6. A RESPONSABILIZAÇÃO PELO ATO PRATICADO
No processo de diálogo em que as partes se submetem antes que seja tomada qualquer atitude de sanção ou responsabilização, objetiva-se deixar claro o quantum de contribuição de cada um para a ocorrência do tipo. Ou seja, o agressor precisa compreender que seu ato atingiu a paz do ofendido, e este deve entender em que aspectos o seu comportamento ensejou o ofensor a praticar o ato. Para Antônio Baptista Gonçalves (GONÇALVES, 2009, p. 297):
As partes envolvidas devem ter a noção plena de quanto fora sua parcela de culpa para a produção do evento danoso. Desse modo, o autor deve ter a compreensão de que afetou o bem-estar de outrem. Por outro lado, a vítima também pode perceber que algumas condutas praticadas pro ela também afetaram o comportamento do autor. Cada qual deve arcar com a proporção de sua responsabilidade. Além disso, é preponderante que o infrator aceite o fato, assuma a sua culpa e busque a reparação da forma que for mais conveniente à vítima, seja com a externação de seu remorso ou com um pedido de desculpas.
Depois de superado esse primeiro ponto para que a responsabilização das partes aconteça, elas devem assumir os atos pelos quais possuem culpa e se comprometer em restaurar as situações revestidas de dano. Tal procedimento é primordial para que a infração não volte a ocorrer.
O objetivo dessa justiça penal, como desenvolvido anteriormente, é evitar a reincidência criminosa, ou seja, os próprios sujeitos desse processo desejam não mais sofrer com aquele ato, e não apenas que o infrator pague pelo que fez, receba o castigo que merece e que se sinta vingada a vítima.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realidade do atual sistema punitivo se contrapõe com o que a justiça restaurativa propõe, porque de certa forma, tem uma sistemática mais branda, em que o objetivo de fato, não é punir ou retribuir o mal com o mal, mas restaurar, ressocializar e não marginalizar aquele cometeu o delito.
Diante do quadro de falência de eficácia das normas penais na fase executória, muitas alternativas começaram a ser estudadas, tendo em vista a premente necessidade de mudança. Nesse contexto é, portanto, recomendável o conhecimento e aprofundamento sobre a Justiça Restaurativa, que se mostra como uma nova resposta ao fracasso da intervenção penal tradicional existente no Brasil.
Antes de se iniciar o estudo do tema propriamente, foi importante levantar questões como o histórico desse tipo de intervenção penal para ponderar sobre os efeitos que ele pode proporcionar e, nessa ocasião, se pôde observar que os países pioneiros, como a Nova Zelândia e o Canadá conseguiram obter sucesso no combate ao crime.
A atuação da abordagem restaurativa nesses países chamou a atenção da ONU para suas práticas e os resultados obtidos com ela, tanto que emitiu, em 2002, uma resolução orientando os Estados signatários a também implantarem essas práticas na resolução de seus conflitos criminais. Isto porque esta intervenção é fortemente influenciada pelos Direitos Humanos, um assunto que tem tido destaque nesse organismo internacional.
Uma vez entendida a forma como trabalha a justiça restaurativa, em que não só os profissionais do direito se envolvem no processo, mas essencialmente a vítima, o ofensor e a comunidade, inclusive na construção do processo decisório, além de se nortear pelo princípio da oportunidade e da possibilidade de um acordo de reparação do dano, verifica-se que o processo não ocorre de maneira forçosa, mas de modo consensual, pautado em um acordo que permite ser revogado, tudo para que o processo trabalhe com o psicológico dos envolvidos, de maneira a construir uma disciplina pautada na consciência, na cooperação e não somente na punição.
Assim, uma vez delineadas as duas vertentes de justiça, possibilita-se construção de parâmetros que viabilizaram a comparação entre elas, podendo-se ao final, levantar aspectos favoráveis que estão presente em uma abordagem, mas que não estão em outra, e vice-versa.
É nesse ponto, ressalte-se, que são levantadas inúmeras criticas à proposta alternativa de resolução de conflitos, visto que, com a cultura que vige na sociedade brasileira, pode-se considerar que esse método de resolver uma lide criminal torna escancarada a impunidade.
Outrossim, a proposta conciliadora trazida pela Justiça Restaurativa, tem-se mostrado inviável quando se trata de crimes vagos, em que a vítima é um sujeito indeterminado, ou seja, crimes em que o ofendido não pode ser parte no processo e, portanto, desconfigura a proposta restaurativa.
Contudo, existem experiências de justiça restaurativa abordadas em outros casos no Brasil, que por sinal, tem demonstrado bons resultados, ainda que estes são em número mínimo, haja vista que o tema ainda é pouco explorado.
Por fim, considerado todo o exposto na presente pesquisa, somada aos estudos que já estão sendo realizados por pesquisadores da criminologia, é possível tomar posicionamentos do modelo de justiça restaurativa de ambos os lados, tanto ao considerá-lo como uma idéia nova, capaz de revolucionar o sistema atual e trazer benefícios, como o de considerá-lo ineficaz, num processo de definição por um sistema mais repressor e rigoroso.
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Notas
1 SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
2 No original: “They [the offenders] need to have their stereotypes and rationalizations (...) about the victim and the event challenged. (…) They may need to develop employment and interpersonal skills. They often need emotional support. They may need to learn to channel anger and frustration in more appropriate way. They may need help to develop a positive and healthy self-image. And they often need help in dealing with guilt.”
Abstract: Restorative justice is presented as a new model of criminal justice, which differs in many aspects of traditional justice system, which is also called punitive or retributive. Whereas the current system is inefficient due to the overcrowding of jails, the criminal recidivism and the ineffectiveness of the criminal purpose, modern criminology has studied alternative means to address numerous problems that are being faced at the time of execution of the sentence by criminal offenders system. Thus, this research is limited to analyzing this prosecution some aspects such as the principles, values, procedures, subject, purpose, history, among others. Finally, a comparative approach between the two systems allows you to view the advantages and disadvantages inherent in each.
Key words : Restorative Justice, procedure, comparative approach.