A solução de antinomias normativas entre o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor e as Convenções internacionais sobre transporte internacional de passageiros

12/04/2015 às 21:16
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Em caso de disposições conflitantes das normas internas e internacionais para o transporte de passageiros em voos internacionais, qual a norma que deverá prevalecer?

Como consequência do aumento exponencial de brasileiros se deslocando, seja por motivos profissionais, seja por lazer, para outros países, o uso dos meios de transporte aéreo aumentaram em proporção semelhante. Uma vez que o uso desse tipo de serviço aumenta, por certo, o número de demandas correspondentes também aumentará. Quando esse serviço é prestado para traslados domésticos, não resta dúvidas que a norma interna será aplicada, mas em caso de disposições conflitantes das normas internas e internacionais para o transporte de passageiros em voos internacionais, qual a norma que deverá prevalecer?

Tradicionalmente, os autores internacionalistas dividem-se entre dualistas e monistas. Para os dualistas, existiriam dois regimes distintos operando no direito, o interno e o internacional. Os autores monistas, por sua vez, dividem-se entre nacionalistas e internacionalistas. O monismo nacionalista, apesar de pregar a ligação entre as normas de direito interno e externo, prega o primado da norma interna sobre a externa, sobretudo no que tange aos temas constitucionais. O internacionalista, por sua vez, além da mencionada ligação, prega a supremacia do direito interno sobre o internacional, devendo este prevalecer em caso de choque entre ambos.

Sobretudo após a Segunda Guerra Mundial e dos seus horrores que o mundo tomou conhecimento, as normas internacionais passaram a ser o grande baluarte de defesa dos direitos universais, notadamente os Direitos Humanos e Ambientais, anteriormente relegados a segundo plano. Note que esse conjunto de normas internacionais formam a base para que esses bens universais sejam garantidos em todo o globo, bem como abrem a possibilidade para que, através dos institutos jurídicos internos, eles possam tomar corpo, adequando-se as demandas e particularidades locais.

Sendo assim, mesmo com o posicionamento jurisprudencial brasileiro firmado no sentido de um dualismo moderado, observa-se que com a ascensão dos “novos temas” a partir da segunda metade do século XX (HOBSBAWM, 2010, p.257), a doutrina aponta que, aos poucos, essa posição pode ser modificada, provavelmente através da adoção do monismo internacionalista.

Hierarquia entre normas internacionais e interna e a solução de antinomias

Havendo uma antinomia jurídica entre norma interna e internacional, o interprete deve solucioná-la. Para tanto, deve fazer uso dos métodos tradicionais de solução de antinomias, são eles os critérios cronológico, hierárquico e da especialidade. Pelo critério cronológico, a lei posterior, ou seja, mais recente, prevaleceria sobre a anterior (lex posterior derogat priori). O critério hierárquico prevê que, entre duas normas incompatíveis, a de superioridade hierárquica irá prevalecer (lex superior derogat inferiori). Por fim, o critério da especialidade prevê que uma norma especial, ou seja, especialmente desenvolvida para abordar aquele tema específico, prevalece sobre a norma geral, de conteúdo mais genérico (lex specialis derogati generali).

Esses mesmo critérios, tradicionalmente desenvolvidos para a solução interna de antinomias, devem ser usados no caso de antinomias entre as normas do direito pátrio e externo. Mas, para isso, é preciso definir se, de fato, existe uma antinomia e qual a forma adequada para sua solução. Sendo assim, precisamos fazer uma breve análise sobre os debates acerca da hierarquia de uma norma internacional dentro de um ordenamento jurídico.

No Brasil, vigora o sistema conhecido como treaty override, ou seja, caso um tratado internacional que foi corretamente recepcionado pelo direito brasileiro verse sobre uma matéria já tratada por alguma lei interna sobre o mesmo assunto, esse tratado irá, automaticamente, revogar automaticamente a legislação anterior, seguindo o mesmo sistema de revogação do direito interno. Essa revogação poderá ser expressa, caso ela seja tratada pelo novo instrumento normativo, ou tácita, nos casos em que, mesmo não se falando expressamente em revogação, o tratado aborde a mesma matéria tratada pela legislação anterior. Da mesma maneira, esse novo tratado poderá impor uma derrogação, uma mudança legislativa parcial, ou ab-rogação, uma revogação total.

Tendo tratado do sistema de transição normativa adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, no que tange a sua relação interna e externa, é pertinente fazer, no momento, uma análise sobre a hierarquia conferida por esse mesmo ordenamento jurídico aos tratados internacionais quando relacionados com as normas internas.

Até como uma forma de se estabelecer um padrão lógico entre o sistema do treaty override adotado pelo sistema jurídico brasileiro, o Supremo Tribunal Federal – STF, desde o julgamento do Recurso Extraordinário 80.004/SE em 01 de junho de 1977 entende que os tratados em geral possuem o mesmo grau hierárquico conferido pelo ordenamento interno às leis ordinárias. Desde então, a concepção conhecida como monista moderada  tem sido o entendimento prevalente na Suprema Corte pátria.

O fundamento legal desta paridade jurídica é encontrada na própria Constituição Federal. O art. 84, nos incisos VII e VIII conferem ao chefe do poder executivo a atribuição de realizar em nome da República Federativa do Brasil suas relações internacionais, incluindo, portanto, a assinatura de tratados. Da mesma forma que a Constituição Federal confere ao Poder Legislativo a competência para a elaboração das leis, atribui ao Poder Executivo, na figura de seu Chefe, a possibilidade de produzir norma através da assinatura de acordos internacionais.

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Mesmo mantendo a paridade hierárquica entre leis internas e tratados em geral, o STF modificou, a partir do voto do Ministro Sepúlveda Pertence no RHC79.785/RJ, seu posicionamento em relação aos tratados internacionais sobre direitos humanos. A partir do mencionado voto, criou-se um paradigma na suprema corte sobre uma nova orientação a ser utilizada nos voto desta casa. A partir desse momento, os tratados de direitos humanos passaram a ter caráter supralegal, ou seja, a serem reconhecidos como sendo hierarquicamente superior às leis, porém inferior as normas constitucionais.

Complementando a disciplina da matéria, com a edição da Emenda Constitucional nº 45/04, introduziu-se no texto constitucional uma nova forma de modificação do texto constitucional. Desde que aprovada em duas votações por ambas as casas do Congresso Nacional, tendo obtido uma provação de três quintos de seus respectivos membros, ou seja, desde que seja submetido ao mesmo corum exigido no geral para a elaboração de uma emenda à constituição, um tratado que verse sobre direitos humanos poderá ter hierarquia constitucional (art. 5º, §3º CF).

Sintetizando, atualmente, a jurisprudência do supremo confere aos tratados internacionais, desde que devidamente ratificados, a mesma posição hierárquica das leis ordinárias, mas caso esses tratados versem sobre direitos humanos eles serão, automaticamente, considerados supralegais, ou seja, superiores às leis, mas inferiores à constituição. Reconhece-se, ainda, a possibilidade de que os tratados sobre direitos humanos possuam status constitucional, mas, para isso, é necessário que ele seja submetido ao Congresso Nacional e enfrente o mesmo corum estabelecido para a elaboração de uma Emenda Constitucional.

O direito interno e as convenções internacionais. Norma aplicável aos casos de antinomia entre norma interna e externa em relação ao transporte de passageiros.

Para regular a matéria, foi assinada em 12 de outubro de 1929 a Convenção de Varsóvia,. O tratado em comento regulou, em caráter oneroso ou gratuito, todo transporte internacional de pessoas, bagagens ou mercadorias realizado por aeronaves e operado através de companhias aéreas, sendo irrelevante se o transporte fosse realizado em sua totalidade ou parcialmente por diversas companhias aéreas. Tal interpretação pode ser realizada através da análise do artigo primeiro do mencionado instrumento.

A Convenção de Varsóvia foi ratificada pelo Brasil em 24 de novembro de 1931, através do Decreto nº 20.704, devendo ser cumprida nos termos em que foi acordada, ou seja, foi aceita sem reservas pelo governo brasileiro. Sendo assim, a partir deste momento, esse instrumento legal passou a regular a matéria em questão.

Ocorre que, com a edição do CDC em 1990 (Lei nº 8078), surgiu a dúvida se a mencionada convenção deveria continuar regendo o transporte aéreo de passageiros ou se esse novo instrumento legal teria tomado para si esse papel.

Como o CDC regula as diversas modalidades de relação consumerista, é mais geral que a Convenção de Varsóvia que regula, apenas, a questão do transporte aéreo de passageiros, bagagens e mercadorias. Sendo assim, este instrumento legal é mais especial que aquele, devendo prevalecer por conta desta sua especialidade.

Posteriormente a Convenção de Varsóvia foi modificada por instrumento próprio. Protocolo de Montreal foi assinado em 28 de maio de 1999, tendo sido ratificado pelo governo brasileiro em 27 de setembro de 2006 através do Decreto nº 5910.

O Supremo Tribunal Federal, recentemente, manifestou-se sobre a matéria em duas oportunidades, no RE 636331/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, e ARE 766618/SP, rel. Min. Roberto Barroso, 8.5.2014. Em ambos os casos, os supracitados relatores reafirmaram o posicionamento apresentado acima de que a Convenção de Varsóvia, juntamente com seus protocolos adicionais posteriores deveria ser utilizado, pelas razões já apresentadas, como instrumento legislativo regulador da matéria em questão.

REFERÊNCIAS

HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX. 2.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

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