O significado da filosofia e sua importância na formação dos profissionais do Direito

16/04/2015 às 10:48
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O direito e sua ligação com a filosofia.

Reflexão sobre o direito e a filosofia, suas complexidades, paralelos e discordâncias são, talvez, tão antigos quanto a própria existência humana. Já na Bíblia há o relato do julgamento de Salomão, Antígona de Sófocles discutia entre aplicabilidade da lei humana ou divina, Platão e Aristóteles na Grécia dedicaram especial estudo sobre estes questionamentos, São Tomás de Aquino, Shakespeare em O Mercador de Veneza, dentre outros. Se o assunto é estudado há muito tempo, a contemporaneidade também dedica grande esforço para aprimorá-lo, dentre os estudiosos temos Dworkin, Habermas, Hart, Alexy, Rawls dentre tantos outros.[2]

 A passagem do mundo do mito à razão traz grande impulso para a filosofia, se não é seu marco, é seu nascimento. Há o nascimento da escrita, da moeda, a possibilidade de então se transmitir conhecimento com maior segurança, abandonando, assim, explicações e respostas das questões existenciais somente com mito, sem razão ou preocupação com verdades.

Os primeiros filósofos foram classificados como os pré-socráticos e viveram por volta dos séculos VI e V a.C., dentre eles destaca-se Tales, Anaximandro e Heráclito. Procuram eles a racionalidade constitutiva do Universo e buscavam o princípio (a arché) de todas as coisas, o fundamento do ser.

Aristóteles de forma categoria já dizia que Se se deve filosofar, deve-se filosofar e, se não se deve filosofar, deve-se filosofar; de todos os modos, portanto, se deve filosofar[3]. A filosofia pode ser caracterizada como a procura amorosa da verdade. Para o filósofo de grande importância é a inquietação, a epifania, a admiração. Foucalt salienta e indaga o que é a filosofia senão trabalho crítico do pensamento sobre o próprio pensamento?[4]

Verifica-se então que filosofia esta ligada ao pensamento crítico, à racionalidade e busca a luz, como já bem dizia Platão no mito da caverna. A Filosofia tem ligação com sabedoria e, principalmente, com o espanto, com epifania, pois certamente que deixa de se espantar com à vida, certamente deixa de filosofa, existe, mas não coexiste. 

Ainda sobre o tema, Hannah Arendt afirma que o abismo entre filosofia e política abriu-se com o julgamento e a condenação de Sócrates, assim como o julgamento de Jesus constitui um marco para a religião. O fato de Sócrates não conseguir persuadir os juízes de sua inocência fez com que Platão duvidasse da validade da persuasão (peithein) que tem origem no significado de falar sem uso da violência. Ao que parece, então, a cidade não precisava de um filósofo. Essa foi a tragédia atestada na doutrina de Platão.[5]

Quando Platão reivindicou o governo para os Filósofos, ele afirmou que somente os filósofos poderiam ter a ideia do bem e se opôs a Polis em dois aspectos: primeiro, que pelo fato do filósofo ter preocupação com coisas eternas não o torna inútil; segundo, sustentou que as coisas eternas seriam mais valiosas que as belas.

O espanto que o homem experimenta não pode ser descrito por palavras. Esse espanto é o início da filosofia. Para Aristóteles a verdade última está além das palavras. Para ele, o recipiente da verdade é nous, o espírito, cujo conteúdo e sem logos. Algumas perguntas últimas não podem ser respondidas cientificamente, como quem é o homem? Qual o significado da vida? O que é a morte?

É a experiência do nada saber de Sócrates que faz surgir as perguntas últimas. A ciência faz perguntas respondíveis, ao contrário da filosofia. Se o homem perdesse a capacidade de fazer perguntas não respondíveis, perderia também a capacidade de fazer perguntas respondíveis, o que significaria o fim da ciência.[6]

Cecília Pires afirma ainda que a filosofia é a possibilidade de um pronunciamento sábio a partir das inquietações humanas; discorre ela também sobre o sentido do saber, sendo necessário, para ela, saber para ser feliz, pois a felicidade resulta da sabedoria.[7]

Questiona-se então o que seria a filosofia do direito. É esta uma disciplina do âmbito da filosofia; é espécie do gênero e seu objeto de estudo é o direito. Há o interesse com ela de discutir as grandes questões filosóficas, tais como o que é justo, o que é liberdade, autonomia, o que é poder, lei, dentre tantas outras.[8] Para Alysson Leandro Mascaro a Filosofia do direito nada mais é do que a filosofia geral com um tema específico de análise, o direito.[9]

Habermas em 1992 no prefácio de sua obra Direito e Democracia, entre factividade e validade, já afirmava que na Alemanha a filosofia do Direito não é mais tarefa exclusiva dos filósofos. Para Habermas a filosofia do direito exige um pluralismo de procedimentos metodológicos, com perspectivas da teoria do direito, sociologia do direito, história do direito, teoria moral e teoria da sociedade.[10] Neste sentido também Hannah Arendt afirma que a pluralidade do homem não pode ser inteiramente abolida; e é por isso que a saída do filósofo da esfera da pluralidade é sempre uma ilusão: ainda que eu tivesse que viver inteiramente sozinho, estando vivo, eu viveria na condição de pluralidade.[11]

Verifica-se que essa visão contemporânea de Habermas é o oposto da proposta por Kelsen em Teoria Pura do direito, pois a obra foi escrita em um movimento de tentativa de purificação do direito. O mundo jurídico, na ocasião, era cercado por psicólogos, economistas, políticos e sociólogos. A tentativa do doutrinador era livrar o direito de elementos metajurídicos e, assim, criar uma teoria pura do direito

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Já relatamos aqui que a filosofia nasce com a criação da escrita, dessa passagem do mito para a razão, assim também descreve Habermas ao comentar sobre os pontos da Teoria do Agir Comunicativo, que a relação entre factividade e validade após a guinada linguística, a qual surge inicialmente no nível elementar da formação dos conceitos e dos juízos.[12]

Em obra específica sobre o tema, Miguel Reale aponta que Filosofia do Direito, na acepção lata, pode abranger a indagação sobre o valor e a função das normas que governam a vida social no sendo do justo. Para o doutrinador tem o instituto ligação com o pensamento filosófico da realidade jurídica. Ainda para ele, ao cuidar o filósofo das questões pertinentes ao ser ou à existência do homem, não pode deixar de focalizar a problemática jurídica.[13]

Acreditamos que a filosofia do direito tem foco muito mais amplo do que a realidade jurídica, pois a realidade pode ser falha, injusta, com valores distorcidos. Tem este instituto então preocupação além do real, da realidade, pois sua pretensão é maior, é com o universal, com a justiça em sua essência. A realidade pode ser útil para uma leitura atual, mas seu objeto de estudo deve ir além.

Ainda para Miguel Reale é por fonte inspiradora do criticismo Kantiano que se esboça a passagem do estudo do Direito Natural para o estudo da Filosofia do Direito. Com essa passagem, dentre outras, o termo Filosofia do Direito ganhou status próprio e suscitou uma séria de outros questionamentos. Os principais questionamentos dos filósofos do direito se referem ao conceito de Direito, à ideia de Justiça e à respectiva integração no plano histórico.[14]

Para Rogério Moreira Orrutea importante haver uma evolução constante, pois a filosofia não está estagnada em determinado conceitos (esse é o espírito filosófico). Para Cecília Pires o sujeito da pergunta torna-se um novo aprendiz e peregrina pela estética da alegria como um dos pilares da paz.[15]

Para a Filosofia é necessário haver questionamentos. Rogério Moreira Orrutea afirmar que a filosofia comparece mediante perguntas[16].  Bela passagem sobre esse tema é descrito em livro intitulado Ei! Tem Alguém ai? de Jostein Gaarder; nele duas crianças conversam e um diz que a gente nunca deve dar passagem para uma resposta; a outra criança então questiona, por que não? E ouve: a resposta é sempre um trecho do caminho que está atrás de você. Só uma pergunta pode apontar o caminho para frente. Diante da resposta a criança então pensa: Achei que havia tanta sabedoria nas suas palavras que precisei segurar bem firme meu queixo para não fazer outra reverência.[17]

REFERÊNCIAS.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda, MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando. Introdução à Filosofia. 3 ed revista. São Paulo: Moderna. 2003.

ARENDT, Hannah. A Dignidade da Política: ensaios e conferências. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1993.

DUTRA, Delamar José Volpato. Manual de Filosofia do Direito. Caxias do Sul, RS. Edcus 2008.

HABERMAS, Jûrgen. Direito e Democracia, entre factividade e validade. Rio de Janeiro: tempo Brasileiro, 2012.

GAARDER, Jostein. Ei! Tem Alguém ai? São Paulo. Companhia das Letrinhas, 1997.

MASCAR, Alysson Leandro. Filosofia do Direito. São Paulo. 2º ed. 2012.

ORRUTEA, Rogério Moreira. Curso de Filosofia Do Direito. Curitiba, Juruá, 2012.

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

PIRES, Cecília. Filosofia, como Pronunciá-la? In: HELFER, Inácio; ROHDEN, Luiz; SCHEID, Urbano; CANDIDO, Celso. O que é filosofia? São Leopoldo/RS: Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2003.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito / Hans Kelsen; tradução João Baptista Machado. 6ª ed. - São Paulo : Martins Fontes, 1998.

KELSEN, Hans. Pure Theory of Law / Hans Kelsen; Edition 1978.        


{C}[2]{C} Delamar José Volpato Dutra. Manual de Filosofia do Direito. 2008:16

{C}[3]{C} Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins. Filosofando. Introdução à Filosofia. 2003:88

{C}[4]{C} Foucalt, apud Celso Candido. A Filosofia Hoje. 2003:52

{C}[5]{C} Hannah Arendt. A Dignidade da Política. Ensaios e conferências. 1993:91

{C}[6]{C} Hannah Arendt. A Dignidade da Política. Ensaios e conferências. 1993:112

{C}[7]{C} Cecília Pires. Filosofia, como Pronunciá-la. 2003:39

{C}[8]{C} Delamar José Volpato Dutra. Manual de Filosofia do Direito. 2008:18

{C}[9]{C} Alysson Leandro Mascar. Filosofia do Direito. 2012:10.

{C}[10]{C} Jûrgen Habermas. Direito e Democracia, entre factividade e validade. 2012:9

{C}[11]{C} Hannah Arendt. A Dignidade da Política. Ensaios e conferências. 1993:101

{C}[12]{C} Jûrgen Habermas. Direito e Democracia, entre factividade e validade. 2012:27

{C}[13]{C} Filosofia do Direito. Miguel Reale. 1999:286.

{C}[14]{C} Filosofia do Direito. Miguel Reale. 1999:287/291.

{C}[15]{C} Cecília Pires. Filosofia, como Pronunciá-la. 2003:51

{C}[16]{C} Rogério Moreira Orrutea. Curso de Filosofia Do Direito. 2012:16.

{C}[17]{C} Jostein Gaarder. Ei! Tem Alguém ai? 1997:28

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Sobre o autor
Bruno Fuga

Advogado e Professor. Doutor em Processo Civil pela PUC/SP. Mestre em Direito pela UEL (na linha de Processo Civil). Pós-Graduado em Processo Civil (IDCC). Pós-Graduado em Filosofia Política e Jurídica (UEL). Membro da academia londrinense de letras (cadeira n.º 32). Conselheiro da OAB de Londrina. Membro ABDPro, IBDP e IDPA. E-mail: [email protected]

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