Se o excesso da jornada de trabalho ofende o direito ao lazer

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O presente artigo demonstra as formas de trabalho, a jornada de trabalho bem como seu excesso e o direito que todos possuem ao lazer.

“A partir das relações do homem com a realidade, resultantes de estar com ela e de estar nela, pelos atos de criação, recriação e decisão, vai ele dinamizando o seu mundo.”
Paulo Freire


RESUMO

 O presente artigo demonstra as formas de trabalho, a jornada de trabalho bem como seu excesso e o direito que todos possuem ao lazer.

Palavras-chave:
Lazer, trabalho, excesso.


ABSTRACT

This work demonstrates the kinds of work, working hours and its over and that everyone has the right to leisure.

Key words: leisure, work, everyone


INTRODUÇÃO

      O presente trabalho trata dos variados tipos de jornada, assim como o excesso que prejudica e muito o lazer dos trabalhadores, que buscam também se divertir e descansar após horas de serviço.
Ficou demonstrado também como funciona o descanso semanal remunerado,seus tipos, vantagens e desvantagens.

O DIREITO AO LAZER
O direito ao lazer encontra-se consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 10 de dezembro de 1948, que traz em seu artigo 24 a seguinte redação:

“Toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas’.

Também a Constituição de 1988 , enumera o direito ao lazer dentre os direitos sociais, no artigo 6º e no artigo 7º, inciso IV, onde estão enumeradas as necessidades vitais básicas do trabalhador.
Não há, portanto, como negar que o direito ao lazer é um dos componentes essencial à vida de todo e qualquer ser humano, sendo uma das condições para que se alcance a existência digna.
Definimos tal direito como a faculdade do ser humano de ocupar seu tempo livre com atividades que lhe são prazerosas e que não guardam qualquer relação com o trabalho. Seria, por exemplo, a livre escolha que o indivíduo tem de reservar parte de seu tempo disponível para estar com a família, praticar esportes, ir ao cinema, aos parques, participar de alguma atividade intelectual ou artística ou, simplesmente, nada fazer.
Tanto que em relação a proteção ao lazer, a Constituição Federal, no art. 7º, limita as horas de trabalho no inc. XIII, determina a obrigatoriedade do repouso semanal remunerado, inc. XV , que já dispomos acima de maneira bem discriminada, bem como onera em 50% a remuneração do serviço extraordinário, inc. XVI . Ou seja, o legislador constituinte cercou-se de elementos para garantir a efetivação do lazer do trabalhador.
Todavia, embasados pela vontade de obter lucro a qualquer custo, os empregadores impõem aos seus empregados jornadas desumanas, com supressão de intervalos e labor de horas extras além de suas capacidades, tudo em nome da redução de custos e do aumento da produtividade.
O trabalhador não pode ser compelido a laborar em sobrejornada e muito menos ser impedido de gozar os intervalos que lhe são legalmente garantidos, pois tais atos implicam em desrespeito ao preceito constitucional garantidor do direito ao lazer.
O lazer é uma necessidade básica do ser humano sob três aspectos: biológico, na medida em que consideramos os aspectos físicos e psíquicos do ser humano, pois que é através do lazer que mente e corpo descansam e "recarregam" as energias despendidas durante um período de trabalho; social, pois que é no momento de lazer que o trabalhador tem oportunidade de conviver com familiares e amigos, participando ativamente da vida em comunidade; existencial, uma vez que o trabalho em excesso aliena o indivíduo, impedindo-o de pensar em sua própria vida e de buscar para ela um rumo melhor do que aquele em que se apresenta.
Privações biológicas, sociais e existenciais geram no trabalhador um sentimento de fraqueza e baixa auto-estima diante da situação vivenciada, ocasionando distúrbios de ordem psicológica e física no indivíduo.
Há, todavia, na Consolidação das Leis do Trabalho, dispositivo legal que exclui duas espécies de trabalhadores da proteção do Capítulo II da mesma, o qual disciplina a Duração de Trabalho, qual seja o artigo 62.
Essas duas espécies de trabalhadores são os que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho e os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão. Para estes últimos, exige a CLT que a remuneração seja superior em 40% ao valor do salário efetivo.
Vislumbra-se aí uma possibilidade real, e o que é pior, legal, de supressão do direito ao lazer destes trabalhadores, na medida em que é possível ao empregador exigir dos mesmos um labor sem qualquer limitação de jornada, subtraindo-o o fundamental direto ao lazer.
A grande maioria de nossos doutrinadores entendem ser constitucional tal dispositivo legal. Para Vólia Bonfim Cassar, a regra geral imposta pelo art. 7º, XIII e XVI, da CRFB não revoga os casos especiais, opinião também conjugada por Sussekind e Valentin Carrion. Maurício Godinho Delgado coaduna com a opinião de que o art. 62 não traz uma regra discriminatória, mas alerta para o fato de que há tão somente uma presunção jurídica de que aqueles empregados não estão sujeitos a controle e fiscalização de jornada de trabalho, presunção favorável ao empregador, mas que admite prova em contrário .
Facilmente percebe-se que em momento algum os doutrinadores preocupam-se com a possibilidade real de supressão do fundamental direito de lazer do trabalhador sob o manto deste artigo 62. O que se dizer de um gerente que trabalha 10 ou 12 horas por dia, sob o argumento de que não tem controle de jornada por possuir poderes de gestão e salário acrescido de 40% sobre o valor do salário efetivo? Será possível a ele praticar algum esporte ou mesmo freqüentar algum curso de aperfeiçoamento profissional? Será possível a ele exercer o seu papel de pai e de esposo, ou de amigo, com uma jornada dessas de trabalho? Quando poderá praticar o simples, mas de suma importância, ato de pegar seus filhos na escola?
Pois bem, a despeito de ser considerado quase que unanimemente constitucional pela doutrina e jurisprudência trabalhistas, o artigo 62 da CLT abre uma nefasta, mas real, como já acima dito, possibilidade de supressão do direito ao lazer dos trabalhadores que ali se enquadram, o que o torna eminentemente inconstitucional, sobretudo se levarmos em conta a eficácia mínima dos direitos fundamentais. Mas, como os questionamentos que chegam aos Tribunais Trabalhistas a cerca de tal assunto limitam-se a desconfigurar a impossibilidade de controle de jornada, buscando tão somente o pagamento do adicional de horas extras, muito ainda terá de ser feito para que este malfadado artigo não continue albergando a afronta ao fundamental direito ao lazer, inerente à própria dignidade humana.
A supressão do consagrado direito ao lazer gera para trabalhador o também constitucional direito de ação, possibilitando-o reivindicar, por meio de tutela judicial, a reparação ao dano sofrido, consistente em uma indenização que não se confunde com o adicional de horas extras, pois que este apenas renumera o labor em sobre jornada.
Fundamental, portanto, que os trabalhadores não se mantenham inertes diante do desrespeito, por seus empregadores, do direito ao lazer mediante a exigência desmedida de labor extraordinário, a supressão dos intervalos para refeição e descanso e a impossibilidade de controle de jornada albergada no artigo 62 da CLT.


INDENIZAÇÃO. LAZER

Realmente, ao impedir o obreiro de gozar direito ao lazer, laborando grande número de horas extras, sem folgas e férias regulares, o empregador furta-lhe não só o convívio com sua família, mas, sua dignidade, saúde e segurança. Logo deve-se aplicar o artigo 927 do Código Civil que impõe àquele que causar dano a outrem o dever de repará-lo. O empregador, ao exigir excessiva carga de trabalho do empregado, causa-lhe dano, de ordem psíquica, social, e familiar.
Mas, não termina por aqui: a exigência de jornada laboral excessiva caracteriza método de gestão arbitrária, que comporta reparação; por dano moral, em razão do abalo psíquico; por dano material, pelo efetivo impedimento do gozo do pleno lazer, constitucionalmente garantido. No entanto, essa teoria não é aceita pacificamente, seja porque o artigo 6º, da Constituição Federal, careça de regulamentação, seja porque, em tese, o labor suplementar já estaria remunerado pelos respectivos adicionais. Contudo, há possibilidade de se aplicar à hipótese a teoria da responsabilidade civil.
Porém, temos dois entendimentos que serão abaixo discriminados.
O primeiro entendimento diz que as horas extras compensam a jornada excessiva. Argumenta-se que o adicional de horas extras já compensa o desgaste sofrido pelo empregado; aliás, é exatamente esse o fundamento de se remunerar hora extraordinária com valor superior ao da hora normal, ou seja, compensar malefícios oriundos do trabalho anômalo, que, pela própria natureza, causa lesões físicas e psíquicas no obreiro.
Por sinal, o mesmo ocorreria com adicionais de insalubridade e periculosidade; para esses institutos, conforme consagrado na doutrina e jurisprudência, o pagamento de valor adicional tem, sim, o condão de compensar as mazelas de se laborar em condições insalubres e perigosas.
Pode-se defender, ainda, que o artigo 6º da Constituição Federal possui conteúdo meramente programático, não tendo relação direta com o contrato de trabalho. Desse modo, a hipótese limitar-se-ia ao âmbito da responsabilidade civil, de modo que só responderia o empregador, por lesão oriunda do trabalho excessivo, se agisse com culpa, ou, conforme o caso, pela teoria do risco.
Mas e o que seria jornada excessiva? É sempre bom lembrar que a Consolidação das Leis do Trabalho estabelece limites à jornada suplementar.
Efetivamente, a legislação trabalhista restringe o labor diário conforme os seguintes dispositivos legais: labor diário: artigos 59 e 61, da CLT; intervalo interjornadas: artigo 66, da CLT; intervalo intersemanal: artigo 67, da CLT
Para a jornada de 8h o limite é, regra geral, de 12h por dia: 8h contratuais, 2h para o regime de compensação ou hora extra (artigo 59), mais 2h em caso de necessidade imperiosa (artigo 61), podendo-se acrescentar até mais 2h, se considerada a hipótese de força maior e cumprimento de serviços inadiáveis (mas o próprio artigo 61, § 2º, prevê limite de 12h diárias). Mauricio Godinho Delgado (2009:807) entende que, mesmo sendo a jornada inferior a 8 horas, o teto global é de 10 horas diárias. Nesse raciocínio, o empregado que cumpre jornada de seis horas, por exemplo, poderia levar 4 horas diárias para o Banco de Horas.
Mas, o problema, aqui, não é tão-somente o limite diário, mas, sim, a continuidade do labor excessivo na semana, mês, ano.
É verdade que o artigo 137 da Consolidação das Leis do Trabalho também prevê sanção para o ilegal “trabalho nas férias” (o mesmo ocorre para labor nas folgas e feriados, consoante Lei 605/49), de maneira que, em tese, prevaleceria o mesmo argumento supra, isto é, a “compensação” pelo labor suplementar ocorre pelo pagamento dos acréscimos previstos na legislação trabalhista. De toda sorte, verifique-se a lição de Arion Sayão Romita (2005:372):

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“As férias não constituem um prêmio concedido pelo empregador ao empregado, ante a suposta boa conduta do trabalhador durante o ano precedente, sem que tivesse dado mais de trinta e duas faltas ao serviço. Constituem, isto sim, um direito, que lhe é garantido por lei, de não trabalhar durante o período de gozo, sem prejuízo do salário.”

O segundo entendimento diz que as horas extras remuneram o empregado mas não compensa os malefícios do impedimento do lazer.
Pode-se argumentar que o adicional de horas extras não remunera lesões pelo impedimento de pleno gozo do lazer; paga o adicional somente o trabalho realizado, ou seja, a obrigação contratual, e não eventuais lesões daí oriundas. Tanto isso é verdade que, na hipótese do adicional de insalubridade, por exemplo, o adicional compensa o trabalho em condições insalubres, mas, não doenças que daí possam advir, tal que, se acometido o empregado de moléstia do trabalho, em razão de suas atividades para o empregador, poderá este ser responsabilizado civilmente, conforme artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal, pelo que indenizará o dano causado, por culpa (se considerada a Teoria da Responsabilidade Subjetiva), pelo risco (se considerada a Teoria da Responsabilidade Objetiva).
Mas, agora começa a confusão: é objetiva a responsabilidade pelo impedimento do gozo de pleno lazer? O fato de o empregado laborar em jornada excessiva tem, por si só, o condão de gerar responsabilidade civil do empregador? A efetiva lesão, que porventura tenha sido causada pelo excessivo labor, não teria de ser provada, considerando elementos ensejadores da responsabilidade civil (fato, dano, nexo causal e culpa)?
São questões que, realmente, poderão ensejar ampla dilação probatória em eventuais ações judiciais.
De todo modo, uma das repostas a esse problema, talvez, seja se considerar responsabilidade objetiva do empregador, não só porque o lazer é direito fundamental, mas, especialmente, se levado em conta o artigo 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho (responsabilidade objetiva do empregador pelos riscos do negócio, ou culpa presumida, conforme Teoria da Responsabilidade Contratual), já que o empregado não cumpre horas extras excessivas de modo unilateral e à seu talante, sendo o patrão, a tanto, responsável pelo abuso de direito (artigo 187 do Código Civil).
A Consolidação das Leis do Trabalho permite a realização de horas extras, mas, não de forma abusiva. A Teoria do Abuso de Direito, que impõe respectivo dever de indenizar (artigos 187 e 927 do Código Civil), também, pode ser uma saída para a espécie.
Cumpre destacar que a responsabilidade objetiva não é aceita de maneira pacífica pela doutrina e jurisprudência, de modo que a tese da indenização por desrespeito ao lazer poderá encontrar resistência.
Não obstante, se considerada como válida a possibilidade de se responsabilizar civilmente o empregador, por tolher direito ao lazer do empregado, a par de terem sido pagas, ou não, horas extras, cabe reparação de dano, já que, nessas condições, submete o empregado à jornada extenuante de trabalho, causando-lhe abalo ao patrimônio moral e material, retirando-lhe o próprio descanso, convívio com a família e meio social. Não bastasse isso, a excessiva carga de trabalho pode causar lesões físico-psíquicas, notadamente estresse e síndrome do pânico, doenças profissionais equiparadas a acidente do trabalho.
Enfim, sob o ponto de vista prático, é muito mais seguro fundamentar a hipótese na Teoria da Responsabilidade Civil, subjetiva ou objetiva, tratando diretamente do dano: a jornada excessiva causou lesão ao empregado? Cumpre verificar se estão presentes fato, dano, nexo causal e culpa (ou risco). O fundamento está no artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal e nos artigos 187 e 927 do Código Civil. A violação do lazer surge, quiçá, como questão de fundo, como causa remota. Mas, ressalte-se, é de suma importância para eventual cotejamento com a tese de remuneração das horas extras, isto é, de que o adicional já teria compensando o labor excessivo.

CONCLUSÃO

   Concluindo, busquei mostrar neste trabalho como funciona o descanso semanal remunerado, os feriados e como isso se relaciona ao direito ao lazer que muitas vezes não é exercido pelo trabalhador que recebe as horas extras para compensar um trabalho excessivo mas que prejudica fisicamente e emocionalmente os trabalhadores, abala seu ambiente familiar.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro : Ed. Campus, 1992.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Curso de direito do Trabalho – 8ª ed. – São Paulo, LTr, 2009.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do Trabalho – 15ª ed., rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 1998.

ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. – São Paulo : LTr, 2005.

GARCIA,Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. 2ª ed: Método-São Paulo:2008.

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Sobre a autora
Isabelle Amorim Bezerra Camilotti

Advogada, com pós graduação em Direito Público, Trabalho e Processo do Trabalho , Formação para professores na aérea jurídica e Compliance trabalhista. Mestre em Direito do Trabalho e Relações Internacionais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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