é designada a reger a vida dos homens, entende-se que elas devem ser feitas por eles, ou ainda, seus representantes.

Jean Jacques Rousseau entende que "as leis não são, propriamente, mais do que as condições da associação civil. O povo, submetido às leis, deve ser o seu autor. Só aqueles que se associam cabe regulamentar as condições da sociedade."[37]

Há ainda, uma hierarquia; viu-se que a Constituição está acima da lei, devendo sempre obedecer aquela, por conseguinte, a lei esta acima das sentenças e atos administrativos. O Administrador e o Juiz, ao exercerem suas atividades, devem aplicar aquilo estabulado em lei, realizando assim a vontade geral, sem que as suas vontades interfiram no processo. [38]

Como explanado, os direitos individuais estão previstos e assegurados na Constituição Federal, entretanto, somente a lei, pode definir e limitar o exercício desses direitos. " O interesse individual só cede ante interesse públicos e estes são estabelecidos pela lei ".[39]

1.3.4     Separação dos Poderes como Característica do Estado de Direito

Para que se possa alcançar aquilo que está estipulado na Constituição Federal e respeitar os direitos individuais por parte do Estado, é necessário dividir o exercício do Poder Político entre órgãos distintos, e, que se controlem mutuamente.[40]

Ou seja, a Separação dos Poderes é  elemento essencial no Estado de Direito, sendo criada com a intenção de limitar o poder político, dividindo funções diferentes à órgãos distintos, prevenindo assim, a tirania, a concentração de todos os poderes na mão de uma única pessoa. 

A cada órgão foi atribuído uma função, um tipo de poder específico, com destinação exata para as suas atividades, atuando todos mutuamente (freios e contrapesos), mas não havendo qualquer tipo de hierarquia entre eles, ou seja, exercem suas funções independentemente dos demais.

A função de cada Poder é estabelecida na Constituição Federal, sendo exercida  tanto de maneira típica ou ainda, atípica.

A Separação dos Poderes então é uma das características do Estado de Direito, sendo importante quanto ao controle do Poder Político, uma vez que cada poder corresponde a um limite ao exercício da atividade do outro.

1.4 Poder Político

De forma geral, entende-se que o Estado corresponde a uma comunidade humana, fixada em um determinado território, devendo, através de poderes,alcançar os seus fins, que é a segurança, justiça e bem estar social e econômico. Como explicado, as funções do Estado estão divididas entre os Poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário.

Para que se possa manter a organização estatal sob as regras desenvolvidas, deverá existir uma força para aplicá-las e respeitá-las corretamente, ou seja, um poder que sujeitará à todos os habitantes ao seu cumprimento, mais conhecido como Poder Político.

Carlos Ari Sundfeld explica em sua obra as características desse poder, e o que o diferencia com os demais poderes existentes dentro dos outros grupos sociais existentes.

Um dos pontos que ele destaca é a possibilidade que o Estado tem, através desse poder político, em utilizar a força física contra aqueles que não se comprometem com as normas vigentes. Mesmo sendo essa atitude uma faculdade, é um recurso cabível e utilizado.[41]

 Weber explana que todas as estruturas políticas usam a força, mas diferem no modo e na extensão como a empregam ou ameaçam empregar contra outras organizações políticas. Apreende-se que o que verdadeiramente está por trás da obtenção do poder é o uso da força, sendo vista a legitimidade deste poder adquirido como sendo a legitimidade da força empregada para obtê-lo.[42]

A força física não está diretamente ligado com  meios violentos. Pode ser também o uso de outros meios capazes de influenciar o comportamento das pessoas, como por exemplo, a força dos partidos políticos.

Além de o Estado ter essa capacidade coercitiva de se utilizar de força física para que veja as suas normas sendo cumpridas, ele reserva para si, com exclusividade, o uso da força. " O Estado nega, a quem por ele não autorizado, o direito de usar a força contra os outros indivíduos. Assim, a segunda característica fundamental do poder estatal (poder político), é a de não reconhecer a ninguém poder semelhante ao seu."[43]

Então compreende-se da narrativa anterior que, o poder estatal dispõe da faculdade de utilização da força física e traz para si, o uso exclusivo do mesmo, ou seja, somente ele tem gozo de usufruir do mesmo, ou aquele que o Estado autorizar.

Noberto Bobbio traz uma abordagem sobre o poder político:

Uma vez reduzido o conceito de Estado ao de política e o conceito de política ao de poder, o problema a ser resolvido torna-se o de diferenciar o poder político e todas as outras formas que pode assumir a relação de poder. (...) O poder político vai -se assim identificando como o exercício da força e passa a ser definido como aquele poder que, para obter os efeitos desejados (retomando a definição hobbesiana) tem o direito de servir a da força, embora em última instancia, como extrema ratio (...) Se o uso da força é a condição necessária do poder político, apenas o uso exclusivo deste poder lhe é também a condição suficiente.[44]

Assim, pode-se dizer que esse poder é um comando estatal, o Estado dispões desse poder, e, como a função estatal é dividida, entende que esse Poder de Polícia então, é regulado, limitado dentre os Poderes, trazendo como peculiaridade o embasamento na força física e reservar essa força unicamente para si.

Em decorrência disso, se tem duas conseqüências, a supremacia do comando estatal interno e o não reconhecimento externo de um poder superior ao seu.

1.4.1     Supremacia

Entende-se ser o comando estatal interno, superior aos demais poderes existentes em seu interior, ou seja, não existe poder superior ao Poder do Estado, ele se impõe aos demais poderes.

Não se reconhece ainda, poder externo superior ao seu, ou seja, o Estado Brasileiro não admite que as regras e normas de outro país se aplique sobre as pessoas residentes no Brasil, sendo suas normas entendidas como soberanas.

Desta forma, com a intenção de manter a organização da sociedade, através de leis, atos normativos, atos administrativos, sendo estes de acordo com a Constituição Federal, é dado ao Estado o Poder Político, sendo limitado e equilibrado pela Separação do Poderes.

1.4.2     Histórico e Desenvolvimento da Separação dos Poderes

Aristóteles, na Grécia antiga, identificou um esboço sobre a origem de uma divisão de poderes, no conceito de Constituição mista:

"Há em todo governo três partes nas quais o legislador sábio deve consultar o interesse e a conveniência particulares. Quando elas são bem constituídas, o governo é forçosamente bom, e as diferenças existentes entre essas partes constituem os vários governos.”[45]

Após a utilização da Constituição mista na Idade Média, se desenvolveu na Inglaterra a ideia de que a melhor forma de governo consistia num esquema constitucional em que o Rei, Lordes e Comuns repartissem entre si o poder político.[46]

No Século XVII, John Locke esboçou de alguma forma a separação de funções no exercício do poder, ao propor a classificação entre funções legislativa, executiva e federativa. Com as Revoluções Liberais Burguesas vieram as teorias de tripartição do poder, a formulação teórica da divisão dos Poderes e funções do Estado é de Montesquieu, em sua obra Do Espírito das Leis.[47]

"Não haverá também liberdade se o poder de julgar não estiver separado do poder divergências dos indivíduos"[48]. Realizou então a correlação entre a divisão funcional e orgânica dos poderes, surgindo a opinião que de cada poder exerceria uma função típica, inerente à sua natureza, atuando independentemente e autonomamente.

Montesquieu foi quem efetivamente começou com o entendimento da necessidade de se retirar do Estado o monopólio do poder, redistribuindo-os, com funções diversas para pessoas diferentes, diminuindo o absolutismo do Governo.[49]

Esta separação é vista em alguns momentos históricos com a Declaração de Direitos da Virgínia de 1776, porém o maior enfoque se dá através da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada na França em 1789, no seu artigo 16.[50]

A Constituição do Império do Brasil também consubstanciou em princípio constitucional a separação dos poderes, dividindo, entretanto, as funções do Estado em quatro, que seria o Poder Moderador, confiada  a chefia do Poder Executivo, dando uma nítida prevalência do Poder Executivo exercido pelo Monarca.[51]

De acordo, A. P. SOARES DE PINHO, o Poder Moderador, teorizado por Benjamin Constant, “seria destinado a estabelecer o equilíbrio entre os demais poderes e exercido pelo Imperador”, ou, ainda, “seria a chave de toda organização política, ou melhor, o fecho da abóbada, a cúpula do governo”.[52]

            As demais Constituições, porém, adotaram a formulação tripartida de Montesquieu.

A atual Constituição Federal do Brasil em seu artigo 2 º, consagra a existência dos três poderes, reforçando sua independência ente si. “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Deixa claro ainda a existência das funções legislativa, executiva e jurisdicional, indicando os respectivos órgãos no Título IV (“Da Organização dos Poderes”), concomitantemente se encontram nos artigos 44 a 75 (Poder Legislativo), 76 a 91 (Poder Executivo) e 92 a 135 (Poder Judiciário).

Poder Legislativo atua tipicamente legislando, edição de normas gerais e abstratas; Poder Executivo, que vai executar essas leis que foram criadas pelo Poder anterior,ou seja, cuida da função administrativa; Poder Judiciário, que julga os conflitos existentes, devendo estar de acordo com as leis estabelecidas e ser provocado, na grande parte das vezes, pelo indivíduo. Assim, a cada função corresponde uma espécie de ato, a lei, ato administrativo e a sentença. [53]

Não se há falar em hierarquia entre esses poderes, devendo cada um agir com independência quanto aos demais. " O Presidente da República, por exemplo, é impotente para dar ordens ao juiz, O Presidente do Congresso Nacional não avoca para si atribuições dos Ministros do Executivo."[54]

Picarra sustenta que o "Princípio da Separação dos Poderes não é mero instrumento a serviço do primado da lei e do monismo do parlamento-legislador, mas um aparelho a serviço do controle e limitação dos Poderes Constituídos."[55]

Esta correspondência entre as funções, contudo, não é exclusiva, ou seja, a atividade do Legislativo não é exclusivamente legislar, assim como as atividades do Executivo e Judiciário não são exclusivamente administrar e julgar. Isto por que, é um mecanismo que tem a finalidade de viabilizar o exercício harmonioso do poder entre os diferentes titulares, tal afirmação é sustentada, como chama a doutrina, dos “Freios e Contrapesos” (Checks and Ballances).

Aplicar o sistema de freios e contrapesos significa conter os abusos dos outros poderes para manter o equilíbrio. Quando o judiciário, age declarando a inconstitucionalidade de uma Lei, este é considerado um freio ao ato Legislativo que poderia conter uma arbitrariedade, ao ponto que o contrapeso é que todos os poderes possuem funções distintas, fazendo assim com que não haja uma hierarquia entre eles, tornando-os poderes harmônicos e independentes.

O Poder Executivo, tipicamente atua nos atos de chefia de Estado, chefia de governo e atos de administração. Então o Executivo vai administrar o Estado de acordo com as leis feitas pelo Legislativo. As funções atípicas do Poder Executivo podem ser de duas naturezas, natureza legislativa e natureza jurisdicional. Na ideia de função atípica sob a égide da natureza legislativa, pode-se dizer da adoção de medida provisória com força de lei pelo Presidente da República, conquanto na esfera de atipicidade judiciária o julgamento de defesas e recursos administrativos pelo Poder Executivo.

Ao Poder Legislativo cabe a "função correspondente à edição de normas gerais e abstratas (as leis), seja para regular os demais atos estatais, seja para regular a vida dos cidadãos"[56] e promover também, a fiscalização contábil, financeira, orçamentária e patrimonial do Executivo, bem como fiscalizar administrativamente os atos do Poder Executivo (artigo 49, inciso X da Constituição Federal). Quanto às funções atípicas praticadas pelo Poder Legislativo, essas também têm natureza executiva ou jurisdicional. A função atípica de natureza executiva praticada pelo Poder Legislativo diz respeito, sobre a sua organização, preenchimento de seus cargos,concessão de férias, licenças, etc a seus funcionários, sendo, pois, atos de gestão que independem do Poder Executivo.

Picarra entende que "O Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judicial não são autores de seu próprio poder, mas, sim, a Constituição, ato do superior Poder Constituinte",[57] estando estes vinculados aos direitos fundamentais que a Constituição consagra.

Assim, não existe uma separação absoluta entre os poderes, considerando então que todos eles legislam, administram e julgam. Cada Poder possui uma função típica, e uma função atípica, exercida secundariamente.  A função típica de um órgão é atípica dos outros.

1.4.3     Poder Judiciário

O Poder Judiciário se encontra disciplinado nos artigos 92º a 126º da Constituição Federal, compondo em esfera federal (Superior Tribunal de Justiça, Superior Tribunal Militar, Tribunal Superior Eleitoral, Tribunal Superior do Trabalho) e que o compõe em âmbito estadual, qualquer causa que não esteja sujeita à Justiça Federal comum, do Trabalho, Eleitoral e Militar, destacando-se, a inexistência de órgãos jurisdicionais em âmbito municipal.

A função típica do Judiciário é dizer o direito no caso concreto, é utilizar as normas estabelecidas no ordenamento jurídico vigente para resolver a lide que foi configurada entre as partes, ou seja, julgar, aplicando a lei a um caso concreto, é ainda, encontrar o equilíbrio a justiça em face da existência de um conflito de interesses.

Dessa forma, a atividade judicial, exigirá a existência da lide configurando uma pretensão resistida ou insatisfeita, em que não foi possível a resolução pacífica.

Este princípio da inércia tem como intenção garantir a imparcialidade do juiz, que se pauta na ideia da triangularização da lide, em que nas bases há as partes e no ápice o Estado-juiz, que deve atuar de forma neutra, não devendo praticar atos que cabem às partes, ou seja, não é autorizado por lei, que diligencie por uma das partes.

A função atípica de natureza legislativa é a independência que o Poder Judiciário tem em estabelecer seu regimento interno, à função atípica de natureza executiva, atribui-se ao Poder Judiciário, administrar seus serviços e servidores, como, por exemplo, conceder licenças e férias aos seus magistrados e serventuários, conforme se denota da leitura do artigo 96, inciso I, alínea f da Constituição Federal. 

Ao Magistrado ainda, são atribuídas garantias como, vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio. O primeiro está relacionado ao pensamento de que os Juízes apenas perderão o cargo por sentença judicial transitada em julgado do tribunal ao qual estão subordinados. Inamovibilidade seria a proteção a impossibilidade de remoção, sem o seu consentimento, de uma competência para outra, contudo, tal regra não é  absoluta, conforme se conclui da leitura do artigo 93, em especial, de seu inciso VIII da Constituição Federal. Sobre a irredutibilidade de subsídios, afirma-se que os salários dos magistrados não podem ser reduzidos.

1.4.4     Crise quanto da Separação do Poderes

Em um primeiro momento, foi estabelecido as funções típicas de cada Poder, contudo, ou seja, o dever de cada um. Com o passar do tempo, houve um abrandamento quanto à essas funções que eram predominantemente típicas, surgindo as atípicas, dando uma maior flexibilidade aos Poderes.

Entretanto, se questiona,  até que ponto essa maior flexibilidade é realmente boa e necessária, e se a mesma, não estaria por ferir o próprio entendimento da Separação dos Poderes.

 Passados mais de 25 anos da promulgação da Constituição Federal vigente e com expressivas mudanças nos papéis desenvolvidos pelos Poderes, acredita-se que, atualmente, há uma crise nos contornos originários deste princípio.

E sobre esta crise, Cintia Morgado entende que:

Entendemos que o princípio continua sendo fundamental para o Estado Democrático de Direito, mas como as circunstâncias históricas e teóricas que o rodeiam não são as mesmas e os ideais que pretende alcançar são distintos, não resta outro caminho senão o de concluir que seu significado é novo.[58]

Para a autora, são três os aspectos principais que devem configurar a nova noção de separação dos poderes: a conversão de especialização funcional em profissionalismo; a transformação do controle recíproco contra a omissão em vinculação positiva dos Poderes aos direitos fundamentais; e o diálogo e cooperação entre os órgãos do Poder.

Sobre o primeiro aspecto, a autora entende ser necessária a utilização do profissionalismo como critério determinante para escolha dos ocupantes de cargos da Administração Pública, eis que esta seria a única maneira de afastar a elaboração de leis e políticas públicas que possuam viés estritamente político, ou seja, visando favorecer grupos apoiadores de campanha.

Além disso, no que diz respeito ao segundo aspecto abordado, a autora assevera que as omissões do Legislativo, bem como a má prestação de serviços pelo Executivo, culminaram em uma grande potencialização do Poder Judiciário no Brasil. No entanto, em que pese a inegável necessidade de prestação jurisdicional no que tange à defesa de direitos sociais nos dias de hoje, sugere-se que a centralização deste controle no Poder Judiciário pode não ser benéfica a longo prazo, conforme se depreende do questionamento formulado por Cintia Morgado:

Será que a separação de poderes, com sua nova face, pode admitir que apenas um Poder, com membros não eleitos, tenha o controle absoluto de todas as funções estatais e seja o grande pai provedor da sociedade órfã?[59]

Por fim, sobre o terceiro e último aspecto, a autora afirma que a ideia de separação entre os poderes deveria ser convertida em cooperação, uma vez que todos os órgãos do Poder visam a mesma finalidade: cumprimento da Constituição.

1.5 Possibilidade de Dano

O Estado, formado pelos três poderes, pode vir a causar dano ao particular em razão de um ato lícito, ilícito, materiais, jurídicos, omissivos ou comissivos devendo, deste modo, indenizá-lo.

"Como qualquer outro sujeito de direitos, o Poder Público pode vir a se encontrar na situação de quem causou prejuízo a alguém, do que lhe resulta obrigação de recompor os agravos patrimoniais oriundos da ação ou abstenção lesiva"[60].

Houve uma transição de teorias e crenças para se chegar nessa possibilidade de indenização assegurada, expressamente, pela lei.

No direito pátrio, a Constituição Federal cuida da matéria em seu art. 37, § 6º – responsabilidade objetiva –, as pessoas jurídicas de direito público, e as de direito privado, prestadoras de serviço público, responderão pelo danos que seus agentes, nesta qualidade, causarem a terceiros.

Desta forma, a Constituição Federal diante de um prejuízo, ocasionado pelo Estado assegura a obrigação de indenizar o particular, dentro de alguns requisitos e exceções.

Por mais que esse dispositivo deixa claro a obrigatoriedade de indenização, há controvérsias no que diz respeito à incidência da disposição constitucional na reparação do evento danoso originado de ato legislativo ou judicial, ainda que, na teoria, teria o mesmo 'poder', 'força', 'importância' e hierarquia conquanto relativo ao Poder Executivo.

[1] SUNDELF, Carlos Ari. Fundamentos de Direito, p.18-19. Malheiros Editores, 2012.

[2] DALLARI, Dalmo. Teoria Geral do Estado. 

[3] DALLARI, Dalmo. Apud. Teoria Geral do Estado.

[4] DALLARI, Dalmo. Apud. Teoria Geral do Estado.

[5] FERREIRA, Manoel Gonçalves Filho, Aspectos do Direito Constitucional Contemporâneo.2003.

[6] DALLARI, Dalmo. Apud. Teoria Geral do Estado.

[7] DALLARI, Dalmo. Teoria Geral do Estado.

[8] SUNDELF, Carlos Ari. p.32.

[9] SUNDELF, Carlos Ari. p.33.

[10] DALLARI, Dalmo. Elementos de Teoria Geral do Estado.p.62.

[11] SUNDELF, Carlos Ari. p.34.

[12] WEFFORT, Francisco C. Os Clássicos da Política. Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau, “O Federalista”.. São Paulo: Editora Ática SA, 1995, P. 59.

[13] WEFFORT, Francisco C. Os Clássicos da Política. Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau, “O Federalista”. São Paulo: Editora Ática SA, 1995, P. 59.

[14] WEFFORT, Francisco C. Os Clássicos da Política. Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau, “O Federalista”.. São Paulo: Editora Ática SA, 1995, P. 59.

[15] SUNDELF, Carlos Ari. 36.

[16] CANOTILHO. Estado de Direito. p.09.

[17] SUNDFELF, Carlos Ari. Fundamentos de Direito, p. 21,Malheiros Editores, 2012.

[18] BOBBIO, Noberto. Liberalismo e Democracia. Trad. brasileira de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo, Brasiliense, ob.cit.,p.19.1998.

[19] BOBBIO, Noberto. Liberalismo e Democracia. Trad. brasileira de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo, Brasiliense, 1998.

[20] SUNDELF, Carlos Ari. p.49.

[21] BOBBIO, Noberto. Liberalismo e Democracia. Trad. brasileira de Marco Aurélio Nogueira, São Paulo, Brasiliense, ob.cit., 23. 1998.

[22] SUNDELF, Carlos Ari. p.49.

[23] SUNDELF, Carlos Ari. p.51.

[24] SUNDELF, Carlos Ari. p.51.

[25] BOBBIO, Noberto. O Futuro da Democracia- Uma Defesa das Regras do Jogo. ob.cit.,p.20.

[26] SUNDFELF, Carlos Ari. Fundamentos de Direito, p. 52-53, Malheiros Editores, 2012.

[27] SUNDFELF, Carlos Ari. Fundamentos de Direito, p. 54, Malheiros Editores, 2012.

[28] GORDILLO, Agustín. Princípios Gerais de Direito Público. Trad. brasileira. de Marco Aurélio Greco. S.Paulo, Ed. RT, 1977.

[29] SUNDEFL, Carlos Ari. ob.cit.,p. 40.

[30] SUNDELF, Carlos Ari. p. 40.

[31] GORDILLO, Agustin. Princípios Gerais do Direito Público. ob.cit.,p. 64.

[32] http://ww3.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20070725162216644.Acesso em 02-04-2014.

[33] SUNDELF, Carlos Ari.p. 48.

[34] GORDILLO, Agustin. Princípios Gerais do Direito Público. p. 66-68.

[35] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc45.htm. Acessado em 02-02-2014.

[36] SUNDELF, Carlos Ari.p. 45.

[37] ROUSSEAU, Jean Jacques. Do Contrato Social.

[38] SUNDELF, Carlos Ari.p.45.

[39] SUNDELF, Carlos Ari.p.46.

[40] SUNDELF, Carlos Ari.p.42.

[41] SUNDELF, Carlos Ari.p.43.

[42] FREUD, Julien. Sociologia de Max Weber. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2000.p.161.

[43] SUNDFELF, Carlos Ari. Fundamentos de Direito, p. 21,Malheiros Editores, 2012.

[44] BOBBIO, Noberto. Estado, Governo, Sociedade, Teoria Geral da Política. ob.cit.,p. 78-80.

[45] ARISTOTELES. A política. Humus sem data.

[46] PIÇARRA, Nuno. A separação dos Poderes como Doutrina e Princípio Constitucional- Um contributo para o estudo das suas origens e evolução. Coimbra: Coimbra editora, 1989.

[47] SUNDELF, Carlos Ari. Fundamentos de Direito, p. 43, Malheiros Editores, 2012.

[48] MONTESQUIEU. Do espírito das Leis. Trad. brasileira de Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Martins Rodrigues, S.Paulo, Ed. Abril Cultural, 1985.

[49] MONTESQUIEU. Do espírito das Leis. Trad. brasileira de Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Martins Rodrigues, S.Paulo, Ed. Abril Cultural, 1985.

[50] SUNDELF, Carlos Ari. p.48.

[51] SUNDELF, Carlos Ari.

[52] SOARES DE PINHO, A. P. Freios e Contrapesos do Governo na Constituição Brasileira. Niterói

 1961.

[53] SUNDELF, Carlos Ari.p.43.

[54] SUNDELF, Carlos Ari.p.43.

[55] PICARRA,op.cit., p 196.

[56] SUNDFELF, Carlos Ari. Fundamentos de Direito, p. 43, Malheiros Editores, 2012.

[57] PIRRACA, op.cit.,p. 196.

[58] MORGADO, Cintia, Crise da Separação dos Poderes. ob.cit.,p.12.

[59] MORGADO, Cintia, Crise da Separação dos Poderes. ob.cit.,p.13.

[60] MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo.  São Paulo, Malheiros, 2000, p. 202. 

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Jéssica Danni

Bacharel - Formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Foi necessário o estudo do Estado de Direito para a elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso da Faculdade de Direito, Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos