Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica

16/04/2015 às 11:51
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O presente estudo traz à baila um tema que há tempo vem sendo discutido no ordenamento e que ainda se encontra em aberto no Brasil. Principalmente no que tange à responsabilização penal da pessoa jurídica nos crimes contra a ordem econômico-financeira.

1. Introdução

A priori, a resposabilidade penal da pessoa jurídica surge, principalmente, para coibir crimes que se denominam como macrocriminalidade, denominação, esta, mencionada por poucos doutrinadores. A macrocriminalidade vem sendo estudada pelo Direito Penal - principalmente Penal Ecnômico - e conhecida também pelas denominações “crime organizado” e “crime do colarinho branco”.

Crimes deste gênero não atingem uma pessoa, mas sim uma sociedade, eis sua repercussão ante a seara penal econômica; e vem atingindo cada vez mais não apenas um meio em sí, mas um caráter transnacional devido à globalização, e todos os meios de comunicações existentes; que, via de regra, são práticados por meios de transações bancárias, burlando o fisco, feitas por meio de pessoas jurídicas através de seus prepostos, sócios e administradores.  

Nesta esteira, estamos diante de um tema que é controvertido e ainda não tem o amparo jurídico necessário. A Lei Maior traz em seu artigo 225 a previsão de que se pessoas jurídicas ou físicas que tiverem condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sofrerão sansões penais, isso abre um precedente para que as pessoas jurídicas também sejam responsabilizadas penalmente. Como sabemos (isso é óbvio), pessoas jurídicas não podem ser presas, pois são fictas, então sofrerão as sanções que a elas cabem como: restrição de direitos, prestação de serviços a comunidade e multa.

Com a globalização e a abertura do mercado econômico brasileiro ao mundo, muitas multinacionais vieram se instalar aqui, isto trouxe benefícios e malefícios a nossa sociedade. Um dos malefícios foi o avanço dos crimes societários. Estes crimes são cometidos pelos gestores das empresas ou por seus prepostos. Hoje está em vigência a responsabilização dos agentes infratores e não da empresa em si. Como o direito brasileiro não contempla esta possibilidade, ficamos a mercê de estrangeiros que comandam suas empresas através de outras pessoas e o poder judiciário brasileiro não consegue alcançar estas pessoas porque muitas vezes ficamos presos a problemas penais e processuais. Estes trâmites, embaralhados muitas vezes, são uma arma de evasão para os dirigentes das multinacionais. A falta de legislação sobre a matéria possibilita que tudo isso aconteça diante de nossos olhos sem que possamos fazer algo.

Embora clara a possibilidade de responsabilizar penalmente a pessoa jurídica no âmbito dos crimes ambientais, a situação muda quando se trata de crimes contra a ordem econômica. No art. 173, § 5º, da Lei Maior de 1988, percebe-se que não existe previsão constitucional expressa, pois a regra estabelece que: “A lei sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular”.

Assim podemos pensar que não há a possibilidade de responsabilizar penalmente as empresas por outros ilícitos que não os ambientais em virtude do silêncio da Lei Maior, como podemos entender exatamente o contrário, baseados na interpretação extensiva. Há que se ressaltar também a necessidade da legislação infraconstitucional regulamentar tais dispositivos constitucionais, pois, como a lei ambiental, novas leis deveriam ser criadas para coibir tais ilícitos, principalmente, dos crimes contra a ordem econômica.

Com um pensar mais conservador, alguns doutrinadores mostram-se silentes no que tange a esta responsabilidade, alegando, principalmente, que as pessoas jurídicas carecem de vontade e liberdade psicológica para agir, mostrando-se ineficaz falar em responsabilidade penal já que são fundamentos básicos do elemento do tipo, dolo ou culpa.

Com o aumento dos crimes relacionados às sociedades e o crescente desvirtuamento da figura da pessoa jurídica para ocultar crimes cometidos por seus controladores, FERRAZ (1976, p.88) mostra-nos que:

Entre as formas de criminalidade típicas do nosso tempo assumem  lugar e relevo os chamados ”crimes societários”, praticados não por pessoas que se unam para o fim de cometer infrações, como no caso da societas sceleris tratado no capitulo anterior, mas por aquelas que, dentro de uma sociedade legalmente constituída, praticam uma ou mais infrações no exercício das respectivas funções.

Portanto; é necessário compreender a realidade para moldar a interpretação jurídica. Em outro aspecto GIORGI  (p. 63-4, apud FERRAZ, 1999, p.20) ensina que:

Uma sociedade possui vida diferente de seus membros. De fato, o reconhecimento a um grupamento de personalidade confere uma vida jurídica diversa. Personificadas, as pessoas jurídicas tornam-se entidades autônomas, inteiramente distintas das pessoas físicas que as compõem.

 O que desde logo cumpre observar é que o direito está sempre em transformação e os legisladores devem acompanhar esses novos rumos em que a sociedade vem se amoldando cuja transformação muitas vezes vai pairando à beira do abuso, in casu, abuso econômico, desvirtuamento de capitais devidos ao Estado e assim por diante.

2. Conceito de Pessoa Jurídica

A existência ou não da pessoa jurídica começou a ser debatida com as teorias negativistas (negam sua existência) e com as teorias afirmativistas (afirmavam sua existência).

Dentro da teoria negativista, negando autonomia existencial à pessoa jurídica, o seu precursor Ihering argumentava que os verdadeiros sujeitos de direito seriam os indivíduos que compõem a pessoa jurídica, de maneira que esta serviria como simples forma especial de manifestação exterior da vontade dos seus membros.

Noutro viés, temos as teorias afirmativistas, como, por exemplo, a teoria da ficção jurídica, tendo como precursor principal Savigny. Essa teoria não reconhecia existência real à pessoa jurídica, imaginando-a como abstração, mera criação da lei. Seriam pessoas por ficção legal, uma vez que somente os sujeitos dotados de vontade poderiam, por si mesmos, titularizar direitos subjetivos.

Ainda dentro das teorias afirmativistas, a teoria da realidade objetiva (organicista) preconizada por Gierke, aponta em sentido contrário. Para seus adeptos, a pessoa jurídica não seria mera abstração ou criação da lei. Teria existência própria, real, social, como os indivíduos.

Sem muitos pormenores, tomemos o conceito de pessoa jurídica.

Pessoa jurídica nada mais é do que todo ente formado pela coletividade de pessoas ou de bens que adquirem uma personalidade jurídica própria, por força do que determina a lei.

Nesta esteira, as pessoas jurídicas, assim como as pessoas naturais também são titulares de direitos, deveres e obrigações, observe-se que as pessoas jurídicas constituem segundo GIORGI. apud SANCTIS (1999, p. 06) uma ¨unidade jurídica que resulta de uma coletividade humana ordenada de maneira estável para uma ou mais finalidades de privada ou pública utilidade: porquanto é distinta de cada um dos indivíduos que a compõem, e dotada de capacidade de possuir e de exercer adversus omnes os direitos patrimoniais, de acordo com a natureza, com o subsidio e o incremento do Direito Público¨.

No mais, do mesmo modo que a pessoa natural possui um ciclo próprio de existência, que se inicia no momento do nascimento com vida, também a pessoa jurídica possui o seu ciclo de existência, que se inicia com o registro de seus atos constitutivos. Ainda neste molde, ALVES e DELGADO (2005, p. 48) ensinam que¨o registro da pessoa jurídica tem natureza constitutiva, por ser atributo de sua personalidade¨.

 3. A responsabilização da pessoa jurídica como meio de impedir a impunidade

 Para a maior parte dos juristas, as pessoas jurídicas (sociedades, corporações e associações) não cometem crimes e conseqüentemente não estariam sujeitas a sanções penais.

Segundo estes juristas, a responsabilização cairia sobre os membros da sociedade de acordo com os cargos e as posições que eles ocupam dentro da sociedade. Dessa forma, FERRAZ (1976, p. 100) ressalta que “os penalistas pátrios recusam-se a admitir a doutrina unitária do crime societário. Daí haverem-no definido ressaltando sempre, em termos de imputabilidade e responsabilidade, as pessoas físicas que figurem como seus mandatários”.

Destarte, não podemos ignorar a realidade social e nos basear em um realidade social ultrapassada, uma vez que o surgimento de novos instrumentos de repressão criminal para os ilícitos de grande repercussão econômica são imprescindíveis, principalmente se levarmos em conta o tamanho do dano que estes delitos alcançam.

Assim, de forma concisa, Sanctis (1999, p. 02) mostra-nos que:

"A responsabilidade penal das pessoas jurídicas deve, portanto, ser instituída como forma de aperfeiçoamento do sistema punitivo, para evitar que pessoas inocentes, ou que se prestam a instrumento, sejam as únicas atingidas pelos atos que beneficiam os entes coletivos".

No mais, Sanctis (1999, p. 40/41), analisou-se a necessidade de responsabilizar as pessoas jurídicas como meio de impedir a impunidade, haja vista a dificuldade encontrada em se determinar os agentes responsáveis pelos ilícitos quando estes se revestem da figura societária.

A Lei nº 8.884/1994 mostra uma concepção que busca a punição de pessoas jurídicas como forma de reparar o dano causado por estas à sociedade. Assim, a punição é adotada com a função tríplice: repreender, prevenir e retribuir.

Franceschini (1996, p. 47), defende que a Lei nº 8.884/1994, considerando o principio Lex Posterior Derogat Priori, derrogou a Lei nº 8137/1995. Dessa forma, o processo administrativo na esfera antitruste assume também caráter penal, não sendo possível a instauração de inquérito policial, na mesma medida em que isso representaria bis in idem.

Para Franceschini, o direito da concorrência é um ramo do Direito Penal econômico, submetendo-se aos princípios do Direito Penal. Por isso, o art. 20 da Lei em questão lista os crimes, sendo o art. 21, por sua vez, uma lista meramente exemplificativa do disposto no anterior. A empresa seria criminalmente responsável pelas condutas, não apenas seus dirigentes.

Podemos ver isso nos casos de cartéis em que subsidiariamente as parent companies também são responsabilizadas sem se ater apenas a pessoa física responsável. Conforme explica Forgioni (2008, p. 152-153):

No que tange à responsabilidade da empresa mãe pelos atos das controladas, o art. 17 da Lei nº 8.884, de 1994, consolidou a tradição européia de responsabilizar também as parent companies por atos subsidiários, valendo-se da construção doutrinaria da unique economic entity. Considera-se, então, as empresas integrantes de um grupo econômico como o mesmo ente, para fins de aplicação da Lei Antitruste.

Porém há quem busque pela não aplicação desta responsabilidade penal às pessoas jurídicas, invocando diversas teorias de responsabilidade, contrarias a aplicação, e mais, para os que conflitam, dizendo que fere o princípio isonômico, Sanctis (1999, p. 62), traz à baila que:

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Não se pode alegar, ainda, que a responsabilidade criminal das pessoas jurídicas fere o princípio constitucional da isnomia, porque a persecução penal se voltaria apenas aos entes coletivos, deixando de lado os infratores, membros daqueles.

Com a Constituição de 1988, a responsabilidade penal da pessoa jurídica passou a ser realidade, isso porque previu em seu art. 173, §5 e no art. 225, §3º, a responsabilidade da pessoa jurídica independentemente da pessoa física.

Não por outro motivo, em 1998 foi editada a Lei dos Crimes Ambientais com previsão expressa, no art. 3º, da responsabilidade penal da pessoa jurídica em sede de crimes ambientais.

A jurisprudência hodierna tem cada vez mais se mostrando em favor da responsabilização penal da pessoa jurídica. Prova disso é a mitigação que vem ocorrendo em face da teoria da dupla imputação.

Sabe-se que a dupla imputação nada mais é que condicionar a punição da pessoa jurídica a da pessoa física.

Convém anotar que havendo a punição tanto da pessoa física (administrador, gerente, diretor), como da pessoa jurídica, não há falar em bis in idem, porque estamos a falar de duas pessoas distintas, hodiernamente, uma agindo por meio da outra, Sanctis, (1999, p. 135), exalta que:

A eventual aplicação de sanções à pessoa jurídica e, também, às pessoas físicas integrantes desta não pode caracterizar dupla punição por um mesmo ato delituoso. Não se cuida, portanto, do bis in idem, mas apenas da aplicação de penas a duas pessoas distintas que coexistem.

No entanto, essa dupla imputação ou concurso necessário que antes era amplamente defendido pelos tribunais tem deixado de ser algo certo/concreto, pois, como dito, houve uma mitigação. Explico.

Em 2011, no informativo 639, do Supremo Tribunal Federal, o pretório excelso decidiu que a pessoa jurídica pode ser condenada mesmo havendo a absolvição da pessoa física, in verbis:

 

É possível a condenação de pessoa jurídica pela prática de crime ambiental, ainda que haja absolvição da pessoa física relativamente ao mesmo delito. Com base nesse entendimento, a 1ª Turma manteve decisão de turma recursal criminal que absolvera gerente administrativo financeiro, diante de sua falta de ingerência, da imputação da prática do crime de licenciamento de instalação de antena por pessoa jurídica sem autorização dos órgãos ambientais. Salientou-se que a conduta atribuída estaria contida no tipo penal previsto no art. 60 da Lei 9.605/98 (“Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente”). Reputou-se que a Constituição respaldaria a cisão da responsabilidade das pessoas física e jurídica para efeito penal (“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. ... § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”). RE 628582 AgR/RS rel. Min. Dias Toffoli, 6.9.2011. (RE-628582).

 

Nesse modo, não há que se falar em dupla imputação ao menos em sede de condenação, já que o presente julgado mostra claramente a condenação em face unicamente da pessoa jurídica. Isso denota a intenção dos tribunais em impedir, cada vez mais, a impunidade dos famigerados crimes do colarinho branco ou cifra dourada da criminalidade.

 4. Excludentes e extinção da punibilidade

No direito penal, aquele conhecido e aplicável às pessoas físicas, é de conhecimento de todos as excludentes elencadas no art. 23 do CP, como a legítima defesa; o estado de necessidade; em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito, conhecidas também como questões de antijuridícidade, quanto à aplicabilidade destas às pessoas jurídicas, mostra-se totalmente possível, pois é possível que uma pessoa moral aja em defesa de si mesma ou de um terceiro ou de seus bens (agindo a pessoa jurídica por meio de seus prepostor, por óbvio), neste sentido, Sanctis, (1999, p. 102-103), explica que é:

 

Perfeitamente possível a invocação da legítima defesa (defesa do patrimônio contra agressão), do estado de necessidade (deixar de pagar tributos, por enfrentar violenta crise, não provocada voluntariamente), do exercício regular de direito (defesa em esbulho possessório recente). O mesmo não se poderá dizer, porém, com relação ao estrito dever legal, que pressupõe no executor um funcionário público ou um agente público.

Assim, mostra-se totalmente possivel, ante os fundamentos supra a aplicação das hipóteses de exclusão de ilícitude, neste sentido, cumpre observar que não obstante haja a possibilidade de exclusão de ilícitude, também se mostra possível a extinção da punibilidade do ente coletivo, e nessa esteira Nucci, (2010, p. 925), assenta que:

 

se tal situação ocorrer, aplica-se, por analogia, o art. 107, I, do Código Penal (morte do agente), declarando-se extinta a punibilidade. Entretanto, se houver burla, dando-se por encerrada a atividade de determinada pessoa jurídica, ré em processo criminal, mas crinando-se outra, com exatamente os mesmos sócios e finalidades, é possível, em nosso entendimento, manter a ação penal.

 

     Em consonância com este seguimento, o mesmo autor, traz à baila que uma eventual burla ao direito de punir do Estado por parte da pessoa jurídica, como por exemplo: forjar a sua extinção, ou até mesmo no caso de entes coletivos de fato, Nucci, (2010, p. 925), expõe que:

 

se o magistrado, em caso de pessoa física, que simule sua morte, apresentando certidão falsa, descobrir a tentativa de engodo antes de declarar extinta a punibilidade, o processo criminal terá regular continuidade. Logo, não é crível que a pessoa jurídica possa simular sua ¨morte¨ e o juízo ser o obrigado a aceitar a extinção da punibilidade.

 

No que tange à pessoa jurídica despersonalizada, Nucci, (2010, p. 925), enaltece que:

 

extrai-se o mesmo critério utilizado para a pessoa física, cuja identidade é desconhecida ou falsa: ¨a impossibilidade de identificação do acusado com o seu verdadeiro nome ou outros qualificativos não retardará a ação penal, quando certa a identidade física. A qualquer tempo, no curso do processo, do julgamento ou da execução da sentença, se for descoberta a sua qualificação, far-se-á a retificação, por termo, nos autos, sem prejuízo da validade dos atos precedentes¨ (art. 259, CPP).

 

Denota-se, assim, que não há possibilidade de excludentes ou extinção da pessoa jurídica nos caso em que haja dolo, fraude e todos os meios árduos de burlar o ordenamento jurídico.

 5. Espécies de sanções aplicáveis às pessoas jurídicas

 A única lei prevendo, de fato, a responsabilidade penal da pessoa jurídica em nosso ordenamento jurídico, como já sedimentado anteriormente é a lei dos crimes ambientais, assim, as espécies de penas aplicáveis às pessoa jurídicas encontram-se acostadas no art. 21 da lei 9.605/98, (BRASIL, 1998), nota-se:

 

Art. 21. As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são:

I - multa;

II - restritivas de direitos;

III - prestação de serviços à comunidade.

 

Não obstante, é obvio dizer que algumas penas, pelo seu caráter de pessoalidade, não podem ser aplicáveis a uma pessoa jurídica, tendo em vista a natureza física dessa determinada pena, Sanctis, (1999, p. 139), corrobora trazendo à tona que:

 

Algumas penas de natureza puramente física, que procurem reprovar a conduta criminosa, são insuscetíveis de ser aplicadas aos entes coletivos. Como, por exemplo, a sanção de privação da liberdade ou outras que também atinjam a pessoa física, como desterro, degredo, confinamento etc.

 

Cumpre, agora, adentrar às penas em espécie, e detalhar cada uma delas para que se possa ver o caráter que cada uma estabelece para coibir a prática delituosa.

 

5.1 Penas pecuniárias e multas

Para Sanctis, (1999, p. 143), as penas pecuniárias ¨são aquelas que atingem o patrimônio da empresa, impondo uma diminuição material do ente coletivo.¨ Assim, há muito tempo já se estabelece um pensamento de que a parte frágil das pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas é o bolso, e aqui, sim, encontra-se uma das sanções de melhor feição na seara da responsabilidade penal da pessoa jurídica.

A pena pecuniária, conforme Martine Boizard, citado por Sanctis (1999, p. 144), é ¨uma diminuição ativo das empresas, de um lado, e em um enriquecimento do Estado, já que o produto das multas destina-se ao tesouro público e os bens confiscados, ao benefício do Estado.¨

Cumpre salientar que se de tal modo a sanção pecuniária vir a ser transferida a clientela da empresa, aos consumidores dos produtos fabricados por esta empresa, cabe ao juiz tomar uma decisão para apaziguar tal situação, neste sentido Sanctis, (1999, p. 144), expondo que ¨não se pode deixar de reconhecer ao juiz a faculdade de aplicação de um outro tipo de sanção aos entes coletivos, que não implique transferência de ônus a pessoas inocentes.¨

No que tange aos aspectos processuais dessas penas pecuniárias, insta salientar que estas não podem ser cobradas se o ente se torna insolvente ou vem a se extinguir sem deixar patrimônios, neste sentido, Nucci, (2010, p. 927), enaltece que:

 

Portanto, qualquer pena de caráter pecuniário aplicada à pessoa jurídica, caso ela se torne insolvente, não poderá ser executada – o mesmo se dá quando a pessoa física é, criminalmente, condenada ao pagamento de multa. A pena não passará da pessoa do delinquente.

 

Contudo, acerca da pena de multa, cumpre observar que se esta foi estabelecida não há falar em abatimento de um eventual crédito com o Estado, precisamente Sanctis, (1999, p. 146) traz à baila que:

 

Impõe-se considerar que no caso de pagamento de multa não se pode permitir a dedução fiscal de seu montante, por não cuidar de despesa justificável. Entendimento contrário levaria ao comprometimento da eficácia criminal desse tipo de sanção. Tal medida constiria em um non sens, já que o mesmo Estado, que puniu, não poderia aceitar o abatimento de tributo pelo pagamento de multa, uma vez que esta não teria mais qualquer efeito inibitório. Sem dúvida que desfigurada estaria a reprovabilidade da conduta.

 

Notadamente, em certos aspectos o Estado age de modo a reprender veemente as condutas ilícitas, in casu, sem estabelecer qualquer transação no tocante ao abatimento da pena de multa por créditos que eventualmente o infrator venha a ter venha a ter.

A pena de multa, segundo Mirabete, (2007, p. 289), ¨aponta-se como maior vantagem da pena pecuniária entre outras visto que não acarreta despesas ao Estado¨, assim, denota-se que nos crimes intitulados por macrocriminalidade (crimes do colarinho branco), notadamente, o estado agindo diretamente nas finanças de uma pessoa jurídica, certamente estaria ferindo a parte mais frágil deste entes.

Ainda neste contexto, Mirabete, (2007, p. 290), menciona que ¨a pena de multa consiste, nos termos da lei nova, no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa, sendo, no mínimo, de 10 e, no máximo, de 360 dias-multa.¨

Ao ser imposta uma pena de multa ao ente coletivo, com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória deve se observar o termo inicial para a correção monetária desta, precisamente Mirabete, (2007, p. 292), enaltece que:

 

Já se tem apontado como termo inicial da correção monetária a data do trânsito em julgado da sentença para as partes, momento em que a responsabilidade do réu se torna imutável e a sanção pecuniária devida e exigível.

 

Cumpre, agora, observar a cominação e aplicação da pena de multa, Mirabete, (2007, p. 293), expõe que ¨a multa pode ser uma sanção principal (ou comum) quando cominada abstratamente como sanção específica a um tipo penal, alternativamente ou cumulativamente com outra pena.¨

Ainda nessa esteira, Mirabete, (2007, p. 293), enaltece, trazendo à baila que ¨a multa poderá ser imposta também como pena substitutiva.¨ Assim, depreende-se que uma pessoa jurídica ao ficar impossibilitada de prestar, por exemplo, a pena de prestação de serviços à comunidade, à exemplo, a devida manutenção de espeças públicos, poderá então, ser aplicada a pena de multa, substituindo a pena de manutenção de espaços públicos, ante a impossibilidade de fazê-lo.

Quanto ao descumprimento da pena de multa, Sanctis, (1999, p. 146), é preciso:

 

O descumprimento de uma pena de multa, como se vê, não gera, em princípio, grandes dificuldades. O Estado, neste caso, poderá proceder à execução dos haveres sociais, da mesma forma que faria com relação às pessoas físicas inadimplentes.

 

No mais, conforme o Código Penal, (BRASIL. Decreto-Lei no 2.848, 1940, art. 50):

 

a multa deve ser paga dentro de 10 (dez) dias depois de transitada em julgado a sentença. A requerimento do condenado e conforme as circunstâncias, o juiz pode permitir que o pagamento se realize em parcelas mensais.

 

Notadamente, o legislador, não esconde esforços para fazer a pessoa condenada, in casu, pessoa jurídica, a pagar a multa a ela imposta, permitindo, inclusive, o seu fracionamente em parcelas mensais, como se denota do artigo supracitado.

 

5.2 Penas restritivas de direito

As penas restritivas de direito cominadas às pessoas jurídicas bem como o seu modo de aplicação estão acostados no art. 22 da lei 9.605/98, (BRASIL, 1998), e são elas:

 

Art. 22. As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica são:

I - suspensão parcial ou total de atividades;

II - interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade;

III - proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.

§ 1º A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente.

§ 2º A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar.

 

No que tange a suspensão parcial ou total de atividades da pessoa jurídica, Nucci, (2006, p. 497) é preciso:

 

É a pena restritiva para a pessoa jurídica que, ao cometer crime, conforme constatação feita pelo juiz, já não vinha obedecendo às disposições legais ou regulamentares em relação à proteção do meio ambiente. É substitutiva da pena prevista nos tipos penais incriminadores, tanto que não tem valor próprio. Se o delito possuir, em tese, pena de seis meses a um ano de detenção, o magistrado deve suspender, parcial ou totalmente, as atividades da empresa pelo período que elegeu – dentro do mínimo de seis meses ao máximo de um ano, conforme os critérios gerais de aplicação da pena.

 

Em relação à interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade, Nucci, (2006, p. 497), expõe que:

 

Nesse caso, não se suspende a atividade da pessoa jurídica total ou parcialmente, como previsto no inciso I, mas pode o juiz interditar um dos estabelecimentos da pessoa jurídica, ou uma das obras que venha conduzindo, ou, ainda, uma das suas atividades e não o conjunto delas.

 

Nesse sentido, vale, aqui, um aclaramento no que tange a esta pena, tendo em vista que tal pena, em tese, possa refletir em terceiros (funcionários da empresa), Sanctis, (1999, p. 150), reforça, expondo que:

 

Sendo assim, referida punição, diante dos inconvenientes que provoca, deve ser aplicada com muita cautela pelo juiz, que terá que constatar se não é possível a aplicação de outras penas, menos doloridas ao seio social.

 

            Quanto à proibição de contratar com o Poder Público ou dele obter benefícios, Nucci, (2006, p. 498), expõe que:

 

Várias empresas têm interesse em celebrar contratos com o Poder Público, nas mais variadas áreas, pois, como regra, envolvem altas somas de dinheiro e grandes obras. O contrato pode advir de uma licitação ou não, mas a pena prevista no inciso III proíbe qualquer deles. O tempo será o da pena privativa de liberdade, prevista no tipo incriminador, a ser devidamente mensurada e depois substituída pela restritiva de direitos.

 

Não obstante, merece especial ênfase os parágrafos do artigo 22, visto que se trata de norma penal em branco, ou seja, sua aplicação depende da regulamentação em outra lei ou ato infralegal.

5.3 Pena de prestação de serviços à comunidade

A prestação de serviços à comunidade, conforme art. 23 da lei 9.605, (BRASIL, 1998), consiste em: ¨I - custeio de programas e de projetos ambientais; II - execução de obras de recuperação de áreas degradadas; III - manutenção de espaços públicos; IV - contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.¨

O custeio de programas e projetos ambientais, para Nucci, (2006, p. 499), consiste em :

 

a pessoa jurídica condenada ficar obrigada a custear (sustentar) programas (são planos que envolvem algum tipo de atividade ligada ao meio ambiente) e projetos (são planos que cuidam de obras e construções em geral) ambientais (vinculados à melhoria ou mantença do meio ambiente.

 

A execução de obras de recuperação de áreas degradadas, significa dizer, para Nucci, (2006, p. 499), que:

 

A pessoa jurídica condenada fica obrigada a executar (tornar efetivo, materializar) obras de recuperação (trabalho voltado à recomposição do estado original de algo) de áreas degradadas (lugares deteriorados).

 

Quanto à mantença de espaços públicos, Nucci, (2006, p. 499), salienta que:

 

A pessoa jurídica condenada fica obrigada a sustentar determinado espaço público (área destinada a uso gozo da população em geral, como parques e jardins), significando aplicar tanto dinheiro, como mão-de-obra, conforme o caso. Finalizada a pena, cabe ao Estado continuar a devida manutenção – ou arranjar outro (a) condenado (a) que o faça.

 

No tocante à contribuição a entidades ambientais e culturais públicas, Nucci, (2006, p. 499), num conceito preciso, enaltece que:

 

A pessoa jurídica condenada fica obrigada a contribuir (cooperar, colaborar) com entidades ambientais (órgãos públicos que cuidam do meio ambiente) ou culturais (órgãos públicos que lidam com a divulgação e promoção de atividades artísticas ou intelectuais). Essa contribuição é em pecúnia, pois não se teria um montante a ponderar (quanto o juiz determinaria que fosse pago?) e a lei não fala em manter a entidade (o que significa custeio total por um tempo).

Assim, observa-se que em uma crítica, apurada, segundo Nucci, (2006, p.498), ¨o presente título (prestação de serviços à comunidade) não deveria ter sido colocado em plano autônomo das penas restritivas de direito, como foi feito no art. 21, III. É a mais adequada de todas as restritivas de direitos, pois confere reais benefícios à sociedade em geral.¨

5.4 Pena de dissolução da pessoa jurídica

A pena de dissolução da pessoa jurídica, mostra-se a pior de todas, algo que não prevalece em nosso ordenamento jurídico pátrio, em precisa lição, Didier Boccon-Gibod, citado por Sanctis, (1999, p. 151), expõe que ¨esta sanção deve ser reservada às infrações mais graves, já que determina a liquidação da pessoa jurídica.¨

Sanctis, (1999, p. 151), enaltece, trazendo à baila que ¨a punição com essa modalidade de pena submete a própria pessoa jurídica a uma verdadeira pena de morte.¨

Sendo assim, incompatível, como já mencionado, com o nosso ordenamento jurídico, uma vez que referida pena seria inaplicável aos entes públicos, e nesse sentido Sanctis, (1999, p. 151), é claro, expondo que:

 

diante da natureza desta punição que implica interdição total das atividades da pessoa jurídica, jamais poderia ser imposta aos entes coletivos de direito público, caso entendêssemos responsáveis, diante do princípio de direito administrativo que veda a descontinuidade dos serviços públicos: princípio da necessidade e continuidade.

 

Outro ponto dificultoso para Sanctis, (1999, p. 152), é ¨a aplicação deste tipo de sanção porque não admite qualquer tipo de reabilitação, já que acarreta o desaparecimento da empresa delinquente.¨

E sendo assim, Sanctis, (1999, p. 152), salienta que ¨uma vez dissolvida, a mesma pessoa jurídica só poderá reaparecer como uma pessoa de fato e não de direito.¨

Fazendo prevalecer que tal sanção é incabível, em um comparativo: do mesmo modo que não se aplica pena de morte à pessoas físicas, salvo guerra; inaplicável seria, também, a pena de dissolução à pessoa jurídica.

 6. Conclusão

O art. 17 da Lei nº 8.884/1994 nos mostra que “serão solidariamente responsáveis as empresas ou entidades integrantes de grupo econômico, de fato ou de direito, que praticarem infração de ordem econômica.” Juntamente com este dispositivo, o art. 15 da mesma Lei delimita a sua aplicação, atribuindo responsabilidade às pessoas físicas ou jurídicas de Direito Publico ou Privado, bem como a quaisquer associações de entidades ou pessoas. Essas devem ser constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, mesmo que exerçam atividade sob regime de monopólio legal.

Neste sentido, fica superada a ideia de que somente o ser humano é sujeito ativo de crime. Enfim, cumpre agora ao legislador abranger a responsabilização penal da pessoa jurídica além dos crimes ambientais, visto o exposto na Lei Maior.

 Diante de todos os fatos demonstrados, fica clara a lacuna legal que temos neste assunto. Portanto, devemos prestar atenção nas transformações dos fatos e seguir adequando o direito a eles da melhor maneira possível e o mais breve possível para que a sociedade não fique costada nesta insegurança jurídica.

No mais, vimos que a parêmia “societas delinquere non potest”, espeque clássico para os penalistas conservadores, mostra-se contestável, pois, com o advento da Constituição de 1988 que acabou por rompê-lo, torna-se ainda maior a possibilidade da responsabilidade penal das pessoas jurídicas frente aos outros ilícitos penais, e não somente os crimes ambientais que restaram regulamentados pela lei 9.605.

Contudo, cumpre ao Poder Legislativo deixar de lado apadrinhamentos e benesses jurídicas favoráveis a determinados grupos econômicos para tomar partido e, de uma vez por todas, regulamentar uma lei que trate de crimes cometidos por meio de pessoas jurídicas no âmbito econômico-financeiro, estabelecendo sanções às pessoas jurídicas e, consequentemente, evitando lesão a toda a sociedade. É o Estado coibindo a proliferação das chamadas "crifras douradas" da criminalidade

 

REFERÊNCIAS

FERRAZ, Esther de Figueirodo. A co-delinquencia no Direito Penal brasileiro. São Paulo: Bushatsky, 1976.

FORGIONI, Paula A. Os Fundamentos do Antitruste. 3. Ed. São Paulo: RT, 2008

FRANCESCHINI, José Inácio Gonzaga. Introdução ao direito da concorrência. São Paulo: Malheiros, 1996.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral : (abrangendo os códigos civis de 1916 e 2002).15. ed. rev., atual e ampl. São Paulo : Saraiva, 2013. 543 p.

GOMES, Luiz Flávio. Responsabilidade "penal" da pessoa jurídica. Disponível em: <http://www.blogdolfg.com.br.24 setembro>. 2007.

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. Prefácio à 5. ed. Ada Pellegrini Grinover. 5. ed. ref., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal, vol. 1: parte geral. 24 ed. Rev. E atual. São Paulo: Atlas, 2007.

NUCCI. Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 5ª ed. São Paulo, SP: RT, 2010.

NUCCI. Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 1ª ed., 2. tir. São Paulo, SP: RT, 2006.

SANCTIS, Fausto Martin de. Responsabilidade da pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva, 1999.

Sobre o autor
Rafael Leandro Lorencetti

Bacharel em Direito pela Universidade Regional de Blumenau (FURB). Especialista em Direito Público: Constitucional e Administrativo pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Ex-analista jurídico da Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina. Delegado de Polícia do Estado de Santa Catarina.

Informações sobre o texto

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