A questão da liberdade sindical no Brasil

12/04/2015 às 13:48
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Análise da questão da liberdade sindical no Brasil, desde a conquista de referida liberdade pelos sindicatos, passando pelo estágio atual até chegar nas premissas que devem servir como paradigmas de uma estrutura sindical ideal.

1.INTRODUÇÃO

As profundas transformações da economia de mercado, a descentralização das atividades pelas empresas, as terceirizações, têm impacto direto nas relações de trabalho. Tais mudanças exigem dos sindicatos novas e mais amplas formas de organização, estruturas mais bem abertas que possibilitem, em espaços maiores, a participação das representações de trabalhadores nos processos de integração econômica, até mesmo em nível global.

É impossível falar em estruturação de sindicatos mais fortes e representativos da categoria patronal e trabalhadores sem ter o devido respaldo na autonomia e liberdade, que devem ser os pilares de tal estrutura, guiando as atividades sindicais.

O presente trabalho tem como objetivo analisar a questão da liberdade sindical no Brasil, em uma breve síntese, desde a conquista de referida liberdade pelos sindicatos, passando pelo estágio atual até chegar nas premissas que devem servir como  paradigmas de uma estrutura sindical ideal.

2.EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SINDICALISMO NO BRASIL

No Brasil o sindicalismo veio de cima para baixo. Não é resultado de conquistas. sindicalismo no Brasil é resultado do poder do Estado que cria toda a legislação trabalhista e os sindicatos passam de certa forma a exercer funções delegadas, principalmente a tributária, com a cobrança da contribuição sindical.

  • Constituição de 1891 – assegura os direitos de reunião e associação de trabalhadores (art.72, § 8º)
  • Decreto n. 979, de 1903, facultou aos profissionais da agricultura e indústrias rurais organizarem sindicatos para estudo, custeio e defesa dos seus interesses.
  • Decreto n. 1637 de 1907 facultou a criação de sindicatos, com a finalidade de estudo e defesa dos interesses da profissão e dos seus membros
  • Getúlio Vargas  - A fase intervencionista de 1930 – O modelo sindical brasileiro construiu-se nas décadas de 1930 e 1940 no Governo de Getúlio Vargas (Estado largamente intervencionista)
  • Decreto nº 19.770 de 1931 criou a Organização sindical brasileira. (Estrutura Sindical Oficial)
  • Constituição de 1934 – assegurou a pluralidade sindical
  • A Constituição de 1937 estabeleceu o sindicalismo unitário, vinculado ao Poder Público.
  • A CLT de 1943: Título V, arts. 511 a 625
  • Década de 80 no Brasil: Na década de 80 os sindicatos começaram, mesmo contra legem, a dar provas de sua existência autônoma, contra a política salarial expedida pelo Governo.
  • A partir da década de 80, os sindicatos brasileiros reagem contra as “políticas salariais” impostas pelo Governo (ditadura militar) e promovem muitas greves, notadamente no ABC.
  • Constituição brasileira de 1988: mantida a unicidade sindical

3.A CONSTITUIÇÃO DE 1988 X A CONVENÇÃO Nº 87 DA OIT

A Constituição de 1988 manteve defeitos, advindos do corporativismo, introduziu conceitos indeterminados (por exemplo, “órgão competente para registro”, “categoria”, interesses individuais da categoria”, “sistema confederativo”), e sobrepôs uma nova ordem legal à CLT, nem sempre clara, permitindo divergências de interpretação.

Não há como situá-la no plano da liberdade sindical: veda mais de um sindicato, da mesma categoria, na mesma base territorial. Seria um marco no sentido da autonomia coletiva se não cometesse esse pecado. A autonomia coletiva pressupõe o espaço de liberdade que a Constituição de 88 não permite totalmente.

Reconheça-se, no entanto, que trouxe avanços: liberdade de associação profissional ou sindical, vedação da ingerência do poder público no sindicato, faculta a auto-organização sindical, sem necessidade de autorização, assegura a estabilidade do dirigente sindical, garante o direito de greve, entre outros.

A Convenção nº 87 da OIT estabelece o direito de todos os trabalhadores e empregadores de constituir organizações que considerem convenientes e de a elas se afiliarem, sem prévia autorização, e dispõe sobre uma série de garantias para o livre funcionamento dessas organizações, sem ingerência das autoridades públicas.

O principal dispositivo que trata da liberdade sindical na referida Convenção assim dispõe:

Art. 2 : Os trabalhadores e os empregadores, sem distinção de qualquer espécie, terão direito de constituir, sem autorização prévia, organizações de sua escolha, bem como o direito de se filiar a essas organizações, sob a única condição de se conformar com os estatutos das mesmas.

O Brasil não ratificou a Convenção nº 87 da OIT. As leis brasileiras com ela conflitam. A Constituição de 88 proíbe mais de um sindicato da mesma categoria na mesma base territorial. Com isso, impõe um modelo sindical obrigatória, enquanto a Convenção nº 87 defende um modelo sindical espontâneo. Nossa, Constituição, seguindo tradição nque vem desde o Estado Novo, autoriza a cobrança compulsória, pelos sindicatos, da contribuição sindical de todos os trabalhadores, sócios ou não do sindicato. A Convenção nº 87 assegura a liberdade individual de ingressar ou não num sindicato. Cobrar, compulsoriamente, uma contribuição de quem não é sócio não é compatível com essa garantia estabelecida pela OIT.

4.PRINCÍPIOS ORGANIZATIVOS DA LIBERDADE SINDICAL

A liberdade sindical é princípio básico que deve presidir os sistemas legais, possuindo várias dimensões com significados diferentes: metodológico, onde os ordenamentos jurídicos são avaliados em sistemas com ou sem liberdade sindical; conceitual, discutindo-se os valores, características manifestações e garantias do sistema sindical; coletivo, o qual analisa-se a liberdade de associação, de organização, de administração e de exercício das funções; e individual, liberdade assegurada a cada indivíduo de filiar-se ou não a um sindicato.

A acepção coletiva, desdobra-se nos seguintes aspectos:

  1. Liberdade de associação: liberdade sindical, nessa perspectiva, é o princípio que autoriza o direito de associação, aplicado ao âmbito trabalhista, quando as leis de um Estado garantem o direito de pessoas com interesses profissionais e econômicos de se agruparem organizações sindicais.

  1. Liberdade de Organização: envolve o problema da unicidade ou da pluralidade sindical, ou seja, a permissão legal para que, numa mesma esfera geográfica, sejam fundados, no mesmo setor, mais de um ou apenas um sindicato representando pessoas que originariamente pertenceriam a um grupo.

  1. Liberdade de Administração: expressa-se em duas ideias básicas: a democracia interna (condição de legitimidade da vida do sindicato, ou seja, a redação de seus próprios estatutos) e autarquia externa (liberdade de administrar, sem interferências exteriores em sua administração).

  1. Garantias à liberdade sindical: é assegurar meios jurídicos de proteção dessa liberdade, dos representantes sindicais e do sindicato como organização. No plano coletivo, os sindicatos tem legitimidade para agir em juízo, formulando pleitos e provocando a tutela jurisdicional dos direitos deduzidos em processo judicial. No plano individual, os representantes sindicais são protegidos contra a prática de atos de repressão.   

5.PARADIGMAS

As transformações no direito coletivo do trabalho devem começar pela organização sindical e representação dos trabalhadores no local de trabalho, com a aplicação prática do princípio da livre formação de sindicatos.

Nesse sentido, devem ser garantido aos grupos de trabalhadores e de empresários o direito de criar livremente suas entidades sindicais, sem a sujeição de atos de ingerência do poder público.

Para que esses objetivos sejam alcançados, várias medidas reformadoras precisam ser aprovadas, tais como:

  1. Supressão da unicidade sindical: cabe aos interessados – trabalhadores e empregados – definir quantas e quais entidades sindicais representarão seus interesses. Os parâmetros para a organização sindical devem ser os estabelecidos pela Convenção nº 87 da OIT, que consagra os princípios da liberdade e autonomia sindical.

  1. Eliminação das categorias como formas obrigatórias de organização sindical: não deve o Estado estabelecer a forma de organização dos sindicatos, ao contrário, deve ser aberta a possibilidade de escolha aos próprios grupos. A enorme proliferação de sindicatos a partir da CF/88 e as frequentes disputas judiciais demonstram que o suposto sistema de unidade previsto na Constituição não se efetivou na prática.

  1. Revogação da base territorial mínima municipal: deve ser aberta a possibilidade de criação de sindicatos por empresas ou por regiões geográficas, em conformidade com a similitude das condições de trabalho nas empresas envolvidas e de acordo com as conveniências e circunstâncias ditadas unicamente pelos interesses dos trabalhadores e empregados.

  1. Extinção da contribuição sindical compulsória: a liberdade sindical é incompatível com a imposição (por via legal ou constitucional) do pagamento da contribuição sindical obrigatória: se a sindicalização é um direito, a contribuição não pode ser uma obrigação. Os trabalhadores e os empresários devem ter o direito de se filiar à organização sindical de sua escolha, com a única condição de se conformarem com seus estatutos.

  1. Estímulo à representação e participação dos trabalhadores no local de trabalho: é necessário ampliar os canais institucionais de atuação dos trabalhadores , incrementando a sua representação e participação no cotidiano empresarial, de maneira a tornais mais frequentes as negociações nos próprios locais de trabalhoe a democratizar a gestão.

6.CONCLUSÃO

Por todo o exposto, percebe-se que existem várias premissas indispensáveis para que se possa falar em um sistema de organização sindical fundamentado no critério de liberdade.

Essas premissas devem fazer parte de uma reforma do nosso modelo, pois somente com a tutela da liberdade sindical é que o estado poderá garantir o desenvolvimento de negociações coletivas autenticas.

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As ferramentas que possibilitam a introdução desses paradigmas no ordenamento jurídico brasileiro, nada mais são do que a ratificação pelo Brasil da Convenção nº 87 da OIT, a alteração dos dispositivos constitucionais limitadores da liberdade sindical (base territorial e mínima e unicidade), por meio de Emenda Constitucional, e alteração da CLT for meio de lei ordinária infraconstitucional.

Em síntese, o que se pode afirmar é que o grande dilema do sindicalismo no século XXI não é outro senão o de obter efetiva representatividade, pois esta é a única forma de sobreviver ao novo sistema de relações de trabalho que vem sendo desenhado.

7.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Amauri Mascaro Nascimento – Compêndio de Direito Sindical

Olavo Pinto e Silva – Curso de Direito do Trabalho – Vol. 03

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Sobre a autora
Ana Flávia Zóboli

Ana Flávia Zóboli

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