Atos unilaterais: gestão de negócios

12/04/2015 às 14:00
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O presente trabalho tem como objetivo a análise de um dos tipos de declaração unilateral de vontade, qual seja, gestão de negócios, tipificado no artigo 861 e seguintes do Código Civil de 2002.

INTRODUÇÃO

 

O presente trabalho tem como objetivo a análise de um dos tipos de declaração unilateral de vontade, qual seja, gestão de negócios, tipificado no artigo 861 e seguintes do Código Civil de 2002.

Os atos unilaterais, ao lado dos contratos (negócio jurídico bilateral) e dos atos ilícitos, constituem fonte de obrigações oriundas da relação jurídica entre as partes. A fonte das obrigações, por sua vez, é fato jurídico. Somente a ocorrência de um fato que produz efeitos na esfera jurídica gera uma obrigação, ou seja, extrapola-se o indivíduo considerado em si mesmo para torná-lo vinculado ao poder de outra pessoa.

A obrigação provém da ordem jurídica, pois, uma vez manifestada a vontade do homem, ela encontra no espaço a manifestação de vontade de outrem, e assim por diante. Deve haver, portanto, um ordenamento, porventura leis que regem as vontades humanas capazes de produzir efeitos jurídicos e, assim, fazer surgir o vínculo obrigacional.

Temos, portanto, obrigações oriundas da lei (pagamento de tributos, voto nas eleições, prestação de alimentos) e aquelas advindas exclusivamente da vontade do homem, como os contratos, tipificados ou não em lei, a declaração unilateral de vontade e os atos ilícitos que, quando praticados, geram o dever de indenizar.

Assim sendo, temos duas fontes de obrigações: a primeira, mediata, o fato humano (contrato, declaração unilateral de vontade e ato ilícito) e a mediata, a lei, manifestação do poder estatal que regula o comportamento humano e a manifestação das vontades.

 

ATOS UNILATERAIS

 

Como visto anteriormente, os atos unilaterais, tipificados no artigo 854 e seguintes do Código Civil, são formas de declaração unilateral de vontade que, por sua vez, é uma das fontes obrigacionais.

Segundo a definição de Maria Helena Diniz, “a declaração unilateral de vontade é uma das fontes das obrigações resultantes da vontade de uma só pessoa, formando-se a partir do instante em que o agente se manifesta com intenção de se obrigar, independentemente da existência ou não de uma relação creditória, que poderá surgir posteriormente.”

De fato, a declaração unilateral de vontade por si só possui característica de exigibilidade, fazendo com que esse tipo de manifestação de vontade produza efeitos independentemente de existir relação jurídica entre as partes.

Ainda, segundo referida autora “as obrigações nascem da declaração unilateral da vontade manifestada em circunstâncias tidas pela lei como idôneas para determinar sua imediata constituição e exigibilidade, desde que o declarante a emita com intenção de obrigar-se, e desde que chegue ao conhecimento da pessoa a quem se dirige, e seja esta determinada ou pelo menos determinável.” (g.n.).

Para que o ato unilateral produza efeitos é necessário que o emitente realmente tenha a intenção de obrigar-se, ou seja, não pode em hipótese alguma haver reserva mental. A segunda condição é que o receptor da oferta seja pessoa determinada ou determinável e que a mensagem chegue ao seu conhecimento.

Há quatro formas de atos unilaterais previstas no Código Civil

a)Promessa de Recompensa (do art. 854 ao 860);

b)Gestão de Negócios (do art. 861 ao 875);

c)Pagamento Indevido (do art. 876 ao 883); e

d)Enriquecimento sem Causa (do art. 884 ao 886).

 

Passamos a analisar agora a modalidade Gestão de Negócios.

 

 

GESTÃO DE NEGÓCIOS

 

Trata-se de intervenção em negócio alheio, sem autorização do titular. Alguns consideram essa conduta como um ato altruístico, mas não se pode negar que se aproxima muito do contrato de mandato. Pode configurar gestão de negócios: o vizinho que zela pela casa de quem se ausentou sem deixar notícias, o empregado que assume a direção da empresa da qual o patrão se ausentou repentinamente etc. Parecem fatos simples do cotidiano, mas que devem ser observados sob a égide da lei.

Nesse sentido, a definição do art. 861 do Código Civil: “Aquele que, sem autorização do interessado, intervém na gestão de negócio alheio, dirigi-lo-á segundo o interesse e a vontade presumível de seu dono, ficando responsável a este e às pessoas com quem tratar.”

Denomina-se “gestor de negócios” aquele que intervém, e “dono do negócio”, o respectivo titular. O gestor atua como representante, embora sem a investidura de poderes. Gestão de negócios é a administração oficiosa de interesses alheios. A conduta do gestor reveste-se de espontaneidade. Se tal conduta for contra a vontade manifesta ou presumível do dono, o gestor responderá até mesmo pelas perdas decorrentes de caso fortuito, salvo se provar que teriam sobrevindo independentemente de sua atividade. É o disposto no art. 862.

Não há relação contratual, por faltar o prévio acordo de vontades entre o gestor e o dono do negócio. Não há negócio jurídico, mas ato jurídico. Apenas atende-se a vontade presumida do dono. Na visão de Clóvis Beviláqua, há um mandato presumido, uma vez que o gestor procura fazer aquilo de que o dono do negócio o encarregaria, se tivesse conhecimento da necessidade de tomar providência reclamada pelas circunstâncias.

Na ocorrência de intervenção contra a vontade manifesta do dono, a tipificação na realidade é de ato ilícito. Sob tal premissa, o art. 863 estipula que se os prejuízos sobrepujarem às vantagens, o dono do negócio poderá exigir que o estranho reponha as coisas no estado anterior. A indenização deverá ocorrer na impossibilidade de reposição ao estado anterior.

Explica-se esse enfoque , pois vige a regra geral segundo a qual a ninguém é dado intervir na coisa alheia sem autorização, sob pena de responder civil e criminalmente. No entanto, a gestão ora tratada possui outra compreensão. Funda-se na solidariedade humana, no espírito de auxílio ao próximo, nem sempre natural na sociedade. Se por um lado pode faltar interesse jurídico primitivo na intervenção, nem sempre o móvel da intervenção é totalmente desprovido de interesse outro de ordem moral, como amor, compaixão, amizade etc., sem, contudo, conteúdo jurídico. Leve-se em conta ainda que a conduta do agente pode não ter reflexos patrimoniais, deixando, nessa hipótese, de ocorrer consequências jurídicas.

Justifica-se a conduta do estranho que se insere na atividade do dono do negócio, a fim de evitar-lhe prejuízo. O critério é o da “necessidade”, e não o da utilidade, questão que se refere posteriormente. Trata-se, pois, de atividade excepcional. O instituto surge intimamente ligado ao mandato, mas também imbuído dos princípios que objetivam evitar o enriquecimento sem causa, permitindo o ressarcimento ao gestor.

Embora haja semelhanças, não se deve confundir o instituto do mandato com o da gestão de negócios. O mandatário tem direito ao reembolso de todas as despesas efetuadas e ao ressarcimento das perdas sofridas, salvo se resultarem de sua culpa ou de excesso de poderes (art. 678); o gestor apenas será reembolsado de todas as despesas desde que o negócio tenha sido administrado com utilidade para o dono (art. 869). Na gestão de negócios, sob o aspecto de validade, não se leva em conta a capacidade do gestor, pois o que importa é evitar o injusto enriquecimento do dono do negócio; no mandato, a incapacidade do mandatário inquina o contrato. O mandato tem o objetivo precípuo da prática de atos jurídicos; na gestão ocorre indistintamente a prática de atos matérias e atos jurídicos. Desse modo, não há que se reduzir a gestão de negócios a uma modalidade de mandato. Embora a noção intrínseca da gestão seja impedir o enriquecimento em causa, esse não é seu único fundamento, principalmente porque neste a ação de enriquecimento é subsidiária, enquanto na gestão existe ação própria causal de ressarcimento.

Outra questão paralela é saber se existe representação na gestão. A questão se coloca porque os atos do gestor podem acarretar a vinculação da vontade do dono, se o negócio for admitido como útil (art. 869). Quando o dono ratifica os atos do gestor, não há dúvidas de que ocorre representação (art. 873). Quando há ratificação, os autores costumam denominá-la gestão irregular, em contraposição à gestão comum. Nem sempre, porém, fica clara a existência de representação nessa gestão comum sem ratificação, não sendo essencial ao instituto.

Para que se configure a gestão de negócios, será necessário:

1º) Ausência de qualquer convenção ou obrigação legal entre as partes a respeito do negócio gerido, por que a gestão de negócios reclama uma intervenção voluntária, isto é, que o gestor interfira em situação jurídica alheia espontaneamente. Se estiver munido de procuração, ter-se-á mandato. Imprescindível, portanto, a falta de autorização representativa e o desconhecimento do dono do negócio, que deve ignorar a gestão.

2º) Inexistência de proibição ou oposição por parte do dono do negócio, ante o fato da gestão de negócios constituir, pelo Código Civil, art. 861, o exercício de um ato pelo gestor segundo o interesse e a vontade presumível de seu dono. Deve haver, em regra, vontade presumida do dono do negócio, mas excepcionalmente ter-se-á gestão de negócios, mesmo havendo oposição do “dominus negoti”. Com efeito, estatui o Código Civil, no art. 862, que: “Se a gestão foi iniciada contra a vontade manifesta ou presumível do interessado, responderá o gestor até pelos casos fortuitos, não provando que teriam sobrevindo, ainda quando se houvesse abstido”.

3º) Vontade do gestor de gerir negócio alheio, quer se trate de um ou de vários assuntos, comportando-se como tal com o firme propósito de obrigar o “dominus”, não tendo, portanto, intenção de fazer pura liberalidade. Se o negócio for de interesse do gestor e não do dono do negócio, ter-se-á administração de negócio próprio. Pode ocorrer que os negócios nos quais o gestor interveio não sejam inteiramente alheios, mas conexos aos seus, de tal sorte que não possam ser geridos separadamente; haver-se-á, então, o gestor por sócio daquele cujos interesses agenciar de envolta com os seus.m Prevalecerão, desta feita, as normas inerentes ao contrato de sociedade, e, neste caso, aquele em cujo benefício interveio o gestor só será obrigado na razão das vantagens que lograr (CC, art. 875, parágrafo único). Se houver dano e nenhum proveito, o gestor suportará os encargos.

4º) Caráter necessário da gestão, pois a legitimação da intervenção de alguém em negócio alheio exige que ela tenha sido determinada por uma necessidade, e não por uma utilidade. Nosso Código Civil, ao prescrever no art. 869 que, “Se o negócio for utilmente administrado, cumprirá ao dono as obrigações contraídas em seu nome, reembolsando ao gestor as despesas necessárias ou úteis que houver feito, com os juros legais, desde o desembolso, respondendo ainda pelos prejuízos que este houver sofrido por causa da gestão”, refere-se à utilidade da intervenção do gestor, que foi provocada por uma necessidade patente. O gestor deverá exeercer uma atividade com intenção de ser útil ao dono do negócio, agindo em proveito e no interesse dele, procurando fazer precisamente o que ele faria se não estivesse ausente.

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   5º) Licitude e fungibilidade do objeto de negócios, pois além de ser lícito deverá ser fungível, ou seja, deverá tratar-se de negócio suscetível de ser realizado por terceiro, uma vez que a gestão de negócios não se coaduna com atos personalíssimos, que só podem ser praticados pelo dono do negócio.

6º) Ação do gestor limitada a atos de natureza patrimonial, pois os de natureza extrapatrimonial requerem a outorga de poderes. Os atos do gestor, em regra, são de mera administração, embora possam, às vezes, ser de disposição. A atividade do gestor concretizar-se-á, por exemplo, na realização de certos atos jurídicos, como empreitada, compra e venda, pagamentos, ou de simples atos materiais, como colheita de cereais, reparação de muro, abertura de vala etc.

O princípio geral determina que o gestor se conduza dentro dos moldes de mandatário, aplicando a diligência habitual do “bonus pater familias” (art. 866). Ressarcirá o dono de todo prejuízo resultante de culpa na gestão. Como gerente de patrimônio alheio, deve velar pelos bens como esmero maior que seus próprios bens. A esse respeito, impões o art. 868, segunda parte, que responderá inclusive por casa fortuito, quando preterir interesse do dono do negócio “por amor dos seus”.

O gestor deve continuar e concluir o negócio que iniciou, a fim de evitar prejuízos decorrentes de uma execução parcial. Nesse sentido, a dicção do art. 865 estabelece que, enquanto o dono não se manifestar, o gestor deve valer pelo negócio, até levá-lo a cabo, esperando as instruções dos herdeiros no caso de morte do titular, tomando todas as providências necessárias para evitar danos.

A intervenção do gestor é circunstancial, dependente da necessidade do momento. Deve limitar-se ao necessário. Daí porque o gestor tem a obrigação de, logo quando possa, comunicar sua gestão ao dono, aguardando resposta, se da espera não resultar perigo (art. 864). A finalidade é propiciar a reassunção do negócio pelo dono. Uma vez expedida a comunicação, os atos do gestor devem ser apenas conservatórios, a fim de evitar o perigo na demora.

  Obrigação fundamental do gestor é conduzir a atividade utilmente para o administrado. Se os prejuízos sobrepujarem os benefícios, deverá indenizar o dono, ou repor as coisas no estado anterior (art. 863).

Se o gestor se fizer substituir por terceiro, responderá pelas faltas do substituto. Assevera o art. 867 que essa responsabilidade emerge, ainda que o terceiro seja pessoa idônea, sem prejuízo de ação indenizatória direta contra este. A lei procura restringir a atividade do gestor, que por si só afigura como interferência extraordinária em patrimônio alheio, cuja delegação apresenta risco maior de malversação.

Não se confunde a delegação da atividade outorgada pelo gestor com a gestão conjunta de dois ou mais gestores sobre o mesmo negócio, quando então a lei estabelece a responsabilidade solidária (art. 867, parágrafo único).

O art. 868 impõe responsabilidade ao gestor por operações arriscadas, ainda que por caso fortuito e mesmo que o dono do negócio costumasse fazê-las (art. 868, primeira parte). Como não é mandatário, não pode o gestor arvorar-se em completo administrador do patrimônio alheio. Sua atividade é restrita principalmente para evitar prejuízo, e não exatamente para proporcionar lucro. De acordo com esse dispositivo, portanto, não pode arriscar o patrimônio do dono em bolsa, por exemplo, respondendo pelos danos, independentemente de exame de culpa. Inobstante, pode o dono aceitar essas operações, devendo nesse caso indenizar o gestor das despesas e dos prejuízos que teve nessa hipótese (art. 868, parágrafo único).

Como todo administrador de bens alheios, evidente que o gestor ficará sujeito à obrigação de prestar contas. O direito básico do gestor é o de reembolsar-se das despesas efetuadas com a administração, sendo a ação de prestação de contas a adequada para o acerto específico na via judicial.

Paralelamente, o dono vincula-se ao gestor, sempre que o negócio haja sido conduzido utilmente (art. 869). Conforme o dispositivo, a gestão útil vincula o dono nas obrigações decorrentes, obrigando-o a reembolsar o gestor das despesas necessárias e úteis que houver feito, com juros legais desde o desembolso. Excluem-se as despesas voluptuárias, a exemplo das benfeitorias. Se consistirem em efeitos materiais que possam ser removidos, por analogia ao sistema das benfeitorias, poderá o gestor levantá-los.

A utilidade ou necessidade da gestão possui conotação específica no instituto sob exame. Afere-se não o resultado obtido, mas as circunstâncias da ocasião em que se fizeram (art. 869, § 1º). O que a lei pretendeu exprimir é que a utilidade deve ser examinada conforme o caso concreto, levando-se em conta os aspectos de fato que jungiram o gestor a agir. Não se trata de relação contratual; não se trata de mandato. Sob situação de urgência, a conclusão de resultado útil não será a mesma de uma situação comezinha. O momento de apuração da utilidade é o do ato, pouco importando que a utilidade tenha desaparecido depois. A aferição de utilidade, no entanto, há de ser objetiva, não podendo o gestor por simples comodismo, vaidade ou leviandade repudiar a administração.

O §2º do art. 869 aplica as mesmas consequências do resultado útil quando o gestor, por erro, prestar contas a terceiro que não seja o dono do negócio. Não havendo culpa do gestor, cabe ao dono que se volte contra esse terceiro.

A respeito da urgência, reporta-se o art. 870. Tem-se por gestão útil aquela dirigida a acudir prejuízos iminentes, ou que redunde em proveito do dono do negócio, ou da coisa. Enfatiza, porém, o dispositivo que “a indenização ao gestor excederá, em importância, às vantagens obtidas com a gestão”. Enfatiza-se aí que a lei procura afastar qualquer caráter especulativo na gestão, ao lado do espírito da coibição de injusto enriquecimento, cuja noção integra inelutavelmente a gestão.

Admitindo a gestão e fixando o valor a pagar ao gestor, o dono do negócio deve assumi-lo, liberando o gestor.

O dono apenas poderá recusar-se a ratificar ou a reembolsar se demosntrar que a gestão foi contrária a seus interesses, nos termos no art. 874. Nada impede que a aprovação seja parcial. O reembolso será avaliado até o limite da utilidade, do justo proveito.

Dispõem o art. 873 que a ratificação pura e simples por parte do dono do negócio retroage ao dia do começo da gestão, e produz todos os efeitos do mandato. Portanto, com a aprovação da lei, presume que tenha havido mandato. Fora daí, desaprovada a gestão por contrária aos interesses do gestor, o Código manda que se apliquem os arts. 862 e 863, com a observação do estabelecido nos arts. 869 e 870. É mantido o mesmo princípio no Código em vigor. Em outros termos, havendo ratificação, aplicam-se os princípios do mandato. Sem ela, os princípios são aqueles especificados nas disposições do Código acerca da gestão de negócios. Por essa razão, referimo-nos ao divisor de águas que é a aprovação ou rejeição da gestão pelo dono.

A ratificação tem o condão de transferir ao dono os atos praticados pelo gestor. Constitui por si mesma um negócio jurídico unilateral irrevogável. Pode ser expressa ou tácita, decorrendo nessa hipótese de atos inequívocos do “dominus”.

Somente o dono do negócio, ou seu representante legal, ou com poderes especiais, pode ratificar a gestão. Se o dono é pessoa jurídica, a ratificação deve ser formalizada pelo órgão que a represente.

A morte do gestor extingue a gestão. Nada impede que a gestão seja exercida por pessoa jurídica, cuja extinção equivale à morte de pessoa natural. No entanto, nesse caso, a gestão pode e, nos casos urgentes, deve continuar por meio dos membros da pessoa jurídica em extinção.

Todavia, a morte ou mudança de estado do dono do negócio, por vezes até desconhecida do gestor, não a extingue, estabelecendo-se aí relação jurídica do gestor com os herdeiros ou representantes.

O dono do negócio possui ação direta de gestão de negócios (“actio negotiorum directa”) para declarar-lhe a extensão e eventuais prejuízos. O gestor tem contra o dono a ação contrária de gestão (“actio negotiorum gestorum contraria”), na qual pode pedir o reembolso das despesas necessárias e úteis e respectivos juros. O gestor tem direito de retenção sobre os bens, objeto da gestão, até completar-se seu ressarcimento.

 

 

GESTÃO DE NEGÓCIOS NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

 

Aspecto interessante e passível de análise é a menção da gestão de negócios, de natureza material, no âmbito do direito processual civil. O Código de Processo Civil em seu art. 50 e seguintes preceitua o instituto da assistência, uma das formas de intervenção de terceiros, os quais não configuram como partes no processo.

A assistência é uma modalidade de intervenção espontânea de terceiros, a qual possibilita uma pessoa, alheia à demanda, de intervir no processo assistindo uma das partes, com o objetivo de obter sentença favorável à essa parte, que, consequentemente, será favorável ao terceiro.

O art. 52 dispõe que “O assistente atuará como auxiliar da parte principal, exercerá os mesmos poderes e sujeitar-se-á aos mesmos ônus processuais que o assistido”.

Parágrafo Único: “Sendo revel o assistido, o assistente será considerado seu gestor de negócios”.

Nesse sentido, a não contestação do assistido constitui revelia e, como consequência, o assistente assumirá sua posição no processo, tendo para ele todas os deveres e direitos decorrentes dos atos processuais, sendo considerado gestor de negócios do assistido revel, uma vez que o Código de Processo Civil fala em “consideração” do assistente como gestor de negócios, portanto, fica claro que não há relação de mandato, apenas a gestão de negócios tacitamente estabelecida.

 

JURISPRUDÊNCIA

 

1) EMENTA: RECURSO ESPECIAL - AÇÃO COBRANÇA - COBRANÇA DE VALOR REFERENTE À RELAÇÃO JURÍDICA DE GESTÃO DE BENS, NEGÓCIOS E INTERESSES ALHEIOS - INTERESSE DE AGIR - AUSÊNCIA, NA MODALIDADE ADEQUAÇÃO - EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM JULGAMENTO DE MÉRITO - NECESSIDADE -  INEXISTÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE QUE O VALOR COBRADOS VINCULA-SE, DIRETAMENTE, À GESTÃO DE NEGÓCIOS - MATÉRIA A SER TRATADA NO ÂMBITO DA AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS - NECESSIDADE - RECURSO IMPROVIDO. (STJ – REsp 1065257/RJ – Publ. 14/05/10).

 

I - A ação de prestação de contas consubstancia a medida judicial adequada para aquele que, considerando possuir crédito decorrente da relação jurídica consistente na gestão de bens, negócios ou interesses alheios, a qualquer título, para sua efetivação, necessite, antes, demonstrar cabalmente a existência da referida relação de gestão de interesses alheios, bem como a existência de um saldo (como visto, a partir do detalhamento das receitas e despesas), vinculado, diretamente, à referida relação;

II - In casu, nos termos exarados, ainda que se possa reconhecer, pelos elementos constantes dos autos, a existência de gestão de bens alheios pelos réus, em razão de outorga de mandatos (escrito e verbal), é certo inexistir qualquer vinculação entre os valores transferidos a um dos réus (bem como a um terceiro, estranho à lide, ressalte-se) aos mandatos referidos, ilação que somente poderá ser reconhecida na ação própria, qual seja, a ação de prestação de

contas;

III - A hipótese dos autos não trata de erro de procedimento (vale dizer, rito que não corresponde à natureza da causa), caso em que o Juiz poderia determinar sua conversão a um procedimento mais abrangente. Na verdade, o caso dos autos cuida de erronia sobre a própria ação, impropriedade que, de forma alguma, pode ser suprimida pelo magistrado, na medida em que este erro denota a ausência de uma das condições da ação, qual seja, o interesse de agir, na modalidade adequação, ensejando, necessariamente, a extinção do feito sem

julgamento do mérito;

IV - Recurso Especial improvido.

 

2) EMENTA: CONDOMÍNIO PRESTAÇÃO DE CONTAS- GESTÃO DE NEGÓCIOS. Decisão que manteve empresa corré, contratada como administradora, no pólo passivo Peculiar contexto fático que mais se aproxima da gestão de negócios, haja vista que a pretensa síndica, que realizou tal contratação, foi eleita em assembléia anulada judicialmente, porém pendente de apelação recebido no duplo efeito, passando a administrar o condomínio paralelamente à verdadeira ocupante do cargo Administradora, que, na prática, agiu conjuntamente com a pretensa síndica na gestão de negócio alheio, impondo-se, em tese, a solidariedade da responsabilidade pelos atos praticados por ela e pela administradora que contratou Inteligência dos arts. 861 e 867,parágrafo único, do Código Civil De qualquer forma, a gerência de negócios alheios vincula a administradora corré à obrigação de prestar contas Decisão mantida Recurso desprovido*

 

CONCLUSÃO

 

Por todo o exposto, concluímos que a modalidade gestão de negócios pertencente aos atos unilaterais, uma das fontes obrigacionais, é a intervenção não autorizada de uma pessoa (gestor de negócio) na direção dos negócios de uma outra (dono do negócio), feita segundo o interesse, a vontade presumível e por conta desta última.

Como todo fato jurídico, é revestida de pressupostos para sua configuração, como ausência de qualquer acordo entre gestor e dono do negócio, inexistência de proibição por parte do dono quanto à gestão de seu negócio, vontade do gestor em gerir o negócio e caráter necessário da gestão, licitude e fungibilidade do objeto da gestão de negócios.

Foram expostas também as consequências jurídicas da gestão de negócios, tais como as obrigações e direitos do gestor, deveres do dono do negócio para com o gestor e obrigações desses perante terceiro.

Paralelamente ao Direito material Civil, há a menção à gestão de negócios no Direito processual Civil, quando do instituto da assistência, modalidade espontânea de intervenção de terceiros, onde se verifica a consideração do assistente como gestor de negócios do assistido, quando este for revel.

Por fim, destacou-se algumas decisões dos tribunais para confirmar a gestão de negócios como fato jurídico presente no cotidiano das relações interpessoais.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – 3. Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. São Paulo: Saraiva, 27. Ed. 2011.

 

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Contratos em Espécie. São Paulo: Editora Atlas, 11. Ed. 2011.

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Ana Flávia Zóboli

Ana Flávia Zóboli

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