Impeachment: segurança ou parlamentarização

05/04/2015 às 11:19
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Tem-se como objetivo desse estudo, analisar o processo de impeachment diante de sua natureza política e jurídica, além de caracterizar as possibilidades de sua utilização. Considerado como um instrumento democrático para garantir a estabilidade e seguranç

1 INTRODUÇÃO

Tem ganhado força em algumas democracias ocidentais a discussão sobre as possibilidades de instauração de um processo de Impeachment visando destituir do cargo autoridades do poder executivo, principalmente aqueles investidos na função de presidente, cujos governos comprometem a segurança e os interesses do Estado.

Inicialmente, faz-se necessário analisar a natureza jurídica do Impeachment, identificando suas dimensões políticas e jurídicas desse processo. Assim, torna-se possível caracterizar os requisitos legais para a propositura e o cenário político que poderá impelir esse processo.

Por fim, far-se-á uma discussão sobre a necessidade do Impeachment como ferramenta democrática que vise assegurar um governo responsável ao Estado, que administre com honradez as funções delegadas àquele. Ou se esse trata-se de instituto meramente político, cujo parlamento pode se valer para fragilizar ou mesmo depor um presidente democraticamente eleito.

 2 NATUREZA DO IMPEACHMENT

Em verdade, o impeachment, tem suas bases iniciais no ordenamento jurídico Inglês, onde é possível verificar que se trata de uma ferramenta judicial para proteger o Estado de um mau governo.  Assim, esse instituto visava punir membros do poder executivo, condenados na Câmara dos Lordes, por terem cometido crimes graves, previstos na legislação penal, cujas sanções eram diversas.

Contrário ao modelo Inglês, o impeachment nos Estados Unidos foi introduzido como um recurso inerentemente político, cujo procedimento é analisado pelo Senado com possibilidade de sanção restringe-se a perda do cargo. Não pode nesse cenário analisar a conduta de má governabilidade como um crime comum, e por conseguinte não se pode punir o agente com as penas previstas no direito penal. Caso tenha também natureza criminal, a ação que deu origem a instauração do impeachment, será nesse aspecto apreciada pelo poder judiciário que tem competência para o feito.

Nesse sentido preleciona BROSSARD (1965, P.21):

“Em outras palavras, a diferença básica entre o “impeachment” inglês e o norte americano está em que, na Grã-Bretanha, a Câmara dos Lordes julga a acusação dos Comuns com jurisdição plena, impondo livremente toda a sorte de penas, até a pena capital, ao passo que o Senado americano julga a acusação da Câmara com jurisdição limitada, não podendo impor outra sanção que a perda do cargo, com ou sem inabilitação para exercer outro, relegado o exame da criminalidade do fato, quando ele tiver caráter, a competência do Poder Judiciário.”       

                 

O processo de Impeachment que se enraizou no ocidente, apesar de ter suas bases no modelo Inglês, fundamenta-se na natureza política inerente ao processo americano. Mesmo tendo defensores que o tratam como um procedimento político-judicial, parece mais pertinente o entendimento que atribui àquele caracterização política, se valendo de procedimentos judiciais para realizar o feito.

Assim aclara BROSSARD (1965, P.72) ao referir:

“Entre nós, porém, como no direito norte-americano e argentino, o “impeachment” tem feição política, não se origina senão de causas políticas, objetiva resultados políticos, é instaurado sob considerações de ordem política e julgado segundo critérios políticos, - julgamento que não exclui, antes supõe, é óbvio, a adoção de critérios jurídicos. Isto ocorre mesmo quando o fato que o motive possua iniludível colorido penal e possa, a seu tempo, sujeitar a autoridade por ele responsável a sanções criminais, estas porém, aplicáveis exclusivamente pelo poder judiciário.

Tendo natureza política o instituto do impeachment, somente pessoas investidas em cargos do poder executivo podem ser alvo da instauração do processo. Pois somente esses podem exercer, de forma nociva ao Estado, as funções que a eles foram atribuídas, ou seja, só essas autoridades podem   promover uma governabilidade maliciosa. Não é a pessoa em si o sujeito do processo e sim o cargo por ele ocupado. Por isso, não se pode iniciar um impeachment sem que a autoridade esteja empossada no cargo.

3 CRIMES DE RESPONSABILIDADES

Os crimes de responsabilidades, são aqueles que só podem ser cometidos pelos agentes que ocupam cargos políticos, podendo ensejar o processo de impeachment. Embora as ações possam corresponder também a crimes previstos na legislação penal, será o processo de impeachment totalmente autônomo da esfera criminal. Assim, caso a autoridade pratique falta que configure um crime comum e, ao mesmo tempo atente contra a responsabilidade conferida a seu cargo, poderá sofrer as sanções penais oriundas de um processo criminal, cominadas com as sanções inerentes ao processo de impeachment.

Preleciona BROSSARD (1965, P.65) que:

“Embora possa haver duplicidade de sanções em relação a uma só falta, desde que constitua simultaneamente infração política e infração criminal, ofensa à lei de responsabilidade e ofensa a lei penal, autônomas são as infrações e de diversa natureza as sanções aplicáveis num e noutro caso. Aliás, a circunstância de ser dúplice a pena está a indicar que as sanções tem diferente natureza, correspondentes a ilícitos diferentes.”

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Em analogia, está a possibilidade de um agente da administração pública ser alvo de um processo administrativo e ao mesmo tempo figurar em um processo criminal, desencadeado pela mesma infração. Esse agente, caso condenado, poderá ser sancionado com as medidas punitivas previstas na legislação administrava e também com as medidas punitivas da legislação penal.

Com efeito, a responsabilização de uma autoridade do poder executivo, que venha a destitui--la de seu cargo, pode não configurar um delito comum, que promoveria a instauração de um processo criminal. Daí, a única sanção aplicada seria aquela que procede do processo de impeachment, qual seja, a deposição do cargo, combinada, ou não, com a perda dos direitos políticos.

Confere ao processo de impeachment portanto, procedimentos jurídicos que obrigatoriamente devem ser observados diante da gravidade de poder destituir-se do cargo representantes do povo democraticamente eleitos.

4 SEGURANÇA DO ESTADO E PARLAMENTARIZAÇÃO

            É notório que há situações em que os membros do poder executivo divergem dos interesses do parlamento, ou mesmo são em maioria da esfera política contrária àquele. Há possibilidade aí de uma fragilização de impeachment, impondo a esse uma caracterização meramente política, já que tal processo é promovido pelo poder legislativo em detrimento do poder executivo.  Se usado como ferramenta política para impor interesses, o Impeachment deixa de ser um instrumento garantidor do Estado para figurar como mecanismo deturpador da democracia, conferindo ganho de poder ao parlamento.

            Sobre a possibilidade de abusos, BROSSARD (1965, P.176) ensina:

“Que a possibilidade de abuso existe ninguém contesta. Nem foi por outro motivo que a constituição norte-americana levantou uma barreira aos possíveis desmandos, ao estabelecer que nenhuma condenação se fizesse, em processo de impeachment, sem o voto de dois terços dos senadores, quando na Inglaterra a decisão dos Lordes é tomada por maioria simples.”

Admite-se assim, que um Presidente tem dificuldade em se manter no poder sem a maioria parlamentar. Por parte do próprio poder executivo há um interesse de aproximação com o parlamento no intuito político de garantir sua sustentação no poder. O impeachment, aplicado fora do seu contexto natural, poderá levar até mesmo a um golpe de Estado, o que pode ter ocorrido recentemente no Paraguai com o presidente Fernando Lugo. Além do mais, algumas vezes esse dispositivo foi utilizado para suprimir a autonomia do poder Executivo, ou mesmo, dar um ganho de poder à oposição política aliada à maioria legislativa.

Não se pode reduzir a importância do processo de impeachment para assegurar uma governabilidade responsável, que promova o crescimento do Estado. Nem mesmo pode-se permitir a utilização dessa ferramenta democrática com intuitos meramente políticos que coloquem em risco a vontade suprema do povo.

Dispõe sobre o tema BROSSARD (1965, P.179) que:

“Assim, se grave é o abuso da Câmara ao acusar injustamente, não menos grave será o abuso da Câmara deixando de fazê-lo, quando a acusação se impuser como dever seu.”

            Certo é, portanto, que o instituto de impeachment, em um ou em outro caso, pode promover crises das instituições democráticas e até mesmo colocar em dúvida a transparência e responsabilidade do legislativo. Ao contrário, valendo-se com seriedade desse instituto, estará fortalecida a estabilidade política do Estado.

5 CONCLUSÃO

A democracia pressupõe equilíbrio de poderes, probidade e moralidade na Administração Pública, predicados de construção e manutenção de uma ordem justa e equilibrada. O impeachment é uma importante ferramenta para garantir a permanência e estabilidade desses predicados. No entanto, deve ser utilizado com responsabilidade para não impelir efeito contrário.

Em longo do tempo, o impeachment fortaleceu sua natureza política, valendo-se de procedimentos jurídicos quando levado a efeito. Assim, mesmo diante da legalidade inerente ao processo, há possibilidade de empregar o instituto para promover interesses particulares, desconsiderando os motivos reais pelos quais foi criado.

Não se pode admitir a utilização do impeachment para destituir autoridades eleitas a partir do voto popular, com o intuito de atender os interesses do parlamento ou mesmo da oposição. Nem mesmo deve se permitir que esse não seja levado a efeito quando nos depararmos com um governo corrupto e irresponsável.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROS, Sergio Resende. Estudo sobre impeachment. Disponível em <http://www.srbarros.com.br/pt/estudo-sobre-o-impeachment.cont >. Acesso em: 11 set. 2011.

BROSSARD, Paulo. O impeachment. Porto Alegre: Globo, 1965.

GALLO, Carlos Alberto Provenciano. Crimes de responsabilidade: do impeachment. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1992.

GÓES, Maurício Silva de. Impeachment inglês. Rev. Npi/Fmr. Set. 2010. Disponível em <http://www.fmr.edu.br/npi.html>. Acesso em: 8 set. 2011.

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Sobre o autor
Alisson Damasceno

Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas de Pará de Minas. Bacharel/licenciado em Geografia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Atualmente é professor nas redes de ensino: Anglo, Berlaar e Pitágoras. Atua também como professor de cursos preparatórios para o Enem. Advogado atuante com experiência na área de Direito Civil, Criminal e trabalhista. Advoga nas cidades de Pará de Minas e Pitangui.

Informações sobre o texto

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