Foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados a continuidade da PEC que objetiva reduzir a maioridade penal de 18 para os 16 anos.
Peço vênia para manifestar-me em relação ao tema, certo de que minhas palavras são inexoravelmente incapazes de esgotar o assunto.
Insta consignar por oportuno e antecipadamente que sim, sou a favor da redução da maioridade penal, mas não por achar que isso por si só vá diminuir a criminalidade e, sim por entender que o tratamento isonômico deve prevalecer quando os agentes situam-se em posições de igualdade.
A bem da verdade e, atento as constantes modificações sociais e políticas pelas quais passa o mundo, é de uma ilusão sem tamanho afirmar que um “adolescente” que hoje possui 16 anos tem a mesma mentalidade daquele que possuía esta idade em 1940 (Código Penal), 1988 (Constituição Federal) ou 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).
Verifica-se a contento, que a imputabilidade penal em nosso sistema jurídico é verificada quando a pessoa possui a chamada “dupla capacidade”. Isso importa dizer que para ser imputável, deve a pessoa ser capaz de entender o caráter ilícito do fato e ao mesmo tempo determinar-se de acordo com este entendimento. Mas há ressalvas. Em que pese a verificação da imputabilidade ser verificada por meio do critério biopsicológico, a exceção é justamente o caso dos menores de 18 anos, onde o critério passa a ser o biológico. Eis a questão: Qual a justificativa para se manter essa exceção? Alegar que um indivíduo de 16 ou 17 anos não possui um completo desenvolvimento mental nos dias atuais é cegar-se frente ao óbvio.
Pesquisando os diversos posicionamentos sobre o tema, desde grandes e cultos juristas até defensores da chamada “lei e ordem”, uma coisa é unanimidade: Ninguém duvida que o indivíduo de 16/17 anos já possui potencial capacidade de entendimento de seus atos. O que gera caloroso debate são as conseqüências de se encarcerar “mais gente, sem que haja mais qualidade na recuperação dos criminosos”.
Há que se fazer uma ressalva quanto ao tema. De fato não há como negar que o sistema penitenciário brasileiro é um caos e que não atinge nem de longe seus objetivos de ressocialização do condenado. Mas isso por si só não deve ser objeção a que se opere qualquer tipo de mudança, muito ao contrário deve ser usado como mais um argumento para que se fortaleça o sistema com investimento e remodelação. Se o argumento for este – de que o sistema carcerário é ruim – quantas outras mudanças não teriam de ser evitadas na reforma das leis penais e processuais penais, pois ninguém se escusa de dizer que também não atinge seus fins como deveria as políticas policiais e judiciárias.
A discussão a meu ver, deve se revestir não no sentido filosófico da coisa que se esconde atrás de uma utópica proteção estatal de crianças e adolescentes, mas no cerne da questão que é o recrutamento cada vez mais comum de inimputáveis – assim determinados pelo caráter biológico – para tomar frente as práticas criminosas, certos do inalcançável poder de punir do Estado.
Por que não conjugar os dois fatores? Por que não dar oportunidades sociais e protetivas a todos (seja de 15,16,17,18,19... anos) e ao mesmo tempo fazer-lhes entender que sendo portadores da “dupla capacidade” estão sujeitos aos rigores legais?
O mundo hoje é outro. O acesso a informação e o conseqüente desenvolvimento mental são precoces e, acreditar que o aperfeiçoamento deste desenvolvimento fica prejudicado entre 16 e 18 anos é inimaginável para qualquer pessoa – até a mais leiga.
Proponho uma reflexão: Estaríamos nós, dividindo a responsabilidade do futuro da nação, com pessoas sem capacidade – total ou parcial – de entendimento de seus atos? Sim, pois se a lógica for de que o “adolescente” de 16/17 anos não pode se preso porque ainda não tem um desenvolvimento mental completo, sobre que pretexto damos-lhes direito ao voto?
A falácia de que ao invés de reduzir a maioridade penal deveria se investir no amparo as crianças e adolescentes não merece prosperar, pois uma coisa não deve estar necessariamente ligada a outra. A Constituição Federal já prevê que é dever do Estado “assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
E não é diferente o que preceitua os incisos do art. 5° também da Constituição Federal – e inúmeros outros direitos espalhados pelo texto constitucional – em relação aos indivíduos de uma maneira geral.
O dever de proteção às pessoas – seja criança, jovem, adolescente ou adulto – é naturalmente um dos fins do Estado e mitigar o poder de punir sob o argumento de que outra política pública deve ser feita no lugar é desviar as próprias funções estatais. Nenhum exercício político deve se incompatibilizar com outro sob pena de ver frustrada o próprio exercício da administração.
As palavras aqui dispostas não se baseiam em nenhum entendimento doutrinário ou jurisprudencial e são de livre e espontânea convicção de quem as escreve.
O Brasil carece de mais pessoas interessadas nas realidades fáticas do povo e, menos sofistas defensores de uma realidade utópica que em nada acrescenta nos direitos e garantias dos cidadãos, pois entendo que a normatividade jurídica é criada a passos curtos, mas palpáveis e não por abstrações que podem se escritas, mas não postas em prática.
O povo é o verdadeiro dono do poder e, as manifestações no sentido de aprovação a redução da maioridade penal – independente da influência midiática – salta aos olhos de quem quer enxergar. Não se trata de reduzir a criminalidade colocando mais gente “atrás das grades”, mas de dispensar um tratamento igual a quem está em situações de igualdade.
“Tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais”, Aristóteles.