Diferença entre dolo eventual e culpa consciente

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17/04/2015 às 13:37
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O presente estudo objetiva discorrer acerca da diferenciação do dolo eventual e da culpa consciente, analisando a forma como os tribunais e a doutrina aplicam cada um dos institutos. Isso se justifica por serem ambos incrivelmente parecidos.

Resumo: No mundo atual, surgem diversas dúvidas, aos aplicadores da lei, acerca da aplicação dos institutos do dolo eventual e da culpa consciente, no campo prático. O presente estudo objetiva discorrer exatamente essa dita diferenciação, analisando-se a forma como os tribunais e a doutrina aplicam cada um dos institutos. Isso se justifica por serem o dolo eventual e a culpa consciente incrivelmente parecidos; o agente, em ambos os casos, são conhecedores do risco, porém no dolo eventual o agente pouco se importa pela ocorrência do dito risco, enquanto que na culpa consciente o agente acredita sinceramente na sua não ocorrência. Portanto, necessita tais institutos de atenção jurídica, principalmente quanto às suas diferenciações.

Palavras-chave: Diferenciação; Dolo Eventual; Culpa Consciente


Introdução

O dolo eventual e a culpa consciente são dois institutos do Direito Penal parecidos, com mui dificuldade de distinção, e com efeitos práticos diferentes. Ambos ocorrem quando o agente, ao realizar uma conduta, prevê o risco de ocorrer ofensa a um bem jurídico penalmente tutelado e continuando agindo, ocorrendo a dita ofensa. Só se diferencia o dolo eventual da culpa consciente por no primeiro o agente aceitou o risco, enquanto no segundo acreditou sinceramente na sua não ocorrência. E, como tal diferenciação é praticamente impossível se descobrir no campo prático, por não se conseguir adentrar na mente do autor dos fatos, mister é descobrir outra forma de diferenciar o dolo eventual da culpa consciente.

E o presente estudo tem como escopo exatamente diferenciar o dolo eventual da culpa consciente no campo prático, sem que se precise adentrar na mente do autor dos fatos. Para tanto, será trabalhado, primordialmente, o dolo e suas modalidades, na esfera legal e doutrinária, com seus conceitos e aplicações, dando-se maior ênfase ao dolo eventual, cerne deste trabalho.

Após, trabalhar-se-á a culpa, com suas modalidades, da mesma forma que será trabalhado o dolo, especificando o ponto principal do tema, que é a diferenciação da culpa consciente da inconsciente.

Ao final, após trabalhar minuciosamente os conceitos e aplicações do dolo e da culpa, chegar-se-á ao cerne do trabalho, especificando-se a diferenciação do dolo eventual da culpa consciente, demonstrando-se, no campo práticos, como os tribunais e a doutrina diferenciam os dois institutos na atualidade.


1. Do Dolo

Dolo é “a vontade e consciência dirigidas a realizar a conduta prevista no tipo penal incriminador” (GRECO, 2006, p. 193). O Código Penal, por sua vez, traz a definição de crime doloso como sendo: “Art. 18. – Diz o crime: I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”. (BRASIL, 1940). O art. 33. do Código Penal Militar trata o crime doloso com a mesma descrição dada pelo art. 18. do Código Penal.

Portanto, dolo é, para o Direito Penal, a vontade do agente em querer cometer um ato vedado pelo ordenamento jurídico pátrio, objetivando a ofensa a um bem jurídico penalmente tutelado ou, na ausência do querer, o assumir o risco de produzir a referida ofensa.

Nucci (2010, p. 204) apresenta três características do dolo, todas necessárias para sua ocorrência: a) abrangência , pois o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo; b) atualidade, pois o dolo deve estar presente no momento da realização da ação, não podendo ser apenas anterior ou ulterior; c) possibilidade de influenciar o resultado, pois é indispensável que a vontade do agente consiga produzir o fato típico.

Para haver o dolo em um crime, é necessário, primeiramente, que ele esteja presente em todas as elementares do tipo penal e não apenas no verbo do tipo. Dá-se a título de exemplo o crime de furto (art. 155. do Código Penal), que possui como elementares: 1 – subtrair; 2 – para si ou para outrem; 3 – coisa alheia móvel. Para existir o dolo do agente em praticar o crime de furto, é necessário que ele subtraia, coisa alheia, coisa móvel, para si ou para outrem, não podendo o agente ter dolo apenas, por exemplo, em subtrair coisa alheia móvel e não ter a destinação de para si ou para outrem; ou subtrair coisa móvel, para si ou para outrem, e não ser alheia a coisa. Para Damásio de Jesus (1991, p. 49),

o dolo deve abranger os dados descritivos da figura típica. Assim, para que se possa dizer que o agente agiu dolosamente, é necessário que seu elemento subjetivo tenha se estendido às elementares e às circunstâncias do delito.

Igualmente necessária é a presença do dolo no momento da realização da ação, não podendo ser apenas anterior ou ulterior, senão se trataria de dolo antecedente ou subsequente, respectivamente, o que é vedado no nosso ordenamento jurídico.

Por fim, é necessária a possibilidade de o ato ilícito influenciar no resultado, por força do Princípio da Potencialidade Lesiva1, pois, caso o agente, mesmo com a intenção de lesionar bem jurídico penalmente tutelado alheio, executa o ato de forma inteiramente incapaz de lograr êxito na ofensa ao bem jurídico, trata-se de crime impossível (art. 17. do Código Penal).

Não basta, entretanto, apenas a abrangência, atualidade e possibilidade de lesionar bem jurídico para se concretizar o dolo em um tipo penal. É necessária também a existência dos elementos cognitivo e volitivo (BITTENCOURT, 2006, p. 334-335).

O elemento cognitivo é a consciência do agente em praticar o injusto penal. É necessário que o agente entenda o ilícito penal que está cometendo, e este entendimento deve abranger de forma correta e completa todas as elementares do tipo ou, caso isso não ocorra, envolver-se-á em uma excludente de pena (art. 28, § 1º; art. 20, caput e § 1º ou art. 21, in fine, todos do Código Penal). A consciência do agente deve ser atual, existente no momento da realização da ação, e abrange

a realização dos elementos descritivos e normativos, do nexo causal e do evento (delitos materiais), da lesão ao bem jurídico, dos elementos da autoria e da participação, dos elementos objetivos das circunstâncias agravantes e atenuantes que supõem uma maior ou menor gravidade do injusto (tipo qualificado ou privilegiado) e dos elementos acidentais do tipo objetivo (PRADO e BITTENCOURT, 1995, apud BITTENCOURT, 2004, p. 258-259).

Também é indispensável o conhecimento, pelo autor dos fatos, dos chamados caracteres negativos, tais como “sem consentimento de quem de direito” (art. 164), “sem licença da autoridade competente” (art. 166), “da inexistência de nascimento” (art. 241, todos do Código Penal), entre outros (BITTENCOURT, 2004, p. 259).

Já o elemento volitivo é a vontade do agente em praticar o injusto penal, abrangendo-se a ação ou omissão, o resultado e o nexo causal. É imprescindível que o agente tenha a vontade de praticar a ação ou omissão que dá causa ao tipo penal, com o intuito de se chegar ao resultado pretendido (ofensa ao bem jurídico), pois, do contrário, poderá se encaixar em causas de isenções de pena ou dirimentes de culpabilidade, como a inexigibilidade da conduta diversa, obediência hierárquica ou coação irresistível (art. 22. do Código Penal). Portanto, para se concretizar o dolo no tipo penal, é necessário o conhecer e o querer do ilícito.

O dolo se subdivide em:

  • a) Dolo direto: quando o agente quis e conheceu o resultado.

  • b) Dolo indireto ou eventual: quando o agente não quis o resultado, mas conheceu do risco.

  • c) Dolo alternativo: quando o agente quis, indiferentemente, de um resultado ou outro. Nucci (2010, p. 208) nos dá o exemplo do ladrão que encontra uma carteira, envolta em um pano, na praia. Não se sabe se foi deixada ali por um banhista que foi à água ou se alguém a esqueceu ali e foi para casa. Leva-a. Somente analisando o caso concreto irá determinar se o crime cometido pelo ladrão foi furto (art. 155) ou apropriação indébita de coisa achada (art. 169, Parágrafo Único, II, ambos do Código Penal).

  • d) Dolo cumulativo: significa que o agente deseja alcançar dois resultados, de forma sequencial.

  • e) Dolo antecedente: significa que o agente quis o injusto penal antes de sua ocorrência, que se deu de forma lícita ou culposa. Não possui validade no Direito Penal atual, tendo em vista a necessidade de o dolo ser atual, conforme dito anteriormente. Assim, se A deseja a morte de B, mas o mata em um acidente de trânsito, sem ter a intenção da morte, mas agindo com imprudência, por exemplo, não responderá a título de dolo e sim de culpa, pois o seu dolo foi anterior à sua conduta, e não atual.

  • f) Dolo subsequente: significa que o agente quis o resultado danoso após a sua ocorrência, que se deu de forma lícita ou culposa. Igualmente não possui validade no Direito Penal atual, tendo em vista a necessidade de o dolo ser atual. No caso anterior, se A, ao perceber a morte de B, que de se dera mediante culpa, felicita-se, tendo em vista ser desafeto daquele, não responderá a título de dolo e sim de culpa, tendo em vista que a sua intenção em praticar o injusto penal foi ulterior à sua conduta, e não no momento do dito injusto.

  • g) Dolo genérico e dolo específico: o dolo genérico significa que o agente apenas quis praticar o fato típico, enquanto que no dolo específico, além do intuito de praticar o fato típico, possui outro fim específico. O crime de homicídio (art. 121, caput, CP) é dolo genérico, pois o intuito do agente é a morte da vítima, enquanto que no crime de extorsão mediante sequestro (art. 159, caput, do Código Penal) é dolo específico, pois, além do intuito do sequestro da vítima, possui o intuito de receber vantagem indevida (“Sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem como condição ou preço do resgate”) (BRASIL, 1940, grifo nosso). Para a teoria finalista, não há diferenciação entre dolo genérico ou dolo específico.

Os dolos mais importantes a serem estudados no campo do Direito Penal são o direto e o eventual – tanto que o art. 18, I do Código Penal trata em seu texto de somente ambos. São aqueles que são utilizados diariamente para se delimitar a responsabilidade penal das pessoas. O dolo direto por ser aquele que incorre praticamente todos os violadores da legislação penal – os que cometem crime de roubo, furto, estupro, e outros, por exemplo; o dolo eventual por fazer pouca distinção com a culpa – em crimes como lesão corporal, homicídio, entre outros -, podendo ser aplicado em detrimento desta. Portanto, serão apenas estes os delimitados neste trabalho, dando-se maior à ênfase ao dolo eventual.

1.1. Dolo direto

O inciso I do art. 18. do Código Penal denomina o crime doloso, na modalidade dolo direto, como sendo: “Diz-se o crime: I – doloso, quando o agente quis o resultado [...]”. (BRASIL, 1940). O Código Penal Militar, em seu artigo 33, traz denominação semelhante. Nucci (2010, p. 205), todavia, traz uma definição mais especificada de dolo direto: “é a vontade do agente dirigida especificamente à produção do resultado típico, abrangendo os meios utilizados para tanto”.

Dado o exemplo do crime de homicídio, é dolo direto quando A, fitando B, seu alvo, saca uma arma e desfere diversos tiros contra si, ceifando-lhe a vida. A tinha a intenção de retirar a vida de B (“quis o resultado”) e utilizou os meios bastantes para a produção do resultado do tipo penal elencado no art. 121. do Código Penal (ao desferir diversos tiros contra a vítima). É, sem sombra de dúvida, a modalidade de ocorrência de crime mais comum, sendo, inclusive, a única forma de ocorrência em diversos crimes, tais como furto, roubo, estupro, e outros.

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Para a confecção do tipo penal na modalidade dolo direto é necessário que possua os elementos cognitivo (a consciência da ocorrência do crime) e o volitivo (a vontade da ocorrência do crime). Ausentes algum dos dois elementos, não há que se falar de crime ocorrido na modalidade dolo direto.

O dolo direto possui três aspectos:

a) representação do resultado, dos meios necessários e das consequências secundárias; b) o querer o resultado, bem como os meios escolhidos para a sua consecução; c) o anuir na realização das consequências previstas como certas, necessárias ou possíveis, decorrentes do uso dos meios escolhidos para atingir o fim proposto ou da forma de utilização desses meios. (BITTENCOURT, 2004, p. 260).

É imprescindível, portanto, o conhecimento dos meios necessários para a consumação do injusto penal, o conhecimento do resultado de sua ação ou omissão, e o conhecimento das consequências do resultado; é igualmente necessário o querer o resultado (quis o resultado, descrito no art. 18, I do Código Penal) e o querer os meios utilizados para se chegar ao resultado. Por fim, é obrigatório o anuir na realização das consequências dos meios utilizados para se chegar ao resultado, pois responderá pelos resultados dos meios empregados. Por exemplo, caso A aponte uma arma na direção de B para subtrair, para si, seus pertences e, diante da grave ameaça, B, cardíaco, tem uma síncope cardíaca e vem a óbito, A responderá pelo resultado morte (art. 157, § 3º, in fine, Código Penal) e não apenas pelo roubo.

O dolo direto é subdividido em dolo direto de primeiro grau e dolo direto de segundo grau. No dolo direto de primeiro grau, “o agente busca diretamente a realização do tipo legal, a prática do delito. O resultado delitivo era seu fim principal”. (PRADO, 2010, p. 339). Por exemplo, A, querendo subtrair para si R$ 1000,00 de B, aponta uma arma em sua direção e, utilizando-se da grave ameaça, subtrai o montante para si. Tendo todas as elementares do tipo penal do crime de roubo no caso em tela, e tendo A o ânimo de cometer o dito tipo penal, utilizando-se do meio necessário para tanto (utilizando-se da grave ameaça através de uma arma), A responderá pelo delito do art. 157. do Código Penal.

Já o dolo direto de segundo grau “é a intenção do agente, voltada a determinado resultado, efetivamente desejado, embora, na utilização dos meios para alcançá-lo, termine por incluir efeitos colaterais, praticamente certos”. (NUCCI, 2010, p. 205). Dá-se o exemplo de A, que quer matar seu desafeto B. Para tanto, implanta uma bomba em seu carro. Em determinado momento, o carro se encontra abastecendo no Posto X, onde estão diversas pessoas. A, sabendo que lá o seu resultado é mais garantido, detona a bomba, matando B, todos que se encontravam no posto e ainda mata ou fere aqueles que se encontravam nas adjacências no momento da explosão. A responderá pelo crime de homicídio contra B na modalidade dolo direto, todavia, responderá igualmente na modalidade dolo direto contra a morte e ferimento de todos os envolvidos no caso, pois A, por mais que desejara a morte apenas de B, conhecia os efeitos colaterais (mortes e ferimentos dos adjacentes) quando se utilizou do meio explosão para ferir o bem jurídico penalmente tutelado vida de B. Não responderá por dolo eventual, por mais que “não quis o resultado, mas assumiu o risco”, e sim na modalidade direta, por ser tal dolo direto de segundo grau – em relação às demais vítimas; em relação a B, responderá por dolo direto de primeiro grau.

O dolo direto de segundo grau difere-se do dolo eventual por neste o agente não querer resultado danoso algum, apenas conhece e assume o risco de produzi-lo, enquanto que, naquele, por mais que o agente não quisesse o resultado danoso em relação aos demais, o quis em relação ao seu alvo, e conhecia o risco, praticamente certo, de lesionar bens jurídicos penalmente tutelados de terceiros.

A distinção entre dolo direto de primeiro grau e dolo direto de segundo grau se faz necessária por ocasião da fixação da pena-base na forma prevista no art. 59. do Código Penal.

1.2. Dolo Eventual

O art. 18, I do Código Penal denomina crime doloso, na modalidade eventual, como sendo: “Diz-se o crime: I – doloso, quando o agente [...] assumiu o risco de produzi-lo”. (BRASIL, 1940). Nucci (2010, p. 205), por sua vez, conceitua o dolo eventual como sendo “a vontade do agente dirigida a um resultado determinado, porém vislumbrando a possibilidade de ocorrência de um segundo resultado, não desejado, mas admitido, unido ao primeiro”. Damásio de Jesus (1991, p. 50) dá uma definição parecida de dolo eventual, ao retratá-lo como sendo “quando o sujeito assume o risco de produzir o resultado, i.e., admite e aceita o risco de produzi-lo”.

Ele não quer o resultado, pois se assim fosse haveria dolo direto. Ele antevê o resultado e age. A vontade não se dirige ao resultado (o agente não quer o evento), mas sim à conduta, prevendo que esta pode produzir aquele. Percebe que é possível causar o resultado e, não obstante, realiza o comportamento. Entre desistir da conduta e causar o resultado, prefere que se produza. (DAMÁSIO DE JESUS, 1991, p. 50).

Já Bittencourt (2004, p. 261) conceitua dolo eventual, ao relatar que o mesmo acontece “quando o agente não quiser diretamente a realização do tipo, mas a aceita como possível ou até provável, assumindo o risco da produção do resultado (art. 18, I, in fine, do CP)”.

Dolo eventual, portanto, ocorre quando o agente age ou deixa de agir, conhece do risco de produzir um resultado danoso a um bem jurídico penalmente tutelado através de sua conduta e se conforma caso este venha a acontecer. O dolo eventual não se consubstancia apenas em o agente, conhecendo do risco, não se abstém de agir, pois isso pode configurar culpa consciente. Não basta, pois, apenas o agir quando não deveria – pois isso caracteriza a imprudência –, é imprescindível o conformismo sobre a possibilidade da ocorrência do resultado danoso.

Capez (2011, p. 227) nos dá o exemplo do motorista, que conduz em velocidade incompatível com o local e realizando manobras arriscadas. Mesmo este prevendo que poderá vir a perder o controle direcional do veículo e atropelar ou até mesmo matar alguém, não se importa com a ocorrência de eventuais resultados indesejáveis, pois correr o risco é melhor do que interromper o prazer em dirigir em alta velocidade. Para este, o resultado danoso não é querido, mas o risco é aceito. É a famosa frase proferida por Frank (1931, apud HOLANDA, 2004): “Seja como for, dê no que der, em qualquer caso não deixo de agir”.

Quando o agente, estando em dúvida a respeito de um dos elementos do tipo penal, arrisca-se em concretizá-lo, também age com dolo eventual. Por exemplo, o agente se encontra com dúvida acerca da idade do indivíduo – se o mesmo possui idade igual ou superior, ou não, a catorze anos – e, ainda assim, o induz a satisfazer a lascívia de outrem, ou mantém conjunção carnal com o mesmo, cometerá, em caráter de dolo eventual, crime de corrupção de menor (art. 218. do Código Penal) ou estupro de vulnerável (art. 217-A do Código Penal), respectivamente. (CAPEZ, 2011, p. 227). Não se recai, no caso, a excludente por ocasião de erro sobre elementos do tipo, esculpida no art. 20, caput do Código Penal, por ter o agente assumido o risco acerca da elementar do tipo penal, não respondendo, portanto, a título de culpa – ou, na ausência da previsão legal da mesma, a atipicidade da conduta –, como prevê o artigo retromencionado, e sim a título de dolo.

Todavia, em determinados casos, a descrição da conduta impõe ao agente um especial conhecimento da circunstância. Dá-se o exemplo do crime de receptação (art. 180. do Código Penal), em que é elementar do tipo saber ser a coisa produto de crime. O tipo penal é claro em dizer “sabe” – só recaindo, portanto, o dolo direto; caso quisesse abarcar o dolo na modalidade eventual, teria trazido a expressão “deve saber” como elementar, ou outra que indique assumir o risco, como ocorre no § 1º do próprio art. 180. e os caput dos art. 130. e 245, todos do Código Penal. O conhecimento especial da circunstância também se verifica nos tipos penais da denunciação caluniosa (art. 339) e da comunicação falsa de crime ou contravenção (art. 340), além das condutas esculpidas no § 1º do art. 138, todos do Código Penal, entre outros.

No dolo eventual, ao contrário das demais modalidades de dolo, não existe o elemento volitivo (a vontade), pois se o elemento volitivo é a “ vontade do agente de praticar o fato típico almejando o resultado, e, existindo entre ambos, o nexo causal” (TAVARES, 2010), e não havendo vontade do agente em praticar o fato típico, e sim mero aceite por parte do mesmo, não há que se falar em existência de elemento volitivo no dolo eventual. Entretanto, é certo dizer que o elemento cognitivo se faz presente, pois o agente sabe da possibilidade da ocorrência do evento danoso quando age ou deixa de agir, pois, se não soubesse, não haveria sequer a previsibilidade do agente da ocorrência do fato delituoso, pressuposto essencial da culpa consciente e do dolo eventual, e, sem a mesma, seria meramente culpa inconsciente.

O dolo eventual não deve, todavia, ser confundido com a mera esperança ou o desejo simples que determinado resultado ocorra, como no exemplo trazido por Bittencourt (2004, p. 263), do sujeito que manda seu adversário a um bosque, durante uma tempestade, na esperança de que seja atingido por um raio. É diferente, porém, do agente que não conhece com clareza as elementares do tipo penal e, com dúvida sobre a existência da mesma, age ou deixa de agir, aceitando a possibilidade da existência da dita elementar. Nesse caso, configurar-se-á o dolo eventual.

O nosso Código Penal equiparou os efeitos do dolo eventual e do dolo direto, nos termos da Exposição de Motivos do Código Penal de 1940, escrito por Ministro Francisco Campos, in verbis: “O dolo eventual é, assim, plenamente equiparado ao dolo direto. É inegável que arriscar-se conscientemente a produzir um evento vale tanto quanto querê-lo: ainda que sem interesse nele, o agente o ratifica ex ante, presta anuência ao seu advento”. (BITTENCOURT, 2004, p. 263). O mesmo peso dado ao dolo eventual é dado ao dolo direto pelo nosso Código Penal, tendo em vista que arriscar-se sabendo da possibilidade de ocorrência do resultado lesivo e aceitar a ocorrência do mesmo, tem, às vistas do legislador de 1940, pelos dizeres supra, a mesma validade daquele que agiu com a intenção pura e clara de ofender o bem jurídico penalmente tutelado alheio.

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Sobre o autor
Rodrigo Picon

Formado em Direito pelo Instituto Tancredo de Almeida Neves e pós-graduado em Direito Penal Econômico Aplicado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Rodrigo Picon é advogado, regularmente inscrito pela Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais, escritor e contista. Atua nas áreas criminal, empresarial, penal econômica, tributária, difusos e coletivos e de adequação à Lei Geral de Proteção de Dados. É autor dos livros "Direitos Difusos e Coletivos" e "Código Penal Comentado".

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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