A confissão de dívida no âmbito do parcelamento tributário e a possibilidade de restituição do indébito tributário

16/04/2015 às 16:12
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O presente trabalho tem por objeto apresentar a problemática que se instaura a partir das legislações sobre parcelamento tributário que estabelecem como condição à adesão aos programas de parcelamentos a confissão irretratável da dívida.

Sumário: 1. Introdução. 1.1. Natureza jurídica da confissão  1.2. Hipótese de incidência e obrigação tributária. 1.3. Imunidade e isenção: institutos que excluem a obrigação tributária. 1.4. Obrigação tributária e confissão. 2. Natureza jurídica do Parcelamento Tributário.  2.1.  A confissão de dívida e o parcelamento tributário. 2.2. A cláusula de confissão irretratável e irrevogável no parcelamento. 3.  A possibilidade de Repetição do indébito oriundo de dívida parcelada. 4. Conclusão. Referências.

Resumo: O presente trabalho tem por objeto apresentar a problemática que se instaura a partir das legislações sobre parcelamento tributário que estabelecem como condição à adesão aos programas de parcelamentos a confissão irretratável da dívida. Deste modo, iremos verificar que a confissão de dívida efetuada no bojo do parcelamento tributário, por si só, não tem o condão de fazer nascer a obrigação tributária, haja vista que esta provém de lei e não da vontade do sujeito passivo. Logo, para que se possa criar a obrigação tributaria o fato confessado pelo contribuinte deverá corresponder à hipótese de incidência tributária descrita em lei. Por fim, analisaremos a ação de repetição do indébito tributário e o direito que detêm o contribuinte de ajuizar ação de repetição do inédito sempre que o pagamento se tornar indevido, mesmo diante da adesão do mesmo aos malsinados programas de parcelamentos tributários.

Palavras-chave: Confissão; irretratável; parcelamento;  repetição.

Abstract: The present work is to introduce the problematic object that establishes from the laws about tax installment plan that set as a condition for accession to the installment programs confession intractable debt. In this way, we verify that the confession of debt made in tax installment bulge, by itself, does not have the effect of making the tax obligation, given that this comes from law and not the will of the taxpayer. So, in order to create the tax obligation the fact confessed by the taxpayer should correspond to the hypothesis of tax incidence described in law. Finally, we will analyze the action replay indébito tax and the right to hold the taxpayer filing unprecedented repetition action whenever the payment become erratic, even before the accession of the malsinados tax installment payment programs.

Keywords: Confession; not retractably; installment; refund.

1.    INTRODUÇÃO

É de notório conhecimento que a carga tributária no Brasil se mostra elevada, mormente quando comparada com outras nações de grau de desenvolvimento semelhante. Esta alta carga tributária reflete diretamente na base econômica do país, restando aos contribuintes, sobretudo, aos pequenos e médios empresários, suportarem toda a avidez do Fisco em arrecadar as receitas públicas.

Neste contexto, ante a impossibilidade de cumprimento com suas obrigações tributárias de forma originária, face as limitações financeiras, socorrem-se esses contribuintes da dilação do seu pagamento através da adesão aos recorrentes programas de parcelamentos tributários, instituídos no âmbito das três esferas do Poder.

O ente tributante, por sua vez, buscar assegurar a integridade do adimplemento dos tributos sob sua administração, fazendo-se inserir, em toda concessão de parcelamento, a cláusula expressa de confissão de dívida irretratável e irrevogável, requisito este que deve ser preenchido por todo indivíduo que deseja parcelar sua dívida e ver suspensa a sua exigibilidade.

Assim, será analisada neste trabalho uma crescente discussão acerca da possibilidade de retratação da confissão de dívida no âmbito tributário, em vista dos vastos princípios constitucionais como o da legalidade e do livre acesso do indivíduo ao Poder Judiciário.

1.1. Natureza jurídica da confissão

A definição de confissão está em perfeita consonância com o que dispõe o CPC em seu art. 348, ao consignar que “há confissão, quando a parte admite a verdade de um fato, contrário ao seu interesse e favorável ao adversário [...]”.

O Código de Processo Civil institui a confissão, e seu capítulo VI – Das Provas, Seção III, do art. 348 ao art. 354, como um dos meios de provas a ser produzida no curso de uma demanda judicial. Além da confissão, podem ser produzidos outros meios de provas, tais como; o depoimento das partes, a prova testemunhal, prova pericial e a prova documental. Valendo destacar, neste passo, que os meios de provas elencados no CPC são meramente exemplificativos, uma vez que o art. 332 do mencionado código dispõe que “Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste código, são hábeis a provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa”.

Logo, a confissão assume, inequivocamente, a natureza jurídica de prova. Nesse sentido, destacam-se os ensinamentos do professor Hugo de Brito Machado, ao trazer à baila a lição do saudoso e eminente catedrático Calmon de Passos, lecionando que a confissão:

É meio de prova ao lado de outros meios de prova que o direito consagra como o documento, a perícia, o testemunho etc. Das demais só diverge pelo fato de ser uma prova poderosa, probatio problan tissima, como denominada por alguns, não podendo ser ilidida facilmente. Essa particular força probante da confissão assenta em uma regra da experiência, ou seja, a de que ninguém afirma verdadeiros sem que o sejam, fatos dos quais decorrem para o confidente.

A confissão, por muito tempo, foi consagrada como a “rainha das provas, mormente pelo flagrante prejuízo causado a parte que confessa, pois que, uma vez que confessados os fatos, deixam de ser controvertidos e a parte contrária ao confidente se exime de comprová-los . É o que se vê expresso no art. 334, II do CPC, que assim dispõe: “Não dependem de prova os fatos; II afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária”.

Nada obstante, a doutrina contemporânea aponta que a confissão nada mais é do que um dos meios de provas, detendo a mesma equivalência e valoração dos demais meios probantes. Isto porque, a concepção de que a confissão é uma prova “absoluta” deve ser afastada, uma vez que não se pode esquecer que no sistema brasileiro o figurino legal utilizado para a apreciação da prova é do livre convencimento motivado.

 Assim dispõe o art. 131 do CPC “O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstancias constantes nos autos, ainda que não alegados pela parte; mas deverá indicar na sentença os motivos que lhe formaram o convencimento”.

Neste sentido, impõe trazer à baila o posicionamento contemporâneo da Fabiana Del Padre Tomé, que, corroborando com o entendimento acima esposado, equipara a confissão como mais um meio de prova admitida em direito; não se avultando, pois, em importância, em relação aos demais meios elencados na lei adjetiva, ao lecionar que: “Em que pese já ter sido considerada a rainha das provas, atualmente a confissão é vista como um meio de convencimento do destinatário a ser sopesado juntamente das demais que foram apresentadas.” (2008, p. 206).

1.2  Hipótese de incidência e obrigação tributária

Para melhor compreensão do instituto da confissão nos lindes do direito tributário, deve-se ter em destaque a natureza ex- lege do tributo. Assim, em contraposto a natureza da obrigação decorrente da vontade das partes no direito civil – ex voluntate, a obrigação tributária decorre exclusivamente de lei, em decorrência do princípio da legalidade, consubstanciado no art. 150, I, da Carta Magna.

O princípio da legalidade constitui-se, pois, um dos princípios basilares da ordem tributaria, o qual determina que o tributo seja criado apenas através de lei; bem como que a Administração Publica esteja adstrita, em todos os seus atos, ao comando da lei.

Nesse viés, dispõe Geraldo Ataliba:

A obrigação tributária nasce da vontade da lei, mediante ocorrência de um fato (fato imponível) nela descrito. Não nasce como as obrigações voluntárias (ex voluntate), da vontade das partes. Esta é irrelevante para determinar o nascimento deste vinculo obrigacional. (2011, p. 35).

Verificada a elevada importância da lei na esfera tributária, deve-se registrar, de igual forma, a relevância da incidência tributária e da obrigação tributária. Neste aspecto, para a criação da obrigação tributária é necessário que haja a ocorrência de determinado fato descrito na norma jurídica válida – fato juridicamente tributável (ÁVILA, 2009).

Neste sentido, ensina Geraldo Ataliba:

Costuma-se designar por incidência o fenômeno especificamente jurídico da subsunção de um fato uma hipótese legal, como consequente e automática comunicação ao fato das virtudes jurídicas previstas na norma. A norma tributária, como qualquer outra norma jurídica, tem sua incidência condicionada ao acontecimento de um fato previsto na hipótese legal, fato este cuja verificação acarreta automaticamente a incidência do mandamento. (2011, p. 45 e 46).

Assim, ainda na mesma esteira do entendimento deste Autor, a hipótese de incidência tributaria é a descrição genérica e abstrata de um fato, cuja “fenomenização” é capaz de criar a relação jurídica entre os sujeitos; surgindo, destarte, a obrigação tributária. Segundo o mesmo doutrinador, a hipótese de incidência tributária irá sempre descrever a conduta de uma pessoa física ou jurídica em um determinado espaço e tempo.

É, portanto, um fato jurídico (porque produz um efeito jurídico) tributário (porque faz nascer uma obrigação tributária). Esse mesmo fato jurídico tributário é chamado pela doutrina de fato gerador, devidamente previsto no art. 114 do CTN. O fato gerador, desta maneira, é a situação prevista em lei como necessária e suficiente para o nascimento da obrigação tributária.

A obrigação tributária não possui uma conceituação distinta da que propõe o direito processual, de tal maneira que pode ser reconhecida como um vínculo jurídico em que o devedor está adstrito a uma prestação de natureza tributária em proveito do credor (Estado), que, por sua vez, tem o direito de exigir essa prestação dentro do prazo exigido por lei.

O objeto da obrigação tributária pode ser, além do pagamento do tributo (obrigação principal), por exemplo, a emissão de nota fiscal, apresentar declarações de rendimentos ou não embaraçar a fiscalização (obrigação acessória). Luciano Amaro afirma que “É pelo objeto que a obrigação revela sua natureza tributária” (2012, pág., 271).

Acerca da obrigação tributária, importante evidenciar que o nascimento da obrigação tributária prescinde da manifestação da vontade do sujeito passivo. Assim, ainda que o devedor ignore o surgimento da obrigação tributária, esta o vincula e o submete a função de adimplemento da prestação em favor da Administração Pública. É por isso que a obrigação tributária possui natureza jurídica de lei, ou seja, basta o acontecimento do fato descrito em lei para o surgimento desta.

1.3.  Imunidade e isenção: institutos que excluem a obrigação tributária

Neste ponto, cumpre trazer à baila o instituto da não incidência tributária (sentido amplo), em que compreende a imunidade, a isenção e a não incidência propriamente dita  apta a evitar a incidência do tributo — decorrente da falta de definição do fato gerador; não ensejando, assim, o nascimento da obrigação tributária.

Neste contexto, a imunidade tributária é reconhecida como um fenômeno de natureza constitucional, haja vista que a sua previsão se encontra no bojo da Constituição Federal, em que são fixadas a incompetência das entidades tributantes para cobrar exações do individuo, seja por força de sua natureza jurídica, seja porque coligadas a determinados fatos, bens ou situações. São verdadeiras limitações constitucionais à ação estatal de criar tributos (CARRAZZA, 2013).

Por sua vez, no que tange às isenções, existem algumas teorias para explicar o seu conceito. Neste sentido, a isenção consiste em dispensa legal do pagamento do tributo. Para isso, na isenção ocorre o fato gerador in concreto e, consequentemente, o nascimento da obrigação tributária, razão pela qual apenas o pagamento do tributo é dispensável por lei.

Nas lições de Paulo de Barros Carvalho “isenção é a limitação do âmbito de abrangência do critério do antecedente ou do conseqüente da norma jurídica tributária, que impede que o tributo nasça naquele caso abarcado pela norma jurídica isentiva” (2009, pag. 301).

Desta forma, a isenção passa a ser reconhecida como uma hipótese de incidência tributária, legalmente qualificada, haja vista que, para o festejado doutrinador, na isenção não há incidência da norma tributária e, portanto, não ocorre o nascimento do tributo, pois a norma de isenção fulmina um ou mais critérios da regra-matriz de incidência tributária. 

Por derradeiro, a não incidência propriamente dita consiste na ocorrência de fatos não previstos na hipótese normativa tributária. Portanto, se não incide a norma, não há tributo, porque o fato ocorrido não esta descrito abstratamente. É o que se chamam de não incidência pura e simples (BILHIM, 2012).

Desta forma, delineados os contornos que envolvem a não incidência tributária, (sentido amplo), em todas as suas hipóteses, não há que se falar em nascimento da obrigação tributária na hipótese deste instituto. Isto se deve porque, nos casos pontuados acima, não ocorreu — no mundo fenomênico — fatos que tenham correspondência em lei impositiva válida.

Posto isto, outro entendimento não deve prevalecer senão o de que a obrigação tributária decorre exclusivamente de lei, em obediência ao princípio da legalidade tributária; somente vindo a existir, pois, com a ocorrência do fato descrito abstratamente na lei de incidência.

1.4.  Obrigação tributária e confissão 

Da premissa analisada no item anterior deste trabalho, nota-se, como corolário, que a confissão pode ou não ser capaz de gerar obrigação tributária, de modo que a confissão pode corresponder a hipótese de incidência tributária, cuja subsunção seja capaz de gerar a obrigação tributária; como também a confissão pode se dá sobre fatos que sejam objeto de isenção ou imunidade.

Registra-se que o contribuinte, ao realizar a confissão, que dizer, ao confessar determinado fato ocorrido no mundo social, por si só, não tem o condão de instituir a obrigação tributária, não tem força para fazer nascer o tributo, ou seja para ocorrer a incidência tributária.  E isso fica cloro na medida em que colhemos os ensinamentos de Klaus E. Rodrigues Marques, que assim se manifesta:

A incidência se dá quando ocorre a exata subsunção de um evento ocorrido no mundo social à descrição contida no antecedente da regra-matriz de incidência tributária. É dizer, tomando-se como exemplo o ICMS, somente quando um contribuinte do imposto realizar a circulação efetiva de mercadorias é que nascerá a relação jurídica tributária prevista na conseqüente norma jurídica. (2008, p. 181).

 E conclui que:

Com efeito, o fato de confessar praticado pelo contribuinte no âmbito social não implica reconhecimento do fato provido de sua qualificação jurídica para fins de incidência tributária [...] É derribar por terra o Maximo princípio da legalidade.Em outras linhas, não é porque o fato foi confessado que se instalará a relação jurídica prescrita no conseqüente  da norma de incidência tributaria. Para que isso se dê, a confissão deve conter relação de identificação com o fato descrito no antecedente da regra-matriz tributária. (2008, p. 181).

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 Assim, diante desta máxima, deve-se perscrutar se a confissão realizada correspondente à hipótese de incidência tributária é, por conseguinte, capaz de gerar a obrigação tributária. Isso quer dizer que a confissão, por si só, não é suficiente para desencadear a obrigação tributária prescrita no conseqüente normativo, razão pela qual, para que seja fonte de obrigação principal, o fato confessado deverá corresponder à hipótese de incidência tributária.

Antes de adentrarmos na temática da confissão inserida no parcelamento tributário (a ser abordada no item 3.2.2 deste capítulo), e para uma melhor compreensão dessa questão, passaremos a análise do instituto do parcelamento no âmbito tributário e suas especificações.

2. Natureza jurídica do Parcelamento Tributário

 Como é do conhecimento geral, diante da elevada e crescente carga tributária que assola o Brasil, é inegável o número cada vez maior de contribuintes em débito com o Fisco.

Não obstante a finalidade concebida para o tributo, qual seja, a arrecadação de recursos financeiros pelo Estado, a fim de atender as necessidades e aos fins sociais a que se destina, não poderá esta imposição se tornar um ônus aos contribuintes, no sentido de se tornar impróprio a realidade dos destinatários da arrecadação, bem como de estagnar o setor econômico. Veja-se, a propósito, a dicção dos expert na matéria:

Assim, se por um lado o poder de tributar apresenta-se vital para o Estado, beneficiário da potestade, por outro lado a sua disciplinação e contenção são essenciais à sociedade civil ou, noutras palavras, à comunidade dos contribuintes (COÊLHO, 2005, p.39)

É exatamente neste contexto que surge a figura do parcelamento, que é uma dilação do prazo de pagamento concedido pela Administração Tributária ao contribuinte, de forma que o contribuinte possa efetuar o recolhimento dos tributos vencidos em parcelas devidas ao Fisco de forma menos lesiva ao seu patrimônio. Para a adesão do contribuinte ao parcelamento tributário é necessário preencher determinados requisitos previstos taxativamente em lei, sendo um deles a confissão da dívida tributária.

O instituto do parcelamento tributário, portanto, está expresso no art. 151, inciso VI, do Código Tributário Nacional – CTN, introduzido pela Lei Complementar n° 104/2001. Nesta situação de inadimplência do contribuinte a adesão ao parcelamento constitui meio de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, ainda no âmbito administrativo.

O art. 155-A, do CTN, consigna que o parcelamento está subordinado ao princípio da legalidade tributária, ou seja, “o parcelamento do crédito tributário será concedido na forma e sob as condições previstas em lei, produzida pelo ente federado com capacidade para sua cobrança, de forma a suspender a exigibilidade do respectivo débito” (BORGES, 2008, p. 275).

Nesta linha de raciocínio, o parcelamento é apresentado como um procedimento para a realização do pagamento do débito. Através das leis de parcelamento, o Estado cria oportunidades para que os contribuintes se subsumirem as condições normativas impostas, a fim de efetuarem o pagamento das suas dívidas de forma parcelada.

Importante observar que o parcelamento não possui a eficácia de afastar a obrigação tributária correspondente, consoante afirma Alexandre Borges (2008), visto que os vícios que maculam a relação tributária originada pela ocorrência dos fatos descritos na regra-matriz tributária permanecem intactos.

Em nosso ordenamento há divergência em relação à natureza jurídica do parcelamento. Isto porque, parte da doutrina defende a tese de que o parcelamento constitui espécie de moratória parcelada. Neste sentido são os ensinamentos de renomados Autores de exemplares do Direito Tributário, como Hugo de Brito Machado, Luciano Amaro, Paulo de Barros Carvalho e Sacha Calmon Navarro Coêlho.

Longe de se configurarem meras assertivas, vale transcrever a definição do parcelamento tributário como modalidade de moratória, trazida pelos principais autores:

A Lei Complementar 104, de 10.1.2001, incluiu um novo inciso no art. 151 do CTN, prevendo como hipótese de suspensão da exigibilidade do crédito tributário o parcelamento. É mais uma inovação inteiramente inútil porque o parcelamento nada mais é do que uma modalidade de moratória. (MACHADO, 2013, p. 192) grifos nossos.

[...] mais uma confirmação de que trata apenas de espécie (parcelamento) do gênero (moratória), como vêm plocamando, entre outros, Sacha Calmon Navarro Coêlho, Mizabel Derzi e Leonor Leite Vieira. (CARVALHO, 2009, p. 485).

Apesar de o Código não referir, em sua redação original, o parcelamento como causa de suspensão de exigibilidade do crédito tributário, esse efeito era inegável, não apenas porque isso decorre da própria natureza do parcelamento (mediante o qual é assinado ao devedor prazo para que este satisfaça em parcelas a obrigação que, por alguma razão, alega não poder pagar à vista), mas também porque o parcelamento nada mais é do que uma modalidade de moratória. (AMARO, 2012, p. 407).

Contudo, embora ambos os institutos configurem hipóteses autônomas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário (art. 151, incisos I e VI, do CTN), consoante dispositivo do CTN mencionado alhures – art. 155-A – o parcelamento tributário deverá ser regido na forma da lei especifica em função do princípio da legalidade, de modo que a previsão do art. 155-A, parágrafo 2° do CTN deve ser aplicada de forma subsidiária “§ 2º Aplicam-se, subsidiariamente, ao parcelamento as disposições desta Lei, relativas à moratória”.

 Assim, não mais se aplicam – de forma direta – ao instituto do parcelamento as normas referentes à moratória. Esta inovação, trazida pela Lei complementar de nº 104/01, foi responsável por fazer com que o entendimento encampado pela doutrina, de que o parcelamento é espécie de moratória, perdesse relevo no âmbito jurídico.

Já sobre a moratória, o caput do art. 154 do CTN é enfático ao consignar que “a moratória somente abrange os créditos definitivamente constituídos à data da lei ou do despacho que a conceder, ou cujo lançamento já tenha sido iniciado àquela data por ato regularmente notificado ao sujeito passivo”. Do dispositivo transcrito, infere-se, desta forma, que a moratória é concedida antes da data do vencimento do tributo, uma vez que abrange débito constituído e exigível através do lançamento.

Ademais, o art. 155 do CTN estabelece que o crédito tributário seja acrescido de juros de mora no caso em que haja revogação da moratória por falta de cumprimento de determinados requisitos pelo beneficiado. Assim, resta concluir que a moratória não exige juros de mora, mas, tão somente, em casos de revogação.

De forma divergente, o crédito tributário objeto do parcelamento deverá estar vencido, sujeito a atualização monetária, à multa e juros legais. Assim, na moratória, salvo disposição de lei em contrário (art. 155 do CTN), não há que se falar em multa e juros incluídos no valor a ser pago. Para fins de destacar as principais diferenças entre os institutos do parcelamento e da moratória, esclarece bem Cristina Zanello, ao dispor que:

O crédito tributário objeto do parcelamento, não basta apenas estar constituído na forma do art. 154 do CTN (moratória); deve estar atrasado, pois sujeita-se à atualização monetária, à multa de juros e aos juros legais, até a data do efetivo recolhimento de cada parcela porque é aplicada aos casos de débitos constituídos e vencidos.

Sendo a moratória, ainda que concedida na forma parcelada, o oposto da mora, não há como confundi-la com o parcelamento de débitos tributários. A moratória parcelada aplica-se aos créditos tributários constituídos, exigíveis e não vencidos. Já o parcelamento de débitos tributários aplica-se aos créditos constituídos, exigíveis e vencidos, passando o sujeito passivo a ser qualificado como devedor. (2009, p. 308).

O Superior Tribunal de Justiça – STJ, debruçando-se sobre o tema, também pacificou o entendimento no sentido de que o parcelamento não se confunde com a moratória. Veja-se como restou assentado no aresto abaixo:

RECURSO ESPECIAL - MANDADO DE SEGURANÇA - ICMS  - PARCELAMENTO E MORATÓRIA - DIFERENCIAÇÃO - LEI ESTADUAL DE SÃO PAULO N.º 6374/89, ART. 100 - OFENSA AO ART. 97, VI DO CTN. I - O parcelamento do débito tributário é admitido como uma dilatação do prazo de pagamento de dívida vencida. Não quer isto significar que seja uma moratória, que prorroga, ou adia o vencimento da dívida, no parcelamento, incluem-se os encargos, enquanto na moratória não se cuida deles, exatamente porque não ocorre o vencimento.II - Sendo o parcelamento uma dilatação do prazo de pagamento de dívida vencida, não se verifica a apontada ofensa ao art. 97, inc. VI do CTN.III - A jurisprudência desta Corte entende que não é matéria de reserva legal a fixação do prazo de pagamento de tributos, podendo ser feita por decreto regulamentador, não constituindo, portanto afronta aos princípios da não-cumulatividade e da legalidade.IV - O art. 97 do CTN não elenca matérias ligadas a prazo, local e forma de pagamento como sujeitas à reserva legal.Recurso a que se dá provimento.(REsp 259.985/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/08/2000, DJ 11/09/2000, p. 248).

Com esses ensinamentos, resulta evidente a distinção entre tais institutos que tratam de formas autônomas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário.

Ainda sobre a análise das controvérsias acerca da natureza jurídica do parcelamento, encampado pela doutrina brasileira, vale registrar que uma parcela minoritária da doutrina, como Cristina Zanello, defende que o parcelamento do crédito tributário corresponde a uma modalidade de pagamento, lecionando, assim, a Autora: “O parcelamento de débitos tributários é um regime de pagamento, com efeito suspensivo até a quitação do débito tributário, quando ocorre o pagamento da última parcela”. (2010, p. 89).

Sobre o assunto, corroborando com este entendimento, Renata da Silveira Bilhim assim dispõe acerca do instituto do parcelamento:

O parcelamento pode ser entendido como uma espécie de pagamento do tributo, sem, contudo, ter o efeito de extinguir a obrigação tributária, mas apenas o de suspender a sua exigibilidade até que sobrevenha a quitação da última parcela, quando, então, o crédito e a obrigação serão extintos. (2012, p. 119).

Contudo, a despeito dos sólidos e abalizados argumentos dos Autores acima expostos, certo é que não se pode confundir parcelamento e pagamento. Isto porque o parcelamento gera apenas uma presunção de quitação do débito pelo contribuinte, em vista da flagrante impossibilidade de se auferir com precisão se o contribuinte que aderiu ao parcelamento continuará pagando as parcelas de débitos devidas até a quitação total do débito.

Sobressai, assim, o entendimento, de que, a adesão ao parcelamento pelo contribuinte não extingue, de pronto, a relação tributária ali existente; de modo que a exigência do crédito tributário pelo Fisco persiste durante toda a relação de dilação do prazo de pagamento, restando tal exigibilidade apenas suspensa ao longo do parcelamento deferido.

A análise da controvérsia aqui debatida, inclusive, já foi objeto de posicionamentos do Colendo Superior Tribunal de Justiça – STJ, cuja pacificação foi no sentido de, in verbis:

TRIBUTÁRIO. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. DÉBITO DE ICMS DECLARADO E NÃO PAGO. PARCELAMENTO. MULTA MORATÓRIA. EXCLUSÃO. IMPOSSIBILIDADE. EXIGIBILIDADE. SÚMULA 208/TFR. ART. 155-A, § 1º, DO CTN (ACRESCENTADO PELA LC Nº 104/01). PRECEDENTES. [...] 6. "Quando há parcelamento do débito tributário, não deve ser aplicado o benefício da denúncia espontânea da infração, uma vez que o cumprimento da obrigação foi desmembrado e só será quitado quando satisfeito integralmente o crédito. O parcelamento, pois, não é pagamento e a este não substitui, mesmo porque não há presunção de que, pagas algumas parcelas, as demais, igualmente, serão adimplidas, nos termos do art. 158, do CTN." (REsp nº 284189/SP, Rel. Min. Franciulli Netto, julgado em 17/06/2002) 7. Recurso conhecido, mas não provido.(REsp 450128/SP, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/10/2002, DJ 04/11/2002, p. 172) grifos nossos.

TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. ART. 138 DO CTN. DENÚNCIA ESPONTÂNEA.PARCELAMENTO. NÃO-EQUIVALÊNCIA AO PAGAMENTO. PERÍODO ANTERIOR OU POSTERIOR À EDIÇÃO DA LC 104/01. IRRELEVÂNCIA PARA O CASO.1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que o parcelamento não equivale ao pagamento, descaracterizando-se, assim, a denúncia espontânea prevista no art. 138 do CTN capaz de afastar a multa moratória.2. A Primeira Seção desta Corte, quando do julgamento do REsp n.1.102.577/DF, rel. Ministro Herman Benjamin, no sistema do novel art. 543-C do CPC, trazido pela Lei dos Recursos Repetitivos, ratificou o referido posicionamento.3. "O pedido de parcelamento do débito fiscal não configura denúncia espontânea para fins de exclusão da multa moratória, independentemente do fato de ser este parcelamento anterior ou contemporâneo à Lei Complementar nº 104/2001, porquanto esta, ao acrescentar ao Código Tributário Nacional o art. 155-A, somente reforçou o referido posicionamento, decorrente da interpretação sistemática do próprio art. 138 do CTN" (AgRg na Pet 4.764/RS, Rel.Min. Luiz Fux, DJU de 18.12.06) – não pode ser tachada de omissa pela embargante. 2. Embargos de declaração rejeitados.(EDcl no AgRg na Pet 5396/PR, Relator(a) Ministro CASTRO MEIRA,  PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 07/04/2008  4. Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag 1035788/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/08/2010, DJe 30/09/2010) grifos nossos.

E, ainda:

  

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ART. 535 DO CPC. AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE. DÉBITO TRIBUTÁRIO. PARCELAMENTO. MULTA MORATÓRIA. DENÚNCIA ESPONTÂNEA AFASTADA. 1. Os embargos de divergência têm como pressuposto de admissibilidade a existência de similitude fática entre os arestos confrontados. 2. Exame em torno de violação do art. 535 do CPC depende de uma verificação casuística que, na esteira do entendimento firmado nesta Corte, não pode ser levado a termo em sede de embargos de divergência. 3. A Primeira Seção do STJ, ao julgar o REsp 284.189/SP em 17/06/2002, reviu seu posicionamento, concluindo pela aplicação da Súmula 208 do extinto TFR, por considerar que o parcelamento do débito não equivale a pagamento, o que afasta o benefício da denúncia espontânea.4. Entendimento consentâneo com o teor do art. 155-A do CTN, com a redação dada pela LC 104/2001. 5. Agravo regimental não provido.(AgRg nos EAg 870867/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, CORTE ESPECIAL, julgado em 02/02/2009, DJe 09/03/2009).

Com base em tal raciocínio, infere-se que o benefício da denúncia espontânea corresponde ao pagamento integral do débito a fim de eximir o pagador a responsabilidade pela infração. Não há, contudo, tal benefício no que tange ao parcelamento, de modo que não se deve, por fim, confundir parcelamento tributário com o pagamento do débito.

Em outro giro, não é supérfluo acrescer que há na doutrina o entendimento de que o parcelamento corresponda, por pura analogia, a uma hipótese de transação; entretanto, restam patentes as distinções entre tal instituto e o parcelamento, razão pela qual deve ser de logo, tal entendimento, rechaçado, senão vejamos.

De logo se deve verificar que a transação está elencada no CTN como modalidade de extinção do crédito tributário, insculpida no art. 156, inciso III c/c o art. 171 do CTN, enquanto que o parcelamento está previsto como modalidade de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, não eximindo a responsabilidade pela infração ao contribuinte (art. 151, inciso VI do CTN).

Como se vê, a transação corresponde a concessões mutuas entre as partes da relação jurídica existente, uma vez que o contribuinte conjuntamente com a Administração Publica conciliam interesses para melhor atenderem as suas finalidades.

Já o parcelamento, de forma diferente, é uma modalidade de adesão do contribuinte, de modo que este opta por aceitar as condições preexistentes a legislação do respectivo parcelamento. Nesse sentido o parcelamento não representa uma transação, posto que não se trata de acordo entre as partes, tampouco concessões mutuas, uma vez que o parcelamento é previsto e instituído em lei (AMARO, 2012).

Também se filiando a esta linha de raciocínio, Fabiana Del Padre (2008, p. 87) acentua que o Estado ao criar leis de parcelamento, dá oportunidade aos contribuintes de subsumirem a determinadas condições por elas impostas.

Ex expositis, outro não deve ser o entendimento senão o de que o parcelamento tributário corresponde ao advento de causa sui generis de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, tendo em vista que o parcelamento deve ser considerado um regime distinto.

Como consectário lógico, entendemos que o parcelamento constitui em uma verdadeira adesão do contribuinte ao acordo de parcelamento de dívidas tributárias, constituindo vínculo obrigacional tributário, sujeito ao princípio da legalidade tributária, não se admitindo, portanto, que o confunda com demais institutos no âmbito tributário.

2.1.  A confissão de dívida e o parcelamento tributário

Não obstante a finalidade concebida para o tributo, qual seja, a arrecadação de recursos financeiros pelo Estado, a fim de atender as necessidades e aos fins sociais a que se destina, não poderá esta imposição se tornar um ônus aos contribuintes, no sentido de se tornar impróprio a realidade dos destinatários da arrecadação, bem como de estagnar o setor econômico.

É exatamente neste contexto que surge a figura do parcelamento, que é uma dilação do prazo de pagamento concedido pela Administração Tributária ao contribuinte, de forma que o contribuinte possa efetuar o recolhimento dos tributos vencidos em parcelas devidas ao Fisco de forma menos lesiva ao seu patrimônio. Para a adesão do contribuinte ao parcelamento tributário é necessário preencher determinados requisitos previstos taxativamente em lei, sendo um deles a confissão da dívida tributária.

 As leis de parcelamento de dívida tributárias estabelecem, em regra, determinadas condições para a adesão do contribuinte, abrangendo desde os documentos a serem apresentados no momento da formalização do parcelamento à exigência de que o contribuinte confesse o débito, bem como desista de todas as ações nas quais esteja discutindo a validade da dívida a ser parcelada. Isto ocorre porque, no exato momento da adesão, o contribuinte assina um termo de compromisso concordando com o débito, ao tempo em que, também renuncia ao seu direito de ação. (MACHADO SEGUNDO, 2008).

A Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) disciplina que os débitos relativos a impostos e contribuições poderão ser parcelados no âmbito da Receita Federal, desde que, em regra, não estejam inscritos em dívida ativa da União.

A RFB registra ainda que o pedido de parcelamento de débitos (devidamente confessados) não admite a sua retratação e configura confissão extrajudicial nos termos dos arts. 348, 353 e 354 todos do CPC, e abrange os débitos não declarados, declarados ou já efetivamente lançados. Informa também a aludida Administração Tributária que o parcelamento não gera direito adquirido e será revogado de ofício, desde que se apure que o beneficiado do parcelamento não atendeu as condições para a concessão.

Neste sentido, na esfera federal, o governo tem criado, através de leis especificas importantes programas de parcelamentos fiscais com dilação de prazo para o adimplemento, bem como a redução de multas e juros, como forma de motivar os sujeitos passivos a se manterem em dia com suas obrigações tributárias.

é cediço que o parcelamento tributário tem como efeito a suspensão da exigibilidade do crédito tributário (art. 151, VI do CTN), razão pela qual não há que se falar na cobrança judicial do crédito objeto de parcelamento, tampouco de ajuizamento de execuções fiscais e, caso já tenha sido ajuizada, esta restará suspensa até o adimplemento final do sujeito passivo pelo parcelamento.

Ademais, poderá o contribuinte, ao aderir ao parcelamento do débito, tendo em vista a suspensão suso referida, obter certidão positiva com efeito negativo (art. 206 do CTN), junto aos Órgãos Fazendários competentes.

2.2. A cláusula de confissão irretratável e irrevogável no parcelamento

É comum verificar, quando da adesão aos programas de parcelamento tributário, a necessidade de o contribuinte assinar um instrumento de confissão de dívida e compromisso de pagamento parcelado.

No referido termo, o sujeito passivo da obrigação tributária deverá, conforme exigido pelas leis que instituem o parcelamento tributário, para todos os fins, a liquidez e certeza da dívida confessada em face da Administração Pública, ficando desde logo ciente que a quitação das parcelas em atraso ou o seu não pagamento poderá ensejar o cancelamento do parcelamento, culminando “com a inscrição do saldo remanescente em Dívida Ativa e o consequente encaminhamento para cobrança judicial, se já inscrito em Dívida Ativa, ou prosseguimento da execução fiscal, se já ajuizada”.

Contudo, cumpre, desde logo, registrar que o parcelamento tributário não possui eficácia para estabelecer a presunção de validade da obrigação tributária correspondente ao crédito tributário.

Assim, a confissão corriqueiramente estabelecida como condição para adesão ao parcelamento não poderá ser constituída de forma absoluta e desta condição estabelecida pelo legislador infere-se, claramente, a sua vontade de convalidar eventuais vícios na obrigação tributária e impedir o acesso ao Poder Judiciário pelo contribuinte para instaurar tal discussão (BORGES, 2008).

Ora, resulta equivoca a postura das autoridades fazendárias, as quais insistem, de forma temerária, em defender que toda e qualquer confissão de dívida tributária, oriunda de uma relação de Direito Público, assume a condição de irretratável e irrevogável.

O próprio Supremo Tribunal Federal já se posicionou de forma favorável a invalidação da confissão, em julgado em que foi reconhecida a imunidade de uma instituição educacional, pelo implemento dos requisitos legais, posterior ao pagamento de parcelas exigidas pelo Fisco, oportunidade em que o Ministro da segunda turma do STF afirmou que “não pode prevalecer a confissão do imune quanto a realidade do débito inexigível por força da constituição, sem quebra do princípio da irretratabilidade da confissão”, in literis:    

IMUNIDADE TRIBUTARIA. INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO. RECONHECENDO O JULGADO O IMPLEMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS PARA SEU RECONHECIMENTO, ESCAPA AO CRIVO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO O REEXAME PRETENDIDO PARA DEMONSTRAR A INOCORRENCIA DOS PRESSUPOSTOS DA IMUNIDADE. RECONHECIDA A IMUNIDADE TRIBUTARIA, NÃO PREVALECE O PRINCÍPIO DA CONFISSAO IRRETRATAVEL DA DIVIDA, ART. 63, PARAGRAFO 2, DO DECRETO-LEI N. 147/67. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO.
(RE 92983, Relator(a):  Min. CORDEIRO GUERRA, Segunda Turma, julgado em 07/10/1980, DJ 14-11-1980 PP-09493 EMENT VOL-01192-02 PP-00750).

Diante do exposto, é cediço que o parcelamento tributário é, sem dúvidas, uma das formas mais utilizadas pelos contribuintes brasileiros, sujeitos passivos de uma relação tributária, para ter a exigibilidade do crédito tributário suspensa pela Administração pública, estendendo o prazo para o adimplemento da exação. Contudo, para a assunção do parcelamento em questão, a imensa maioria das Leis que dispõe sobre parcelamentos tributários veicula dispositivo que condicionam a adesão ao programa à confissão irretratável e irrevogável ao crédito tributário parcelado.

3.  A possibilidade de Repetição do indébito oriundo de dívida parcelada.

A confissão de dívida realizada por intermédio do malsinado instituto do parcelamento tributário, não impede que o contribuinte possa postular judicialmente a restituição da dívida confessada.

Neste espeque, a confissão realizada nestas condições não impede que o indivíduo, diante de determinadas circunstâncias, possa postular em juízo a repetição do indébito, quer dizer, a restituição do valor indevidamente pago ou pago a maior, nos termos da exegese do art. 165, I do Código Tributário Nacional, in verbis:

Art. 165 - O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no art. 162, nos seguintes casos:

I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido.

Assim, conforme explanado no bojo deste presente trabalho, o ato administrativo da confissão não pode ser reconhecido de forma absoluta, de modo que o mesmo se torna nulo em face de princípios constitucionais, os quais obrigam a Administração Pública a extinguir as consequências maculadas pelo tributo.

Segundo Luciano Amaro, para que o contribuinte logre êxito no pleito da restituição do indébito, deverá comprovar que o fato por ele confessado, como forma de atender ao requisito para a adesão ao programa de parcelamento optado, não aconteceu na forma declarada anteriormente ou que não se deu a subsunção do fato à norma (AMARO, 2012).

Neste sentido, resta evidente que os órgãos fazendários ao determinar o cumprimento do requisito da confissão irretratável pelos contribuintes, pretendem evitar a restituição dos tributos indevidamente pagos, o que viola a supremacia constitucional. É o que se vê da leitura do trecho destacado da obra de Hugo de Brito Machado, in verbis:

Qualquer forma de evitar a restituição do tributo indevidamente pago é, sem dúvida, validação de cobrança indevida, de cobrança ilegal, ou inconstitucional, que não pode ser tolerada pelos que respeitam o Direito e, sobretudo, a supremacia da Constituição (2013, pág., 494).

Evidentemente, se no bojo do parcelamento tributário, o contribuinte reconhecer expressamente débito que, em verdade, mostra-se indevido, outro entendimento não deve ser considerado senão o de que, pelas razões já analisadas neste trabalho, que sopesa a viabilidade da tese ora exposta, que é a possibilidade do ajuizamento de ação de repetição do indébito com supedâneo na garantia constitucional do direito de ação, ou seja, da inafastabilidade da apreciação de lesão ou ameaça a direito pelo Poder Judiciário, nos termos do art. 5º, XXXV da CF/88.

Face à todo exposto, por todas as razões acima elencadas, resulta incontroverso o direito do contribuinte de socorrer-se da ação apropriada para buscar o indébito tributário, resultando inconstitucional e ilegal opor os efeitos da clausula de confissão em parcelamento tributário para criar óbices ao ajuizamento da ação de repetição, sob pena de desrespeito aos princípios da legalidade, da moralidade administrativa, da vedação do enriquecimento sem causa e, sobretudo, ao princípio da inafastabilidade de acesso ao Poder Judiciário. Fazendo, portanto, a ruptura da máxima de confissão de dívida irretratável, decorrente da adesão a parcelamento administrativo, quando essa confissão resulta de quantia paga indevidamente, a título de tributo.

 4. CONCLUSÃO

A confissão de dívida realizada por intermédio do instituto do parcelamento tributário não impede que o contribuinte possa postular judicialmente a extinção da dívida confessada. É neste contexto em se surge a ação de repetição do indébito, a fim de que o sujeito passivo possa pleitear a restituição do débito indevidamente confessado no bojo do parcelamento.

A ação de repetição do indébito é o meio pelo qual o indivíduo busca obter decisão judicial condenatória, determinando a restituição da quantia que foi paga indevidamente a título de tributo. Esta ação encontra guarida legal (art. 165 e seguintes do CTN) e constitucional (princípios da legalidade, da moralidade administrativa e o da vedação do enriquecimento sem causa).

Diante disto, posicionamo-nos no sentido de que o direito de pleitear a restituição do débito confessado e parcelado indevidamente pelo sujeito passivo deve ser assegurado, tendo em vista a inconstitucionalidade das exigências inseridas nas leis de parcelamento que criam verdadeiros empecilhos ao ajuizamento da ação em questão, sobretudo, em virtude da ofensa ao princípio da inafastabilidade de acesso ao Poder Judiciário.

REFERÊNCIAS

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 18ª ed. São Paulo. Ed. Saraiva, 2012.

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6 ed. São Pauo: Ed. Saraiva, 2011.

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 10 ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2009.

BILHIM, Renata da Silveira. Confissão de Dívida e Parcelamento Tributário – Algumas reflexões. In. ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord). Revista Dialética de Direito Tributário, nº 198, 2012, p. 150.

BORGES, Alexandre Siciliano. A validade e a eficácia da Cláusula de Confissão para a adesão do contribuinte aos Programas de Parcelamento de débitos tributários. In: PEIXOTO, Marcelo (coord.). Parcelamento tributário. São Paulo: Ed. MP, 2008.

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 28ª ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21ª ed. São Paulo. Ed Saraiva, 2009.

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 8 ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2005.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 34ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013.

MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Parcelamento, Confissão de Dívida e questionamento judicial. In: PEIXOTO, Marcelo (coord.). Parcelamento tributário. São Paulo: Ed. MP, 2008.

MARQUES, Klaus E. Rodrigues. O Parcelamento Administrativo. In: PEIXOTO, Marcelo (coord.). Parcelamento tributário. São Paulo: MP, 2008.

TOMÉ, Fabiana Del Padre. Interesse de agir em ação de revisão de parcelamento de débitos tributários. In: PEIXOTO, Marcelo (coord.). Parcelamento tributário. São Paulo: MP, 2008.

ZANELLO, Cristina. Cabimento da denúncia espontânea no parcelamento de débitos tributários. 1ª ed. Londrina: UEL, 2009.

______. AgRg no Ag 1035788/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 24/08/2010,  publicado no DJe em: 30/09/2010. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=1035788&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO#>. Acesso em: 22 de ago. de 2014.

______. AgRg nos EAg 870867/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Corte Especial, julgado em 02/02/2009, publicado no DJe em: 09/03/2009. Disponível em:  <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=870867&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO#DOC1>. Acesso em: 12 dez. 2014.

______.RE 92983, Relator(a):  Min. Cordeiro Guerra, Segunda Turma, julgado em 07/10/1980, publicado no DJ em: 14-11-1980 PP-09493 EMENT VOL-01192-02 PP-00750. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28confiss%E3o+e+irretrat%E1vel%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/mohrs8q> Acesso em: 29 de set. de 2015.

______. REsp 450128/SP, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em 01/10/2002, publicado no DJ em: 04/11/2002. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=450128&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO#DOC4>. Acesso em: 22 de ago. de 2013.

______.RE 92983, Relator(a):  Min. Cordeiro Guerra, Segunda Turma, julgado em 07/10/1980, publicado no DJ em: 14-11-1980 PP-09493 EMENT VOL-01192-02 PP-00750. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28confiss%E3o+e+irretrat%E1vel%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/mohrs8q> Acesso em: 30 de set. de 2013.

______.REsp 259.985/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Turma, julgado em 15/08/2000, publicado no DJ em: 11/09/2000. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=parcelamento+e+morat%F3ria+diferencia%E7%E3o&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO>. Acesso em: 22 de ago. de 2014.




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Sobre a autora
Daniela Santana Pessoa Sales

Advogada, formada pela Universidade Salvador - UNIFACS.

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