As sereias do Direito Penal

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Ulisses- Lei de Tortura- Individualização da Pena- Motivação das decisões judiciais

Ulisses retornando da ilha de Circe. O navio que comandará velejou primeiramente para a ilha das Sereias, criaturas metade mulher outra metade animal, mas extremamente sedutoras e mortais que consistiam em atrair marinheiros para as rochas de sua ilha com deliciosas canções. Ulisses, ao passar por este mar traiçoeiro vedou os ouvidos de sua tripulação com um tipo de cera, e ele mesmo foi amarrado ao mastro, deste modo poderia passar e salvar-se e ainda ouvir a canção. "Venha para perto, Ulisses", cantavam as Sereias: Ulisses gritou para seus homens para que o soltassem, mas eles remaram para frente o salvando da morte certa.

Sou contra a pratica da Tortura e também de Formação de Organizações Criminosas e qualquer outra infração penal, embora acredite que o Delito, do menor ao maior grau, sempre irá existir enquanto vivermos em coletividade. Convido o Leitor a navegar para uma visão crítica das normas penais que preveem a perda do cargo, função, ou emprego público como efeito automático da condenação, a qual chamarei de “Sereias do Direito Penal

Em um sistema de Justiça Criminal Garantista/Democrático os efeitos das condenações (sejam elas penais ou extrapenais) devem possuir sua gênese no texto Constitucional, mesmo nas Constituições sucintas, o Poder de Punir do Estado sempre, repitamos, sempre, deve estar umbilicalmente ligado a sua respectiva Constituição Cidadã.

No Brasil, a prática da Tortura, infelizmente, foi difundida e praticada em desfavor dos índios, negros, proletariados, pessoas consideradas subversivas dentre outras. Talvez, acreditamos, que após um regime ditatorial que nosso país tupiniquim vivenciou (entre as décadas de 60, 70 e 80) o Constituinte Originário tenha em 05 de Outubro de 1988 promulgado uma Constituição Federal da República Federativa do Brasil que trata como objetivo, a Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º, III), nas relações internacionais deve prevalecer o princípio dos Direitos Humanos (art. 4º, II), e nos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, a proibição de submissão a tortura, (art. 5º III), este um mandamento constitucional implícito de criminalização, e no inciso XLIII do art. 5º, o Constituinte Originário, equiparou a tortura a crime Hediondo, e por sua vez, realizou um mandamento constitucional explicito de criminalização.

Pois bem, a prática de tortura é absolutamente abominável e inadmissível, mesmo em casos extremos, como defende a Teoria do Cenário da Bomba Relógio. A proibição e a prevenção da prática de tortura, en passant, também são previstas no Brasil através do Decreto 40, de 15/02/1991, a qual promulgou a Convenção contra Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes, além disso, há o protocolo facultativo a esta Convenção Decreto 6.085/07 e a Lei nº 12.847/13 que institui o Sistema Nacional de Prevenção e Combate a Tortura e Cria o Comitê Nacional de Prevenção e Combate a Tortura e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate a Tortura.

Feitas essas considerações, hodiernamente, a mídia policialesca, expõe as vísceras de práticas comumente praticadas por agentes policiais, que no mister de suas funções acabam acedendo em suas atribuições, incidindo na prática de Tortura Lei nº 9.455/97, embora vale frisar que em alguns dispositivos o particular também possa pratica-lo. O Agente Público torturador deve sim, ser denunciado, processado e condenado a uma pena justa e necessária, e devidamente individualizada e motivada, como prevê o art. 5º, XLVI e art. 93, IX ambas da Constituição Federal.

No entanto, percebe-se que as sereias do Direito Penal primeiramente influenciaram o legislador ordinário, omitindo silenciosamente, no art. 1º, § 5º da Lei de Tortura, a necessidade de motivação para a perda do cargo, emprego ou função pública, como é a regra na Constituição e no Código Penal art. 92 e seu paragrafo único.

Ora, matar alguém mediante a prática de tortura é crime Hediondo, quanto a isto não há dúvida, e o efeito extrapenal da perda da função publica latu sensu, exige motivação atendendo os dispositivos alhures, entretanto a pratica da tortura, através do art. 1º, § 5º, seria uma exceção? Sugerimos que não, pois isso seria teratológico.

A Constituição Federal tornou a prática de Racismo imprescritível, entretanto, exige motivação para a perda do cargo e função pública para o servidor público, art. 16 e art. 18 da Lei nº 7.716/89. Alias alguém já se perguntou por que a pratica de tortura é prescritível, quais os motivos que levaram o Constituinte Originário que acabara de sair de um Estado Ditatorial e Torturador a não torna-la imprescritível? Naveguemos, e vamos adiante.

É certo que as sereias que desde o início da década de 90 vem exaltando suas canções nas normas penais, furtando dos Juízes, ou incutindo-lhes que o efeito da perda da função, cargo e emprego público, não fere o princípio da individualização da pena e da necessidade da motivação das decisões judiciais, citamos como exemplo o art. 83 da Lei nº 8.666/93; art. 1º, § 5º da Lei nº 9.455/97; art. 2º, § 6º da Lei nº 12. 850/13.

Não podemos jamais esquecer o nosso passado de Tortura que nossos antepassados sofreram com a escravidão, temos que mostrar para a sociedade as práticas que os Militares Federais e Estaduais e as Polícias praticaram durante a ditadura, chega de segredo! Devemos invocar a Justiça, Proclamar o fim da Corrupção, acompanhar o Buraco Negro Bilionário produzido, em tese, pelas conhecidas operações Lava Jato, Zelotes, Aratath dentre outras que ainda virão.

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Por fim, conclamo o Legislador e os Juízes para tamparem os ouvidos para as sereias penais, o primeiro criando tipos penais que respeitem o princípio da legalidade, e em corolário os demais que o seguem, aos valorosos Juízes, julguem inconstitucionais os dispositivos que acarretem como efeito natural à perda automática da função, cargo, ou emprego público, e passem a exercer a devida individualização da pena e motivação de suas decisões judiciais em toda a sua integralidade. As sereias devem ser banidas do Direito Penal, o Direito Penal do Autor deve ser extirpado, chega de desrespeito os Princípios Penais Constitucionais.

 Encerro essa breve reflexão, desejando um Brasil com Educação Pública de Qualidade para todos, Saúde descende aos níveis Ingleses, Remuneração do nível dos Juízes e Promotores de Justiça para os Educadores do Ensino Fundamental ao Superior, e um Sistema de Justiça Criminal célere, acusatório e humano. Isso é só começo o resto à história escreve por si só.

Sobre o autor
Stenio Henrique Sousa Guimarães

Bacharel em Segurança, Bacharel em Direito. Especialista em Segurança Publica pela Academia de Polícia Militar Costa Verde. Especialista em Direito Processual Penal pela rede de ensino Luiz Flávio Gomes (LFG) em parceria com Universidade Anhanguera. Habilitado pela Ordem dos Advogados do Brasil com aprovação no Exame de Ordem Unificado com admissão para alunos do 9º semestre em Direito no ano de 2010. Atuou como Professor convidado na Polícia Militar do Estado de Mato Grosso, nas disciplinas de Estatuto da Criança e do Adolescente, Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Penal Militar, e nas disciplinas de Manual do Aluno, Regulamento Interno de Serviços Gerais e Regulamento de Continências, Honras, Sinais de Respeito e Cerimonial Militar. Trabalhou como Professor no Curso Nacional de Promotor de Polícia Comunitária. Palestrante no 1º Seminário Organizacional da Academia de Polícia Militar Costa Verde no ano de 2001. Possui Capacitação e experiência em Negociação em Gerenciamento de Crises. Possui capacitação em práticas de compliance. Possui experiência em atividade de Polícia Judiciária Militar. Atualmente é especializando em Psicologia Jurídica e Inteligência Criminal. Oficial Superior da Polícia Militar. Palestrante sobre História e Legislação de pessoa com deficiência com ênfase em Autismo. Colaborador do site Jurídico JusBrasil e JusNavegandi. Professor em Pós Graduações e em Cursos Preparatórios para Concursos Públicos, por recomendação.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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